Arco nº 6

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JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL • Nº 6 • JUN/SET 2016 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

este espaço também é meu

ISSN: 2318-0757

INPE

Na UFSM, ações e pesquisas destacam diversidade sexual e de gênero

LAPEMI

Pesquisadores

LAPAS

Laboratório obtém

viajam à Antártica

Tecnologia a

patente de vacina

para estudar impactos

favor dos atletas

contra doenças em

no clima global

brasileiros

cavalos 1


Acesse: ufsm.br/arco

aproxima o saber do seu cotidiano.

AGORA TAMBÉM NO SEU CELULAR E COMPUTADOR. 2


CARTA DA

EDITORA Qual é o espaço ocupado pela comunidade LGBT? A ideia de trazer a diversidade sexual e de gênero como tema do dossiê desta edição surgiu a partir da adesão da UFSM ao nome social, ocorrida no ano passado. Quem seriam os beneficiados com essa decisão? Por que o nome social é importante para legitimar o espaço ocupado por transgêneros e travestis no âmbito da Universidade e fora dela? Nos corredores da Universidade, no trabalho, nos encontros de família e, principalmente, nas redes sociais, a comunidade LGBT tem sido pauta de muitas conversas e discussões. E o mundo acadêmico, o que teria a dizer? Nossa surpresa foi que não havia muitas pesquisas na UFSM relativas ao tema – o que demonstra que ainda há um espaço a ser preenchido. Além de uma matéria problematizando o uso do nome social na UFSM, os dois projetos que selecionamos para o nosso dossiê oferecem interessantes olhares sobre essa complexa temática da diversidade. Em “Além do armário – a sexualidade vivida sem reservas”, são trazidos relatos de jovens homossexuais do interior gaúcho que têm medo de ‘sair do armário’ por causa do preconceito. Já em “O espaço também é deles’”, é feito um mapeamento dos espaços públicos e privados ocupados pela comunidade LGBT em cidades do interior, tanto do Rio Grande do Sul quanto do Brasil. Esperamos que esse material ajude a enriquecer o debate sobre o tema na sociedade.

ARCO DIGITAL Desde 2015, a equipe da Arco, em parceria com o Laboratório de Experimentação em Jornalismo (LEx), do Departamento de Ciências da Comunicação, estava trabalhando no projeto da Arco digital. Finalmente, em março deste ano, lançamos o nosso novo site, que está disponível em www.ufsm.br/arco Com ele, pretendemos ampliar e solidificar a relação entre a Coordenadoria de Comunicação Social da UFSM e o curso de Jornalismo. Além disso, e mais importante, visamos aumentar e qualificar a produção de conteúdos sobre temas científicos e culturais de interesse público e expandir o nosso alcance, tanto em relação à comunidade acadêmica quanto à comunidade externa. O site também amplia as possibilidades temáticas: a UFSM segue sendo assunto em muitas matérias, mas também estão sendo produzidos conteúdos multimídia sobre pesquisas e projetos de outras instituições. A Arco se propõe, então, a pensar o ensino, a pesquisa e a extensão no contexto universitário de forma ampla, pautando a UFSM como referência em divulgação científica na região e visando atingir um público cada vez maior. A produção de conteúdos multimídia tem se mostrado um grande desafio para os alunos de Comunicação, que, sob a orientação da professora Laura Storch, coordenadora do LEx, têm sido estimulados a pensar o jornalismo além do tradicional texto-foto. Sabemos que a convergência dos meios oferece inumeráveis possibilidades e esperamos conseguir experimentá-las cada vez mais no nosso site. Boa leitura desta edição, e contamos com a sua visita para conhecer nosso novo site! Luciane Treulieb Editora-chefe da revista Arco

CARTA DA EDITORA

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sumário pág.

07 Curiosidades

A origem dos equipamentos do Planetário da UFSM, o Teatro Caixa Preta e o porquê das paredes verterem água

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08 Nossas Invenções

Projeto de bebedouro público e acessível para cadeirantes recebe premiações

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09 SOCIEDADE

Atividades culturais na UFSM atraem famílias e grupos de amigos nos fins de semana

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10 como surgiu?

Vamos de bicicleta? Conheça a história do meio de transporte que existe desde 1490

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diário de campo Arquipélago amazônico é destino de pesquisadores da UFSM

16 SAÚde

Laboratório da UFSM desenvolve pesquisas para controlar doenças causadas por fungos

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32 editora UFSM

Análise Macroeconômica e Avaliação Governamental busca tornar acessível conceitos da Economia

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18 TECNOLOGIA

Pioneiro da UFSM, laboratório simula ambientes adversos para treinamento de atletas


ARCO a Revista de Jornalismo Científico e Cultural da Universidade Federal de Santa Maria

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30 CLIMA

Equipe do Inpe viaja anualmente para a Antártica para estudar como a relação entre oceano e atmosfera impacta o clima global

Universidade Federal de Santa Maria Reitor Paulo Afonso Burmann Vice-Reitor Paulo Bayard Dias Gonçalves

CONSELHO EDITORIAL Amanda Eloina Scherer Professora do Departamento de Letras Clássicas e Linguística Ascísio dos Reis Pereira Coordenador de Eventos e Difusão Cultural da Pró-Reitoria de Extensão Bernardo Baldisserotto Professor do Departamento de Fisiologia e Farmacologia

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37 Recordações

Médico Ronald Bossemayer relembra histórias da primeira turma de Medicina da UFSM

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38 Escritos

Lucas Visentini relata suas experiências em Montevidéu

Daniel Arruda Coronel Diretor da Editora UFSM Graziela Maria Braga da Silva Coordenadora da Coordenadoria de Comunicação Social Hélio Leães Hey Diretor da Agência de Inovação e Transferência em Tecnologia Ivan Luiz Brondani Professor do Departamento de Zootecnia José Neri Gottfried Paniz Professor do Departamento de Química Luiz Fernando Sangói Coordenador da Educação Básica, Técnica e Tecnológica Marco Aurélio de Figueiredo Acosta Professor do Departamento de Métodos e Técnicas Desportivas Marilda Oliveira de Oliveira Professora do Departamento de Metodologia de Ensino Martha Bohrer Adaime Pró-Reitora de Graduação

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Mônica Elisa Dias Pons Professora do Departamento Multidisciplinar (Udessm)

ensaio Fotógrafo Rafael Happke desenvolve técnicas para (re)significar retratos

Paulo Cesar Piquini Coordenador de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Raul Ceretta Nunes Professor do Departamento de Eletrônica e Computação

EXPEDIENTE

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19 dossiê

A diversidade, sexual e de gênero, é tema de ações e de pesquisas na UFSM

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SEM RESERVAS O estudo e as vivências de homossexuais em Santa Maria

NOME SOCIAL UFSM assegura adoção do nome social para estudantes transgêneros e travestis

Editora-chefe Luciane Treulieb Criação e Diagramação Projetar Empresa Júnior de Desenho Industrial: Carolina Jacques, Deirdre Holanda, Filipe Ventura Duarte, Pollyana Santoro, Vinicius Beltramin e Yasmin da Costa Faccin Fotografias Joelison da Silva Freitas, Rafael Happke Repórteres Aline da Silva Witt, Andressa Doré Foggiato, Bernardo Souza Zamperetti, Guilherme Denardin Gabbi, Daniela Pin Menegazzo, Diossana da Costa dos Santos, Gustavo Parodia Martinez, Joelison da Silva Freitas, Luciele Oliveira, Maria Helena da Silva, Myrella Tatiane Allgayer Colaboradores Bernardo Baldisserotto, Elcio Rossini, Felipe Steffenel, Juliano Molinos de Andrade, Lucas Visentini, Luis Felipe Mendonça, Rafael Happke, Ronald Perret Bossemeyer Revisão Alcione Manzoni Bidinoto Revista ARCO Telefone: (55) 3220 6151 E-mail: arco@ufsm.br Site: ufsm.br/arco

espaços

UFSM - Av. Roraima nº 1000 - Cidade Universitária Bairro Camobi Prédio 67, sala 1110 CEP: 97105-900 – Santa Maria – RS – Brasil

A convivência homoafetiva em cidades do interior

Distribuição: Gratuita Impressão: Tavares e Tavares Tiragem: Dois mil exemplares

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carta do

LEITOR

Este é o espaço reservado para os nossos leitores. Ficou com alguma dúvida? Percebeu algum erro? Quer fazer um comentário ou um elogio? Escreva para a gente e colabore para que a Arco fique cada vez mais interessante!

A 5ª edição da Revista Arco foi lançada na manhã do dia 11 de novembro. A equipe da Arco esteve com sua banquinha distribuindo exemplares no hall da Reitoria e também no Restaurante Universitário do campus em Santa Maria

IMPECÁVEL Com muito interesse passeei pelas páginas da bonita revista Arco, edição out/dez de 2015. Em apresentação, qualidade e diversidade impecáveis, acredito terem seus responsáveis atingido o objetivo de bem informar em temas importantes e diversos como migrações, mostra fotográfica, hospitais (remontando-se a 400 A.C.), o uso do celular pelos jovens de classe popular, sustentabilidade... Como li no editorial, executaram “as ideias que nascem das pessoas” com maestria. Aproveito este espaço para parabenizar toda a equipe da revista, com votos de sucesso crescente. Aguardo a próxima. Eloah de Freitas Lima Ventura, professora

ARTE GRÁFICA Parabéns pela 5ª edição, principalmente pela arte gráfica. Está perfeita! Ires Milena Koster, estudante de Letras UaB/UFSM - Agudo

NOVO SITE Gostei muito da última edição e especialmente de poder ler tudo no novo site. Com um projeto gráfico bastante atrativo, a revista traz temas variados e narrados a partir de perspectivas interessantes. Aliás, acho muito pertinente que a Arco tenha dado espaço a pautas como o abastecimento de alimentos e a relação entre mídia, infância e consumo. Recomento a leitura! Gisele Reginato, Jornalista

Fale com a gente Telefone: (55) 3220 6151 E-mail: arco@ufsm.br www.ufsm.br/arco www.facebook.com/RevistaArco UFSM – Av. Roraima nº 1000,

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CARTA DO LEITOR

Cidade Universitária Bairro Camobi Prédio 67, sala 1110 CEP: 97105-900 Santa Maria – RS – Brasil


curiosidades

VOCÊ SABIA? É VERDADE QUE...?

