LiteraLivre Vl. 4 - nº 24 – Nov./Dez. de 2020
Rosangela Maluf Belo Horizonte/MG
A - Quero Falar de Fernando Olho para o teto branco e imagino palavras rodando em círculos. Não digo nada. Permaneço em silêncio. Silêncio absoluto. Não me deixo levar pelas ondas de letrinhas que insistem em me incomodar. Estou só nesse imenso quarto branco. Não sei o que pensar. Só sei que penso muito, mas nada falo. Nem uma palavra. Quero chamar Fernando, mas ele não está. Quero gritar seu nome, mas ele não me ouvirá, certamente não. Estou mal. Em alguns dias amanheço bem, no outro dia, nem tanto! Ouço fados o dia inteiro. Quanto mais tristes, mais choro e mais chamo por ele! Fernando. Foi em Lisboa que tudo começou. Um caso de nada, para passar o tempo. Um português, residente no Brasil, matando saudades de sua terra e uma brasileira, de origem portuguesa, visitando pela primeira vez, o país de seus avós. Fernando, onde está você? O certo é que ele se foi. E desde então, não tem dado mais notícias. Apenas disse-me que não podia mais viver longe do seu país. Tudo lhe fazia falta: em Lisboa viviam a mãe já idosa, a única irmã, o cunhado, dois sobrinhos que lhe eram muito queridos e uma madrinha, que vivia em Ponte de Lima. Quanto ao trabalho, não foi difícil conseguir uma transferência pelo Banco Milennium BCP, o maior banco privado português, onde ele trabalhava já por alguns anos, não muito longe daqui, no Itaim Bibi.
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Enquanto ouço mais uma vez, um dos meus fados preferidos, sinto raiva por ter esperado dele o que, em momento algum, parecia que me seria dado. De nada adiantou ter passado mais de uma semana inteira, na mesma cidade, saindo todos os dias juntos – passeios, confeitarias, centros de compra, jantares à luz de vela & fados - e o que foi que restou? Nada. — Você sabe por que os doces portugueses são feitos à base de gema” d’ovos”, ele pergunta rindo. — Claro que sei, respondo com sotaque português. Os padres e freiras precisavam usar roupas bem passadas e então, usavam as claras “d’ovos” para engomá-las. Ah, e os nobres também, imagine todas aquelas golas plissadas, os punhos rendados. Usavam as claras e as gemas sobravam. Alguém teve então, a genial ideia de aproveitá-las nos doces. Não é que deu certo, ó pá? Ele me apertou num abraço gostoso e rimos, os dois! Riso bobo, de casal enamorado. Ele me olhando bem de pertinho, beijou meus olhos. — Adoro teus olhos de ameixa em calda, diz. Não era a primeira vez que ele falava assim. Contou-me que sua mãe assim dizia ao tentar explicar “os olhos de uma rapariga que não se decidiam entre o castanho e o verde”.