Graciano 6

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E como você pôe isso na literatura? Tormentos Ocasionais (1998) é um jogo. É muito curioso. Uma vez chegou uma editora lésbica e disse que ela tinha que ter editado o livro. Eu tomei um susto, mas eu tinha feito um trato com a linguagem. O livro omite as marcas de gênero. Foi um trabalho terrível. Não tem a expressão “estou ansiosa”, mas tem “estou triste”. “Triste” é masculino ou feminino? A fala dela me fez ler o livro novamente, como leitora, e dizer “eu fiz um livro lésbico”! Ele é todo feito na ambigüidade do relacionamento. Ele permite que você o articule. É um jogo. Um lance de dados jamais vai abolir o acaso. E foi um trabalho artesanal. Você pode abrir o livro e procurar, linha por linha. não há uma marca de gênero. É parte do empenho profissional. Que livros essenciais você indicaria para jovens leitores e escritores? O básico. Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho e o Que Ela Encontrou Por Lá, de Lewis Carroll. Para mim, Alice é uma lição de escritura. Ele é tão bem feito...e é um jogo! Ele é estruturado por um jogo de xadrez. Ele é tão letal, tão inteligente e ao mesmo tempo tão poderoso em sua sensibilidade. Alice é para a vida toda. Quando eu estava na escola primária, aos 5 anos, eu aprendi a ler sozinha. Aprendi juntando pela lógica - eu sou muito lógica, muito racional - aquele suco de letras. Aprendi com Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. É ótimo para quem tem uma irmãzinha, uma sobrinhazinha. Minha neta de nove anos, a Vitória, já está lendo. Cais da minha vida sete vezes partida, aquela criança. Nasceu depois que meu filho morreu, então é uma espécie de

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curativo para as feridas do velho coração da Bernadette. Tem um escritor russo que todo mundo conhece por Lolita, o Vladimir Nabokov, que é meu ídolo. Ele tem um livro chamado Fogo Pálido. O livro é divino. É em torno de um poema falso e as anotações dele sobre o poema. E tem Cortázar. Eu tenho tudo de Cortázar. Até um livro rarissimo que eu comprei num sebo na França. Duvido quem tenha aquele. São ensaios dele sobre arte, pintura, pintores não clássicos, da época dele, do círculo de amizades dele. E Donald Barthelme, um contista americano da década de 80, pós-moderno, primorosamente racional, material. Cortado, não tem pé nem cabeça. São jogos, na verdade. É um escritor a quem eu devo muito. É um surrealismo urbano. Além de Clarice. Citada por 9 de 10 estudantes de letras, mas eu tenho que citar. • • •


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