
12 minute read
Edu de Barros
GAR impo
Afresco, 2020 (Detalhe).
de barros, EDU

O JOVEM ARTISTA CARIOCA EDU DE BARROS TEM EM SUA PRÁTICA MULTIPLA E VISUALMENTE ENVOLVENTE, FONTES DO SIMBOLISMO CRISTÃO E ESOTÉRICO. SUAS PINTURAS FIGURATIVAS EM GRANDE ESCALA E INSTALAÇÕES SÃO REPLETAS DE AMBIGÜIDADE COM PITADAS DE IRONIA SOBRE FENÔMENOS CULTURAIS E POLÍTICOS
POR LEANDRO FAZOLLA
“Repleto do Espírito Santo, Jesus voltou do Rio Jordão, e era conduzido pelo Espírito através do deserto. Aí ele foi tentado pelo diabo durante quarenta dias” (Lc 4, 1-2). Para iniciar este texto, abro o armário para recorrer a uma Bíblia já empoeirada pela falta de manejo através dos anos. Mas, pensar nos quarenta dias no deserto do Cristo, foi quase inevitável ao me deparar com a quarentena do artista Edu de Barros. Formado em Design pela PUC-Rio, Edu vê na arte mais do que um ofício, uma religião, palavra aqui não tomada apenas como metáfora para um fazer intenso e devoto. Conhecido como “profeta”, Edu é um dos fundadores da chamada Anoiva, a Igreja do Reino da Arte, entidade criada por artistas que acreditam em seu processo como uma maneira de acessar o divino. Parte indissociável de seu trabalho, elementos da religiosidade, sobretudo judaico-cristã, fazem-se presentes em sua produção. Sua mais recente exposição, , exemplifica bem isso: estavam na Sé Galeria obras que utilizam de toda uma sorte de elementos sacros, sem, no entanto, deixarem de lançar mão de uma fina dose de ironia. Se biblicamente o som das trombetas anunciam eventos
Sem título, 2017. Cortesia Sé Galeria. Foto: Guigo Sorbello.


Massacre in Boston , Panel 2, 1954-55. © The Jacob and Gwendolyn Knight Lawrence Foundation, Seattle/Artists Rights Society (ARS), New York. Photo by Bob Packert/PEM

apocalípticos, a galeria recebia trombetas verdes e amarelas que, nos últimos anos, parecem anunciar o fim dos tempos no país; assim como uma série de esculturas formadas a partir da fusão de ex-votos, peças de cera comumente usadas em promessas e agradecimentos pela graça recebida. O principal projeto de Edu durante a pandemia, no entanto, ganhava destaque na exposição. O artista saiu da Favela da Rocinha, onde mora, para ficar duas semanas em São Paulo, onde faria uma espécie de retiro para sua individual. Uma vez na cidade, instaurou-se o apocalipse: o avanço da pandemia de COVID-19 fechou a galeria, cancelou a abertura da mostra e fez os ônibus interestaduais pararem. Edu não tinha como voltar. Foi então que, passadas as duas semanas previstas, o artista, literalmente,
Acima: Defeat, Panel 9, 1954 e I alarmed almost every house till I got to Lexington.—Paul Revere , Panel 4, 1954. © The Jacob and Gwendolyn Knight Lawrence Foundation, Seattle/ARS, New York.

4 cavalos, 2020. Cortesia Sé Galeria. Foto: Guigo Sorbello.
mudou-se para a galeria. Dormiu em colchonetes no segundo andar e tomou banho de balde (e água fria) na área externa. Ali, em confinamento quase monástico, pintou. O projeto, que originalmente levaria duas semanas, ampliou-se. Ao longo dos dias, transmitia ao vivo seu processo de imersão criativa. Em , que tomava paredes e teto da galeria, objetos sacros dividem espaço com cadeiras de bares, pombas (da paz?) se misturam a cachorros vira-latas, querubins se relacionam com todo tipo de gente, corpos, os mais variados, os mais marginalizados. Em tempos de novo extremismo religioso, Edu parece profetizar que nenhum paraíso pode existir sem que haja uma roda de bar e garrafas de cerveja aos montes.
Peace , Panel 26, 1956, © The Jacob and Gwendolyn Knight Lawrence Foundation, Seattle/Artists Rights Society (ARS), New York.