A cada edição, a seção Curiosidades responde àquelas questões que você sempre quis saber se eram mitos ou verdades e conta histórias singulares sobre a UFSM

VOCÊ SABE A ORIGEM DOS EQUIPAMENTOS DO PLANETÁRIO DA UFSM? O Planetário da UFSM, inaugurado em 1971, só existe e foi equipado devido à astúcia do então reitor da Universidade, Mariano da Rocha Filho. Ele descobriu que os países do Leste Europeu tinham uma dívida muito grande com o Brasil e viu aí uma oportunidade de equipar a Universidade que havia sido inaugurada anos antes, em 1960. Mariano da Rocha relatou a história*: “O Brasil tinha uma fortuna a receber dos países do Leste Europeu. Era café que nós fornecíamos, e eles não tinham o que nos dar. Então, eles ofereceram o seguinte: levem equipamentos. E eu fui ao Tarso [Tarso Dutra, ministro da Educação na época, que foi indicado ao cargo por Mariano] e disse: ‘Vocês nomeiam uma comissão para ver se é verdade?’. A comissão foi à Europa e verificou que a informação estava certa”. Os entendimentos prévios entre Brasil e a República Democrática Alemã (RDA) que culminaram nessa dívida são anteriores a 1964 e, com o movimento militar, as informações se perderam. Com a confirmação da dívida, foi feito um acordo entre o MEC e a RDA que possibilitou a importação de dez planetários para o Brasil, dos quais seis são do modelo Spacemaster (o da UFSM era desse modelo), dois ZKP-1 e dois ZKP-2, todos da companhia alemã Carl Zeiss. “Eu não equipei só a Universidade de Santa Maria, eu equipei o Brasil inteiro”, comemorou Mariano. *Informações obtidas no documentário “Uma Vida Pela Educação”, produzido pela RBS TV

POR QUE O TEATRO CAIXA PRETA SE CHAMA ASSIM? Caixa Preta é, na verdade, um tipo de teatro que existe em vários lugares do mundo. Sua estrutura é de uma “caixa” formada por panos pretos, que absorvem a luz e ajudam a retirar a atenção de tudo aquilo que não importa. Na UFSM, a “caixa” em si é formada por cortinas laterais e uma cortina grande no fundo, chamada de rotunda, todas elas pretas. “Tudo isso faz com que os atores e os objetos possam aparecer e desaparecer, e tudo aquilo que é excedente de luz seja absorvido pelo preto”, diz o professor do curso de Artes Cênicas Elcio Rossini. O Teatro Caixa Preta - Espaço Rozane Cardoso da UFSM foi também o primeiro Espaço Multiuso do Rio Grande do Sul, caracterizado por sua estrutura não fixa. Suas arquibancadas são totalmente móveis – o que possibilita que qualquer espaço do teatro funcione como palco, o que também é uma característica dos “black box”. Esse tipo de teatro se popularizou entre os anos 60 e 70 como estruturas que possibilitam a experimentação, e de baixo custo, pois praticamente qualquer cômodo pode ser adaptado em um caixa preta.

POR QUE AS PAREDES ‘VERTEM’ ÁGUA EM DETERMINADOS MOMENTOS DO ANO? Durante o inverno, é comum que as paredes e o chão das nossas casas fiquem úmidas ou até mesmo encharcadas em casos mais extremos. Isso acontece porque as baixas temperaturas da estação e a menor incidência dos raios solares, combinado com uma quantidade maior de dias chuvosos, facilitam que o vapor d’água no presente no ar passe do estado gasoso para o líquido. A Umidade Relativa do Ar é a relação entre a quantidade de água existente no ar e a quantidade máxima que poderia haver naquela temperatura. Sempre que a Umidade Relativa do Ar alcança o limite de saturação, todo o vapor d’água em excesso no ar se condensa, ou seja, passa do estado de gás para o líquido. O Técnico em Assuntos Educacionais do Colégio Politécnico e licenciado em Física Juliano Molinos de Andrade sugere algumas medidas que podem ser tomadas para evitar esse fenômeno: banhos mais curtos, panelas tampadas na hora de cozinhar e cômodos mais bem arejados para facilitar a circulação do ar vindo de fora, que é mais frio e seco durante o inverno, com menos vapor d’água em sua composição. Mande a sua dúvida ou conte a sua história curiosa relativa à UFSM para nós: arco@ufsm.br Colaboraram o professor Elcio Rossini e os técnico-administrativos em educação da UFSM Juliano Molinos de Andrade e Felipe Steffenel

curiosidades 7


NOSSAS INVENÇÕES

O BEBEDOURO DO FUTURO

Fotografia: Divulgação

Aluno do curso de Desenho Industrial cria bebedouro de formato único e acessível e recebe diversos prêmios pelo trabalho

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NOSSAS INVENÇÕES

Quando buscava ideias para seu Trabalho de Conclusão de Curso em Desenho Industrial – Projeto de Produto, Bruno Pergher decidiu verificar como as pessoas se comportavam no ambiente público em Santa Maria. Observou que a maioria apenas circulava, indo de um compromisso a outro, e passava grande parte de seu dia fora de casa. Como estudante da UFSM, Bruno andava bastante pelo campus e frequentemente o calor o afetava, durante o verão. “Eu sempre sentia muita sede e a falta de um local para beber água na parada de ônibus, por exemplo”, conta. Dessa necessidade, surgiu a ideia de elaborar um bebedouro público. Orientado pela professora Fabiane Vieira Romano, o estudante começou a trabalhar no que seria um bebedouro não somente público, mas de fácil acesso para cadeirantes. A primeira etapa consistiu em pesquisas sobre mobiliário urbano e normas existentes, o que gerou uma lista de requisitos obrigatórios que o aparelho deveria conter. Bruno aprimorou o bebedouro com características mais funcionais, como a torneira com ligação direta ao fornecimento de água do local em que fosse instalado e um sistema separado para que uma garrafa de até três litros pudesse ser enchida. “Isto o tornaria flexível, e a utilidade atingiria moradores de rua, também”, diz Bruno. O primeiro protótipo, com modelagem preparada em computador, foi construído em papelão. Conforme o aparelho era aprimorado, houve a produção de outro, em madeira. O bebedouro acabou atingindo um formato diferente do convencional, devido às adaptações que seu criador fez, desenhando uma altura única para que o usuário, independentemente de sua condição física, tivesse uma interação natural com o sistema. Apesar de ser inicialmente pensado para locais como parques e praças, o bebedouro também poderia ser instalado em áreas residenciais ou corporativas. De maneira inesperada para Bruno, sua criação obteve grande visibilidade. Houve contato com a Prefeitura Municipal de Santa Maria e vários empresários, que conheceram seu projeto na Multifeira de Santa Maria (Feisma), onde Bruno ganhou o 1º lugar no Prêmio Perfil Empreendedor. O bebedouro também obteve diversos prêmios nacionais e internacionais, como o 1º lugar na categoria Design de Impacto Social (Estudante) no 4º Prêmio SEBRAE Minas Design, 1° lugar no prêmio Bornancini – categoria Mobiliário Urbano e foi um dos vencedores do concurso de design “Nutrir o planeta, energia para a vida”, promovido pelo Instituto Europeu de Design e Expo Milão 2015. Bruno Pergher se formou no primeiro semestre de 2015, levando consigo o sucesso de seu Trabalho de Conclusão de Curso. Para o futuro, ele espera ver pelo menos um bebedouro instalado em Santa Maria, principalmente nas paradas de ônibus da UFSM. Entre outros objetivos, quer produzir sua criação com outros materiais, em escala industrial. a Repórter: Myrella Allgayer


SOCIEDADE

viva o Campus A Universidade além da formação

atividades que não acontecem no dia a dia da Universidade, como apresentação de bandas, atividades com movimentos sociais e exercícios físicos orientados”. A UFSM ainda acrescentou uma série de itens para tornar o campus mais agradável também em dias sem atividades marcadas, como a instalação de banheiros químicos e de quentinhas para chimarrão. No entanto, o Viva o Campus esbarra em fatores que dificultam a sua difusão para além das proximidades do campus. O alto valor da tarifa de ônibus atual, junto com a redução de horários e linhas nos fins de semana, apresenta-se como empecilho para o deslocamento de moradores de bairros mais afastados até o campus. Fabricio Cardoso, que se apresentou na Virada Cultural (projeto que ofereceu 24 horas de apresentações artísticas no campus, promovido pelo Viva o Campus) juntamente com seu grupo de rap, o Estampa da Quebrada, conta que, na data, passou a madrugada no campus dormindo pelas redondezas: “A gente não tinha condições de pagar pra ir e voltar de novo, tá cara a passagem, a gente resolveu ficar.” Enquanto o Viva o Campus aos poucos se insere na rotina da comunidade, a PRE trabalha para aprimorá-lo, de modo que contemple a pluralidade, e não só o público já frequentador desse espaço. Assim, a UFSM torna-se cada vez mais cidadã, ao passo que contribui para a formação não somente da comunidade universitária, mas também de toda Santa Maria. a Repórter: Aline Witt

Fotografia: Joelison Freitas

Uma universidade mais aberta, cidadã e acolhedora da diversidade artística e cultural: essa é a proposta do Viva o Campus, um projeto da Pró-Reitoria de Extensão da UFSM estreado em 2014. Criado com o objetivo de oferecer à comunidade santa-mariense uma programação de entretenimento, o Viva o Campus associa cultura, lazer e convívio social nos finais de semana. Com atividades mensais, a Universidade tenta dialogar com a comunidade para construir o projeto em conjunto, como conta o secretário executivo da Pró-Reitoria de Extensão (PRE) Adriano de Souza: “Criamos uma dinâmica que tenta acolher e trabalhar de acordo com as demandas das pessoas da cidade, já que a Universidade é um espaço público”. Nos finais de semana, o espaço verde do campus da UFSM em Camobi atrai famílias e grupos de amigos – não necessariamente vinculados à instituição – que encontram no local um espaço de descanso para tomar chimarrão, passear, andar de bicicleta ou fazer um piquenique. A secretária Mara Bianchini conta que costuma visitar o campus com frequência: “Eu venho caminhar durante a semana, venho também em final de semana, até quando não tem atividade. Moro perto, venho sempre com a família.” O Viva o Campus visa oferecer atividades a pessoas como Mara, que já frequentavam a UFSM, e também atrair outros visitantes. Segundo a Técnica em Assuntos Educacionais da PRE Jaciele Sell, o projeto realiza oficinas e intervenções artísticas, que variam de acordo com a programação para o mês: “O projeto traz

SOCIEDADE

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como surgiu?

sob duas rodas Meio de transporte, brincadeira de criança, hobby, opção sustentável e econômica. Conotações não faltam na hora de definir para que a bicicleta serve e os espaços que ela ganhou desde a sua invenção. A propósito, quando foi mesmo? O primeiro projeto de bicicleta de que se tem conhecimento data de, aproximadamente, 1490 e foi atribuído a Leonardo Da Vinci. Hoje se sabe que o desenho, descoberto em 1966, é de um monge.

A história da bicicleta, propriamente dita, começou por volta de 1790, com a invenção do celerífero. Criado pelo Conde de Sivrac, ele era construído todo em madeira e possuía duas rodas ligadas por uma viga, em que se podia sentar. Embora houvesse um suporte para apoiar as mãos, o celerífero não contava com sistema de direção.

No contexto da Revolução Industrial, já em 1868, surgiu um novo modelo, baseado em um biciclo Michaux, apelidado de “chacoalhador de ossos”. A proposta era de James Starley, um apaixonado por máquinas. A confecção passava a ser em aço, e a roda dianteira era enorme, muito maior que a traseira. Logo o modelo ganhou versões personalizadas, em que as medidas da bicicleta eram adequadas ao ciclista. As preocupações com a segurança também foram decisivas para que a bicicleta chegasse aos modelos que conhecemos hoje. Com o passar dos anos, diversos autores e alterações fizeram com que as duas rodas ganhassem o mesmo tamanho e garantissem mais estabilidade à engenhoca.

Já no fim do século XIX, mais precisamente em 1888, o inglês John Boyd Dunlop criou a patente para o pneu com câmara de ar. A bicicleta ganhou em conforto e popularidade, embora essa não tenha sido uma constante até os dias de hoje.

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COMO SURGIU?


É ao Barão Karl von Drais, no entanto, que muitos creditam o título de inventor da bicicleta. Em 1817, ele adicionou um sistema de direção ao celerífero, criando a draisiana. Com maior capacidade de equilíbrio e um sistema de freios – embora ainda rudimentar –, o deslocamento sob duas rodas se tornou mais seguro.

Em 1840, a draisiana ganhou versão com pedais, em uma adaptação do ferreiro Kirkpatrick Macmillan. A pedalada, porém, ainda apresentava desconforto e certa dificuldade na hora do equilíbrio.

No ano de 1855, Ernest Michaux recebeu uma draisiana para conserto. Ao pedir para que o seu filho a testasse, percebeu a oportunidade de fazer uma alteração no sistema de propulsão: ligar pedais diretamente à roda dianteira. Dez anos mais tarde, foi ele quem criou a primeira fábrica de bicicletas do mundo: a Biciclos Michaux.

