Revista Polifonias Museais

Page 1

01. Da tessitura da pesquisa à expografia, itinerários e reflexões

02. Museus escolares,

museus na escola: coisas e processos para educar

03. Museu dos Capuchinhos:

Museologização do cotidiano e curadoria

04. Jardins como espaços museológicos:

Mai - Nov, 2021, Vol. 01, n° 01.

Para olhar Jardim Botânico de Caxias do Sul/RS


02 | Polifonias Museais

com imensa alegria que a Diretoria de Museus Municipais de Caxias do Sul apresenta a primeira edição da revista Polifonias Museais, uma publicação que, como o próprio nome sugere, deseja ser plural, diversificada e polifônica.

É

Potentes, os Museus são espaços que manifestam o intenso desejo de lembrar e comunicar. Logo, eles também educam, produzem sentidos, imaginações, afetos, silenciamentos… Percebê-los em um sentido tão amplo, faz com que lhe lancemos múltiplos olhares, diferentes, sensíveis, mas conectados emocionalmente com o movimento e a efervescência da vida que ali pode ser representada ou problematizada sem desconsiderar o próprio tempo presente. A revista Polifonias Museais, valendo-se de tais caminhos, é um convite para que percebamos a intensidade existente em tais espaços, o próprio poder das memórias e historicidades ali percebidas. Mas não só…


Polifonias Museais | 03

Em tal perspectiva, manifestações artísticas, eventos culturais, edificações, bens chancelados como patrimônios culturais ou naturais, acervos, monumentos, praças, bairros ou o próprio fluxo humano percebido nas ruas ganhariam outros papéis sociais pautados nas mais variadas memórias, identidades e identificações percebidas ao longo da cidade. Assim, a revista Polifonias Museais voltar-se-á tanto para as mais variadas temáticas que compõem o campo museal, identificado, em especial, pela abundância de entendimentos e possibilidades, quanto para qualquer espaço que conecte vidas e existências, sejam elas pretéritas ou contemporâneas. A facilidade comunicacional dos meios digitais facilita a troca de informações, experiências e possibilidades de modo a ampliar os mais diversos horizontes. Como é sabido, vivemos tempos difíceis, onde a solidariedade e as relações de troca fazem-se cada vez mais importantes e necessárias.

Assim, desenvolver uma revista voltada para um campo tão fértil como é o museal demanda uma grande responsabilidade. Em tal contexto, o primeiro número de Polifonias Museais apresenta importantes e generosas contribuições concebidas por destacados pesquisadores brasileiros. Agradecemos a todos que contribuíram para que esta primeira edição se concretizasse. Desejamos uma excelente leitura!

Dr. Itamar Ferretto Comarú

Editor


04 | Polifonias Museais Prefeito Adiló Didomenico Vice-prefeita Paula Ioris Secretária Municipal da Cultura Aline Zilli Diretoria de Museus Municipais de Caxias do Sul Diretor de Museus Municipais Itamar Ferretto Comarú Equipe: Angelita Freitas Soares - Biblioteca e Arquivo. Rosana Peccini - Reserva Técnica. Roberto Francisco Terribele - Museu Ambiência Casa de Pedra. Rosana Peccini - Museu da FEB. Samira Jorge Chedid - Setor Administrativo. Vitor Hugo Teixeira Paixão - Monumento Nacional ao Imigrante. Estagiários: Emirian Flores dos Santos - Graduanda em Turismo Felipe Piamolini Alves - Graduando em Marketing Gabriel Macedo da Silva - Graduando em História Gabriele C. C. Patzlaff - Graduanda em História Guilherme Dalmoro - Graduando em História Guilherme Silva Sorgetz - Graduando em História Isabella Peruzzolo Bizzi - Graduanda em História Marcos Martins Antunes - Graduando em Filosofia Paola Morgan Riva - Graduanda em Fotografia Vinicius Ecker Pozzebon - Graduando em Filosofia Volmir Lindholz dos Santos - Graduando em Filosofia Equipe da Revista Polifonias Museais: Capa: Guilherme Silva Sorgetz Projeto Gráfico e Editoração: Paola Morgan Riva Imagem da Capa: Guilherme Silva Sorgetz Revisão: dos Autores e editoração. Editor: Dr. Itamar Ferretto Comarú


Polifonias Museais | 05

6

Da tessitura da pesquisa à expografia, itinerários e reflexões

Deise Formolo - Terciane Ângela Luchese

12

Museus escolares, museus na escola: coisas e processos para educar Zita Possamai

18

Museu dos Capuchinhos: Museologização do cotidiano e curadoria Felipe Zaltron de Sá - Susana Gastal

27

Jardins como espaços museológicos: Para olhar Jardim Botânico de Caxias do Sul/RS Susana Gastal - Felipe Zaltron de Sá


06 | Polifonias Museais

Da tessitura da pesquisa à expografia, itinerários e reflexões

O historiador instigado pelo tempo que vive, mira o passado, o questiona, o problematiza, elabora problemas de pesquisa que se assentam no hoje, mas busca no ontem a possibilidade de compreender, com alguma profundidade, os tempos pretéritos. O historiador elege documentos, escrutina, analisa, compara, verifica, tensiona e debruçado sobre o corpus documental construído, embasado teoricamente, narra e constrói uma história. Deste fazer, múltiplas narrativas emergem, provisórias, parciais, mas verossímeis e plausíveis como afirmou Pesavento (2003).

Para muitos historiadores e intelectuais o resultado de suas pesquisas está concluído quando se finda a escrita sob forma de artigos, livros ou outro suporte. No entanto, o principal é a divulgação e a popularização do conhecimento produzido. Como Duby (1994) declarou há tempos para os historiadores,

Deise Formolo¹ Terciane Ângela Luchese²

o nosso dever é colocar os resultados do nosso trabalho ao alcance de um auditório o mais vasto possível. Penso que devemos dirigir-nos a um público maior do que nossos anfiteatros. É absolutamente necessário que o historiador colabore na tarefa essencial que consiste em manter vivo na nossa sociedade o espírito crítico. (DUBY, 1994, p. 20 - 21) [grifos nossos].

Os modos pelos quais os pesquisadores podem traduzir seus resultados de pesquisa para públicos mais amplos são diversos. Por meio de textos jornalísticos, que se veicule nas redes sociais, em vídeos ou mesmo em outras mídias e suportes. Mas uma das formas significativas de fazê-lo é traduzir, recriar e produzir novos sentidos para os resultados investigativos por meio de uma expografia que convide os que a visitem a conhecer, a aprender e a refletir entre o passado e o presente. Desse modo, o resultado da pesquisa conduzida por Luchese (2015) inspirou a equipe do Museu do Imigrante³ para a programação da 12ª Primavera dos Museus,

¹ Coordenadora da Segunda Região Museológica do Rio Grande do Sul SEM/RS. Museóloga no Museu do Imigrante BG/RS. Mestra em História pela PUCRS. Bacharela em Museologia pela UFRGS. ² Graduada em História pela UCS, mestre em História pela PUCRS, doutora em Educação pela UNISINOS e pósdoutorado em História da Educação pela Università degli Studi del Molise, UNIMOL, Itália e Universita Degli Studi Di Macerata, U.D.S.M., Itália. É professora da Universidade de Caxias do Sul, onde atua na graduação e nos Programas de Pós-Graduação em História e no de PósGraduação em Educação - Curso de Mestrado e Doutorado, e pesquisadora PQ do CNPq e pesquisador gaúcho FAPERGS.


