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Entre Oligarcas e Bilionários: um Estudo de Discurso

Thiago Diniz do Nascimento

Após uma pandemia sem precedentes, o mundo do ano de 2022 mergulha em um novo conflito que gera tensões com pouco do cheiro do século XX. A invasão da Rússia em território ucraniano trouxe um novo ingrediente à estrutura do discurso jornalístico. E, em meio ao ensaio para uma nova Guerra Fria, surgem, na esfera capitalista mundial, duas figuras aparentemente opostas, odiadas e admiradas pelos meios de comunicação. De um lado, os russos oligarcas e, de outro, o bilionário chamado de excêntrico pelos veículos de imprensa, Elon Musk.

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Apesar de frutos de uma mesma era e de um mesmo produto — as oportunidades para acúmulo de capital —, jornais, sites e demais veículos de imprensa parecem trazer, ao mundo novo da Guerra Fria do século XXI, heróis americanos e vilões russos no maior estilo hollywoodiano Rocky x Drago, da franquia “Rocky, um Lutador”, expoente máximo da propaganda pró-Estados Unidos dos anos 1980.

Essa abordagem apresenta, mais uma vez, a formidável estratégia de diplomacia pública estadunidense. Influenciar pensamentos por meio de uma imagem positiva ligada à liberdade e à democracia sempre foi o objetivo do soft power dos Estados Unidos. Na falta de uma China beligerante, os magnatas russos cumprem o papel de inimigos da vez.

Nesse sentido, faz-se necessário considerar uma análise de acordo com a característica do jornalismo como uma área da comunicação que manifesta um discurso dialógico, polifônico, opaco, ao mesmo tempo efeito e produtor de sentidos e elaborado segundo condições de produção e rotinas particulares (Benetti, 2007). Embora relações culturais e de influência aconteçam de modo orgânico, seja por intercâmbio estudantil, turismo ou mesmo casamentos entre pessoas de nacionalidades diferentes (ARNDT, 2005), elas também são estimuladas através de construções secundárias de análise dos fatos pelo jornalismo internacional, por exemplo.

Linguagem e Discurso - Segundo Bakhtin, na linguagem todos os enunciados são dialógicos. Sendo assim, a palavra é sempre perpassada pela palavra do outro, de forma que quem constrói um discurso sempre leva em consideração outros discursos, que assim estarão, de uma forma ou de outra, presentes no seu discurso (BAKHTIN, 2000, p. 291).

Do ponto de vista jornalístico, no entanto, essa questão proposta assume outra perspectiva. O jornalismo – como área da comunicação – prevê a polifonia em oposição à monofonia. Ou seja, as vozes podem expressar origens, abordagens e conclusões distintas sobre determinado assunto. Essa propriedade é essencial ao mesmo tempo que proprietária do discurso jornalístico, em sentido antagônico, por exemplo, ao da publicidade, que trabalha com repetição e monofonia, uma vez que representa o objetivo de venda na voz do anunciante.

Ao analisar notícias publicadas pela CNN Brasil, é possível inferir formações discursivas, conforme sugerido por Benetti, que salientam, numa acepção ainda mais clara, a capacidade do discurso jornalístico de reforçar imagens de país – nesse estudo específico, Rússia e Estados Unidos – de acordo com o interesse da diplomacia pública estadunidense. Ainda por esse ângulo, o jornalismo utiliza mapas culturais de significado (HALL et al, 2016) que existem na sociedade e é uma ferramenta que pode atuar discretamente para perpetuar ou apagar tais códigos.

Para a Agência de Informação dos Estados Unidos, a diplomacia pública cumpre a função de “promover o interesse e a segurança dos Estados Unidos através da compreensão, informação e influência de públicos estrangeiros bem como aumentar o diálogo entre instituições norte-americanas e suas equivalentes de outros países” (AMR, 2004, p. 4). Quer dizer, a diplomacia pública estadunidense é um instrumento de amplificação da influência dos Estados Unidos sobre o público estrangeiro.

O american way of life e a pretensa política da boa vizinhança com as nações do sul são imagens projetadas para que o público estrangeiro conceba os Estados Unidos como a terra da liberdade e das oportunidades, a despeito da disparidade social existente no país e das políticas intervencionis-

tas sobre a América Latina.

Metodologia - Para fins metodológicos, é importante entender que a escolha do veículo se deu por conveniência, mas também encontra sentido no contexto e nas rotinas de produção da notícia, além da própria nacionalidade, sendo a CNN Brasil um veículo brasileiro de imprensa, porém com sede internacional nos Estados Unidos da América. As matérias são do mês de junho de 2022, momento em que foi noticiado o aprofundamento das negociações de compra do Twitter pelo empresário Elon Musk ao mesmo tempo em que se iniciaram as sanções de governos ocidentais, notadamente o dos Estados Unidos, contra empresários russos.

Por outro lado, foi utilizado o método da Análise de Discurso (AD), que sugere a existência de duas camadas: a discursiva e a ideológica. Nesse sentido, seguindo a análise de discurso, é preciso apresentar quais Formações Discursivas (FD) identificam as regiões de sentido, sendo FD1 pró-Estados Unidos e, por conseguinte, alinhadas aos ideais da diplomacia pública estadunidense; e FD2 contra-Rússia, o que reforçaria o contexto pró-Estados Unidos e também atenderia aos interesses desse país na exposição positiva da própria imagem.