Não se sabe o ano exato, mas foi na década de 1960 que surgiu uma novidade que voltou a se popularizar no Brasil e no mundo recentemente: as bicicletas comunitárias. A ideia é simples: com estações de bicicletas espalhadas pela cidade, qualquer pessoa pode alugar uma, seja por um dia ou um mês, e rodar por aí. A iniciativa costuma vir acompanhada da construção de ciclovias e de uma mentalidade sustentável, em que as bicicletas podem dividir espaço com os carros e diminuir a poluição do ar.

Na UFSM, os ciclistas – e também pedestres – ganharam espaço em 2014. Ao todo, são aproximadamente 2.200 metros de uma pista multiuso que atravessa o campus de Santa Maria. Que tal ir de bicicleta para a Universidade hoje? a Repórter: Daniela Pin Menegazzo

COMO SURGIU?

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DIÁRIO DE CAMPO

ilhados em prol

da ciência

Pesquisadores da UFSM participam de expedição em arquipélago amazônico para realizar experimentos com peixes da região Em dezembro de 2014, cinco pesquisadores canadenses, um austríaco, uma belga e 16 brasileiros participaram de uma expedição a Anavilhanas, arquipélago localizado no rio Negro, no estado do Amazonas. Organizada pelo professor Adalberto Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a expedição teve o objetivo de estudar a fisiologia de peixes amazônicos. O professor do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFSM Bernardo Baldisserotto e sua orientanda de doutorado Ana Paula Almeida estavam entre os pesquisadores que passaram 14 dias alojados em um barco, envolvidos com experimentos realizados com peixes da região.

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DIÁRIO DE CAMPO

O professor Bernardo lidera na UFSM o Laboratório de Fisiologia de Peixes, que estuda extrativos vegetais como anestésicos, antiparasitários e antibacterianos em animais aquáticos. Ana Paula pesquisa o efeito de dois óleos essenciais na anestesia de peixes e foi até a Amazônia para verificar se esses óleos, que tiveram bom efeito no jundiá (peixe utilizado nas pesquisas realizadas em Santa Maria), podem ser utilizados também em peixes daquela região. Sol escaldante, vento forte, pesquisadoras mordidas por peixes, inexistência de acesso a internet e telefone: a rotina do grupo de pesquisadores, as dificuldades e as curiosidades foram relatadas pelo professor Bernardo, dia a dia, a pedido da Arco.


Dia 1 (1/12) Após a chegada em Manaus no dia anterior, vamos ao laboratório do Dr. Val, no Inpa, em Manaus, para conferir se todos os materiais necessários para nossos experimentos e análises estão prontos. Nos reunimos com os demais participantes para acertar os últimos detalhes da expedição. Toda a discussão é feita em inglês para que os pesquisadores estrangeiros possam entender. Funcionários do Inpa iniciam o carregamento dos materiais e equipamentos a serem transportados para o barco que nos levará até o arquipélago.

Dia 2 (2/12) Dois caminhões contendo os equipamentos, material para a excursão e alguns peixes para os experimentos seguem até o local onde o barco está ancorado. A pesquisadora belga vê uma traíra saltar da caixa de onde está sendo transportada e corre para pegá-la e colocá-la de volta. Leva uma mordida no dedo, que sangra e tem de ser tratado. Ao final do dia, saímos em direção à estação Lago do Prato, do Ibama, no arquipélago de Anavilhanas. Nosso barco leva cerca de 8 horas para ir de Manaus até a estação, subindo o rio Negro. Faço a última ligação telefônica para a família, pois fomos informados de que no local onde atracaremos não há sinal de telefone nem de internet. A cidade mais próxima é Novo Airão, que está de 1 a 3 horas de viagem, dependendo da velocidade do barco. O nosso barco contém cabinas com ar-condicionado e banheiro, nas quais os pesquisadores e alunos são instalados dois a dois.

Dia 3 (3/12) O barco chega de madrugada junto à casa flutuante da estação Lago do Prato, onde alguns pesquisadores (inclusive nós) colocarão seus equipamentos para fazer os experimentos. Não temos problemas para dormir, pois o barco não balança nada nas águas calmas do rio Negro. Ao nosso redor há apenas o rio e as margens cobertas pelas florestas. Além do guarda e do fiscal da estação, não há mais ninguém nos arredores. Após o café da manhã, os pescadores do Inpa saem para pescar – atividade que repetirão três vezes por dia enquanto estivermos aqui. No momento da instalação de um fotômetro de chama para análise da concentração de íons na água, não consigo fazê-lo funcionar. Após conversar com outros colegas, recebo ajuda do Dr. Chris Wood, meu orientador de pós-doutorado no Canadá, e ele coloca o equipamento em funcionamento. Em torno das 11 horas, todo nosso material está pronto e aguardamos a chegada dos peixes, que são trazidos ao final da manhã. Em função da grande quantidade disponível em Anavilhanas, escolhemos trabalhar com piranha branca e piranha preta.

São peixes muito agressivos, com dentes afiados, e é preciso ter cuidado no seu manuseio. Trabalhamos com piranhas de 10 a 20 centímetros, mas algumas piranhas pretas capturadas pelos pescadores tinham até 45 centímetros. Uma pesquisadora de outro grupo levou uma mordida de uma piranha, mesmo tendo usado sempre uma luva de metal para manuseá-las. Nós, felizmente, não tivemos problemas. Após o almoço, iniciamos os experimentos de anestesia, testando diferentes concentrações dos óleos essenciais que trouxemos de Santa Maria. À tarde, o sol bate no local que escolhemos para trabalhar, embora tivessem nos dito que isso não ocorreria. Um dos funcionários do Inpa instala uma lona plástica para nos proteger dos raios solares, mas o calor continua forte, em torno de 34ºC. É necessário tomar água continuamente. Seguimos trabalhando até 20h30min, quando paramos para a janta e depois dormimos. Ficamos sabendo que existiria um local específico na casa flutuante onde às vezes é possível captar sinal no celular. Não conseguimos sinal.

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Dia 5 (5/12) Iniciamos uma nova série de experimentos com as piranhas brancas, em que os peixes são expostos por quatro horas aos anestésicos, mas numa concentração bem baixa, apenas para deixar os peixes mais calmos. Os peixes são filmados durante alguns segundos a intervalos de tempo definidos. É um experimento para ver qual concentração dos anestésicos seria mais adequada para o transporte dos peixes. Apesar do calor e da água convidativa (30-32ºC) do rio Negro, ninguém pensa em entrar na água, porque o local está infestado de jacarés, que nadam periodicamente a poucos metros da casa flutuante.

Dia 6 (6/12) No final da manhã, alguns turistas portugueses chegam num barco vindo de Novo Airão e vêm olhar os peixes e perguntar sobre nossos experimentos. Ao final do dia, combinamos com alunos e pesquisadores do Inpa um novo experimento a ser feito nos próximos dois dias, quando o equipamento para medir consumo de oxigênio dos peixes estará disponível. Faremos essas medidas com o objetivo de verificar se os anestésicos em baixas concentrações alteram o metabolismo dos peixes. Quanto maior o metabolismo do peixe, maior o consumo de oxigênio. Na janta há a comemoração do aniversário de um dos pesquisadores, com direito a brinde com vinho, “Parabéns a você” em português e inglês, bem como

Dia 7 (7/12) São quase três horas para ajustar o equipamento para medir o consumo de oxigênio dos peixes. A primeira espécie de peixe que tentamos era muito grande para o equipamento. Como precisamos em torno de 30 peixes, não temos muitas opções de espécies. Consigo um rápido sinal de celular na minha cabine e aproveito para fazer uma ligação de dois minutos para minha esposa. No início da tarde, há um vento forte e somos obrigados a ajustar as lonas, que estavam presas apenas na parte de cima, para evitar que batam no nosso sistema de filmagem e ele seja derrubado. Pequenas ondas se formam no rio, mas o nosso barco nem chega a balançar. Logo após, uma chuva torrencial cai por cerca de uma hora, mas não há problema, porque o vento diminui. As medidas de consumo de oxigênio prosseguem durante a noite, pois uma das pesquisadoras do Inpa, Daiani Kochhann, formada em Ciências Biológicas na UFSM, deverá voltar na manhã do dia 9 de dezembro para Manaus.

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DIÁRIO DE CAMPO

bolo de aniversário. Esse foi um dos nossos poucos momentos de folga. Durante toda nossa estadia, apenas paramos de trabalhar durante as refeições, e após a janta conversamos por alguns minutos com os demais pesquisadores. Nesses momentos de folga é que existe alguma interação entre os brasileiros e estrangeiros, pois durante o dia cada um está envolvido com seu próprio experimento ou análises. Não há nenhuma diversão disponível no barco, e mesmo que houvesse, não haveria tempo ou disposição. Depois de trabalhar o dia inteiro, o único desejo é dormir. Alguns alunos e pesquisadores continuam executando experimentos e análises durante a madrugada.


Dia 8 (8/12)

Dia 9 (9/12)

Avistamos um casal de botos cor-de-rosa e seu filhote nadando perto do barco. É possível apenas avistar rapidamente os dorsos cor-de-rosa quando emergem para respirar. As medidas de consumo de oxigênio, que seguiram durante todo o dia, terminam apenas na madrugada.

Um bote a motor leva uma pesquisadora e duas alunas de pós-graduação do Inpa para Novo Airão, onde um carro as levará de volta a Manaus. O bote retorna trazendo vegetais e frutas para nossa alimentação. Três cozinheiras preparam nossas refeições diárias: café da manhã, almoço, café da tarde e janta. No almoço e na janta, o cardápio é bastante variado. À medida que vamos terminando nossos experimentos, levo algumas piranhas para as cozinheiras aproveitarem nas refeições, pois durante a expedição comemos peixe apenas quando sobram dos experimentos.

Dia 10 (10/12) No final da manhã, terminamos os experimentos com as piranhas brancas. Chove boa parte do dia, aliviando o calor. Nós achamos a temperatura de 26º agradável, mas algumas pessoas da expedição, que são da região Norte, colocam camisas de manga comprida ou casacos leves, pois sentem frio. Iniciamos um experimento complementar com exposição de piranhas pretas a baixas concentrações dos anestésicos testados por 15 minutos, filmando em alguns tempos para verificar possíveis mudanças de comportamento. Iniciamos as medidas de algumas amostras de água que havíamos coletado nos nossos experimentos com as piranhas brancas. Ao final do dia, terminamos todos os experimentos com as piranhas pretas, pois os pescadores conseguem neste dia pescar todas as que necessitávamos.

Dia 13 (13/12) De manhã, empacotamos os equipamentos que estavam na casa flutuante e, à tarde, eles são carregados para o barco. Ainda de manhã, continuamos a análise dos dados obtidos. À tarde, o Dr. Val sai com um bote a motor para registrar as coordenadas geográficas dos locais onde os peixes foram coletados e vamos junto. Descemos um pouco e entramos em terra firme para visualizar a floresta, cujo chão estava cheio de folhas e troncos em decomposição. Quando a água subir e cobrir essa parte, toda a matéria em decomposição será arrastada para dentro do rio, contribuindo para dar a sua cor negra.