Polifonias Museais | 07

³ Equipe curatorial: Deise Formolo (museóloga), Angela Marini (assistente de atividades culturais e historiadora) e Flávio Siqueira (jornalista). Textos curatorial: trechos da tese “O processo escolar entre imigrantes da Região Colonial Italiana do RS – 1875 a 1930” de Terciane Ângela Luchese. ⁴ O título da exposição foi inspirado na chamada de uma matéria publicada no periódico Corriere d’Itália.

cujo tema era “Celebrando a Educação em Museus” e resultou na exposição “Istruzione e Educazione⁴”. A visitação pública aconteceu no período de 21 de agosto a 29 de setembro de 2018. O objetivo da exibição foi apresentar traços, materialidades e algumas evidências da história da educação em Bento Gonçalves.

Inúmeros abaixo-assinados e mesmo solicitações ao poder público sinalizam para a importância da escola elementar. No processo educacional de Bento Gonçalves o poder público municipal marcou e empreendeu alguns esforços para nomear professores e atender às demandas de escolarização.

A expografia destacou três tipologias de organização escolar: as escolas étnicocomunitárias, também denominadas escolas italianas, as escolas confessionais e as escolas públicas. Considerando as proposições de Cury (2005) para quem o espaço expositivo é entendido como um dos principais canais de comunicação dos museus e diálogo com seus públicos, o principal eixo de problematização da mostra concentrou-se na forma de organizar os espaços escolares. A singularidade da escolarização na região que contou, desde os primeiros anos, com a intensa reivindicação e participação comunitária que pressionando o poder público, fazia valer seu desejo por escolas para aprender a ler, a escrever, a contar e, claro, para muitos, também a rezar. A construção dos prédios, a fabricação de carteiras e móveis simples, a doação de terreno são alguns exemplos de como muitas comunidades, em mutirão, participaram para promover a escolarização entre fins do século XIX e início do século XX.

Na organização da exposição e tomando em consideração os resultados da pesquisa, foi apresentado e se discutiu com os públicos visitantes, as percepções sobre a importância, as necessidades e os desafios de um ensino público de qualidade na contemporaneidade. Outro ponto abordado nas mediações, relacionou-se ao papel de professores e professoras naquele contexto de tempo e espaço, questionando e refletindo sobre permanências e transformações para o tempo presente. Na mesma via, buscou-se questionar alguns estereótipos no que diz respeito aos imigrantes e sua precária relação com a escolarização, instigando o questionamento desse pensamento por meio da materialidade e da mobilização comunitária em torno da construção de espaços e iniciativas escolares. A mediação, pensada como parte dos processos e práticas culturais, não continha uma rota estabelecida, os núcleos eram apresentados e a visita aconteciam espontaneamente,


08 | Polifonias Museais pelo interesse do visitante. Ao fazer aceder ao público materialidades, textos e documentos, a exposição fazia aceder ao público significações, narrava a partilhava sentidos do processo histórico escolar.

Ao entrar na sala de exposições temporárias, o visitante encontrava um texto curatorial inicial, apresentando aspectos gerais da exposição. Em seguida, foi montada uma ambientação de um espaço escolar mesclado com objetos históricos e não históricos, com os primeiros referenciados por legendas. Colocouse um quadro verde amparado por um cavalete, uma mesa e cadeira, ao lado um jarro e uma caneca esmaltada, seguidas por duas classes escolares antigas, as últimas, datadas da segunda metade do século XX e uma camiseta do Colégio Aparecida⁵.

Irmãos Maristas; classes com lugares para 4 crianças, espécie de banco. Local: Colégio Santo Antônio/Garibaldi. Época: 1920.

Esse ambiente, vinha embasado por texto que descrevia a organização dos espaços escolares. Em seguida, o visitante encontrava um painel com fotografias históricas contendo registros internos dos espaços escolares. Após, visualizava-se um expositor contendo uma lousa de ardósia – objeto muito representativo da cultura escolar e que fazia ligação com o próximo painel, conformado por um texto sobre as escolas étnico-comunitárias ou italianas. Ao lado, outro painel com fotografias históricas de diferentes construções escolares. Em frente, inseriu-se um painel com a planta e o desenho arquitetônico originais da Sociedade Artística de Mútuo Socorro Regina Margherita, sede da mais importante escola italiana de Bento Gonçalves. No último núcleo, contendo dois textos sobre as Escolas Polonesas, inseriram-se três expositores, contendo cadernos, cadernetas e livros didáticos antigos⁶, seguidos de um painel com fotografias relacionadas às escolas polonesas, no mesmo núcleo, ao fundo, colocaram-se mais duas classes escolares, também datadas da segunda metade do século XX. Por fim, o visitante encontrava um texto sobre as escolas confessionais seguidos de fotografias representativas desses espaços em Bento Gonçalves. Nas imagens a seguir, pode-se ter uma ideia desse ambiente descrito⁷.

⁵ Peça emprestada ao Museu do Imigrante pelo colecionador Ademir Gugel para realização da exposição. ⁶ Documentos emprestados ao Museu do Imigrante pelo colecionador Ademir Gugel para a realização da exposição. ⁷ Pelos relatórios de público, estima-se que em torno de 1300 pessoas circularam pela exposição.


Polifonias Museais | 09 Na perspectiva da função social do museu enquanto espaço complexo e múltiplo para troca e construção de saberes, local para mediação de conhecimentos, cultura e história, a produção de experiências sensíveis, a potência na constituição e fortalecimento de memórias são pontos significativos a considerar. Na experiência museal, mediados pelo ambiente próprio do Museu do Imigrante e com a narrativa proposta pela exposição Istruzione e Educazione, um público médio de 1300 pessoas puderam, na urdidura polifônica da expografia, conhecer matizes da história da instituição escolar na região. Na figura 2, a diversidade de públicos que circulou pela exposição.

Figura 1 - Mediação para os terceiros anos do Colégio La Salle de Canoas, agosto de 2018. Fonte: acervo do Museu do Imigrante, Bento Gonçalves.

Primeira construção da Escola Municipal de 1º Grau Incompleto General Rondon (lote nº21). Local: Barracão.

Figura 2 – Visita mediada para um grupo de turistas, agosto de 2018.


10 | Polifonias Museais Um elemento expográfico presente na ambiência do entorno da sala foi o alfabeto disposto em forma de varal, em alusão à prática comum de professores ainda nos dias correntes. Nas figuras a seguir se pode apreciar um pouco mais da disposição dos espaços e constituição da exposição.

Figura 3 – Sala expositiva Museu do Imigrante – Exposição Istruzione e Educazione, agosto 2018.

Na elaboração da expografia a equipe do Museu do Imigrante fez a opção por destacar, no processo histórico das escolas, um ponto central: os espaços. No calidoscópio das possibilidades para dar a ver a história da escola em diálogo com a pesquisa de Luchese (2015) o foco recaiu em torno dos espaços de ensino da região que foram diversos e marcaram a luta de gerações pelo direito à educação escolar. Outro ponto de ancoragem dos expositores foi o desejo de construir um diálogo horizontal para as mediações, em que a construção coletiva de questões, diálogos, trocas e possibilidades interpretativas fossem viabilizadas.

Na relação entre a pesquisa científica desenvolvida pela historiadora e a elaboração, montagem e mediação da exposição Istruzione e Educazione estiveram presentes a compreensão de que o espaço museal é um local privilegiado na disseminação de saberes e narrativas históricas.


Polifonias Museais | 11 Colabora para a construção de memórias sensíveis, para processos de identidade cultural, potencializa o exercício de cidadania e como tal, é um espaço político. Destarte, as escolhas curatoriais remetem ao recorte que se relaciona à política institucional, no qual a função social intentar adquirir espaço dentro dos eixos da gestão museal. De outro lado, qual o sentido de longas e aprofundadas pesquisas históricas realizadas no interior de nossas universidades se o diálogo mais próximo com a população não for realizado? Como propôs Albuquerque Júnior (2007, p. 87) “a História, em nosso tempo, não pode ser discurso de construção, mas de desconstrução, discurso voltado para compreender o fragmentário que somos, as diferenças que nos constituem, o dessemelhante que nos habita” e, no entanto, também de modo diverso, a humanidade que compartilhamos, nas camadas do tempo, do ontem e do hoje.

