Revista Pensata V.1 N.1

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REVISTA PENSATA | V.1 N.1

OUTUBRO DE 2011

desorientação, o leitor do romance busca sua leitura para orientar-se. Arrastado pela esperança de aquecer sua vida numa morte que ele vivencia através da leitura, através do “Finis” escrito no final da última página, no qual o sentido fica posto tal qual o sentido de sua vida pelo seu fim. O mundo administrado, a mesmidade e a estandardização impedem o narrar que é, na verdade, ter algo especial a dizer. É fugir do mundo administrado para um mundo no qual as coisas não andam em seu ritmo considerado normal, um mundo no qual o tempo não é caracterizado pelos fatos, mas o contrário. É a esse tipo de tempo, a essa História que a Erfharung nos remete. O jugo das coisas ao tempo da máquina capitalista, que se move sempre no mesmo sentido, na mesma direção e no mesmo intervalo de tempo, torna - pela própria coisa comunicada e sua forma - ideológica “a própria pretensão do narrador, como se o curso do mundo ainda fosse essencialmente um processo de individuação” (ADORNO, 2008, p.56). O realismo de que o romance dispõe, hoje em dia, é realismo que reproduz a fachada, servindo unicamente na sua tarefa de enganar. Por isso, para permanecer fiel à sua herança realista, o romance deve renunciar a esse realismo de que dispõe. Só assim, poderá apoiar-se na Erfahrung. A alienação e a auto-alienação, na medida em que torna os homens mais estranhos entre si dão ao romance a tentativa de decifrar o enigma da vida exterior. O romancista segrega-se em sua subjetividade, dando ao romance uma forma interpretativa da estranheza frente à vida humana. O romance apresenta um herói desorientado, e “toda a ação se constitui como uma busca, seu sucesso ou seu fracasso. O leitor do romance persegue o mesmo objetivo” (GAGNEBIN, 1985, p.14). Não obstante seu depauperamento é a Erfahrung a fonte onde beberam todos os grandes narradores, cuja escrita pouco se distingue do discurso dos incontáveis narradores anônimos. Narrar é a arte de continuar contando uma história e essa capacidade se perde, quando as histórias já não são mais retidas, desaparecendo a comunidade dos que escutam e dos que contam. Para Benjamin, o verdadeiro narrador se enraizará sempre no povo e, antes de tudo, em suas camadas artesanais, independentemente dos estágios do grau de desenvolvimento econômico e técnico dos variados conceitos em que se recolhe o produto das narrativas, demonstrando a despreocupação com os que sobem e descem os degraus da experiência como uma escada que alcança o interior da terra e se perde nas nuvens; imagem de uma experiência coletiva para a qual mesmo a morte não apresenta barreira. O narrador pode nos remeter a um sentimento comum e assim, entra na categoria dos professores e dos sábios.

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