Dia 14 (14/12) Com o fim da expedição e dos experimentos, o barco retorna a Manaus. a Repórter: Luciane Treulieb

DIÁRIO DE CAMPO

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SAÚDE

Protagonismo na

PESQUISA COM FUNGOS Laboratório da UFSM obteve patente de vacina contra doença em cavalos Desenvolver pesquisas visando ao controle de doenças causadas por fungos em animais e humanos é o objetivo do Laboratório de Pesquisas Micológicas (Lapemi), que une professores, alunos de graduação e pós-graduação dos cursos de Medicina, Farmácia, Veterinária e Biologia da UFSM. O Lapemi é coordenado pelos professores Sydney Hartz Alves e Jânio Morais Santurio. Segundo Sydney, o laboratório se destaca internacionalmente pelo considerável número de publicações científicas sobre o tratamento de doenças fúngicas em ­ animais Em média, são de 15 a 20 artigos por ano desde a criação do laboratório em 2001. As produções são distribuídas em publicações de grande renome na área, como o Journal of Antimicrobial Chemotherapy e o Antimicrobial Agents and Chemotherapy.

das substâncias, processo conhecido como efeito sinérgico. “Quando ocorre um efeito sinérgico, você pode diminuir a dose do medicamento, o que reduz a toxicidade e poupa o fígado ou o rim do paciente”, explica o professor Alves. A partir dos estudos realizados no Lapemi, é possível concluir quais tipos de combinação podem gerar efeitos mais benéficos e rápidos na cura de uma doença e quais combinações devem ser evitadas. “A gente trabalha com fungos de importância médica, de difícil tratamento e que apresentam resistência aos antifúngicos convencionais. Se detectamos sinergia nos testes in vitro, a segunda etapa é fazer os testes in vivo, em animais, como camundongos e coelhos”, explica a aluna de doutorado em Micologia, Laura Denardi.

“Quando ocorre um efeito sinérgico, você pode diminuir a dose do medicamento, o que reduz a toxiCIdade e poupa o fígado ou o rim do paciente”

Um dos focos das pesquisas do professor Sydney Alves é detectar combinações de substâncias químicas com propriedades farmacológicas, por exemplo, de antifúngicos com antibacterianos. O resultado dessas combinações é a maior eficácia do efeito em relação ao uso isolado

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SAÚDEPO

Efeito sinérgico: o efeito da combinação de dois medicamentos é maior que a soma do efeito de cada medicamento administrado isoladamente.


Pitium-Vac Outro destaque do Lapemi é a invenção da Pitium-Vac, vacina desenvolvida pelo professor Jânio Morais Santurio. A vacina é utilizada para o controle da pitiose em equinos, doença causada pelo fungo Pythium insidiosum e que se desenvolve em regiões pantanosas. “Como essa doença não tem tratamento com drogas, como antifúngicos, nós acabamos desenvolvendo essa vacina, uma imunoterapia, com o caráter curativo, ou seja, ela é aplicada quando o animal já está doente”, explica Santurio. Desde 1998, os estudos para a criação da vacina são realizados. Em 2003, a eficiência da Pitium-Vac foi comprovada e um artigo sobre o tema foi publicado na revista inglesa Vaccine. Em 2012, a Pitium-Vac foi licenciada pelo Ministério da Agricultura, permitindo sua produção e comercialização. “Nós fizemos um pedido de patente desse produto e, com os recursos arrecadados, o Lapemi paga bolsas de alunos e despesas correntes do laboratório, como compra de materiais, e também conserto e compra de equipamentos”, conta Santurio.

Visão microscópica de lesão na pele de um equino com pitiose. As setas laranjas destacam Pythium insidiosum, agente causador da infecção

Atualmente, são vendidas cerca de mil doses da vacina por mês para todas as regiões do Brasil. E as pesquisas com a Pitium-Vac não param; o objetivo do laboratório é ampliar o efeito benéfico da vacina, tornando-a preventiva e não apenas curativa, como é sua fórmula atual. a Repórteres: Cibele Zardo e Joelison Freitas

A vacina Pitium-Vac pode ser adquirida pelo telefone (55) 3220 8906 ou pela loja virtual do site www.pitiose.com.br

Fotografia: Joelison Freitas

Laboratório sofreu alterações estruturais para atender às especificações do Ministério da Agricultura

SAÚDE

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Fotografia: Rafael Happke

ESPORTES

TECNOLOGIA A SERVIÇO

DOS ATLETAS

Centro de Pesquisa inovador está sendo construído na Universidade e visa proporcionar melhores condições de treinamento aos atletas brasileiros

O Cepas é formado por três laboratórios: o Laboratório de Hipoxia e Ambiente Limpo, o Laboratório de Nutrição Experimental e o Laboratório de Performance em Ambiente Simulado. “É esse tripé que é promissor”, avalia o cardiologista Freire.

Laboratório de Hipoxia* e Ambiente Limpo (Lahal) Laboratório em fase de finalização. Também é coordenado pelo professor Luiz Osório Portela. É possível encontrar uma sala de ambiente limpo, com 99,9% de oxigênio, ambiente ideal para a construção de equipamentos tecnológicos. *Hipoxia: baixa concentração de oxigênio nos tecidos sanguíneos.

Laboratório de Nutrição Experimental (Lanex) Em fase de construção. A responsável por esse laboratório será a professora de Nutrição Esportiva Gitane Fuke. Ele dará suporte ao Lapas, através da orientação sobre a alimentação adequada dos atletas, além de permitir o desenvolvimento de técnicas de preparação de alimentos que auxiliem nos programas de prevenção ou tratamento de doenças.

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ESPORTES

Um trabalho pioneiro no Brasil nasce na UFSM. Trata-se do Centro de Pesquisa em Ambiente Simulado (Cepas), criado em 2013 e coordenado pelo professor Luiz Osório Portela e pelo cardiologista Jorge Luiz Freire. O Lapas, fruto de um convênio entre a Universidade e o Ministério do Esporte, é o único laboratório completo do Cepas. O local é composto por uma esteira de alta performance, que suporta cadeirantes, ciclistas e corredores e que simula subidas, descidas, e também o trajeto de determinadas provas com velocidade de até 70 km/h. Além disso, uma câmara pode simular altitude de até 9 mil metros, umidade de 14 a 90% e temperaturas entre -40 e 50ºC. O laboratório recebeu investimento de R$ 1,2 milhão do governo federal e tem entre seus objetivos proporcionar aos atletas brasileiros em preparação para os Jogos Olímpicos de 2016 e outras competições relevantes melhores condições de treinamento. O Laboratório já recebeu atletas olímpicos como Clemilda Fernandes, destaque do ciclismo brasileiro. Em 2013, a competidora, que representou o ciclismo feminino nos Jogos Olímpicos de Pequim (2008), preparou-se no Lapas para os Jogos Pan-Americanos, que ocorreram no México: “A experiência foi excelente, gostaria de voltar um dia com mais tempo”, avalia a atleta. Clemilda ficou em terceiro lugar na prova contra o relógio, perdendo apenas para as campeãs mundiais Carmen Small, dos Estados Unidos, e Tara Witten, do Canadá. A “falta de ar” é a principal característica percebida quando uma pessoa transita de uma cidade como Santa Maria, que está a 151 metros acima do nível do mar, para La Paz, na Bolívia, que está a 3.640 metros. Quanto maior a altitude, menor é a pressão atmosférica, o que deixa o ar mais rarefeito e baixa a concentração de oxigênio na atmosfera, diminuindo também a concentração de oxigênio no sangue do indivíduo. “O treinamento em altitude adapta o organismo àquela altitude, melhorando a performance em tempo, resistência, e outros fatores”, explica Freire. Em atletas, a consequência dessa diferença de altitude pode ser a falta de fôlego, o que interfere no resultado final da competição. O Cepas representa um grande avanço não só para a área do esporte, mas também para a pesquisa. Ele pode ser uma ferramenta útil no diagnóstico precoce de doenças. Atualmente, pesquisas para o tratamento de doenças degenerativas crônicas – como hipertensão arterial e diabetes – são desenvolvidas, utilizando o conceito de altitude. O laboratório é único no Brasil e América Latina, o que significa que realiza pesquisas inéditas nesse setor. a Repórter: Aline Witt


Caminhos para a diversidade Embora o tema ainda seja pouco estudado em pesquisas, comunidade LGBT conquista reconhecimento da UFSM a partir da adesĂŁo ao nome social

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Além do armário:

a sexualidade vivida sem reservas Pesquisa relata vivências e problematiza a homossexualidade no interior do Rio Grande do Sul

A pesquisa científica requer tempo e cautela para reunir os dados e informações necessárias sobre o objeto que está sendo pesquisado. Além desse cuidado, quando o foco do estudo são pessoas, mais do que tato é preciso sensibilidade e respeito, pois não se tratam apenas de números e informações quantitativas, mas de seres humanos. Ainda mais quando a pesquisa irá tratar das relações e do preconceito vividos por um grupo. Em seu livro Na Batida da Concha – Sociabilidades juvenis e homossexualidades reservadas no interior do Rio Grande do Sul, o sociólogo e historiador Guilherme Passamani relata sua experiência antropológica com um grupo de jovens homossexuais em Santa Maria. O livro, publicado pela Editora UFSM, é uma versão ampliada do Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais, cujo trabalho de campo foi feito entre os anos de 2002 e 2005. O primeiro contato que o pesquisador teve com esse grupo de jovens gays deu-se através de chats virtuais. No início dos anos dois mil, havia ainda um certo constrangimento em relação à visibilidade homossexual, e, sem redes sociais ou aplicativos que possibilitassem a interação, uma das saídas encontradas para conhecer outras pessoas de forma discreta foram as salas de bate-papo online. Foi em uma dessas salas que Passamani conheceu Rogério*, que, após certa relutância, concordou em colaborar para a pesquisa, cujo objetivo era compreender o lado privado das práticas homossexuais masculinas. Rogério foi a ponte para que o pesquisador pudesse entrar em contato com um grupo de jovens gays com quem tinha o hábito de se reunir em um apartamento no centro de Santa Maria. Como Rogério descreve no livro, “A Sociedade do Apertamento” era o lugar onde se poderia ser gay sem os ranços de uma sociedade marcada pela homofobia. Fora do apartamento, todos eram vistos como heterossexuais. Aquele era o local, portanto, onde eles poderiam conversar, fazer amigos e namorar sem o medo de serem julgados pela sua homossexualidade. O nome é uma referência ao tamanho pequeno do apartamento onde os mais de dez integrantes se reuniam. Como uma espécie de “sociedade secreta” informal e descontraída, os jovens tinham o local como um ambiente de segurança e liberdade, e a entrada de outros “membros” era feita de maneira cautelosa. *Rogério é o apelido usado pelo pesquisador para identificar este entrevistado

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Identidade de gênero: corresponde ao processo e condição de identificação de gênero, ou seja, com qual gênero as pessoas se identificam: gênero masculino ou feminino. Com base em nossa anatomia corporal e já em nosso nascimento, a sociedade nos designa como homem ou como mulher – gênero masculino ou feminino. No entanto, nem todos se identificam com essa imposição, como os homens transexuais, que não se identificam com o gênero feminino que lhes foi imposto.


A fachada heterossexual

Homofobia: é o termo geral que define a aversão e discriminação contra homossexuais. Há especificações como a lesbofobia (preconceito contra lésbicas), bifobia (contra bissexuais) e transfobia (contra pessoas transexuais e transgêneros).

Expressão de gênero: refere-se a como cada pessoa manifesta sua identidade de gênero, sendo que isso inclui roupas, acessórios, expressão corporal, aparência e estilizações. Isso não impede, por exemplo, uma pessoa de identificar-se com o gênero masculino e naturalmente possuir uma expressão de gênero feminina e vice-versa. Muitos sujeitos também ficam na fronteira nãodefinida da expressão de gênero, como, por exemplo, as pessoas andróginas.