Figura 4 – Sala expositiva Museu do Imigrante – Exposição Istruzione e Educazione, agosto 2018. Fonte: acervo do Museu do Imigrante.

REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE JÚNIOR. Durval Muniz de. História. A arte de inventar o passado. Bauru, SP: EDUSC, 2007. CURY, Marília Xavier. Comunicação e pesquisa de recepção: uma perspectiva teórico-metodológica para os museus. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. V.12, 2005. p. 365-380. PESAVENTO, Sandra J. História & História Cultural. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2003. LUCHESE, Terciane Â. O processo escolar entre imigrantes no Rio Grande do Sul. Caxias do Sul: EDUCS, 2015.


12 | Polifonias Museais

Museus escolares, museus na escola: coisas e processos para educar

Zita Possamai⁸

Fotografias, classes, quadros verdes, globos terrestres, cadernos de professores e de estudantes, livros didáticos, ábacos, uniformes. Esses são alguns dos artefatos que compõem os acervos dos diversos museus ou memoriais de instituições escolares do Brasil e do mundo. Algumas escolas apenas recentemente vêm organizando esses espaços para contar a história da educação vivida naquele lugar; outras mantem esses espaços há muitas décadas. Os museus escolares, nesse sentido, têm uma história interessante a ser conhecida e que pode estimular novas iniciativas no presente.

A expressão polissêmica museus escolares remonta ao século XIX e denominava as coleções de quadros parietais produzidas para serem expostas nas paredes das salas de aula. Algumas imagens fotográficas (imagem 1) nos permitem, hoje, visualizar o ambiente escolar de outros tempos com esses quadros coloridos expostos e que serviam como recurso didático ao ensino das ciências naturais, do corpo humano, da geografia, entre outros saberes.


Polifonias Museais | 13

Esses materiais foram produzidos no âmbito do método intuitivo (VALDEMARIN, 2017), segundo o qual o aluno aprendia melhor pelo estímulo dos sentidos, principalmente a visão. O livro, os textos e a memorização das lições eram substituídos pelas imagens e pelo contato com o concreto. Entrava em cena a Lição de coisas, para a qual era necessária uma série de imagens e de objetos, além dos conhecimentos teóricos, para aplicação da grande novidade metodológica. Empresas europeias, tais como a francesa Maison Deyrolle, a italiana Paravia e a alemã Hagemann, rapidamente vislumbraram esse mercado educacional e passaram a fabricar essas coleções e mostrá-las nas grandes exposições universais, concebidas como grandes festas didáticas (KUHLMANN, 2001) e espetáculos onde eram expostas as últimas invenções da era moderna (PESAVENTO, 1997). Nesse espaço de congraçamento dos novecentos, onde os impérios coloniais mostravam seus domínios, circulavam as grandes novidades das nações, principalmente no âmbito da indústria e da tecnologia. Como não poderia deixar de ser, as novidades educacionais aí também circulavam: ideias, materiais pedagógicos, métodos eram mostrados ou apresentados em conferências de educadores (DITTRICH, 2013).

No decorrer do século XIX e início do século XX, no contexto de implantação dos sistemas públicos de instrução primária, os governos dos países se constituíram nos principais compradores desses materiais industrializados, Imagem 1. Sala de aula do primário no Colégio Anchieta, Porto Alegre, em 1964. Nota-se nas paredes os quadros murais da empresa Hagemann e abaixo os quadros da Maison Deyrolle menores. Fonte: Arquivo Histórico do Museu Anchieta de Ciências Naturais.


14 | Polifonias Museais

ao mesmo tempo em que suas legislações nacionais ou regionais tornavam obrigatório o ensino de Lição de Coisas na sala de aula, como ocorreu no Brasil. Desse modo, as escolas e suas mantenedoras necessitavam seguir essas normas e preparar-se para bem aplicar essas lições. Por isso, que alguns remanescentes desses quadros parietais (imagem 2) podem, ainda, ser encontrados em escolas centenárias do Rio Grande do Sul, a exemplo do Colégio Anchieta, em Porto Alegre.

ambos localizados em Porto Alegre, são exemplos desses espaços criados especialmente para o ensino e para a pesquisa científica e que, ainda nos dias de hoje, mantem suas portas abertas e sua função de preservação de espécimes da fauna e da flora, além de serem importantes recursos pedagógicos para o ensino das ciências (WITT; POSSAMAI, 2016).

Mas os museus escolares também adquiriram outros formatos (PETRY; SILVA, 2013) e foram criados de modo engenhoso por mestres e estudantes. Podiam ser caixas com amostras; armários envidraçados colocados na sala de aula ou nos corredores da escola ou, até mesmo, uma sala destinada especialmente para abrigar recursos para o ensino das ciências naturais: pedras, animais taxidermizados, globos, quadros parietais, entre outros objetos compunham esses museus escolares, presentes nas escolas brasileiras entre final do século XIX e primeiras décadas do século XX (imagem 4). O Museu do Colégio Anchieta (imagem 3) e o Museu do Colégio Americano, Imagem 2. Quadro XIX. Insetos I – Borboletas e besouros. Série A fauna brasileira da Cia. De Melhoramentos de São Paulo, c. 1920. Fonte: Arquivo Histórico do Museu Anchieta de Ciências Naturais.


Polifonias Museais | 15 Imagem 3. Laboratório (Sala/museu) de História Natural. Fonte: Relatório Inst. São José/Canoas-RS, in PAZ (2015).

⁸ Graduada, mestre e doutora em História pela UFRGS, com pós-doutoramento na Universidade Paris 3 Sorbonne Nouvelle. Professora do curso de graduação em Museologia, do programa de Pós Graduação em Museologia e Patrimônio e do Programa de Pós Graduação em Educação, todos na UFRGS. Pesquisadora do CNPq e líder do GEMMUS-Grupo de Estudos em Memória, Museus e Patrimônio. E-mail: zitapossamai@gmail. com

Em contextos diversos, a partir da segunda metade do século XX, muitas instituições passaram a criar uma segunda tipologia de museu na escola, desta vez com caraterísticas diferenciadas daqueles primeiros museus cujo objetivo era o ensino das ciências. Essa segunda tipologia estava voltada para a preocupação com as memórias e os vestígios do passado da escola e foi conformado com as nuances de um museu de história.

Nesses museus, também denominados por memoriais, estão preservados mobiliário, uniformes, cadernos, livros, mapas, imagens, fotografias e diversos outros artefatos que compõem o passado da instituição escolar e representam as práticas vividas naquele espaço em diferentes tempos. Alguns desses museus tiveram vida efêmera; outros permanecem com seus acervos fechados e sem acesso do público; outros, porém, foram reconfigurados e permanecem com suas portas abertas, a exemplo do Museu do Colégio Júlio de Castilhos, o Memorial do Colégio Farroupilha, o Memorial do Colégio Dom Bosco, Museu Bispo Isaac Aço do Colégio Americano, todos localizados na capital, entre outros.


16 | Polifonias Museais Imagem 4. Museu de História Natural do Colégio Anchieta, 2017.

com a função não apenas de conservação dos traços pretéritos da vida escolar, mas de valorização das memórias e das histórias vividas e que constituem todas as pessoas envolvidas. É exemplo dessa iniciativa o Memorial da Escola Estadual Alim Pedro, localizado também em Porto Alegre.

