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pa n o p r a m a n g a |

por sandra teschner

“Adoro as coisas simples. Elas são o último refúgio de um

espírito complexo” Oscar Wilde

“Você conhece alguém que não resiste à compra de pano de prato? Então me apresento, Sandra Teschner, sou essa pessoa e já vou dizendo: Meu lado dona de casa anda há muito em baixa”. Citação minha – é claro, no segundo ano de Profashional. Continuo o texto então contando minha simpatia particular por vendedores ambulantes do produto citado. Pra variar, vem agora um hyperlink que não

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resisto em fazer e vou repetir uma das historinhas com essa turma, que de fato me marcou. Vendedor de pano de prato já nasce mercadologicamente falando com um gap de foco enorme. Encontramos no trânsito, por exemplo, o biscoito de polvilho (na Bahia é “avoador”, provavelmente em alusão ao fato de ser aerado) e pipoca doce na hora perfeita, água e Coca gelada em dia de

calor, amendoim quentinho em dia frio, carregador de celular exatamente quando sua bateria acaba e você não tem um no carro, urubu que é pipa quando você está pensando em voar e dar uma de corvo! É incrível como os ambulantes têm um GPS, satélite (antes eu escreveria simplesmente radarzinho...) apurado e sabem fazer uso da informação em prol do negócio. Oferecem a bandeira do seu

Imagens: arquivo pessoal Sandra teschner

“A seda azul do papel que envolve a maçã”, um simples gesto que me faz viajar no “Trem das Cores”

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time, entendem tudo de contato visual e estão sempre ali com a coisa certa na hora certa. Lembro-me de um vendedor de tangerina (pokan) na avenida do Estado em Sampa que correu uma meia maratona após identificar pelo retrovisor do meu carro o olhar cheio de desejo de minha amiga profashional Dio Jaguarível, e só descansou ao chegar a tempo de ganhar medalha, ou seja, ao vender tudo o que pode carregar. Desde então, aconselho-a a olhar para o chão do carro se não quiser sair comprando tudo o que vê pela rua. Admirável! Já, meus amigos desovadores de pano de prato parecem pertencer a outro mundo. Estão invariavelmente nos lugares mais improváveis de realizar uma venda, como na porta de restaurantes chics, oferecendo uma dúzia de elementos inúteis para a turma de barriga cheia que não irá à pia lavar nada, ou estão no sinal errado na hora errada, ou seja, naqueles que só pensamos sedentos em ultrapassá-los. Foi assim que, saindo certa

Pipoqueira vintage. Presente de meu irmão Gabriel e para assistir ao “Buena Vista Social Club”

feita de um restaurante em Moema, aqui na capital paulista, já em fim de tarde, ouvi, por acaso, o monólogo de um vendedor de pano de prato (ele ia à minha frente) cujo conteúdo estava focado na desgraça que era vender algo que ninguém queria comprar (teve um lampejo de consciência), ele não tinha vendido um único exemplar durante todo o dia e não entendia por quê. Deu boas desculpas para a causa toda, seria provavelmente por ser novo no segmento, pois outra explicação não existiria, fato é que o moço estava incrédulo e arrasado com sua aposta. Passei pela frente dele a fim de ser abordada para a venda e nada, o desespero tinha tomado conta dele. Apesar de ser amante convicta de pano de prato, naquele momento, não havia espaço qualquer disponível em minha vida para eles, mas a coisa toda foi mais forte do que eu e “não me alcancei” (como provavelmente diria Clarice Lispector). Foi então que me virei e perguntei: “Moço! Não me diga que o

É incrível como os ambulantes têm um GPS, satélite (antes eu escreveria simplesmente radarzinho...) apurado e sabem fazer uso da informação em prol do negócio.

Um lindo “home sweet home” vindo de meu marido Mika apenas por ser um bolo branco (como eu gosto) e ter uma xícara de cobertura

senhor vende pano de prato? Estou precisando urgentemente deles.”. “Vendo!”, respondeu ele engrandecido e retomando a fé em Deus e nele mesmo. Então me mostrou, com um sorriso gigante nascido da mais profunda treva em que se encontrava, como eram de bom gosto, havia até alguns com sapatinhos bordados – definitivamente profashional! Batemos um papinho, o céu estava azul, o Sol querendo se pôr, se expunha numa luz que me lembrava o outono em Roma. Tinha algo diferente no ar e resolvi que também eu estava vivendo uma coincidência significativa. Comprei todo o lote, fiz aquele ser humano absurdamente feliz e abracei aquele símbolo de simplicidade que agora carregava em si uma história de vida. Distribuí para pessoas queridas, gerei novos adeptos dos paninhos ou da simply life, fiquei feliz. Para a psicologia junguiana, “Complexo” pode ser definido como o conjunto inconsciente de ideias e sentimentos, agrupados em torno de um núcleo emocional específico e com poder de manifestação autônoma em relação ao conjunto de desejos conscientes. E daí, logo fica claro o núcleo do significado; Complexo, não? Difíceis a alma w w w. p r o fa s h i o n a l . c o m