Além da orientação sexual, havia outros traços em comum entre eles: jovens entre 19 e 25 anos, vindos de cidades do interior do Rio Grande do Sul, pertencentes à classe média, universitários e com práticas homossexuais reservadas, ou seja, não eram vistos publicamente como gays. A necessidade de manter uma fachada heterossexual era algo constante na vida deles e moldava a forma de ser e de se mostrar para o mundo. O corte de cabelo, o vestuário sóbrio, a busca por um corpo socialmente visto como másculo, a maneira de falar e o tipo de rapaz com quem eles buscavam se relacionar estavam ligados à necessidade de serem discretos, de passarem despercebidos pela sociedade. A saída das suas cidades de origem, o ingresso na universidade e o encontro com outros que também compartilhavam desse segredo foram fatores positivos para a vivência homossexual desses jovens. Porém, as relações familiares turbulentas, o medo de que suas experiências sexuais fossem descobertas e atingissem suas famílias e a própria pressão cultural sempre foram elementos que exerciam forte influência na vida deles, mesmo longe de casa, dentro do apartamento. “Lá em casa a gente é bem na nossa, meu pai é um cara da fazenda, sabe? Todo na dele, um gauchão [...] com bigode grande, e a minha mãe é a mulher do gaúcho, meus dois irmãos trabalham na fazenda também, eles são agrônomos, eu que saí meio diferente de todo mundo [...] mas sempre fui calado, a palavra do pai é que vale lá, e o olhar dele nos diz como a gente tem que ser [...] daí eu sempre fui meio na minha” (Leonardo, 21 anos. Trecho do livro Na batida da concha). Essa imagem culturalmente construída da figura do gaúcho como um homem do campo, másculo, viril, valente e chefe do lar torna-se uma das referências de masculinidade e um dos modelos a ser seguido pelos meninos no interior do Rio Grande do Sul. A fuga desse padrão é vista como um desvio e a necessidade de se encaixar nesse exemplo de “homem de verdade” acaba alimentando outros preconceitos. Segundo Passamani, a busca por uma fachada heterossexual e o alto grau de preconceito com outras formas de expressão de gênero e sexualidade são reflexos do machismo, em que a figura da mulher é desprestigiada, e o feminino é tratado como frágil, menor e menos importante. Esses comportamentos eram comuns no grupo de jovens pesquisado por ele. “Não era uma questão tão séria ser visto como gay, mas era uma questão muito séria ser visto como determinado tipo de gay. Eu me lembro de algumas falas deles dizendo o que era ser bicha, e ser bicha era ser afeminado, era ser pobre, era ser escandaloso, era se vestir de forma chamativa. Então, nesse sentido, o que eles eram não era ‘bicha’, porque ser bicha era esse modelo; eles eram outra coisa, o que não implicava uma negação dos desejos por outros homens”, revela Passamani. Esse desejo de se encaixar nos padrões heterossexuais e de não aparentar a sua homossexualidade também está associado ao desejo de não fazer parte de um grupo que é historicamente marginalizado pela sociedade.

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A construção histórica do preconceito

A sexualidade humana faz parte de uma construção histórico-social. Sabe-se que práticas homossexuais sempre existiram – da Grécia Clássica até comunidades tribais. O que não se sabe ao certo é quando e por que essas práticas deixaram de ser vistas como algo comum e normal e passaram a ser repelidas pela sociedade. A influência dos dogmas religiosos é fator que influenciou (e ainda influencia) na discriminação aos homossexuais. No entanto, a ciência também teve um papel importante nesse processo discriminatório. Foi a partir do século XIX, com as mudanças nas práticas da medicina, que os sujeitos que mantinham práticas homoeróticas passaram a ter uma “identidade”, ou seja, atribui-se a eles uma série de características e comportamentos que definem o que é um homossexual. Nesse processo, os psiquiatras da época passaram a explicar a homossexualidade como uma falha biológica, o que tiraria a responsabilidade do sujeito homossexual, que deixaria de ser visto como um transgressor e passaria a ser visto como um doente, sendo, assim, passível de cura. É somente no século XX que, lentamente, é feita essa desconstrução. Em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria retirou a palavra “homossexual” da lista de transtornos mentais ou emocionais e, apenas em 1990, a Organização Mundial da Saúde retirou a orientação sexual da sua lista de doenças. No entanto, a retirada da homossexualidade da lista de doenças não assegurou a sua aceitação social, e uma das formas encontradas para se preservar de ataques e repressões foi manter a orientação sexual escondida. No Brasil, a Constituição Federal prevê como objetivo fundamental promover o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, de raça, sexo, cor, idade ou quaisquer discriminações. Para assegurar esse preceito, a Lei 7.716/89 criminaliza o preconceito racial. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso atentam contra o preconceito de idade. Porém, a discriminação em razão de sexo (orientação sexual e identidade sexual) segue sem uma legislação que criminalize a homofobia.

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No mundo, mais de 70 países, como Irã, Arábia Saudita, Sudão e Rússia, criminalizam as relações homossexuais. Segundo estudo divulgado em 2014 pela Associação Internacional de Gays e Lésbicas, 2,7 bilhões de pessoas vivem em países onde ser gay gera punições e até mesmo condenação à morte. No atual contexto social, muitas vezes assumir a sua sexualidade torna-se um ato político, na medida em que esses grupos marginalizados não se vêem contemplados legalmente.


A expressão livre da sexualidade A discriminação com outras formas de expressão da homossexualidade, principalmente as que conferem expressão de gênero feminina, não é um fato isolado dos jovens citados no livro. Segundo o mestre em Comunicação Social Dieison Marconi, “em várias esferas sociais torna-se comum o discurso de que é aceitável ser gay, desde que seja discreto, não se demonstre isso na rua, ou que não se assuma uma expressão feminina. Tudo bem ser gay, desde que não seja ‘pintosa’”. A pressão em manter escondida a orientação sexual e expressão de gênero, por medo da não aceitação da família, amigos e o medo das agressões às quais estão suscetíveis ao tornar público a homossexualidade, ajudam a criar os ‘armários’, que servem como proteção, mas também limitam as vivências pessoais. Espaços mais libertários, como a universidade, os coletivos, os grupos de discussão virtuais e presenciais, tornam-se um marco para os jovens gays vindos do interior, por serem muitas vezes um primeiro espaço onde eles podem viver e expressar seu gênero e orientação sexual sem restrições. “É muito importante porque é um dos primeiros momentos onde você se reconhece tendo uma sexualidade normal, uma sexualidade humana normal, que tudo aquilo que te disseram durante a infância e adolescência não era verdade, que faltava mesmo tu ter uma referência de que essas pessoas estavam sendo felizes sendo gays e que não tinha nada de errado em ser gay” conta Dieison. Nos últimos dez anos, desde a realização do trabalho de Passamani, foram notáveis as mudanças no cenário LGBT em Santa Maria. A criação de coletivos que pautam questões de gênero e outros movimentos sociais ajudou na ampliação desse debate e tornou mais visíveis questões que antes circulavam apenas em pequenos grupos. A internet, além de uma ferramenta de socialização, tornou-se também uma forma de divulgação e ativismo. No entanto, apesar de não ser mais considerada uma doença, a homossexualidade é um tema controverso, que ainda desperta preconceitos e fomenta debates, o que torna o movimento LGBT um movimento de luta por muitas bandeiras, como a criminalização da homofobia e direitos civis igualitários.

“Ah, você tá rindo de mim? Desculpa queridinho, mas eu não vou tirar o meu batom vermelho, eu não vou parar de dar pinta na rua, não vou entrar pro armário de novo, o choro vai ser livre”, diz Dieison Marconi.

a Repórter: Maria Helena da Silva

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EU ME CHAMO JOE UFSM garante direito ao uso do nome social para travestis e transgêneros da instituição

Nome social é o nome pelo qual a pessoa travesti ou transgênera se identifica e pelo qual é e quer ser socialmente conhecida. A adoção acontece quando a pessoa não se sente reconhecida por seu nome civil, que não reflete sua identidade de gênero. Joe, por exemplo, escolheu ser chamado assim, e não mais Andressa, como foi registrado quando nasceu. A resolução de número 10 de 2015 da UFSM assegurou, entre outras providências, a adoção do nome social no âmbito da instituição.

Nome civil: condiz com o sexo biológico da pessoa Nome social: condiz com a identidade de gênero da pessoa

De acordo com o diretor do Departamento de Registro e Controle Acadêmico (Derca), Paulo de Andrade, a regulamentação do uso do nome social abrange toda a comunidade universitária, como professores, técnico-administrativos, estudantes e empregados terceirizados, além de outras pessoas que se inserem no contexto da UFSM, como pacientes do Hospital Universitário e doadores de sangue, por exemplo. A medida garante, na UFSM, ao estudante o direito de sempre ser chamado oralmente pelo nome social, sem menção ao nome civil, inclusive na frequência de classe e em solenidades como colação de grau, defesa de monografia, dissertação ou tese.

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O DCE (Diretório Central dos Estudantes), em parceria com o coletivo VOE de diversidade sexual e a APG (Associação de Pós-Graduação) protocolou junto à reitoria um pedido de adesão da UFSM ao reconhecimento do nome social na instituição. A partir disso, o coordenador de planejamento acadêmico, professor Jerônimo Tybusch, escreveu o texto da resolução. Segundo ele, foram tomadas como base as experiências de outras universidades que já haviam adotado a prática, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Universidade Federal de Rio Grande. “A nossa tentativa foi fazer uma resolução integrada, que atingisse todas as categorias que tenham interação com a universidade, sendo bastante flexível nesse sentido, além de acompanhar as tendências mais avançadas em termos de integração, reconhecimento e respeito social de todos os indivíduos que formam a comunidade acadêmica”, frisa o professor Jerônimo Tybusch. A adesão ao nome social, até dezembro de 2015, ainda não tinha sido expressiva, segundo o diretor do Derca, Paulo de Andrade: “As quatro pessoas que solicitaram até agora vieram assim que foi aprovada a resolução [em março de 2015], depois o fluxo baixou, até porque, além de ser uma pauta delicada, o sistema de dados ainda não estava pronto”. Devido à falta de respaldo de uma lei federal, a adoção do nome social ainda apresenta algumas limitações. O fato de que o nome presente no certificado de conclusão de curso seja o civil, para que tenha validade legal, é um exemplo. Isso, no entanto, não desvaloriza a medida da instituição: “O impacto está na discussão da temática, em trazer para o seio social esse tema”, analisa o professor de Direito da UFSM Alberto Goerch.