É importante notar que nos últimos anos, a comunidade escolar composta por professores, professoras e estudantes, funcionários e funcionárias, com apoio da direção das escolas tem tornado a implantação de um museu ou memorial na escola, um processo dinâmico de sensibilização para a importância da memória escolar e do patrimônio educativo. Desse modo, os materiais, imagens e registros escritos vão sendo reunidos e, aos poucos, configuram um espaço museal na escola, da escola e do bairro onde está localizada,

Para complementar o que abarca a tipologia de museus de educação, ainda, seria necessário mencionar os denominados museus pedagógicos, cujo boom de implantação em dezenas de países ocorreu na segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX. Muitos desses museus de caráter nacional e com o objetivo principal de se constituir como um centro de documentação da educação e de formação do professorado tiveram vida efêmera, a exemplo do Pedagogium brasileiro (18901919) (BASTOS, 2002; POSSAMAI, 2019); outros, porém, foram reconfigurados e seguem abertos prestando um serviço importante para a história da educação, a exemplo do Museu Nacional de Educação da França, entre outros (POSSAMAI, 2015, 2019).


Polifonias Museais | 17 Nos séculos XX e XXI, observa-se um reflorescimento desses museus, denominados em várias partes do mundo como museus escolares, museus pedagógicos ou memoriais e localizados em instituições educativas como escolas, órgãos públicos, faculdades e universidades. Nesse movimento atual, prepondera a preocupação com os traços materiais, visuais e escritos, com as memórias do passado escolar e com o denominado patrimônio educativo de modo mais amplo.

Nesse sentido, todos esses espaços aqui tratados apresentam vários aspectos que merecem consideração. Em primeiro lugar, através deles é possível preservar, pesquisar e expor os documentos com os quais seria impossível construir uma história da educação. Em segundo lugar, na escola ou na universidade, podem ser importantes meios de seduzir educandos e educandas para o ensino em diferentes disciplinas. Em terceiro e último lugar, como processo, esses museus podem se constituir em meio de cativar e comprometer as pessoas envolvidas com sua própria memória e com sua história.

REFERÊNCIAS BASTOS, Maria Helena Câmara. Pro Patria Laboremus: Joaquim José de Menezes Vieira (1848-1897). Bragança Paulista: EDUSF, 2002. DITTRICH, Klaus. As exposições mundiais como meios para a circulação transnacional de conhecimentos sobre o ensino primário durante a segunda metade do século. História da Educação. Porto Alegre: ASPHE, vol. 17, n. 41, p. 213-234, 2013. KUHLMANN JÚNIOR, Moysés. As grandes festas didáticas: a educação brasileira e as exposições internacionais (1862-1922). Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2001. PAZ, Felipe R. Contri. Cultura visual e museus escolares: representações raciais no museu Lassalista (Canoas, RS, 1925-1945). Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. 2015. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições universais: espetáculos da modernidade do século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997. PETRY, Marilia Gabriela; SILVA, Vera Lucia Gaspar da. Museu escolar: sentidos, propostas e projetos para a escola primária (séculos 19 e 20). História da Educação. Porto Alegre: ASPHE, v. 17, n. 41, p. 79-101, 2013. POSSAMAI, Z. R.; WITT, N. B. Ensino e Memória: os museus em espaço escolar. Cadernos do CEOM, Chapecó: UNOCHAPECÓ, v.29, n.44, P. 7-15, 2016. POSSAMAI, Zita Rosane. Exposição, coleção, museu escolar: ideias preliminares de um museu imaginado. Educar em Revista,. Curitiba : UFPR, n. 58, p.103-119, 2015. VALDEMARIN, Vera Teresa. O Método Intuitivo: os Sentidos como Janelas e Portas que se Abrem para um mundo Interpretado. In: SAVIANI, Dermeval et al. O Legado educacional do século XIX. Campinas, SP: Autores Associados. 2017. WITT, Nara Beatriz; POSSAMAI, Zita Rosane. Ensino e Memória: os museus em espaço escolar. Acervos para História da Educação, v.29, n.44. 2016. <Disponível em: http://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rcc/issue/view/186 (Acessado no dia 02/04/2020)>


18 | Polifonias Museais

Museu dos Capuchinhos: Museologização do cotidiano e curadoria

O Museu dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul [MusCap] é efetivamente instalado em Caxias do Sul/RS, em 6 de dezembro de 2000, e aberto ao público com o objetivo de preservar e divulgar o carisma e a memória dos freis Capuchinhos do Rio Grande do Sul (LE MUSÉE, 2015). Mesmo que sua história seja anterior ao ano de abertura, no sentido de organização, concepção e aceitação pela própria Ordem religiosa, no primeiro ano do século atual ele passa a atuar no resgate e na preservação da memória dos Freis Capuchinhos no Rio Grande do Sul.

Com esse aporte museológico, o MusCap, serve primariamente como depositário da memória da Ordem religiosa, por meio dos objetos que os Freis reuniram ao longo de suas vidas, na denominada Mala de Viagem. Tratam-se de objetos que narram não só histórias individuais, mas que, reunidos, demarcam e preservam ao mesmo tempo, a história da Ordem Capuchinha no Estado,

Felipe Zaltron de Sá⁹ Susana Gastal 10

que é [re]interpretada em exposições temporárias nas salas do prédio da Rua General Mallet, nº 33, e nas páginas da Revista LeMusée, publicada anualmente desde 2015.

Em sua estrutura, o MusCap possui área de 1.287,30m² distribuída em quatro pavimentos: térreo ou 1º pavimento, acesso principal, feito por escadaria interna, pela rua General Mallet, junto à fachada sul; 2º pavimento: circulações, sanitários, recepção, sala da coordenação, sala de exposições, secretaria, cozinha, arquivo fotográfico, arquivo documental, laboratório de restauro e ateliê de restauro; 3º pavimento: circulações, sanitários, reserva técnica, biblioteca especializada, biblioteca de obras raras e registro de acervos; sótão ou quarto pavimento: reserva técnica (LE MUSÉE, 2015).

⁹ Bacharel, mestre e doutorando em Turismo pela Universidade de Caxias do Sul/RS. 10 Graduada em Comunicação Social pela PUCRS, mestre em Artes Visuais pela UFRGS, doutora em Comunicação Social pela PUCRS, com pós-doutoramento na Universidade Católica Portuguesa - UCP/Porto, Portugal. É professora na Universidade de Caxias do Sul, no Programa de PósGraduação em Turismo e Hospitalidade (Mestrado e Doutorado). Atua na área de Turismo e na área cultural como editor, curador e produtor. Tem diversos livros publicados, além de artigos em revistas acadêmicas. Foi eleita, em 2013, como Destaque em Pesquisa - ANPTUR e vencedora do Prêmio Nacional do Turismo 2019 – Profissionais de Destaque no Turismo – na categoria Academia, promovido pelo Ministério do Turismo.


Polifonias Museais | 19 O incentivo a composição do acervo museal parte do Concílio do Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, que trouxe novas diretrizes em relação à liturgia da missa, à construção e decoração de igrejas e capelas, entre outras determinações, que objetivavam que os ritos sagrados da Igreja Católica fossem celebrados de maneiras mais simples e acessíveis a um maior número de pessoas. Em decorrência, o período pós-conciliar foi marcado por muitos casos de depredação da arte sacra presente nas igrejas, que, quando não se desfez das mesmas, relegou à sótãos e sacristias altares, retábulos, imagens, objetos litúrgicos e alfaias (LE MUSÉE, 2015). Após 15 anos dessas devastadoras mudanças involuntariamente decorrentes do Concílio Vaticano II, o acervo do MusCap começou a ser formado. Arlindo Itacir Battistel, Agemir Bavaresco, Wilson Dallagnol e Celso Bordignon, então estudantes de teologia, entusiasmados pela convivência com Frei Rovílio Costa, grande pesquisador da história da Ordem, iniciaram a coleta dos acervos da Província, jogados em porões, sótãos, sacristias e bibliotecas desativadas, principalmente após a onda de reformas e revitalizações dos espaços sacros (LE MUSÉE, 2015).

No dia 30 de abril de 1980, o então Ministro Provincial, Carlos Albino Zagonel, enviou correspondência aos confrades da Província comunicando o início das atividades do Museu e convidando a todos para colaborarem na coleta dos acervos das Fraternidades. É nesse contexto que nasce o MusCap, enquanto instituição responsável pela preservação da memória dos Freis Capuchinhos do Rio Grande do Sul.

