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Biografia: Filhas da Caridade de  São Vicente de Paulo

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Diário de Bordo

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Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo

Também conhecidas como “Filhas da caridade”, “Irmãs de São Vicente de Paulo” ou simplesmente “Vicentinas”, entre outras nomenclaturas, a congregação religiosa “Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo” é uma sociedade de vida apostólica comunitária fundada na França, em 1633, por Vicente de Paulo e Luísa de Marillac, apóstolos que em vida se dedicaram a trabalhar em prol da população carente, cuja missão é o serviço aos pobres e marginalizados. No Brasil, mais especificamente na cidade Mariana - MG, esse trabalho começou em abril de 1849 e se deu de diferentes formas, sobretudo no trabalho voluntário em escolas, campos de batalha e hospitais, através da utilização de preparados homeopáticos para tratar diferentes quadros de saúde, de doenças sazonais a epidemias.

A vinda de 12 freiras para a cidade de Mariana se deu pelo intermédio do bispo da época, Dom Viçoso, que recorreu ao Superior Geral dos Padres da Missão e das Filhas da Caridade para sugerir um trabalho de evangelização da nação brasileira.

É importante ressaltar que a Homeopatia havia sido introduzida no Brasil poucos anos antes da chegada das irmãs francesas a Mariana, no ano de 1840, por Jules Benoit Mure, médico francês, e o tutor do imperador D. Pedro II - José Bonifácio, que teve como primeiro discípulo o médico português João Vicente Martins, propagador do tratamento homeopático no norte e nordeste brasileiro ao lado de Sabino Pinto.

Até o ano de 1859, o Brasil foi palco de um intenso debate político-institucional entre homeopatas e adeptos da medicina tradicional, uma vez que alopatas temiam perder espaço para o tratamento homeopático e, inclusive, chegaram a usar a imprensa para atacar a Homeopatia, fazendo de publicações como o Jornal do Commércio uma carta aberta para para se referirem a homeopatas como charlatões e assassinos.

A medicina brasileira do século XVIII era regulamentada pela Coroa Portuguesa, que chegou a proibir o uso de plantas da cultura popular em diferentes momentos a partir do período medieval. Os médicos da Academia Imperial de

Medicina não queriam concorrência e determinaram que a medicina oficial deveria ser hegemônica, portanto, o saber popular deveria ser eliminado. Contudo, como a presença de médicos e boticários era quase inexistente, os grupos que acabavam sendo procurados para atender emergências de saúde eram indígenas, negros e jesuítas.

Com a formação das primeiras escolas de medicina em 1832, houve a criação da Lei de 3 de Outubro de 1832, que declarou que o ensino da medicina era livre e qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, poderia estabelecer cursos particulares sobre ramos das ciências médicas, bem como lecionar conforme a própria vontade, sem oposição por parte de instituições de ensino. Foi devido a ambiguidade deste e de demais regulamentos que se sucederam, que a Homeopatia foi legitimada no ano de 1846 e seus diplomas puderam ser conferidos.

Benoit Mure e João Vicente Martins eram adeptos da filosofia de Samuel Hahnemann, que acreditava que todos tinham direito de saber como curar. Através deles, a distribuição de livros e medicamentos homeopáticos a padres, professores e comerciantes foi iniciada no interior das províncias em fazendas, dispensários e fazendas. Enquanto isso, as Vicentinas foram alocadas em ambulatórios, enfermarias e consultórios gratuitos de Homeopatia para tratar escravos e outros indivíduos socialmente excluídos, assu - mindo cuidados médicos à população carente como uma de suas prioridades.

De acordo com registros históricos, a campanha da Academia Imperial que colocava homeopatas como criminosos de charlatanismo não repercutiu no interior do Brasil e o tratamento homeopático difundido por Mure e Martins chegou a Mariana em 1849, mesma época em que o Ministério do Império assumiu o comando da saúde pública por conta da ineficiência das câmaras no controle de epidemias. Afinal, a garantia de tratamento médico era exclusiva para grupos privilegiados e os médicos falhavam em atender as demandas do interior.