Aprovação fortalece direito de estudantes transgêneros A estudante do curso de Filosofia Élle de Bernardini cursa sua “Precisamos ocupar nossos espaços que temos por direito, ocupar segunda graduação na UFSM e revela que o nome social já existia as escolas (que muitas abandonam, por conta do preconceito), informalmente, mesmo antes de a adoção ser normatizada pela universidades, empresas e onde mais tiver espaço para ocuparUniversidade: “Ingressei em 2011, cursava Artes Cênicas, e os mos”, conclui Joe. a Repórter: Bernardo Zamperetti documentos, provas, assinaturas, todas realizei com meu nome social”. A estudante também destaca que na sua atual graduação poderá adotá-lo formalmente: “Desta vez, meu ingresso coincidiu com a adesão, e fui logo orientada pelo secretário do curso a como proceder para requerer a adesão de meu nome social nos Histórico: O assunto começou a ser debatido na documentos”. UFSM em novembro de 2014, quando o reitor, Para Joe, estudante de enfermagem da UFSM no campus de Paulo Burmann, recebeu em seu gabinete a Palmeira das Missões, o nome Andressa Suptitz Carneiro não coordenadora de Políticas Públicas para a correspondia a sua identidade. Diversidade Sexual, Marina Reidel, que repre“Quando me chamam por Joe sei que é comigo, porque é sentava a Secretaria da Justiça e dos Direitos assim que me identifico. Quando me chamam pelo nome civil, Humanos do Rio Grande do Sul. O encontro é como que estivessem chamando por outra pessoa”, revela o teve também a participação de representantes futuro enfermeiro. do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e A adesão ao nome social atinge problemas práticos vivenciado Coletivo Voe, que congrega representantes dos no dia a dia acadêmico, como o caso das listas de chamada: do movimento LGBT de Santa Maria. “Ter que falar com cada professor, a cada semestre para explicar No dia 27 de março de 2015, o Conselho Universitário aprovou, unanimemente, a a situação e, mesmo assim, em alguns casos eles continuarem adoção do nome social na UFSM, decisão que chamando pelo nome civil é desgastante”, lamenta Joe. só foi protocolada em definitivo na resolução Pelas salas de aula da professora Nara Cristina Santos, do publicada no dia 3 de junho do ano passado. Departamento de Artes Visuais, já passaram alguns estudantes A questão do nome social mexeu com transexuais, e a questão sobre qual nome utilizar aconteceu boa parte da estrutura técnica em termos algumas vezes. A docente destaca que a adoção do nome social de gerenciamento de dados da Universinão vai apenas evitar que os estudantes transexuais passem por dade. O Centro de Processamento de Dados constrangimentos desnecessários, mas, sobretudo, vai assegurar (CPD) dedicou a maior parte do trabalho no que sejam reconhecidos e respeitados pela sua identidade de segundo semestre de 2015 a duas recentes e gênero. “Certa vez fiz a chamada, no início do semestre letivo, e importantes adoções da UFSM: ao Sisu como falei ‘Daniel’, mas ninguém se manifestou na turma. Então, no forma de ingresso e ao nome social. No dia final dessa aula, uma estudante me procurou e disse: ‘Professora, 1º de dezembro de 2015, foram apresentao Daniel que a senhora chamou sou eu, mas eu gostaria de ser das as mudanças no sistema de informações chamada de Daniela’. E assim ela foi chamada, durante toda a educacionais. Com isso, todos os sistemas disciplina e nos demais semestres, por mim e pelos colegas”, institucionais que realizam o cadastro de relata a professora. pessoas passam a ter uma informação a mais, Para Joe, “A adoção do nome social da UFSM não é uma vitóreferindo-se ao nome social. ria, mas sim um direito dos transgêneros e travestis”. Ele relata que costuma escutar piadinhas constrangedoras pela Universidade, mas não fica calado: “Todos que estão estudando em uma universidade estão se preparando para atenderem à sociedade, e para isso precisamos aprender a tratar com dignidade e adequadamente todas as pessoas, independentemente de quem seja”. Segundo ele, o espaço da universidade é um pouco mais aberto para dialogar sobre o assunto do que nas escolas, porém “ainda Como proceder: Os estudantes que desejam alterar há muitas barreiras para serem derrubadas, pois alguns cursos o nome devem protocolar, no Departamento de ainda são conservadores sobre a questão da diversidade sexual”. Arquivo Geral da UFSM, requerimento que será O nome social é um mecanismo legal que permite recoencaminhado à Pró-Reitoria de Graduação para, nhecer os estudantes transexuais e travestis, evitando situaapós análise, ser destinado ao Derca para fins ções vexatórias e aplicando na prática ações que venham de execução. No caso de funcionários e colaboa contribuir com a visibilidade e permanência desses radores, a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas é o indivíduos no ambiente educacional. órgão capacitado para gerir a alteração.

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O ESPAÇO TAMBÉM

é deles

Pesquisa da Geografia aborda como pessoas orientadas para o mesmo sexo ocupam os espaços públicos e privados na sociedade

Cidades do interior Espaços públicos são territórios de encontros e manifestações, coletivas e individuais. Mas alguém pode decidir quem ocupa cada espaço? Durante anos, boa parte da comunidade LGBT, formada por lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, manteve-se “dentro do armário”, ou seja, evitou se expor publicamente, já que sua orientação sexual costumava ser motivo de rejeição. Aos poucos, eles passaram a ocupar pequenos territórios públicos, como praças e parques, onde podiam se encontrar e expressar sua sexualidade. No entanto, esses espaços não eram ocupados durante muito tempo, seja por repressões preconceituosas ou desinteresse da própria comunidade em permanecer frequentando esses locais. Além desses espaços, começaram a ser construídos locais de comércio e prestação de serviços, como boates, casas noturnas e saunas. Neles existe a possibilidade das trocas afetivas serem realizadas, como beijos e abraços, além de gerar lucros aos comerciantes. As táticas de ocupação e trocas homoafetivas, em espaços públicos e privados, são estudadas desde o início dos anos 2000 pelo professor Benhur Pinós da Costa, do Departamento de Geociências da UFSM. O primeiro passo dos seus estudos foi dado na dissertação de mestrado, que se seguiu na tese de doutorado quando Benhur investigou sobre os espaços ocupados pela comunidade LGBT em Porto Alegre, sua cidade natal. O foco da pesquisa é dado para as relações entre as pessoas e os espaços públicos da sociedade, buscando identificar e divulgar as diversidades culturais e sexuais invisibilizadas. Segundo Benhur, os estudos sobre diversidade sexual costumam estar centrados nas grandes cidades e na vida metropolitana. Em Porto Alegre, além dos locais privados de encontro e consumo, lugares públicos, como a Praça da Alfândega e o Parque da Redenção, são frequentados pela comunidade LGBT e ocupados através de táticas próprias, muitas vezes não perceptíveis aos demais. “Embora seja na perspectiva da grande cidade, naquela época foi um trabalho muito inovador no âmbito da Geografia, visto que as pesquisas sobre o tema ainda eram poucas no Brasil” – diz Benhur.

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Surgiu, então, a curiosidade de estudar os espaços de convivência homoafetivas em cidades brasileiras de médio porte. O professor desenvolve, atualmente, pesquisa sobre o cotidiano de homossexuais em cidades do interior do Brasil. O pesquisador selecionou cinco cidades, representantes de cada região do país: Santa Maria (RS), Presidente Prudente (SP), Vitória da Conquista (BA), Santarém (AM) e Dourados (MS). As cidades escolhidas seguiram padrão de tamanho – médio e pequeno porte – e deveriam ser distantes da metrópole. Devido ao difícil acesso a sujeitos que colaborassem com a pesquisa, a seleção das cidades pesquisadas sofreu diversas mudanças. Os grupos entrevistados não seguiram padrões, já que gays, lésbicas, travestis, jovens e adultos, dividiram o mesmo espaço de convivência. Para Benhur, qualquer delimitação seria um impeditivo na formação dos grupos de conversa. Quando se mudou para Santa Maria, em 2010, Benhur iniciou o projeto “Cidades, espaço público e diversidades culturais no interior do estado do Rio Grande do Sul”. A diferença para a pesquisa ocorrida em Porto Alegre foi a proposta de olhar a cidade pequena como local possível para a convivência LGBT, diferentemente da maioria dos estudos atuais da geografia, que focam apenas na metrópole. “A cidade grande é um espaço de libertação, mas os grupos estão separados. A travesti está no seu lugar, o homem gay está no seu e a lésbica no seu. A cidade grande fixa o lugar da comunidade LGBT. Na cidade pequena, o gay está no mesmo lugar que a travesti, que a prostituta e, possivelmente, que um heterossexual.” Benhur também trabalhou com os espaços que sujeitos orientados para o mesmo sexo ocupam em sete cidades do interior do Rio Grande do Sul: Santa Maria, Alegrete, Itaqui, Santo Ângelo, Cruz Alta, Uruguaiana e Bagé. Através do contato com lideranças locais do movimento LGBT, foi possível chegar a cada uma dessas cidades e realizar grupos de entrevista e espaço para trocas de experiências entre as entrevistadas e os entrevistados. Os locais para convivência LGBT ainda são poucos. Os pontos de encontro, como bares e boates, são frequentados pela comunidade LGBT e por heterossexuais de todas as classes sociais. Apesar disso, o mercado também reproduz segmentações e preconceitos. Para o pesquisador, as barreiras criadas quanto à classe social e à raça dos frequentadores foram visíveis no decorrer da pesquisa e criam discriminações dentro do mundo LGBT.


INTERIOR DO BRASIL (Santarém – PA) Praia do Osso: praia urbana de periferia onde há encontro entre “bichas” e “bofes”, como os denomina o pesquisador. Homens que não se identificam como homossexuais procuram diversão com homossexuais neste local. Para as “bichas”, manter relações com um heterossexual é forma de se destacar entre o grupo de amigas e amigos.

(Vitória da Conquista – BA) Família Lavinsky: um grupo de jovens amigos, entre 13 e 23 anos, uniu-se para enfrentar os preconceitos de suas famílias. Por também não serem aceitos em lugares de frequência LGBT, eles criaram o “Castelo Lavinsky”, casa de um dos membros, onde se reúnem e se fortalecem como grupo.

(Dourados – MS) “Lady Gaga me salvou”: o preconceito enfrentado por homossexuais na família faz com que eles procurem se reconhecer em outras instâncias, como na música, principalmente no Pop. O reconhecimento encontrado no mundo midiático se torna refúgio e local de construção de identidades.

(Santa Maria - RS) A cidade apresenta mais possibilidade de diversão que as outras estudadas, de acordo com a pesquisa. Na praça Saldanha Marinho, próximo aos banheiros públicos, muitos homossexuais se encontram e buscam oportunidades de terem alguma relação. Também, há mais de dez anos, há encontros da comunidade LGBT em paradas livres, que lutam pela igualdade de direitos.

(Presidente Prudente – SP) Bar Butiquim: era um local de encontro LGBT no centro da cidade, rodeado por restaurantes e bares frequentados por heterossexuais da classe média. A visibilidade das relações homoafetivas naquele lugar incomodou a vizinhança, levando ao fechamento do bar.

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INTERIOR DO RIO GRANDE DO SUL No mapa abaixo, selecionamos as principais características apontadas pelos entrevistados de Benhur sobre as cidades pesquisadas. Através dos relatos, Benhur pôde perceber como os homossexuais e travestis criam táticas para ocupar espaços na sociedade.

Itaqui: As travestis entrevistadas relatam que é permitido a elas usarem o banheiro feminino em algumas entidades culturais e em festas. Elas também exaltam o respeito e a liberdade de poderem andar na rua de mãos dadas com seus companheiros. Para elas, a sociedade de Itaqui as acolheu sem preconceitos.

Uruguaiana: A fronteira entre as cidades de Uruguaiana e Passo de Los Libres faz com que um mercado de diversão e diversidade sexual se estabeleça e aumente o trânsito de sujeitos orientados para o mesmo sexo entre os locais. Uruguaiana é destino da comunidade LGBT que vive em localidades menores e busca por diversão, principalmente no carnaval fora de época, festa que é referência no estado.

Alegrete: A sociedade alegretense é considerada preconceituosa pelos entrevistados, principalmente quanto ao mercado de trabalho. Sujeitos com características “afeminadas” reclamam de terem sido recusados. A escola também é local de discriminação e é onde se criam os primeiros sentimentos de exclusão. Os principais espaços de encontro são em balneários às margens do Rio Ibicuí. Os entrevistados relatam que homens heterossexuais com atitudes preconceituosas procuram gays e travestis para novas experiências sexuais.

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Bagé: A Praça dos Esportes é ponto de encontro de universitários vindos de cidades menores. Os entrevistados dizem que a praça é uma possibilidade de troca de afetos entre homossexuais, e a tomam como um local protegido pela diversidade. A praça é considerada ponto onde os sujeitos se assumem e passam a viver como gays, lésbicas e travestis.