Constituído o acervo, a vida dos Freis passa a estar presente, principalmente em exposições que reúnem seus objetos trazidos de suas viagens. Os Capuchinhos são parte da Ordem Franciscana, que em sua vida religiosa realizam votos de pobreza, obediência e de serem peregrinos. Como parte de suas vidas, portanto, as viagens são constantes, assim como o ascetismo de suas posses, que devem se restringir ao que cabe em uma única mala. Aos objetos dos religiosos, assim, estão agregadas suas viagens, percorrendo o mundo ou mesmo as proximidades, os quais adquirem novos significados ao serem incorporadas em exposição.


20 | Polifonias Museais Antes de prosseguir, propomos uma breve reflexão, para aprofundar a proposta do MusCap.

MUSEU: A CURADORIA DA VIDA PRIVADA

No momento contemporâneo, a aproximação teórica ao conceito <Museu> traz complexidades, numa discussão que extrapola a ciência Museologia, para englobar outras e diversas áreas do conhecimento e mesmo a sociedade. Da Arquitetura ao Design, passando pelas associações de amigos que atuam como mantenedoras de muitos deles, e chegando vorazmente ao Turismo, os Museus têm apresentado polissemia, entrelaçamentos e diálogos em termos de acervo, pesquisa e curadorias de exposições, que os transformam em lugares complexos. A pandemia COVID-19, por sua vez, deu maior ênfase a problemas históricos, entre outros mostrando que as expressões e relações culturais, quanto a sua sustentação financeira e tecnológica, necessitam de suportes que levem a novos olhares sobre os objetos e os sujeitos.

Nesse contexto, o Conselho Internacional dos Museus (ICOM, 2019) atualiza a conceituação, apresentando os Museus, como:

[...] espaços democratizantes, inclusivos e polifônicos, orientados para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros. Reconhecendo e lidando com os conflitos e desafios do presente, detêm, em nome da sociedade, a custódia de artefatos e espécimes, por ela preservam memórias diversas para as gerações futuras, garantindo a igualdade de direitos e de acesso ao patrimônio a todas as pessoas.

Reconhece-se neste olhar, duas relações importantes para análise: [a] o espaçotempo reformulado para abranger diferentes vivências e relações na contemporaneidade, presentificadas sob objetos visuais; e [b] a estrutura, tanto museológica, quanto da memória, que são revistas pela subjetividade dos novos sujeitos que se inserem nos Museus.

Numa concepção tradicional, caberia ao Museu colecionar, “salvar e preservar dos estragos da modernização” (HUYSSEN, 1997, p. 225) objetos e fenômenos, criando um passado [re]construído à luz do presente.


Polifonias Museais | 21 O que não implica que os Museus não fossem, historicamente, espaços de reflexão sobre a temporalidade, subjetividade, identidade e alteridade, pois seriam eles que teriam permitido “[...] aos modernos negociar e articular uma relação com o passado, o que significa uma relação com o transitório e com a morte, incluída a nossa própria.” (HUYSSEN, 1997, p. 226). Com isso, se tornavam espaços de negociação de memórias, característica ainda demandada pelas comunidades, mas hoje em parte apagada nos espaços urbanos, onde a espetacularização e a comercialização do passado se destacam (GASTAL; BEBER; ROCHA, 2017).

No momento contemporâneo, a tecnologia condiciona uma nova sensibilidade temporal, que aproxima tanto o passado como os possíveis futuros, em um grande presente. Questões não tecnológicas também dão sua contribuição à nova sensibilidade: como o enfraquecimento da historicidade que se dá tanto “[...] em nossas relações com a história pública quanto em nossas novas formas de temporalidade privada.” (JAMESON, 2002, p. 32), quando o presente deixa de ser vivenciado como desdobramento do ontem.

O passado e, em decorrência, o texto histórico, tornam-se apenas uma possibilidade de leitura, não invalidando outras aproximações, mas criando outras. Nesse viés, a museologização constante, mesmo da vida privada e cotidiana, leva a que nosso presente seja olhado como uma história a ser rapidamente registrada: o aqui e o agora não são identificados como presente ou como aquele momento que alcançamos pelos sentidos, mas, sim, já se dão como memória (DE SÁ; GASTAL, 2018).

Assim, a museologização da esfera privada é incentivada pela facilidade de registrar imagens, em fotografia e vídeo, a partir de qualquer celular, mas também pela generalização da cultura da memória, nas mídias sociais, num contexto em que a memória ganharia papel central, nas “nossas culturas de memória” (HUYSSEN, 1997, p. 37), nas quais é possível registrar e acervar tudo. Mesmo que essa memória seja facilmente apagada ou enfraquecida pela presentificação. É, dessa maneira, que as memórias pessoais dos sujeitos são importantes realces da trajetória da sociedade em que estejam inseridos. A coleção privada de cada sujeito funciona como um suporte para a memória,


22 | Polifonias Museais uma bricolagem em que “os objetos funcionam como vetores de construção da subjetividade” (MENEZES, 1998, p. 96). E será esta subjetividade a ser colocada em diálogo, quando exposta em um espaço museal. Para além do salvaguardar e preservar objetos, agora os museus sofrem com os conflitos e desafios do presente, que dentre tantos, está a museologização da vida privada, em especial quando suas salas abrigam exposições temporárias e/ou permanentes.

As mostras levam a que a cotidianidade e a vida privada invadam os Museus, mediados pelo olhar curatorial, responsável por re[a]presentar objetos e sujeitos. Ao curador, figura cada vez mais presente não só nos museus de arte, cabe o orquestrar objetos e sujeitos em torno do fio condutor que perpassará pela exposição, sendo um dos itens chave para uma interpretação que seja atrativa aos visitantes. Tornar pública uma coleção acervada de forma individual ou institucional, demanda a importante intermediação do curador. A curadoria será responsável por colher, escolher e recolher os objetos a serem expostos em um universo mais amplo, sendo facilitadora da interlocução entre a exposição e o visitante.

Mais do que isto, será ela que construirá fios condutores de interesse, entre os objetos, orientando a seleção e o desenho expositivo.

Nos espaços museais e de arte, o curador estará ligado a diversas atividades, seja como “diretor de museu/galeria, organizador de exposições, arquivista, conservador, negociador (de arte), assessor de imprensa, cúmplice de artista, enfim, múltiplos papéis que se (con)fundem em um só” (BOONE, 2010, p. 160). Não só isso, o olhar do curador é [ou deveria ser] crítico, sua função estratégica de produção artística, cultural e científica, o permite ser detentor de uma autoridade respeitada, com “o objetivo não propriamente de criar, mas de dar ou ampliar sentidos ao que é criado. O curador, sim, é o sujeito que seleciona, ordena e significa as obras que vemos numa exposição ou publicação” (ALBERTIM, 2018, s/p). Por tal, o papel do curador ou do responsável por essa atividade é imprescindível para se [re]pensar a museologização da vida privada, como é o caso aqui apresentado do Museu dos Capuchinhos.


Polifonias Museais | 23 MusCap e Curadoria Para ilustrar o até aqui proposto, apresentam-se duas exposições que estiveram presentes no MusCap: [1] a exposição Peregrinos e Forasteiros: Histórias de vida e de viagens contadas a partir da coleção Sala das Malas e [2] a exposição Peregrinatio Perpetua.

Ambas tiveram como proposta curatorial lançar um olhar diferenciado sobre a vida peregrina dos Freis Capuchinhos, sem os desassociar dos seus objetos viajantes. As exposições se valem do mesmo princípio, o de que, em suas andanças e nomadismos, associadas aos votos de peregrinação, os Freis carregam o que apenas couber em sua Mala de Viagem. Tal condição não os impede de coletar e reunir objetos memorialísticos e viajantes, que registrem sua [i]mobilidade e sejam significativos de seus modos de ser-estar no mundo.

