Revista Olhar nº23

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complementares: o primeiro é que consideramos nosso próprio quadro de referência como sendo único, ou, pelo menos, o normal; o segundo é que constatamos que os outros, em relação a esse quadro, são inferiores a nós”. Nomear, isto é, utilizar conceitos para referirse a algo, é a primeira arma para submeter o outro, pois o transforma em objeto. Donde, ainda segundo Todorov, delimitar um objeto como “Oriente”, por exemplo, já é um ato de violência. (SAID, 2005: 8-9) Suas afirmações são absolutamente pertinentes no contexto de aproximação e de busca de conhecimento mútuos entre diferentes povos e regiões. Por que lembro essas reflexões? Talvez porque este ensaio resulta de décadas de fascínio, curtido à distância, pelo “outro oriental” e, particularmente, pelo sudeste asiático. Aquela região, chamada de Indochina pelos colonizadores franceses ali instalados no final do século XIX, corresponde, hoje, ao Vietnã, ao Laos e ao Camboja. A origem mais recente dessa atração eu posso identificar nas leituras e na lembrança indelével do filme Indochina, produção francesa de 1992. Também as constantes e a cada vez mais instigantes “visitas” à sociologia da religião de Max Weber vêm juntar-se a esse “chamado do Oriente”, de um modo peculiar ao meu habitus intelectual como socióloga interessada nos fenômenos religiosos. Num outro registro textual, as primorosas crônicas de Jorge Luis Borges (1985) sobre As Mil e Uma Noites acrescentam elementos à busca por uma compreensão mínima do que seja a aludida oposição entre Ocidente e Oriente. É preciso lembrar, conforme Said, a discrepância entre os usos desses termos, pois enquanto os norteamericanos chamam, mais comumente, de Oriente apenas o Extremo Oriente (China e Japão), os europeus baseiam sua tradição orientalista no lugar que a região ocupa na experiência da Europa, isto é, não apenas como um vizinho geográfico, mas como a região onde as nações européias mantiveram suas mais extensas, ricas e antigas colônias, onde foram fonte de civilizações e de idiomas. Ele é o rival cultural da Europa

Gênios guardiões

REVISTA OLHAR t ANO 12 t NO 23 t AGO-DEZ 2010 238


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