Santo Ângelo: A prática de “homoerotismo velado”, quando se esconde a orientação sexual, é comum, devido ao preconceito e revela a dificuldade dos sujeitos de se assumirem publicamente. Os entrevistados relatam a busca por diversão e festas em cidades vizinhas, como Entre-Ijuís e Ijuí.

Cruz Alta: A cidade se destaca pela forte expressão política do movimento LGBT e pela festa da Diversidade, onde se encontram pessoas de todo o estado. Além disso, há o Palácio de Cristal, casa de um dos entrevistados, na zona norte da cidade, onde LGBTs amigos se reúnem para se maquiar, e se produzir, utilizando lençóis para imitarem vestidos.

O estudante da UFSM Jean Moralles é natural de Itaqui e veio para Santa Maria estudar Artes Cênicas em 2012. Para ele, a nova cidade proporcionou um processo de descobrimento e libertação, já que em Santa Maria passou a expressar sua homossexualidade, através da roupa e do teatro. Ele comenta que em Itaqui existe uma homossexualidade velada, onde o gay ainda deve se comportar e se vestir como hétero. “O que mais me assusta no interior é a consciência do homossexual sobre si, pois eles acham que eles estão errados em certas situações de preconceito, e que não devem usar algumas roupas ou se manifestar publicamente.” Entretanto, para Jean, já há um processo de maior aceitação em sua cidade, quando comparado com gerações de homossexuais mais velhos. Os pequenos debates sobre o ensino de gênero na escola e a ocupação de espaços públicos por gays, lésbicas, bissexuais e transexuais iniciam um movimento para que a comunidade LGBT não precise restringir os encontros apenas aos grupos de teatro, na casa de amigos ou na rua à noite. Segundo Benhur, as cidades de grande porte tendem a ser mais abordadas em pesquisas, devido ao frequente trânsito de pessoas e à criação de possibilidades de espaços de convivência. Porém, as cidades de médio e pequeno porte ainda são vistas como locais regrados, que seguem padrões de como agir e vestir, e merecem mais atenção de pesquisas de todas áreas do conhecimento. a Repórter: Andressa Foggiato

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CLIMA

O IMPACTO

DAS ÁGUAS

Projeto do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial viaja anualmente para a Antártica a fim de estudar como a relação entre o oceano e a atmosfera impacta o clima global

Você já deve ter ouvido falar que setenta e cinco por cento da superfície da Terra é coberta por água. Mas você sabia que muitas propriedades das águas dos oceanos estão fortemente associadas às mudanças que ocorrem na atmosfera, como a ocorrência do El Niño? Esse fenômeno, que se caracteriza pelo aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical, pode comprometer o clima regional e global (e também as suas férias). São vários os fatores que afetam a variação climática global, entre eles o processo de troca de calor entre a superfície do mar e a atmosfera e a influência do dióxido de carbono nesse processo. Com uma costa de mais de 8.000 km² banhada pelas águas do Oceano Atlântico Sul, o Brasil, até pouco tempo, dispunha de poucos recursos para estudar o impacto que essas águas dos oceanos têm sobre o clima do país e do continente sul-americano. A partir de 2004, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) desenvolveu um projeto voltado para o estudo direto dos processos de interação oceano-atmosfera.

O Projeto Interação Oceano-Atmosfera na região da Confluência Brasil-Malvinas (Interconf) é coordenado pelo pesquisador Ronald Buss de Souza, do INPE, e atualmente é o único grupo da América Latina que realiza pesquisas na área. Responsável por inúmeros trabalhos de pesquisa, o projeto conta com alunos de graduação, mestrado e doutorado de diversas instituições, como a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG). O Projeto Interconf atua em parceria com o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), um projeto do governo brasileiro que, desde 1982, através da Marinha do Brasil, oferece o suporte para levar pesquisadores até o continente antártico, com todo o equipamento necessário para coleta de dados para pesquisas.Três navios são disponibilizados pela Marinha: Navio Hidro-oceanográfico Cruzeiro do Sul (H38), Navio Polar Almirante Maximiano (H41) e Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rangel (H44).

Fotografia:Arquivo pessoal

Equipe do Inpe viajou no Navio Polar Almirante Maximiliano à Antártica

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CLIMA


A Corrente do Brasil influencia no clima de praticamente toda

a

costa leste brasileira, transportando águas

Lagoa dos Patos

quentes do Equador até a região de encontro com a Corrente das Malvinas. Em sentido inverso, a Corrente das Malvinas é formada por um braço da corrente circumpolar antártica, que se desloca para o norte, ao longo de toda a costa Argentina. Essa corrente é considerada, pelos

América do Sul

especialistas, rica em nutrientes e de extrema importância para a economia pesqueira argentina e sul-brasileira.

Oceano Atlântico Sul As embarcações transportam uma tripulação de mais ou menos 80 pessoas, entre pesquisadores e integrantes da Marinha. Os dados são coletados em parceria com o Centro de Hidrografia Marinha (CHM) e possuem grande relevância para os trabalhos realizados pelo INPE, sendo aplicados nas mais diversas áreas da Oceanografia e Meteorologia. Estes dados auxiliam na compreensão de processos físicos e biológicos do ciclo do dióxido de carbono (CO2) e seu papel nas mudanças climáticas globais. “Essas medidas são consideradas importantes para os estados da região Sul do Brasil, pois a passagem de frentes frias sobre o estado do Rio Grande do Sul é afetada diretamente pelas variações de temperatura na superfície do mar’’, explica Ronald.

A bordo: O Projeto Interconf utiliza os navios – quando eles passam pela região oceânica da Confluência Brasil-Malvinas – para realizar medidas que ainda não haviam sido feitas, nem mesmo pelos navios do Proantar. A equipe do professor Ronald vai ao mar com instrumentos específicos para medir variáveis oceânicas e atmosféricas, como: temperatura da água do mar, temperatura do ar, umidade relativa do ar, intensidade de direção dos ventos e intensidade de direção das correntes marinhas. Esses parâmetros físicos servem de apoio para calcular a troca de calor entre o oceano e a atmosfera. Em outubro de 2014, Ronald Buss e sua equipe participaram da Operação Antártica de número 33, que partiu do porto do Rio de Janeiro, com escala nos portos de Rio Grande (RS) e Ushuaia (Argentina), a bordo do Navio Polar Almirante Maximiano (H41). Segundo Ronald, a operação começa muito antes do embarque, com a preparação dos instrumentos utilizados na coleta de dados, que devem ser montados e passam por um período de testes. Depois de preparados, os equipamentos são embarcados no navio e devidamente instalados. São utilizados, ao longo do percurso entre o Brasil e a Antártica, radiossondas atmosféricas, equipamentos oceanográficos e uma torre micro-meteorológica de fluxos, que tem a capacidade de medir as transferências de calor e de dióxido de carbono (CO2), entre outras variáveis.

Ilhas Malvinas

Do ponto de vista atmosférico, a existência de uma camada de ar quente e turbulenta sobre a região da Corrente do Brasil encontra-se com a camada de ar frio e estável sobre a Corrente das Malvinas. Isso causa uma diferença térmica e uma transferência de fluxos de calor intenso nesta região.

PARA ENTENDER MELHOR: As

variáveis físicas na interface

oceano-atmosfera são estudadas a partir da variação de temperatura entre a corrente marítima do Brasil, que vem do Norte, caracterizada por águas quentes e salinas, e a corrente das Malvinas, que vem do Sul, caracterizada por águas frias e menos salinas. O encontro dessas duas massas d’água representa uma diferença de temperatura que, em poucos quilômetros, pode variar em mais de 10ºC.

A radiossonda é lançada do navio por meio de um balão atmosférico, chegando a altitudes acima de 25.000 metros. Dentro do navio existe um receptor que capta, via rádio, as informações do aparelho. A torre micro-meteorológica é instalada na proa do navio para coletar dados atmosféricos próximo à superfície do mar. a Repórter: Diossana da Costa

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para entender

a economia

Livro lançado pela Editora UFSM relaciona política e economia e busca informar tanto o público leigo quanto estudantes da área

Boa parte das pessoas, mesmo aquelas com escolaridade de nível superior, não entendem o suficiente de economia para terem opiniões fundamentadas sobre o que de fato acontece no Brasil. Jargões e linguagem difícil costumam ser utilizados pelos ‘entendidos’ da área para explicar os fatos e acabam confundindo ainda mais os brasileiros. Pensando nisso, o professor José Maria Alves da Silva, da Universidade Federal de Viçosa, escreveu o livro Análise Macroeconômica e Avaliação Governamental, lançado pela Editora da UFSM em dezembro de 2014. O objetivo do autor é que tanto estudantes da área de economia quanto de outros campos possam ampliar sua visão sobre o assunto e ter argumentos fundamentados para analisar os governos. A apresentação do livro traz uma epígrafe do economista britânico Joan Robinson que sintetiza a proposta do autor: “É importante estudar economia para não se deixar enganar pelos economistas.” O professor Alves da Silva diz que “para avaliar um governo é preciso olhar para diversas variáveis macroeconômicas e verificar se o que se está fazendo para melhorar o comportamento de uma não está prejudicando outra, e assim por diante”.

Por exemplo, será que a luta contra a inflação não está deixando o governo cego para o crescimento do desemprego? Será que a tentativa de aumentar o PIB não está ignorando a qualidade de vida das pessoas? O livro traz conceitos e variáveis como taxa nominal de câmbio e Índice de Desenvolvimento Humano, cujo entendimento é importante para poder compreender e analisar a situação atual do país, no que diz respeito ao âmbito econômico (veja quadro na página seguinte). O conteúdo difere das formações ortodoxas de economia em sua abordagem, tratamento conceitual e analítico e busca fugir do que é normalmente ensinado nos bancos acadêmicos. Análise Macroeconômica e Avaliação Governamental também tem como objetivo fornecer educação política e contribuir para a construção de cidadãos, e não apenas de profissionais para o mundo dos negócios. Um dos pareceristas* que aprovou a publicação do livro confirma que o professor Alves da Silva cumpriu o seu propósito: “A obra reúne um conjunto de aspectos que fornece visão detalhada do funcionamento das relações econômicas a partir de uma perspectiva conceitual e aplicada, fornecendo, assim, compreensão prática dos fenômenos econômicos mesmo àqueles que não dominam as complexas teorias.” * Por uma política da Editora UFSM, o nome dos pareceristas que analisam as obras não deve ser divulgado.

os desafios do livro Segundo o professor Alves da Silva, o desafio de escrever o livro foi o mesmo de quando se entra em sala de aula para iniciar os alunos nos meandros da ciência: tornar fácil o que é difícil e, no caso dos seus alunos, sempre buscando que eles adquiram conhecimento o suficiente para serem aptos a embarcarem na área da pesquisa científica. Essa obra, porém, busca ser acessível não só para estudantes de economia e áreas afins, mas também para profissionais de outros campos que almejam ampliar seu conhecimento. O autor assegura que “o leitor que se dedicar a compreender e dominar os conceitos apresentados pelo livro certamente sairá mais exigente, avaliativo e vai poder criticar a postura econômica dos governos baseado em fundamentos teóricos”.

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A reforma curricular dos cursos de economia Nos anos 80, acontecia no Brasil um movimento pela reforma curricular dos cursos de economia do país, e o professor José Maria Alves da Silva foi um participante ativo dessa movimentação. Contudo, ele explica que, na sua visão, a partir disso, houve um retrocesso muito grande, pois “a reforma acabou por retirar as poucas coisas boas que havia no currículo da época da ditadura, que era mais crítico e mais focado nas realidades brasileiras e latino-americanas”. O professor critica o ensino atual de economia, chamando-o de “pasteurizado”, pois é baseado somente em manuais norte-americanos que estão na moda no momento. No entanto, o cenário parece estar lentamente mudando. O professor José Maria também acredita que a teoria desses autores norte-americanos não representa mais a economia do mundo real, nem suas crises e as origens delas. Segundo ele, novos autores estão surgindo com novas ideias e abordagens que trabalham a “economia real” contemporânea, que sinalizam para um futuro promissor da ciência econômica. “Se essa profecia se cumprir, meu livro estará na direção correta”, finaliza o professor. a Repórter: Gustavo Martinez

No livro, o professor José Maria Alves da Silva tenta tornar acessíveis ao público leigo em economia alguns conceitos da área.