Na exposição Peregrinos e Forasteiros, as malas foram abertas e interpretadas para serem [re]vistas como objetos primordiais da caminhada dos freis, que buscavam em suas diversas formações profissionais, a expansão de sua vida religiosa. Nas dez malas selecionadas entre tantas acervadas no Museu, o critério utilizado era o de “[...] trazer histórias representativas de diferentes períodos dessa trajetória e, ao mesmo tempo, dedicar atenção aos freis que fazem parte da memória mais recente da comunidade, considerando o valor afetivo de seu legado.” (LE MUSÉE, 2016, p. 23).

Fonte: Felipe Zaltron de Sá.


24 | Polifonias Museais A partir dessa primeira seleção, as malas escolhidas passaram por um segundo processo, o de seleção dos objetos viajantes que ali se encontravam, ou seja, quais objetos expor para contar a história daquele Frei.

Fonte: Felipe Zaltron de Sá.

Mesmo que a mala em si seja pequena em suas dimensões, ela é grande em possibilidades de interpretações e de memórias. Nesse sentido, o olhar curatorial foi necessário para a seleção do caminho a seguir, pois em cada objeto havia memórias de sujeitos que não estavam mais presentes para conta-las.

Portanto, a seleção dos objetos que iriam compor a exposição percorre duas situações específicas: [a] a vida profissional do Frei, seja musicista, marceneiro, alfaiate, mas que esteve intrinsecamente ligado à sua presença na Ordem; e [b] a vida móvel, em suas viagens, andanças e caminhos percorridos carregando a sua mala. Mas, qualquer visão aposta à exposição, mostraria a diversidade de funções de cada Frei, em diferentes épocas. Cumprindo com seu papel, cada um contribuiu para a expansão capuchinha no Brasil e no mundo (LE MUSÉE, 2016).

A vida móvel dos Freis motiva a exposição Peregrinatio Perpetua, que buscava entrelaçar os souvenirs por eles coletados e não, necessariamente pela sua mala de viagem. Dessa maneira, o olhar curatorial percorreu mais de 100 objetos particulares disponibilizados pelos Freis Celso Bordignon, João C. Romanini e Moacir P. Molon.


Polifonias Museais | 25 O objetivo estava em registrar seus percursos e [i]mobilidades, por meio dos objetos viajantes reunidos, assim como fotografias, vídeos e entrevistas, realizadas como parte do processo curatorial. A mostra destacava a presença desses objetos-lembranças como legado de cada um dos religiosos, indo além da sua vida capuchinha e penetrando nas suas memórias individuais.

Fonte: Foto Moacir Mollon.

A curadoria partiu da seleção complexa dos objetos associados a viagens, à vida privada e à carreira. Para isso, nas primeiras conversas informais sobre o projeto, quando questionados sobre seus objetos, os Freis relataram suas origens, com maior ou menor incursão de detalhes, criando como critério para sua inclusão na mostra, o carregarem maior carga emocional e memorialística. Encaminhado o recorte e composto o corpus a ser exibido, outra questão foi criar a expografia, ou seja, como apresentar objetos e histórias de vida, preservando sua condição de em movimento, no espaço de exposição.

Optou-se por totens que contassem, cada um, as histórias de vida das três figuras centrais, resumida e cronologicamente. Depois, a opção curatorial para a expografia foi a de buscar dar forma ao movimento, construindo percursos, que retomasse as peregrinações dos religiosos, ou seja, o espaço deveria ser percorrido pelo visitante, passando em segmentações que incluíam fases iniciais, vida adulta e vida atual dos Freis. O objetivo era o de conduzir o percurso, para que o visitante encontrasse as diferenças de personalidade entre os três sujeitos e entre suas fases de vida na exposição (DE SÁ; GASTAL, 2018). Ao percorrer o percurso, o visitante faria contato com as memórias [visual e táctil] dos Freis, humanizando para além do papel de religiosos, mas também estimulando a identificação e o interesse em manter vivas, suas próprias memórias pessoais. Nesse contexto, ambas exposições apresentam formas curatoriais da vida cotidiana e privada de sujeitos móveis, representados aqui pelos Freis Capuchinhos. A figura dos Freis demonstra que além de religiosos, eles se colocam com suas memórias de vida pessoal anterior a entrada na Ordem, privilegiado em parte pelo Concílio do Vaticano II.


26 | Polifonias Museais Como sujeitos ‘humanos’, complexos e móveis, a re[a]presentação dos seus objetos é delicada e íntima, afinal, a invasão da privacidade e do cotidiano dos sujeitos deve ser permitida e colaborativa.

Por parte dos objetos, as coleções privadas demarcam a esfera íntima, nem por isso menos importantes em termos de impactos sócio culturais, especialmente para sujeitos com forte adesão aos setores excluídos da sociedade. O pessoal espelha o social, e viceversa, especialmente marcado quando o que eram registros e lembranças íntimas tornaram-se públicas, expostas para serem observadas, interpretadas e dialogadas em novas tessituras pessoais, sociais e políticas (DE SÁ; GASTAL, 2018).

Por fim, a curadoria, se torna ferramenta metodológica para se pensar os Museus, em exposições privadas que vem a público, não somente de acervos já museais que predominam grande parte das exposições. Mas que aproximem os sujeitos e seus objetos do espaço museal, por meio da expografia pensada para essa complexidade. Transcendendo a figura do Museu, a curadoria, também pode ser escolha metodológica para aproximações dos estudos patrimoniais, museológicos e memorialísticos.

Fonte: Felipe Zaltron de Sá.

REFERÊNCIAS ALBERTIM, B. Curadoria atrai os jovens. Disponível em: http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/artesplasticas/ noticia/2013/06/09/curadoriaatrai-os-jovens-85865.php. Acesso em: 26 jul. 2018. BOONE, S. Uma breve história da curadoria: Hans Ulrich Obrist. Arte, Porto Alegre, v. 17, n. 29, p.159-163, 2010. DE SÁ, F. Z.; GASTAL, S. Mobilidade, Memória e Museologização: Um estudo com os Freis Capuchinhos, em Caxias do Sul/RS. Revista Ibero Americana de Turismo, v. 8, n. 4, p. 138-152, 2018. GASTAL, Susana de Araújo; BEBER, Ana Maria Costa; ROCHA, Viviane. A Casa Velha como espaço de memória: a musealização no espaço rural. Revista Iberoamericana de Turismo, v. 7, n. 3, p. 187-199, 2017. HUYSSEN, A. Memórias do modernismo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2002. MENEZES, U. B. de. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público. Estudos Históricos, v. 11, n. 21, p. 89-103, 1998. LE MUSÉE. Revista do Museu dos Capuchinhos. Ano 1, no 1, 2015. Disponível em: https://intranet.capuchinhos.org.br/intranet/userfiles/ ckeditor/40a7850e2d73c7b89ffabec9b7488e99.pdf LE MUSÉE. Revista do Museu dos Capuchinhos. Ano 2, no 2, 2016. Disponível em: https://intranet.capuchinhos.org.br/intranet/userfiles/ ckeditor/8bdfb2c5b450e0c1f4e0f4a41e063bd1.pdf CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS – ICOM. ICOM announces the alternative museum definition that will be subject to a vote. ICOM – Museum: 25 jul. 2019. Disponível em: https://icom.museum/en/news/icom-announces-the-alternative-museumdefinition-that-will-be-subject-to-a-vote/


Polifonias Museais | 27

Jardins como espaços museológicos: Para olhar Jardim Botânico de Caxias do Sul/RS Entre especialistas acadêmicos, profissionais da área e mesmo viajantes, a pandemia COVID-19 tem colocado muitas interrogações sobre o quando e o como será retomada das viagens. Entre as suposições – pois, afinal, não há certezas envolvendo nossos futuros em qualquer esfera social – algumas têm sido recorrentes, como a indicação de que os deslocamentos envolverão distâncias não superiores a 200 km., priorizando destinos junto a Natureza e fatores que envolvam a dimensão sustentável. Aliás, a primeira tendência já se fazia presente no pré-pandemia, pela crescente complexidade das relações profissionais, levando as pessoas a optarem por viagens curtas, mas mais recorrentes, em detrimentos de longas férias anuais.

