7 minute read

Augusto de Oliveira Morais

Natália Bueno de Oliveira e Pedro Augusto de Oliveira Morais Goiânia/GO

A visita

Advertisement

Escuto um barulho no portão de casa, mas quando saio, não vejo ninguém. Será que são apenas adolescentes pregando peças? Mas logo vejo uma criança bem próxima ao portão. Estava sozinha.

Me aproximo e olho ao redor, ninguém. Abro o portão, a menina entra correndo na minha casa. Não consegui dizer nada. Saio e olho nas duas direções da rua. Ninguém. Como essa criança chegou aqui? Volto para casa à procura da garotinha. Eu a encontro sentada à mesa da cozinha. Pergunto seu nome. Ela só me olha, pergunto sobre seus pais, ela insiste em só olhar. Fico preocupado.

Ela parece cansada, acredito que está com sede. Encho um copo com água e a ofereço. Ela o apanha com uma graciosidade incomparável. Enquanto ela bebia, dei uma boa olhada nela. Era pequena, estimo que 5 anos, talvez menos, uma pele branca e tão delicada, como se o sol nunca a houvesse tocado. Seu cabelo. Negro. Negro como a noite, mas brilhante como o sol. Seus olhos, uma expressividade jamais vista, olhos castanhos muito claros. Daqueles que se perdem horas só apreciando.

Ao terminar de beber ela me oferece o copo vazio, como quem pede mais. Procuro algo na geladeira e vejo uma caixa de leite. Perfeito. Encho uma caneca e a ofereço. Ela me deixa esperando com a caneca ao ar. Era como se faltasse algo. Melhor esquentar um pouco, pensei. Coloquei no micro-ondas. Enquanto esquentava busquei meu celular. Precisava avisar a polícia.

Antes de discar o número da polícia, escuto o bip do micro-ondas. Pego a caneca agora com leite quente e entrego à menina. Ela com a mesma graciosidade o retira da minha mão e volta a se sentar. Disquei o número da polícia, não podia negar que estava um pouco tenso.

No segundo toque, me atendem: – Polícia, em que posso ajudar? – Oi, encontrei uma menina, aparentemente de 5 anos, na porta da minha casa. Não a conheço, e penso que não é filha de nenhum vizinho.

Ao confirmar todas as informações, eles me pedem o endereço e me informam que uma viatura virá imediatamente ao local. Desligo e espero. A garota seguia sentada na

153

mesa. Tomava goles lentos e pacientes, ela realmente sabia desfrutar de um bom leite. Insisto em uma nova conversa: – Qual seu nome? Ela só me olha. Novamente o silêncio invade a cozinha. Mas não é um silêncio perturbador, é um silêncio diferente. É como se ela não precisasse responder. Me sento na mesa a sua frente. Ela termina de tomar o leite, se levanta, rodeia a mesa e me entrega a caneca. Pergunto se ela quer mais, não houve resposta audível. Ela simplesmente me olhou e eu já comecei a encher a caneca. Enquanto o leite esquentava, procurei outra coisa para comer, confirmei que realmente precisava fazer compras, nada ali parecia consumível. Espero que o leite a sustente, pensei. O bip do micro-ondas soou mais uma vez. Ela se aproximou do micro-ondas e me olhou. Claro, ela queria o leite. Entreguei a caneca, e ela voltou ao mesmo lugar. Eu nunca tive muito contato com criança, mas essa parecia diferente. Não sei explicar. Fiquei pensando no desespero da sua família em encontrá-la. Uma menina como essa realmente deve fazer falta. Olhei no relógio, fazia 10 minutos que havia chamado a polícia. Comecei a me preocupar ainda mais. Sai ao quintal para olhar a rua, talvez não conseguissem encontrar a minha casa. Mas nem sinal de uma viatura. Notei que a vizinha da frente, Janete, estava no quintal molhando as plantas, e a chamei. Janete era uma senhora de idade que nunca dispensava uma boa conversa. Ela veio até o portão da minha casa me cumprimentar. Após os cumprimentos, perguntei se ela não tinha por acaso uma neta. Ela disse que não, que só tinha um neto e que não o via há pelo menos uns 3 anos. Contei sobre a menina mesmo sabendo que a vizinha não poderia fazer muito. Ela se assustou e quis vê-la, eu a levei para a cozinha. A menina permanecia no mesmo lugar, serena. A vizinha a olhou bem, e a garota retribuiu o olhar. Após esse momento, a senhora tentou se comunicar com a menina, mas também não houve resposta. – Eu te disse. - Afirmei. - Ela não responde. – Agora eu acredito. Ela é uma graça. – Sim, temo por sua família. Devem estar preocupados. – Talvez devêssemos ligar novamente à polícia. – Peguei o telefone e disquei novamente. – Polícia, qual é a emergência? - Me responderam ao instante. – Oi, liguei faz pouco tempo sobre uma criança que encontrei na porta da minha casa, disseram que uma viatura foi enviada, mas até agora nada. – Só um momento.