TAXA NOMINAL DE CÂMBIO

ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (IDH)

A taxa nominal de câmbio pode ser definida como o preço da moeda nacional em termos de uma moeda estrangeira de referencia. No caso brasileiro, é o preço em reais de um dólar norteamericano, de uma libra inglesa, de um franco francês, etc.

Segundo a metodologia utilizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico (PNUD), o Índice de Desenvolvimento Humano IDH é formado pela combinação de outros três índices parciais, relacionados à longevidade de vida, à educação e à renda. O índice de longevidade é medido pela esperança de vida ao nascer, e o de educação por uma média ponderada entre a taxa de alfabetização de adultos, com peso de dois terços, e da taxa combinada de matrícula nos três níveis de ensino, com peso de um terço. O terceiro é dado pelo PIB per capita.

ECONOMIA A palavra economia é uma declinação do vocábulo grego oikosnomia – tem origem em Xenofonte, contemporâneo de Sócrates – que tem por significado “administração doméstica”, “gestão da casa”. Extrapolando a ideia para além dos domínios do lar, a oikosnomia pode ser mais genericamente entendida como a ciência ou a arte de tirar o máximo proveito de recursos escassos. Antes de Xenofonte, os administradores do lar já haviam descoberto que podiam tirar mais proveito dos recursos mediante o intercâmbio, quando se troca algo produzido em excesso por algo que está em falta. Para ilustrar as vantagens do intercâmbio, suponha que os vizinhos A e B possuam hortas em seus quintais e que a horta de A seja mais fértil para o cultivo de tomates do que de cebolas e que ocorra o contrário na horta de B, de modo que sobre tomate e falte cebola na família A e falte tomate e sobre cebola na família B. Diz-se, assim, que a família A gera um excedente de tomates, e a família B um excedente de cebolas. É fácil deduzir, a partir daí, que a troca de excedentes entre as famílias vai melhorar a salada de ambas, gerando, em consequência, um maior nível de bem-estar e melhor aproveitamento dos respectivos recursos. Este exemplo pode ser pueril, mas contém todos os elementos de lógica que podem ser utilizados para bem justificar acordos bilaterais de comércio entre nações.

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ENSAIO

retratos

poéticos Fotógrafo utiliza contradispositivos para produzir e ressignificar retratos fotográficos

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ENSAIO


Retratar é a ação que visa representar a imagem de uma pessoa real, seja através de desenho, pintura, gravura ou fotografia. Intitulada Dispositivo e Contradispositivo na Construção Poética do Retrato, a dissertação de mestrado em Artes Visuais do fotógrafo Rafael Happke – defendida em junho de 2015 no Programa de Pós-Graduação em Artes da UFSM – teve como elemento central da pesquisa o retrato fotográfico. Happke busca investigar o retrato fotográfico, no âmbito de sua poética, através do uso do dispositivo e do contradispositivo. A poética, no trabalho, tem ligação direta com o termo grego poiesis, que significa criação, produção. “É o processo de construção e reflexão da fotografia. Às vezes as pessoas confundem, não é a questão de ser uma foto artística, mas sim o processo de construção desse retrato”, afirma Happke. Sob a orientação da professora Darci Raquel Fonseca, técnicas foram criadas pelo fotógrafo para produzir efeitos em suas fotografias. O equipamento padrão usado para capturar os retratos foi uma câmera digital profissional, mas os efeitos produzidos nas fotos se devem aos contradispositivos pensados para a produção dos retratos. “Eles transformam aquilo que o dispositivo – a câmera fotográfica digital – tem a capacidade de capturar”, explica o pesquisador. Uma espécie de câmera escura com pedaços de vidro pontilhado dentro foi um dos contradispositivos usados por Happke. Ele trabalhou, ainda, com jogo de espelhos e reflexos para a produção dos efeitos nos retratos. a Repórter: Guilherme Denardin Gabbi Fotografias: Rafael Happke

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RECORDAÇÕES

PIONEIRISMO NA MEDICINA *Por Ronald Bossemeyer

Janeiro de 1954. No exame vestibular para a admissão à Faculdade de Medicina de Porto Alegre acontece algo inusitado: apesar do edital de convocação explicitar claramente que os primeiros 100 classificados seriam os alunos do curso médico daquele ano, são relacionados 150 aprovados. Inequivocamente, os 100 primeiros matricularam-se naquela instituição e os demais, os excedentes (assim chamados desde logo), tornaram-se os alunos que constituiriam o que viria ser a primeira turma médica da recém-fundada Faculdade de Medicina de Santa Maria, por muitos, com propriedade, chamada “a Faculdade de Medicina do Dr. Mariano”. O curso transcorria lisamente, apesar dos pessimistas. Mariano, arguto e atilado, fez bom uso de sua inquestionável influência e brindou a seus alunos o melhor ensino nas chamadas disciplinas básicas enquanto preparava alguns médicos da cidade para o ensino prático, enviando um bom contingente destes para fora do estado e trazendo “a nata” da capital e do centro do país assim como do estrangeiro, para ensinar à “sua” primeira turma. Necessário tornou-se, então, dispor de um bom teatro de operações: um hospital de ensino. O “Hospital de Caridade Dr. Astrogildo de Azevedo”, já tradicional e fundado pelo próprio Astrogildo em 1903, servia à cidade há cerca de meio século mas apresentava nítidas limitações. Pois Mariano não exitou em aprimorá-lo e atualizá-lo, conferindo-lhe a feição de um eficiente hospital de ensino. Para tal, mais do que equipá-lo, arregimentou seu Corpo Clínico e, mais ainda, motivou os responsáveis pelas distintas enfermarias e ambulatórios da entidade a participar ativamente do processo de ensino, fazendo-o pessoalmente ou oferecendo seu espaço para que em seus leitos os alunos pudessem praticar. Foram inúmeras as enfermarias do Hospital de Caridade que colaboraram para o funcionamento da novel Faculdade. Deveriam ser citadas as de cirurgia de mulheres (como a do Dr. Amaury Lenz e a do Dr. Cecil Agne), as de clínica médica de mulheres (como a da Dra. Diná Schmidt e a do Dr. Canabarro), a Maternidade (sob a guarda zelosa do Dr. Celso Teixeira) e tantas outras enfermarias, todas sob a direção de diligentes médicos como o Dr. Miguel Meireles (na pediatria), para exemplificar com alguém tão especial como o Mestre Meireles.Nossa faculdade foi a primeira escola de medicina brasileira concebida e estruturada no estilo americano: o sistema departamental. Vale dizer, constituída por unidades docentes que grupavam várias disciplinas afins, os departamentos, assim potencializando os ensinamentos e aproveitando docentes cujo conhecimento técnico poderia enriquecer um maior número de alunos e, assim, beneficiar os pacientes enfocando seu estado de saúde de forma mais eficiente e realista. O pioneirismo não se restringia ao exposto; a Faculdade de Medicina de Santa Maria foi, também, o primeiro curso médico a dedicar os dois últimos semestres ao estágio obrigatório nas quatro áreas do conhecimento médico como um todo: clínica médica, clínica cirúrgica, tocoginecologia e pediatria. E isto tudo (no que tangia ao ensino prático) inteiramente sediado no valoroso Hospital de Caridade. O “Caridade” (como carinhosamente muitos de nós nos referimos ao “nosso” hospital), agora já centenário, segue seu caminho rumo ao futuro. E verdade seja dita, sua estrutura atual é bem diferente da existente nos tempos da nossa “primeira turma”...! *Ronald Bossemeyer fez parte da 1ª turma de Medicina da UFSM e atualmente é Diretor-Técnico do Hospital de Caridade Dr. Astrogildo de Azevedo

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ESCRITOS

MONTEVIDÉU

*Mestre em Educação pela UFSM, Lucas Visentini é contista, cronista e escritor de livros infantis. É o autor do livro Neto e a Boca do Monte, vencedor do Concurso de Literatura Infantil de 2013, promovido pela Academia Santa-Mariense de Letras.

*por Lucas Visentini

Ao ultrapassar demarcações, até ti cheguei: hei de compreender que os limites de meu pago existem para serem transcendidos. Percorri terras orientais a um rio que muitas histórias testemunhou, terras que sentiram os passos e escutaram os relinchos de cavalos alados montados por guerreiros que pelejaram pela tua soberania. Assim te enxergo, assim te vejo. O monte que vi de leste a oeste em uma terra oriental sinalizou a tua chegada. Não a minha, como se pode supor, mas a tua: em mim adentraste e em mim permaneceste.

E quanto em ti pude enxergar! Vi muito de e em ti: conheci tuas lindas praças cujos sons dos mais belos tangos pareciam fazer parte de ti, como se a melodia fosse a transpiração dos teus monumentos que glorificam teu passado. Em um edifício moderno vejo refletida a imagem de outro que nos remete a tempos passados. Mas o teu passado não está no passado, Montevidéu, está no momento presente, não o passado sobrepondo o presente, mas aquele fazendo parte deste. E eu a montevidear.

E eu a montevidear. Indaguei-me: quem tu és, Montevidéu? O que tu és? Não houve um anfitrião que a mim te apresentou, assim como ninguém a ti me introduziu: como estrangeiros desconhecidos nos entreolhamos e os olhares permaneceram fixos, mudos e contemplativos. Na verdade não fixos, mas em constante movimento ao nos observarmos diariamente e noturnamente.

Eu quis conhecer-te de perto, perceber tua essência que emanava de cada parte que te constitui: teus bairros são braços que abraçam e abarcam tudo aquilo que em ti está contido. Não te conheci por “Montevidéu”, mas sim por “Montevideo”, sem “u”, sem acento e sem nada sobre ti saber. Hei um dia de re-ver e re-conhecer teus caminhos. Caminhos que levam a palácios, a construções antigas, a portos, a praias, a pessoas... Seres nos quais tu deixas marcas indeléveis, seres que formam teu povo, tua gente, teus gauchos. És tu um senhor ou uma senhora, Montevidéu? Assim tu me pareces ser: tu és um senhor ou uma senhora de meia-idade, tens um sorriso simpático e acolhedor, mãos fortes que carregam consigo um mate curto e amargo por ruas sombreadas por árvores que parecem proteger a quem passa. Teus cabelos grisalhos são o testemunho de tua trajetória de vida, existência contada e cantada por cada uruguayo que a ti pertence, por cada oriental que é filho não de tuas entranhas, mas de tua terra. E de tuas águas. Que te circundam e te saciam de muitas sedes. Se o rio que te banha é de prata, tua terra, em contrapartida, é dourada. E eu a montevidear. De que sabor serão tuas águas hoje? Estarão doces ou salgadas neste exato ponto a que minha inexata memória se remete? É o rio que está a subjugar o mar ou seria este àquele? Teu céu testemunha o embate entre os dois para saber quem hoje irá te tocar. Que sabor têm tuas praias hoje? Que música soará em teus colectivos? Pergunto-te: há limite para o teu céu, Montevidéu? E teu mate? Este tem o sabor da saudade. Deixei-te e agora novamente de ti me despeço. Cumprimento-te não com um “adiós”, mas com um “hasta luego”.

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ESCRITOS


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