#07 Desvios

Page 5

as galinhas com as suas dioxinas têm ajudado nas mudanças políticas ao colocar os Verdes no governo. Aparentemente são precisas tragédias para forçar reformas e mudanças profundas. A desvantagem deste sistema é que as mudanças ocorrem de forma completamente imprevisível, sem uma linha de visão planeada. A evolução da sociedade contemporânea numa lógica crescente de individualismo tem também consequências no mundo político, com uma desfragmentação cada vez maior dos partidos, o que dificulta muito a formação de governos e torna praticamente impossível a tomada de decisões rígidas, como são as do planeamento urbano. Não só a tendência de individualização, mas também a evolução da economia mundial, as revoluções tecnológicas (como a clonagem de seres humanos) e os fenómenos de globalização, fazem com que os governos não tenham, muitas vezes, capacidade de resposta a tamanhas evoluções de suas sociedades. São como gigantes com sapatos de salto alto a correr atrás de lebres. É um fenómeno comum na Bélgica… também o vemos aqui, em Portugal. Noutros tempos a situação era diferente… ou nem por isso… Façamos um pequeno ensaio para analisar o contexto belga. Este pequeno país do centro da Europa, só há relativamente pouco tempo (1830) deixou de ser território concorrido por todos os países vizinhos, para se tornar independente. Desse modo, é compreensível a necessidade que o país mostrava nesse momento em se evidenciar para o mundo como uma nação merecedora da sua independência. Todos os esforços foram feitos para sublinhar todo e qualquer tipo de unidade e autenticidade cultural deste pequeno novo país. Cinco anos após a independência, era já fundada uma comissão de protecção de monumentos, visando, não só a protecção do património cultural, como a investigação de estilos próprios da região que evidenciassem uma cultura belga: o estilo gótico de Brabant ou o estilo neo-gótico belga… Ao mesmo tempo, o país realçava as suas ambições, ao ser o primeiro a trazer o caminho-de-ferro à Europa continental (depois da estreia em Inglaterra). Devido à política inovadora do jovem governo, a rede ferroviária alastrou a grande velocidade por todo o território e é hoje a mais densa de todo o mundo. O mesmo fenómeno aconteceu mais tarde com as auto-estradas. Hoje em dia, no início do século XXI, olhamos para este país e perguntamo-nos quem é que transformou a Bélgica no caos que é. As auto-estradas apresentam constantes sinais de sobrelotação, os centros das cidades tornam-se museus históricos enquanto que as periferias e subúrbios crescem como ervas daninhas. Fenómenos como o desenvolvimento urbano linear ao longo das vias principais ou a poluição luminosa são apenas dois exemplos de problemas que nasceram na Bélgica e lhe são muito característicos. A Bélgica pode, no fundo, ser vista como uma grande cidade em que, para além de alguns núcleos importantes, se vê todo o território existente entre esses núcleos completamente ocupado por enormes redes de infra-estruturas viárias e ferroviárias, por expansões periféricas sem limites e por uma enorme especulação imobiliária, com zonas agrícolas, industriais, culturais e naturais sem qualquer forma aparente de ordenamento urbano. A Bélgica é, desse modo, o país das cem cidades, mas ao mesmo tempo poderíamos falar de uma enorme não-cidade. As cidades

projecto de Cristiaan Kieckens | desníveis dentro do parque de estacionamento da estação de Lovaina (projecto de Manuel de Solà Morales) | pátio de acesso ao parque de estacionamento da estação de Lovaina | idem | projecto de habitação social Hollainhof em Gent (Neutelings-Riedijk architects) | projecto de Cristiaan Kieckens nu [janeiro 2003]

p 04.05


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.