A obra atualmente faz parte da Artissima Fair XYZ, cujas obras podem ser vistas pelo xyz.artissima.art. Outra obra de Edu, um arco-íris (símbolo bíblico da aliança divina com a humanidade e também da comunidade LGBTQIA+) feito de cadeiras de bar, ganha destaque no último videoclipe da cantora Ludmilla, “Rainha da Favela”, em que a cantora se reúne para uma ceia com outras que antecederam seu trabalho. “Jesus voltou para a Galileia, com a força do espírito, e sua fama espalhou-se por toda a redondeza” (Lc 4, 14).
Leandro Fazolla é ator, historiador e produtor cultural. Mestre em Arte e Cultura Contemporânea. Bacharel em História da Arte. Ator e produtor da Cia. Cerne, com a qual foi contemplado no edital Rumos Itaú Cultural.

Em sentido horário: Cabum, 2020; Tornado I, 2020 e Menino do Rio, 2017. Cortesia Sé Galeria. Foto: Edu de Barros.

Georges Seurat, Un dimanche après-midi sur l'île de la Grande Jatte, Etude, 1884 © The Metropolitan Museum of Art, Dist. RMN-Grand Palais / image of the MMA

NOTAS do mercado,
Antonio Maluf

Rpdrigo Andrade

Lucas Arruda POR LIEGE JUNG

Mais um mês se encerra e firma a percepção de um mercado de arte em aquecimento, com vários leilões fortes em qualidade e vendas. O da Bolsa de Arte em 29/10 trouxe pérolas modernas de duas coleções particulares notáveis, com joias de artistas como Ubi Bava, Lothar Charoux e Maria Leontina, com menos de 20% dos lotes não vendidos. As disputas mais intensas foram pelos móveis assinados por Joaquim Tenreiro, que estão cada vez mais em voga na Europa.
No leilão de Aloísio Cravo em 5/11, um mix amplo de épocas e estilo, com presença de contemporâneos interessantes. Destaque para as telas de Henrique Oliveira e Lucia Laguna.
Ao redor do mundo, a pandemia teve um impacto inesperado. Os ótimos resultados dos grandes leilões internacionais mostraram uma ascenção nas vendas de obras de grandes mestres, modernos e impressionistas, mercados até então vistos como estagnados. Especula-se que a crise tenha forçado a venda de obras raras de grande qualidade, fatia que sempre encontra compradores em todas as categorias.
RESULTADOS DE LEILÕES (VALORES SEM COMISSÃO)
Cícero Dias, Déc.1960, OST, 61x50, inicial R$180.000, venda R$210.000 - Bolsa de Arte - 29/10/2020
Antonio Maluf, AST, 30x30, inicial R$70.000, venda R$60.000 - Bolsa de Arte - 29/10/2020
Lygia Clark, Duralumínio, Ed. Bolsa de Valores, inicial R$35.000, venda R$70.000 -Bolsa de Arte - 29/10/2020
Rodrigo Andrade, OST, 120 x 180, inicial R$70.000, venda R$87.000 - Aloisio Cravo - 5/11/2020
Mira Schendel, - técnica mista, 39,7 x 28, inicial R$ 85.000, venda R$ 106.000 - Aloisio Cravo - 5/11/2020
Jorge Guinle, OST, 150 x 200 cm, inicial R$180.000, venda R$260.000 - Aloisio Cravo - 5/11/2020
Sergio Camargo, 1966, madeira pintada, 27x30x23. Inicial USD260.000, venda USD260.000 - Sotheby's - 17/11/2020
Lucas Arruda, 2011, óleo sobre linho, 33 x 42, inicial USD60.000, venda USD73.000 Sotheby's - 18/11/2020
PRÓXIMOS LEILÕES
7/12/2020: Phillips | Coleção Royal: Artistas Negros + Arte Contemporânes
14/12/2020: Sotheby’s | Fotografias de Ansel Adams
Lygia Clark

