Arquivo pessoal
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Varella nas obras de Oscar Niemeyer José Negreiros
osé Augusto Varella Neto veio para Brasília menino, em 1966. Filho de funcionário público, morou na 109 Sul, centro de um conjunto de quadras que formavam o primeiro bairro classe média da cidade. Ali surgiu o Bar Beirute, sede da boemia candanga. Perto havia a única Escola Parque que vingou e o Clube de Vizinhança, onde o ídolo do basquete, Oscar Schmidt, começou a jogar. Era véspera do golpe dentro do golpe. A linha dura tomou o poder, decretou o AI-5, instituiu a tortura e levou ao infarto o Brasil e o ditador de plantão, general Costa e Silva. O batismo de Varella para a fotografia ocorreu num mundo um tanto ingênuo, se visto longe dos quarteis. O Brasil se resumia ao Rio de Janeiro e a política era proibida. Seu pai trabalhava no Poder Legislativo e ficaria feliz se o filho o sucedesse numa diretoria da Câmara dos Deputados. A paisagem, no entanto, era riquíssima. O descampado verde cercado pela simetria dos 17 prédios dos ministérios, quatro palácios e as solitárias torres gêmeas do Congresso. Eis o playground profissional do Zé. Aos 17 anos, foi ali que ele começou a ganhar a vida tirando fotografias das obras de Niemeyer por dentro, com deputados e senadores simulando o jogo político. E por fora, onde “a composição se formulou em função das conveniências da arquitetura e do urbanismo, dos volumes, dos espaços livres”, de acordo com Oscar. José fotografou para o Correio do Planalto, Jornal de Brasília, Jornal do Brasil, revista IstoÉ, Agência Estado, France Press, Correio
Braziliense e Agência Senado. Cobriu a primeira campanha eleitoral com voto direto para presidente depois da ditadura e as viagens internacionais de Fernando Collor e Fernando Henrique. Entre 2002 e 2008, Varella foi mais longe. Ganhou três prêmios muito importantes, um deles internacional: Fundación Nuevo Periodismo Ibero-americano fundada pelo repórter e escritor Gabriel Garcia Marquez, Nobel de Literatura, em Cartagena de Índias (Colômbia); Ayrton Senna e Esso de Reportagem, em parceria com a repórter Ana Beatriz Magno, no caderno especial “Os Brinquedos dos Anjos”, de 12 páginas, publicado pelo Correio Braziliense. Em vez de ver cartões postais, Varella capturou o caráter de monumentalidade que o traço de Niemeyer confere à capital. A estrutura que suporta a cabeça de Juscelino Kubitschek, por exemplo, sugere um aríete contra o Planalto; colunas e vãos do Itamaraty dão a impressão de fazer parte de uma paisagem remota; e a capela vista a partir da visão da sede do Poder Executivo cria uma terceira forma. As cores vazam no horizonte, no céu, na grama. É o resultado do olho privilegiado do repórter, leitor curioso, consumidor de música, viajante profissional que enquadra, registra, multiplica dentro de outra escala. Tão belos quanto as obras do gênio, os sete registros cedidos pelo Correio Braziliense à revista darcy fotografam José Augusto Varela Neto, 55 anos, que nos deixou duas semanas depois de Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares Filho, aos 105.
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