Assim, investigamos como os textos constroem, por meio de marcas discursivas, imagens positivas a respeito do bilionário Elon Musk, em contraposição às imagens de oligarcas russos. Vamos chamar de Sequência Discursiva (SD) o trecho recortado em consonância com as formações discursivas apresentadas. Nesse caso, as matérias selecionadas foram: a) SD 1 - “Há questões não resolvidas para compra do Twitter, afirma Musk”, publicada em 21/06/2022; b) SD 2 - “EUA aprovam apreensão de dois aviões particulares de Abramovich”, publicada em 06/06/2022.

Caso CNN, Elon Musk e Oligarcas

Russos - Na SD1, é possível considerar diversos marcadores que atribuem Formações Discursivas que sugerem uma visão mais pró-Estados Unidos e que reforçam os ideais da diplomacia pública dos Estados Unidos, conforme prescrito em FD1.

SD3 - No mês passado, o bilionário

suspendeu temporariamente a compra do Twitter, ao questionar dados sobre o porcentual de contas falsas na rede

social.

SD4 - O bilionário Elon Musk reiterou que a questão de contas falsas no Twitter está entre assuntos “não resolvidos” com os quais ele precisa lidar antes de completar sua aquisição da empresa de mídia social, numa transação avaliada em US$ 44 bilhões.

SD5 - No mês passado, o CEO da Tesla e da SpaceX suspendeu temporariamente a compra do Twitter, ao questionar dados sobre o porcentual de contas falsas na rede social.

Essas etapas do texto apresentam Elon Musk como um homem de negócios interessado em proteger a credibilidade da rede social que está adquirindo. Necessário discorrer sobre a influência do Twitter como ferramenta política nos tempos atuais e no simulacro pretendido de criar, no empresário, a imagem de um defensor da democracia.

O termo “CEO” (Chief Executive Officer) constrói a ideia de alto executivo de empresas de sucesso e reconhecidas mundialmente como sinônimos de inovação.

Na SD4, observa-se uma predominância de adjetivos que suscitam conclusões a respeito do bilionário americano como ícone de sucesso capitalista.

SD6 - No total, os veículos do oligarca russo estão avaliados em quase 2 bilhões de reais de acordo com Formação Discursiva 2.

SD7 - Um juiz dos EUA aprovou a apreensão de dois aviões particulares do oligarca russo Roman Abramovich avaliados em mais de US$ 400 milhões (R$ 1,92 bilhão) por violar as leis de exportação e sanções dos EUA, conforme FD2.

Ao longo do texto, o termo “oligarca” é utilizado para identificar o bilionário russo, em vez do termo “bilionário”. No entanto, por ser uma matéria que trata de uma denúncia, não se apresentam dados sobre como o empresário enriqueceu ou mesmo a origem da sua fortuna. O termo “oligarca” qualifica o empresário necessariamente como alguém que faz parte de um grupo seleto de pessoas que se beneficiam de relações espúrias com o governo.

Conclusões - Observando o exposto na teoria da Análise do Discurso, as duas matérias foram analisadas à luz da Formação Discursiva (FD). Na definição de Pêcheux (1995, p. 160 apud Benetti, 2007),

Formação Discursiva é o que mais se aproxima de uma formação ideológica apresentada por sujeitos em particular instados ideologicamente.

Outrossim, não é de se esperar de um texto jornalístico o ingênuo posicionamento positivista que defende a isenção do profissional. Há um componente ideológico em qualquer modo de expressão discursivo. Estabelecendo uma ligação entre as intenções da diplomacia pública estadunidense, a estrutura textual das matérias estudadas indica uma aproximação maior de um posicionamento pró-Estados Unidos e menos pró-Rússia. A escolha de adjetivações distintas para personagens semelhantes na esfera econômica capitalista deixa clara tal intenção.

Referências

ARNDT, R. T. The First Resort of Kings: American Cultural Diplomacy in the Twentieth Century. Paperback, 2007.

ASSIS, Ângelo de; BULHÕES, Marcelo. Dialogismo de Bakhtin no jornalismo econômico brasileiro. Estudos em Jornalismo e Mídia. Florianópolis, p. 138-152. 21 abr. 2015.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BENETTI, Marcia. Análise do Discurso em Jornalismo: estudo de vozes e sentidos. In: LAGO, Cláudia; BENETTI, Márcia (org.).

Metodologia de Pesquisa em Jornalis-

mo. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. Cap. 1. p. 107-121.

HALL, Stuart et al. A produção social das notícias: o mugging nos media. In: TRAQUINA, Nelson (org.). Jornalismo: questões, teorias e estórias. Florianópolis: Insular, 2016.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso. Uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni P. Orlandi (et al.). 2. ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 1995.

Thiago Diniz do Nascimento é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE, mestre em Marketing pela University of Huddersfield e publicitário da Agência Ampla.