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Patrícia Nogueira Lopes da Silva

Patrícia Nogueira Lopes da Silva Guimarães, Portugal

O meu azevinho

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Toda gente que chegava naquela casa, antes de ser convidada a sentar-se, era levada imediatamente ao pequeno jardim. Ele estava localizado na parte de trás da antiga casa de uma rua sem saída, onde ela vivia desde que nasceu. Os convidados eram então apresentados aquela planta que ela cuidava como se fosse gente. Todos, sem distinção, desde o encanador até ao político que a visitava para pedir votos, mesma sem ela ter a obrigação de votar, precisavam a conhecer. E ela, toda orgulhosa de si, abria um sorriso a cada elogio proferido para sua planta. Era a sua realização e felicidade Não era uma planta muito especial, mas era a planta dela. Eu tinha apenas dez anos de idade e fui avisada que não podia tocá-la. Não me lembro de ter visto flores, mas sim umas minúsculas bolinhas vermelhas e umas folhas com espinhos nas pontas. Era até engraçada, mas desprovida de beleza para mim. Eu gostava das flores e não me lembro se esta as tinha. Na verdade, deveria até ter, afinal, todas as plantas florescem. Também lembro que o momento de regá-la e limpá-la eram feitos como se fosse um ritual, e era. Num silêncio respeitoso, quando retirava as folhas, já secas e mortas e conversava animadamente com a planta no momento da sua rega. Eu assistia aquele movimento todos os dias curiosa e entendia que aquilo era uma demonstração de amor. O final daquela temporada na casa da minha avó estava chegando ao fim. Eu já estava na sua companhia há mais de um mês quando minha mãe havia conseguido a tão esperada promoção no trabalho e precisou viajar para o exterior. Ela estaria de volta no final de semana, me disse a avó. Desde então eu nunca tinha passado tanto tempo na sua companhia. Fomos viver em outro país e muitas vezes a minha avó é que ia nos visitar em companhia da sua irmã mais nova.

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Os anos se passaram e eu a via com bem menos frequência devido a sua saúde debilitada e os rumos diferentes da vida, até o dia em que soubemos da sua morte. Minha mãe viajou para o funeral e eu, já casada e mãe de duas crianças pequenas, fiquei em casa tentando recordar os momentos do passado com minha avó. Alguns anos depois da sua morte, eu e minha mãe soubemos que teríamos que viajar juntas, para receber e assinar por alguns bens que a minha avó tinha especificadamente deixado para mim e para minha mãe. Viajamos para aquele país onde eu nunca mais tinha retornado como se fizesse uma viagem ao passado. Encontramos-nos com a irmã mais nova da minha avó em sua antiga casa, a mesma onde eu tinha estado há muitos anos atrás, na sua companhia. Ao entrar, primeiramente na sala, percebi que tudo aquilo me era muito familiar e próximo. Enquanto a minha mãe tratava dos papéis e caixas com inúmeras fotografias e documentos de todas as espécies, fui andando pela casa e reconhecendo cada objeto de decoração e a história que ela me contava sobre ele. De repente senti uma imensa saudade dela e não contive a emoção. Fui despertada dessas recordações quando a irmã da minha avó me chamou. Estava na minha vez de receber o que ela havia me deixado. Sentei-me respeitosamente entre as duas senhoras visivelmente emocionadas e recebi um envelope lacrado. Olhei para minha mãe que sorriu e fez sinal para que eu não esperasse mais e a abrisse. Dentro do envelope, escrito num papel muito bonito e decorado com desenhos de plantas, estava uma pequena despedida amorosa e instruções, que não entendi muito bem para quê. A irmã da minha avó pediu para ler a carta e logo percebeu do que se tratava. Pegou-me pela mão e me levou para a parte de trás da casa onde ficava o pequeno jardim da minha avó. Ela cuidara dele muito bem, tinha sido um pedido da minha avó e no canto direito, encostado na parede falsa de relva, estava ele. Seguimos em sua direção, passando por entre todas aquelas plantas que pareciam nos cumprimentar. Ele estava bem mais alto e com mais folhas do que da última vez que eu o vi e para minha surpresa com muitas flores. Eram flores pequeninas e

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muito branquinhas que mais pareciam pequenas pipocas naquele miniarvoredo de folhas grossa verde escura. Para minha surpresa e admiração, minha tia explicou-me que a avó tinha deixado a planta que mais amava para eu cuidar, mas que era para me entregar só naquele mês do ano, quando ele floria, pois eu só gostava de plantas com flores. Chorei, sentindo o amor invadindo meu coração. Agora, ele era meu, o meu azevinho.

@Professorapatricianogueira