Mira Schendel

Jorge Guinle

ALTO falante,
POR ALEXANDRE SÁ
A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA REPRODUTIBILIDADE TURÍSTICA. AINDA. PARTE II
O que chamo de era da reprodutibilidade turística é um momento onde a imagem, mesmo que saibamos que seja esta sua sina, utiliza os mais diversos recursos para a produção de uma força visual arrebatadora e não menos violenta. Onde por vezes o caminho escolhido é o da explicitação representativa de sua superfície esquelética de captura e nada além disto. O alvo desta imagem é o estranhamento, o fetiche do exótico e do distante através de um método de pseudo-aproximação que satisfaça ao espectador, amparado na inconsciente relação com a familiaridade. Por outro lado, é um momento de absoluta velocidade na comunicação, na transmissão de dados, nos contatos entre pessoas e entre países. De rizomas e hipertextos. É um momento no qual, pela quantidade enorme de dados em trânsito, inclusive nós mesmos como parte de tais dados e instrumentos de algoritmos, nos sentimos consideravelmente perdidos numa conjunção de implicada democracia de acesso, diluição de fronteiras e de expansão de territórios, como em um movimento intermitente de deslocamento e de pouco estabelecimento no sentido talvez, ainda se possível, tradicional. A imagem, ou melhor, a projeção e o efeito da imagem, mais especificamente que sua produção, é o eixo norteador da reprodutibilidade turística pois é lacônica em sua superfície, fácil de imprimir-se na memória e repleta de vontade de potência. “Agora as imagens, que são o passado da realidade, começam a revelarem-se em direção a duração, o tempo presente da experiência espacial imediata.” Como uma de suas consequências, é detectável um aumento inevitável da perda da naturalidade, agora deambulatória pela quantidade e velocidade de sua transmissão que, por priorizar o turismo como um processo criativo, termina por desaguar em um inelutável hábito de imitação de si mesmo que parecem necessários para a supressão do tempo de ócio, através de sua pasteurização. Embora seja possível considerar que anteriormente e diante de um processo analógico de fotografia, a ideia de pose e de artificialidade se colocavam, seria ingênuo considerar que o artificialismo da presença imposta como imagem é um elemento natural da produção técnica. Havia ali, uma tentativa infinita e consideravelmente preciosista de erros e acertos na feitura de uma imagem que mesmo posada, representava talvez por sua unicidade, um não-lugar, um espaço de passagem que tentava se aproximar da maneira que era possível da experiência natural do existir, resistindo inclusive ao tempo e projetando seu devir em alguma duração e infinitude.
Embora saibamos de todas essas relações na vida prática, não parece inócuo lembrar a fotografia digital, a internet e as redes sociais e seus infinitos aplicativos nos quais a imagem produzida se estabelece por meios virtuais, talvez eliminando alguma profundidade de campo inerente ao processo analógico. Ou de outra forma, talvez seja possível indicar que trata-se de uma maneira encontrada para que a própria imagem aproxime-se daquilo que sempre desejou: a virtualidade. E se a produção de tais imagens aumenta exponencialmente, seu processo de veiculação e circulação o faz da mesma forma, apostando por vezes em sua repetição e desconsiderando sua diferença diante de um desejo moto-contínuo de tornar-se todo-imagem, que reflete no fundo de sua câmara semântica a inelutável experiência da morte e de sua respectiva desertificação. Considerando que vivemos numa época a qual Deleuze se refere como sociedade de controle, mediada pelos dispositivos e por sua total autoridade na regência da vida, como sendo um um desdobramento da sociedade disciplinar discutida por Michel