A segunda tendência, a busca por destinos junto a Natureza, para além dos tradicionais sol-e-praia e montanhas, também já se indicavam,

Susana Gastal Felipe Zaltron de Sá

no que vem sendo tratado como Turismo de Jardins [Garden Tourism]. Tal modalidade verde de Turismo envolve de parques e praças, públicos ou privados, à cemitériosparques e zoológicos, mas os destaques são os jardins botânicos e os jardins históricos públicos ou privados. Esses ganharam destaque, inclusive em termos de patrimonialização, pois no cenário contemporâneo, marcado pela expansão das cidades e das megalópoles, leva-se a escassez de verdes no seu interior, assim como certa ênfase temporal das sensibilidades contemporâneas, centradas na presentificação, mas fortemente impactadas por certa nostalgia passadista. Jameson (2002) sintetiza quando diz que a sociedade contemporânea está culturalizada e que a Natureza se foi para sempre. A essa afirmação é possível acrescentar que a Natureza só será resgatada ou mantida na forma de produto como os alimentos ecológicos, no Turismo verde ou na retomada dos jardins.


28 | Polifonias Museais Se a ênfase patrimonial e mercadológica dos jardins é contemporânea, sua presença reporta a tempos mais remotos, demarcando como, em diferentes épocas, cada sociedade se relacionou com a Natureza. “Na Antiguidade, a História registra a presença dos Jardins da Babilônia, arrolados entre as sete maravilhas do mundo antigo, mesmo que esses jardins só pudessem ser frequentados pelas elites” (GASTAL; DA SILVA, 2015, p. 64). As mesmas autoras registram que a democratização dos jardins em termos de uma frequência mais generalizada, se daria apenas a partir do século XVII:

[...] quando os ingleses criaram o que Choay (1999) denomina como jardins de divertimento, onde, além da relação com a Natureza baseada no contemplativo, mais propriamente, incorporam-se equipamentos que permitem o lazer ativo. Incluem-se neste caso o Hyde Park, criado em Londres em 1635, e o Convent Garden, na mesma cidade, em 1680. No mesmo século, os franceses criam Versailles, que hoje recebe seis milhões de visitantes ao ano. Mas, será o século XIX que consagrará os grandes espaços verdes público como St. James e Regent´s Park, na Inglaterra; o Tiergarten, na Alemanha; o Tivoli, na Escandinávia. Esses espaços são hoje considerados como jardins históricos.” (GASTAL; DA SILVA, 2015, p. 64).

A patrimonialização ganha força com a Carta de Florença, assinada pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios [ICOMOS] e pelo Conselho Internacional de Jardins e Sítios Históricos [ICOMOS – IFLA], de 1981, que consagra a expressão jardim histórico “[...] como uma composição arquitetônica e vegetal que, do ponto de vista da história, ou da arte, apresenta interesse público. Como tal, é considerado monumento [...]” (p. 1), no caso, um monumento vivo, melhor dizendo, um museu vivo. Para sua aproximação ao museu, considera-se a definição do International Council of Museums [ICOM], que o apresenta como como “[...] um estabelecimento permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberto ao público, que coleciona, conserva, pesquisa, comunica e exibe, para o estudo, a educação e o entretenimento, a evidência material do homem e seu meio ambiente.” (TEIXEIRA COELHO, 1997, p. 268).

Mesmo que nem sempre reconhecidos como jardins históricos, os jardins botânicos quando atendem plenamente suas funções, também devem ser tratados como equivalentes a museus.


Polifonias Museais | 29 A presença dos jardins botânicos data do século XV, quando as embarcações envolvidas nas grandes navegações traziam, no seu retorno à Europa, espécies vegetais dos novos mundos, a seguir depositadas em áreas fechadas que garantissem a sua sobrevivência e, se possível, reprodução. Com o tempo, a função dessas áreas foi se ampliando, sendo que hoje elas têm como objetivos primordiais a pesquisas em biotecnologia, manutenção da biodiversidade, preservação do ambiente natural do Planeta e interrupção da perda de espécies nativas. Além de suas próprias dependências, não raro, os jardins botânicos se utilizam da mídia e do Turismo, para cumprir suas funções, no que se refere à conscientização preservacionista (ROCHA; CAVALHEIRO, 2001, s.p). Em stricto sensu, os Jardins Botânicos teriam funções: documental, já que registra a flora local ou de alguma outra região específica, a ser preservada por representativa de uma época ou de uma sociedade na sua relação com a Natureza; histórico-cultural, ao expressar, de forma viva, concepções de paisagismo e jardinagem de diferentes épocas; científica, por ser espaço onde se promove a pesquisa, realizam-se cursos e editam-se publicações;

educativa, promovendo a educação patrimonial; turística, quando seus espaços são abertos à visitações pública e, em muitos casos, apoiando sua sustentação financeira na produção de suvenires. Exemplo melhor acabado talvez, seja o Jardim Botânico de Coimbra [Fig.1], listado como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, que é dinamizado em todas estas funções, sendo motivo de cartão postal já em 1908.

Figura 1 – Jardim Botânico de Coimbra [Portugal] em cartão postal de 1908. Fonte: Portugal em Postais Antigos.


30 | Polifonias Museais Nesse contexto, os jardins botânicos exercem importante papel junto às comunidades [e aos turistas] para visitação, aquisição de conhecimentos e lazer. Mas, o lazer pode ativar conhecimentos, se a área disponibilizar um projeto de interpretação patrimonial de qualidade, inclusive com informações e dados sobre as pesquisas nele realizadas. Para uma boa experiencia de visitação também são necessários infraestrutura básica de serviços, assim como estrutura do local em termos de acessibilidade e trilhas. Nesse contexto, analisa-se o Jardim Botânico de Caxias do Sul, como aporte empírico para tais relações.

O Jardim Botânico de Caxias do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul [Brasil], foi criado pela Lei 3.926, de 1992. O Parque Jardim Botânico (PREFEITURA DE CAXIAS DO SUL, s.d.) está localizado junto à represa São Paulo, na Bacia Hidrográfica do arroio Dal Bó, sendo mantido pela Prefeitura Municipal, através da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto [SAMAE], que disponibilizam recursos materiais, financeiros e humanos para funcionamento e manutenção do espaço, assim como a Universidade de Caxias do Sul,

que disponibiliza o aporte científico para o mesmo. Angeli (2020, s.p.), escreve que “[...] apesar dos 27 anos de existência, o Jardim Botânico ainda não é conhecido por parte da população caxiense”, o que se confirma pela pesquisa realizada junto aos frequentadores, que será relatada adiante. Segundo o mesmo articulista do jornal Pioneiro, se os espaços junto ao portal de entrada são pouco frequentados, [...] imagine então o lado B do belíssimo parque, localizado na Rua Atílio Andreazza. Quem o visita costuma ficar, digamos, na área "urbana", se jogar nos gramados em frente à barragem São Paulo ou simplesmente contemplar a paisagem em um deck, logo na entrada do parque. No entanto, o grande encanto do local começa mesmo uns 200 metros além da entrada, na parte de trás do complexo, onde poucos costumam ir ou nem tem conhecimento que exista.

