Darcy Nº 12

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Diálogos

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mEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA José Geraldo de Sousa Júnior

ma questão posta por Walter Benjamin para designar o processo da memória histórica é que articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como ele de fato foi”, mas antes, apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. A imagem elaborada por Benjamin serviu à sua interpretação da realidade de um tempo de paroxismo totalitário, ao qual ele próprio sucumbiu, e que marcou o mundo por uma referência de brutal irracionalidade. Tenho em mente esta questão quando o tema da memória e da verdade é trazido à evidência no Brasil, com a decisão de instalar no país uma Comissão de Verdade, seguindo modelo adotado em países que precisam apurar violações de direitos durante regimes de exceção. A reivindicação de uma Comissão de Verdade e Justiça, mesmo na forma atual de Comissão de Verdade, decorre da Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em dezembro de 2008, com caráter deliberativo. Atende também à natureza cogente do direito internacional dos direitos humanos, expressa em decisões de tribunais internacionais que indicam ao Brasil a importância de concluir o processo de democratização com a verdade sobre os fatos, para evitar repetições de ciclos de violência. Resolução da OEA (2006) reconhece a importância do direito à verdade para por fim à impunidade e para proteger os direitos humanos. A resolução traduz a ideia de que é necessário não só dar resposta às expectativas de familiares de pessoas torturadas e mortas nos anos da ditadura (sem que, em muitos casos, sequer os corpos tenham sido localizados). Também é imperativo recuperar arquivos ainda em mãos de órgãos de segurança e de repressão, de modo a elucidar casos de desaparecimentos e identificar

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situações e agentes que tenham dado causa a violações. Essa reivindicação inscreve-se nos fundamentos do que se denomina justiça de transição e pode ser definida como esforço para a construção da paz sustentável após um período de conflito, violência em massa ou violação sistemática dos direitos humanos, para utilizar o conceito proposto por Paul Van Zyl, vice-presidente do International Center for Transitional Justice. Estes fundamentos estão presentes na decisão de criar na UnB, tal como se estabeleceu por meio da Resolução da Reitoria nº 0085/2012, uma comissão própria denominada Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília. Trata-se de atribuir um sentido de complementariedade aos objetivos dessa Comissão para, em âmbito específico, contribuir para o desvendamento de situações demarcadas pelas comissões de reparação criadas na esfera federal, quais sejam, a Comissão Especial sobre Mortos e Desparecidos, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e a Comissão Nacional da Verdade. No caso da UnB, trata-se de exercitar também o papel da universidade na efetivação do direito à memória e à verdade e, nesse passo, de recuperar sua história a partir da investigação a respeito da repressão que se abateu sobre professores, técnicos e estudantes e alcançou o seu projeto originário, impondo sucessivas interrupções de curso. A iniciativa integra-se à ideia de justiça transicional. O que não se pode perder de vista, à luz de seus enunciados, é que a justiça transicional admite, sim, reconciliação, mas implica necessariamente identificar os perpetradores das violações, revelar a verdade sobre as ocorrências, conceder reparações às vítimas e, sobretudo, reformar e reeducar as instituições responsáveis pelos abusos.

José Geraldo de Sousa Junior é doutor em Ciências do Direito, professor e reitor da Universidade de Brasília


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