Darcy Nº 07

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A ciência brasileira perdeu em junho um de seus maiores nomes. Indicado duas vezes ao Nobel da Química, Otto Gottlieb foi pioneiro em defender a riqueza das florestas nacionais

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Tiago Padilha

Repórter · Revista darcy

tto Gottlieb costumava falar pouco e baixo. Podia passar despercebido em festas de casamento e aniversários, nas quais raramente puxava assunto com alguém. Se permitissem, ficaria quieto num canto. O químico Otto, porém, se transformava ao exercer as atividades de pesquisador e professor, às quais se dedicou por mais de 50 anos. “Quando estava com um colega ou um aluno, ele era completamente diferente. Era expansivo, procurava as pessoas”, descreve seu filho Raul. “Ele era tímido, reservado, aparentemente frágil. Mas, quando ia dar aula ou palestra, virava um líder”, confirma Maria Renata Borin, amiga de Otto e sua colaboradora de mais longa data. Considerado o principal nome da América Latina numa das mais antigas divisões da Química, a de produtos naturais, Otto Richard Gottlieb morreu em 19 de junho último, aos 90 anos. Debilitado pelo mal de Parkinson, não resistiu a uma pneumonia. Nascido na cidade de Brno, antiga Tchecoslováquia, chegou ao Brasil aos 19 anos e adotou a nacionalidade local quando completou 21, opção permitida por lei já que sua mãe era natural de Petrópolis, Rio de Janeiro. “Quando o pessoal perguntava se era brasileiro, ele dizia, brincando, que era um puro baiano”, lembra Maria Renata. Otto foi um dos poucos brasileiros indicados à maior honraria do mundo, o Prêmio Nobel. A Real Academia

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Sueca de Ciências, responsável pela láurea, só revela informações sobre candidatos 50 anos após a disputa. No entanto, o polonês naturalizado norte-americano Roald Hoffmann – que recebeu o Nobel de Química em 1981 e, por isso, está habilitado a fazer indicações – declarou ter recomendado o nome de Otto por duas vezes, em 1999 e 2000. “Não tenho como saber se outros também o indicaram”, afirmou Hoffman à darcy, por e-mail. Otto foi pioneiro, no Brasil, no desenvolvimento da fitoquímica, campo que estuda os compostos químicos produzidos pelas plantas. Integrou o corpo editorial do principal periódico da área, Phytochemistry. “Doutor Gottlieb trouxe à ciência brasileira os mais elevados padrões em química de produtos naturais, fez as pessoas verem que as florestas têm grande valor comercial e podem ser fonte para a criação de medicamentos”, avaliou Hoffmann. Os trabalhos de Otto deram uma nova dimensão ao significado de biodiversidade, termo que se refere ao conjunto de seres vivos e ecossistemas do mundo natural. O químico brasileiro dizia que as florestas são como imensas bibliotecas, compostas por milhares de livros. No Brasil, há mais de 40 mil espécies conhecidas de plantas, segundo o Centro de Referência em Informação Ambiental. O grande temor de Otto era que o desmatamento extinguisse algumas delas antes mesmo de serem “lidas”. Ele mostrou que, além do conhecimento em biologia e botâni-

Ilustrações: Sandra Crivellaro

O grande químico


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