Desde dezembro de 2014, época em que a área destinada ao depósito de galhos e folhas provenientes das podas foi atingida por um incêndio,


Polifonias Museais | 31 o Jardim Botânico tem sido submetido a um processo de revitalização, com a construção de banheiros, recuperação do deck junto à entrada e o cercamento de segurança no entorno da represa. Melhorias que se mostram ainda insuficientes para recuperação da área, que apresenta sinais de depredação. No espaço menos frequentado, “[...] conta com um museu, quiosques e escola botânica. Além disso, o parque abriga mirantes para observação, ponte e até uma pequena cascata. Além, é claro, de muito verde.” (ANGELI, 2020, s.p.). Outro item importante é o cactário, que abriga em torno de 100 tipos de cactos, o Jardim de Linnaeus, nome que homenageia o botânico sueco Carl Linnaeus, pesquisador do século 18 [Figura 2].

O fluxo de visitantes já presente no Jardim no Botânico, e a carência de áreas de lazer na cidade, levou ao projeto do Ecoparque, aberto ao público em dezembro de 2019. O projeto busca promover a integração dos 50 hectares da área do Jardim Botânico, ao restante do complexo Dal Bó, formando um parque de 153 hectares com ciclovias,

pista de caminhada e outras melhorias. Destaque-se que, até o momento, o desenvolvimento da área como um Botânico, na sua acepção mais completa em termos de patrimonialização e de tratamento equivalente a museu – reitera-se, um museu verde, composto por um acervo florístico vivo, ainda deixa a desejar,

Figura 2 – Jardim Botânico de Caxias do Sul, cactário. Fonte: Foto Germano Schüur


32 | Polifonias Museais pois a precariedade da infraestrutura para pesquisa e de segurança do local dificultam mesmo as pesquisas acadêmicas que ali eram desenvolvidas pela Universidade, em anos recentes.

Rocha e Gastal (2016) encaminharam uma pesquisa do perfil do visitante no JBCS durante o primeiro semestre de 2015 e constataram que o perfil predominante no que tange à visitação é masculino, de idade entre 21 a 42 anos, com escolaridade superior ao nível médio, empregado com salário variando de 1 a 3 [até R$ 2.364,00] e procedente de diversos bairros do munícipio, com maior incidência do Centro e Fátima [próximo ao Jardim Botânico]. Para além do perfil macro existiram particularidades quanto a frequência das visitas, que em sua maioria [35%] destacaram ser mensal e 22% como sendo a primeira vez; já a motivação da visita é apontada com 64% ser de lazer, e que nenhum entrevistado apontou ‘interesse botânico’ e ‘educação’. No reforço dessa questão estão as atividades citadas em outra pergunta com relação a percepção do espaço físico e instalação do local, m que citaram-se “‘passear nas trilhas’, ‘pescar’, ‘relaxar e sair da rotina’, ‘passear com animais’, ‘respirar ar puro’ e ‘fazer exercício ao ar livre’.” (ROCHA; GASTAL, 2016, p. 104).

Ou seja, predominantemente os visitantes do JBCS, o utilizam como espaço de lazer, não necessariamente o buscando pelas suas relações ambientais, patrimonialísticas ou museológicas, como os atrativos específicos [cactário, o Jardim de Linnaeus, o museu e a escola botânica] que, mesmo demandando um plano de manejo mais presente, são espaços com menor visitação. Quando da pesquisa, em 2015, as autoras questionaram os entrevistados sobre seu engajamento em questões ambientais extra JBCS. A maioria [85%] respondeu não ter participação em nenhuma iniciativa ou ação de sensibilização sobre os cuidados com o meio ambiente. O que revela que os sujeitos visitantes, além de utilizarem o JBCS, apenas como espaço de lazer, indica que, talvez, parte dos problemas advindos da limpeza e do atendimento no local, seriam dirimidos com intervenções de educação ambiental e interpretação patrimonial, mais presentes.

A pesquisa, que tão logo se abrande a pandemia Covid-19, deverá ser atualizada, mas indicou que o Jardim Botânico tem sido apropriado como espaço de lazer pelo púbico local, buscando ali afastamento das rotinas do cotidiano e da área do centro urbano da cidade. Reforça-se, entretanto, a importância da retomada das pesquisas botânicas,


Polifonias Museais | 33

da educação ambiental e das ações de preservação de espécies, e do controle e manejo de atividades estranhas ao que se propõem como um jardim botânico, que vem sendo praticada na área. Num viés educacional, científico e museológico, a falta de demanda por parte do frequentador, por experiências mais qualificadas no Parque, como registrado na pesquisa de Rocha e Gastal (2016), leva a que as mesmas se deem no local, em menor ênfase do que seria o esperado.

A aproximação dos jardins botânicos com a museologia permite que as relações praticadas pelos museus sejam transversalizadas aos mesmos, ou seja, em associação a questões como acervo, pesquisa e ambientação, cuidados ampliados quando se trata de acervo botânico vivo. Uma segunda aproximação deve se dar em termos de interpretação patrimonial e conscientização ambiental, a serem inseridas mesmo em espaços tidos como de lazer. O orquestramento entre o conteúdo que será apresentado ao visitante e a forma de apresenta-lo, exige uma curadoria na qual a experiência dos museus municipais da própria cidade, em muito teriam a contribuir.

REFERÊNCIAS ANGELI, D. Jardim Botânico, em Caxias, é mais do que se vê. Caxias do Sul: Jornal Pioneiro, 09-01-2020. Disponível em http://pioneiro.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2020/01/jardim -botanico-em-caxias-e-mais-do-que-se-ve-12059884.html CHOAY, F. A natureza urbanizada: A invenção dos ‘espaços verdes’. Projeto História, São Paulo, 1999. GASTAL, S; DA SILVA, A. F. Jardins e Jardim Histórico: Espaço de memória e possibilidades para o turismo. Revista Ibero Americana de Turismo, número especial, p. 63-85, 2015. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/ritur/article/view/2017 GASTAL, S.; DA SILVA, A. V. F. Lazer, tempo e espaço: o Jardim Botânico de Porto Alegre, RS. Anais... XII Seminário Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo, 2015. Disponível em: https://www.anptur.org.br/anais/anais/files/12/27.pdf INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Carta de Florença - Jardins Históricos Brasileiros. 1981. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta% 20de%20Florenc%CC%A7a%201981.pdf JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2002. POSTAIS ANTIGOS. Jardim Botânico de Coimbra, Portugal. Disponível em: https://www.postais-antigos.com/coimbrajardim-botanico-coimbra2.html PREFEITURA DE CAXIAS DO SUL. Parques e Praças. Disponível em: Disponível em: https://caxias.rs.gov.br/servicos/meio-ambiente/parques-epracas ROCHA, V.; GASTAL, S. Turismo, Interpretação Patrimonial e Jardins Botânicos: O Frequentador do Jardim Botânico de Caxias do Sul. Revista Brasileira de Iniciação Científica, v. 3, n. 3, p. 90-110, 2016. Disponível em: https://periodicos.itp.ifsp.edu.br/index.php/IC/article/view/26 9/410 ROCHA, Y. T.; CAVALHEIRO, F. Aspectos históricos do Jardim Botânico de São Paulo. Revista Brasileira de Botânica, v. 24, n. 4(suplemento), p. 577-586, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbb/v24n4s0/9480.pdf TEIXEIRA COELHO. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. São Paulo: Iluminuras, 1997.


Em breve lançaremos um catálogo que apresentará as mais diversas coleções que compõem o acervo dos Museus Municipais de Caxias do Sul. O primeiro número será dedicado aos rádios e contará com o trabalho fotográfico de Daiane Pagnussat e Christian Luan de Lima da Costa.

Endereço: Diretoria de Museus Municipais de Caxias do Sul Rua Visconde de Pelotas, nº 586, Centro, Caxias do Sul/RS. CEP: 95020.180 Página na internet: https://sites.google.com/view/museusmunicipaiscxs/in%C 3%ADcio?authuser=0 Email: revistapolifonias@caxias.rs.gov.br

Fonte: Foto Daiane Pagnussat e Christian Luan de Lima da Costa.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.