154

Após alguns instantes, me responderam: – A viatura já está a caminho, devem chegar em menos de 5 minutos. Se pudesse esperar na porta, agilizaria o processo.

Informei à vizinha o que me disseram. Ela tomou a mão da menina e disse que dariam uma volta. A menina não resistiu, foi naturalmente. Ficamos no quintal de casa, esperando. A polícia logo chegou, abri o portão e os recebi. Eram dois policiais, bem jovens. Confesso que para algo tão sério esperava alguém com mais experiência, espero que sejam bem treinados. Expliquei que eu havia achado a menina e feito a chamada. Relatei todo o evento com detalhes. Um dos policiais disse que havia ligado para a assistência social e que ela já estava a caminho. Em seguida, me informou que iria percorrer a rua a procura de informações, enquanto o outro policial permaneceria no local.

Passado pouco mais de vinte minutos a assistente social chegou. Pelo jeito afobado que olhou pela janela eu logo soube que a assistente conhecia a menina. – Anaaa. Gritou a assistente social ao descer do carro.

Quando a menina ouviu seu nome, soltou a mão de Janete e saiu correndo para dentro da casa. Janete não conseguiu contê-la. Rapidamente entrei na casa para tentar entender o que estava acontecendo, percebi que a garotinha não estava na cozinha e comecei a vasculhar. Depois de muito procurar a encontrei sentada debaixo da pia da suíte do meu quarto. Em seu olhar percebi que algo havia mudado, ela estava assustada. Tentei mais uma vez falar com ela. – Ana, esse é seu nome, não é? perguntei baixinho. Ela moveu a cabeça afirmando que sim. - Ana, você pode confiar em mim. Não deixarei que nada de ruim te aconteça. O que acha de me contar por que saiu correndo? – Tenho saudade dos cabelos dela. A noite sempre me contava uma história. Ela falou quase inaudível. – De quem sente saudades, Ana? – Da mamãe. - Ela começou a confiar em mim. – Por que ela foi morar com o papai do céu? Ela não gostava da nossa casa?

Com aquelas palavras logo entendi que Ana havia ficado órfã, por isso a assistente social a conhecia.

Depois de uma longa conversa, Ana se sentiu segura para sair do quarto. Deixei ela com Janete e fui conversar com a assistente social que me contou que os pais de Ana haviam morrido em um terrível acidente de carro e a deixado sozinha no mundo, sem irmão, sem avós. E por isso dois dias antes da fuga Ana havia sido enviada a um novo lar. Enquanto eu conversava com Ana no quarto a assistente havia ligado para os

155

futuros pais adotivos que lhe havia explicado que Ana havia fugido e que só a pouco eles haviam notado.

Pedi à polícia que investigasse pois certamente houve negligência por parte dos futuros pais adotivos e fui me despedir de Ana. Me abaixei para ficar na altura dela, segurei sua mão e ela ao sentir o toque me olhou profundamente nos olhos.

Pela primeira vez ela falou firme. -Eu gostei da sua casa. Podemos ir juntos ao mercado para comprar algo para jantar? Ainda estou com fome. A mamãe sempre me deixava entrar no carrinho, posso?

Aquelas palavras atingiram meu coração de um modo inesperado. Ela queria que eu fosse sua nova família. Sei que parece loucura, mas eu senti naquela conversa embaixo da pia que estava sendo preparado para ser pai. Sim, nem em mil anos eu conseguiria explicar como isso aconteceu tão rapidamente.

Janete, que parecia ter entendido tudo, abraçou a nós dois ali mesmo e disse: - Nos surpreendemos com os presentes que a vida nos dá e às vezes os melhores chegam assim, no susto, sem avisar.