Foucault, é possível encontrar alguma visibilidade desta imagem turística, já que esta sociedade de controle preconiza a vigilância intermitente, utilizando como um dos seus vários métodos, o elemento imagético como meio de policiamento e de indução de significância. Este tipo de sociedade tem como uma de suas estratégias, o esvaziamento da imagem como poética ou da própria poética da imagem e seu preenchimento como fonte de informação sistêmica, deslocando-a de sua função estética e apostando no seu devir informático, restritivo e informacional. A era da reprodutibilidade turística faz-se valer disso, pois antes mesmo da detecção e do mapeamento de uma informação a ser veiculada, instaura-se conceitualmente e simbolicamente um olhar maquínico, onipresente, onisciente e de vigilância incansável.
“Os estímulos vindos com os meios de comunicação de massa, com a linguagem plurissensorial e fílmica, que não se afasta do concreto, têm sido um terrível acelerador das energias orgânicas exteriores do sujeito. No plano psíquico-tecnológico está uma das chaves para a explicação dessa inquieta e quase neurótica obsessão da pesquisa que domina os artistas mais audazes e criativos da época. Nessa grave encruzilhada em que se encontra a Arte, o artista é excitado por mil solicitações, vindas do mundo-ambiente, cada vez mais amplo, mais completo e surpreendente.”
Por outro lado, seria ingênuo demais tentar potencializar uma negação absoluta de tal experiência de imagem. Trata-se de um desejo de detecção de problemáticas que auxiliem na descoberta de outros fluxos e por conseguinte, outras negociações. auxiliando inclusive que os os artistas hoje, procurem usá-la a favor de suas respectivas práticas artísticas. Relembrando Walter Benjamin, “A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para ser reproduzida.”. O emblema (ao avesso, como antídoto) da reprodutibilidade turística então se revela: reproduzir-se, copiar-se, descobrir-se passível de investimento, gerar capital, aprimorar eternamente a imagem e aprofundar aquilo que a constitui, ser efêmero sem ser volátil, reinventar (quando necessário) todo o ritual possível, aproveitar, fazer uso de recursos, movimentar-se sem intermitência, desbravar novos habitantes que carreguem ainda algo de original, experimentar novas situações plásticas, agenciar a pasteurização, procurar as exceções, satisfazer-se. Numa era de imagens, o que sobra é exatamente a produção incansável de muito mais imagens, que consigam por sua vez, serem contrapostas à quantidade inesgotável de imagens públicas que são veiculadas diariamente, projetando novas imagens sobre o mundo que se apresenta, já que na reprodutibilidade turística a possibilidade de invenção de novos mundos (em diversas camadas de significância) é uma das novas linhas de fuga que se anuncia. Então, a figura do artista hoje, ressurge bem próxima daquilo que Hans Belting nos diz sobre a condição de Sísifo:
“Para Camus ele é a figura-símbolo de uma revolta que expressa na criação artística a experiência de um mundo absurdo. Sísifo sabe sobre a inutilidade de sua revolta, e só esse saber lhe restitui a autonomia pessoal que, do contrário, ele perderia ou teria perdido. Os artistas fazem um gesto de autoafirmação, embora saibam que eles nada alterarão no mundo, mas eles podem se conscientizar de seu estado. ‘Nisso consiste a alegria secreta de Sísifo. Seu destino pertence agora a ele só. A luta contra o cume pode preencher um coração humano. Temos de imaginar Sísifo como um homem feliz.”
Alexandre Sá é artista-pesquisador. Atual diretor do Instituto de Artes da UERJ. Pós-doutor em Filosofia pelo PPGF/UFRJ. Pós-doutor em Estudos Contemporâneos das Artes pela UFF e Doutor em Artes Visuais pela EBAUFRJ. E-mail: alexandresabarretto@gmail.com