As Filhas da Caridade desembarcaram no Brasil após três meses de viagem por mar, e completaram o percurso do Rio de Janeiro até Minas Gerais a cavalo, chegando a Mariana no dia 3 de abril de 1849, há mais de 170 anos. Aos obstáculos da missão, as 12 Irmãs acrescentaram o aprendizado de uma nova língua e de novos costumes, além das visitas domiciliares a pobres e enfermos.

A medicina era precária na cidade de Mariana, por conta das condições sociais da população, cuja característica era a religiosidade e a confiança nas Irmãs de São Vicente de Paulo. Em correspondências trocadas entre elas e o bispo Dom Viçoso, as Vicentinas relataram o morticínio ocasionado pela Febre Amarela no Rio de Janeiro em 1850 e o adoecimento de algumas delas durante o trabalho de peregrinação e cuidado aos pobres, citando sintomas de diarreia, asfixia, vômitos, edemas e dores.

Mesmo antes de chegarem ao Brasil, as Vicentinas já tinham o hábito de fabricarem seus próprios remédios, e foi através do auxílio que receberam do homeopata João Vicente Martins, que publicava prescrições homeopáticas para tratar casos de Cólera Morbus e Febre Amarela no Jornal do Commércio, que elas introduziram o tratamento homeopático na cidade de Mariana. As Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo chegaram, inclusive, a receber um livro de Homeopatia de Martins, e produziram preparados homeopáticos bem como alopáticos e fitoterápicos para distribuição gratuita.

O hospital das Irmãs foi fundado em maio de 1849, com ajuda de Dom Ferreira Viçoso, e era voltado ao atendimento de mulheres. Em 1854 iniciou-se o projeto de fundação do hospital Nossa Senhora das Vitórias, que atendeu mais de sete mil enfermos. Já em 1916 foi inaugurado o novo prédio do Hospital São Vicente de Paulo e no ano de 1927 o Dispensário São Vicente de Paulo, a fim de socorrer as famílias carentes com consultas médicas, medicamentos, aplicação de vacinas e distribuição de alimentos. Todo o trabalho era feito pelas próprias irmãs e os médicos não eram figuras presentes em Mariana.

As Irmãs estabeleceram contato regular com o médico homeopata João Vicente Martins, que as incentivou a fazerem uso das práticas homeopáticas fornecidas pelo manual de homeopatia doado a elas. Portanto, o saber médico das Vicentinas não era regularizado pela medicina oficial. As técnicas médicas usadas por elas também não foram repreendidas pelo poder político por também serem protegidas por este devido a ambiguidade da regulamentação da época.

Apostava-se que o silêncio da medicina oficial hegemônica a respeito da Homeopatia a tornaria irrelevante eventualmente, entretanto, a tentativa de centralização da medicina pelo poder político da época não foi bem sucedida, principalmente em Mariana, onde a população carente sequer tinha os recursos necessários para manutenção da própria saúde.

O hospital das Vicentinas e suas técnicas de cura foram de grande auxílio para os grandes grupos ignorados pela Coroa e pelos médicos tradicionais, que fizeram tudo ao seu alcance junto a Academia Imperial de Medicina para combater a Homeopatia e todas as outras formas de cura que não fossem alopáticas, mas o uso destas por parte de ordens religiosas, como as Vicentinas, contribuíram para seu fortalecimento e permanência.

Assim, no período conhecido como a retomada social da Homeopatia, que ocorreu entre 1975 e 1990, esta foi reconhe - cida pelo Conselho Federal de Medicina em 1980. Em 2006, o Ministério da Saúde publicou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS e é defendida, hoje, pela pasta, como eficaz para prevenção e tratamento de doenças.

Fontes:

Site Agência Primaz

Site Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo

Site Mariana Histórica e Cultural

SOUZA, C.A Introdução da Homeopatia em Mariana no século XIX. Tese (Bacharelado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Ouro Preto. 2003.

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