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representativa, o corpo expressivo, a mente barulhenta se contrapondo à supraconsciência (ou às suas milhões de nomenclaturas) em busca de um recanto de paz, de seu céu pós-vida, ou de sua nirvana por aqui mesmo. coleciono dedais, xícaras de cafezinho (ou “xicrinhas” como são carinhosamente chamadas lá na Bahia). por quê? meu espírito complexo diria que elas remetem aos momentos de alegria indizível da minha primeira infância com os carinhos e dengos de meus avós e em particular dela, da minha avozinha amada, dona conceição, que já soube dosar um cafezinho ao leite na minha mamadeira, e, costureira de mão cheia (inclusive de dedais), fez todos os vestidinhos da minha vida infantil, adolescente e não parou até hoje ao longo dos seus 95 aninhos e da parte deles que me cabem. de tudo que costurava para mim, guardou retalhos e, quando me tornei balzaquiana, ganhei dela uma linda colcha. patchwork de minha vida, recordação para se deitar e esparramar em cima dela. após fases de muita opulência na história da arte e da literatura, celebram-se retorno para

o polo de segurança e tranquilidade que o recanto seguro do Coleciono dedais, simples propõe. nos hotéis boutixícaras de cafezinho ques mais caros do planeta, há todo um esforço milionário para (...). Por quê? Meu se refletir simplicidade. Inserir para sugerir ausência. espírito complexo definir o que vem a ser simples diria que elas é algo, no mínimo, – complexo. Longe dos comportamentos dos remetem aos sábios espiritualizados orientais, momentos de alegria mais distante ainda de toda abominação do que é figurado indizível da minha em forma de material, social ou primeira infância com psicológico, a simplicidade a me reporto carrega consigo os carinhos e dengos quem extravagância – ausente de artifícios, mas extravagante sim. o de meus avós. overall das emoções mais genuínas, o dedal que pertenceu à tia mais querida de um sobrinho que, não encontrando representação em sua vida para ele – me deu. aquele detalhe que estava ali adornando ou cumprindo sua função de objeto, mas que foi um companheiro por definição – estático, mas teve sua responsabilidade perante uma causa, uma história. gosto de coisas que ganham vida, gosto de maçã cheirosa com seda azul envolvendo-a, “aquela num tom de azul quase inexistente azul que não há, azul que é pura memória de algum lugar”, cantou o baiano caetano em “trem das cores”. gosto de Saleiro e pimenteiro Ritzenhoff, doce de leite feito com pouco

imagens: arquivo pessoal sandra teschner

Dedais “Disseram que eu voltei americanizada...”

uma marca alemã que adoro

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Pá de bolo superfashion que ganhei da minha super Flux

Dedal ou chapéu ? Eis a questão

idos, s Estados Un maier do direto do Bucken Presente vin amiga Susi da eis áv ion mimos colec

açúcar e ligeiramente queimado. gosto de bolo solado de propósito, fofinho por acaso. e a moda? adoro em qualquer tempo oncinha, sapatos, bolsas, balangandãs. La vie en rose! minimalismo? no, darling thanks! tenho horror a estereótipos, disse que gosto de coisas simples, não disse que gosto de coisas mínimas. adoro muitas coisas bem opulentas, why not? adoro o luxo das coisas com alta qualidade, ou exclusivas, as peças limitadas, então? deleite total. adoro coisas simplesmente belas a meus olhos, gostosas à minha pele ou aquelas que falam comigo e eu ouço o

s, latinhas, or”. Xícaras, saleiro O “cantinho do sab uma de , ros out re ent bolo... açúcares, pá de eções minhas muitas col Saleiro e pimenteiro que são lindos de sapatear

seu chamado e pronto. não vou estereotipar quem sou! gosto dos camarotes com ar condicionado e petiscos finos do carnaval baiano, mas amo a rua com sua ginga, os blocos com a alegria contagiante. rock ou samba? canto gregoriano ou lounge? nem mesmo tenho de optar, ou isso ou aquilo? Às vezes, fico com os dois, três, quatro e os números são sucessivos. ademais, já disse nelson rodrigues que toda unanimidade é burra e, se não tivesse dito, guardaria a mim o direito de gostar do que me faz bem. paradoxos, antíteses ou o que vier. eu sou, sei quem sou e vivo disso.

Vendedor de pano de prato já nasce mercadologicamente falando com um gap de foco enorme.

o Limite é sempre o valor acima do tudo palpável. paixão das paixões? amor incondicional? tenho. por gente! sem você não tenho com quem dividir, com quem rir. para quem mostrar o quanto estou arrepiada com o conto de um dedalzinho ou com aquele poema ou aquela música que, se não foi feita para mim, foi porque o autor não sabe que me conhece. com quem gargalhar? como decifrar da alegria de conhecer o Kai, dani, nini e trocar todas essas experiências com eles. como materializar o prazer de viver num mundo que acredito e que dei a ele um nome, profashional? sabe no que tenho fé? no deus da vida. Frugalidade ou fantasia estética, a felicidade é o conjunto de momentos plenos, não é uma parte inteira, é parte de um algo maior e meu filho cantaria renato russo: Quem acredita sempre alcança!

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