Revista Literal n. 4

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Shakespeare and Company Na Rue de la Bûcherie, 37, no quilômetro zero, em Paris, está uma das mais incríveis livrarias do planeta. Por Bruno Dorigatti Publicado originalmente em novembro de 2007

Ele chegou a Paris logo após a Segunda Guerra e, além de toda uma cidade que precisava ser reconstruída, sua vida também necessitava de um rumo. Não que George Whitman fosse alguém apegado à estabilidade, empregos fixos e aos costumes de uma classe mediana que quer sossego, tranqüilidade e segurança. Mas, de qualquer maneira, era preciso levantar algum dinheiro para a comida, o aluguel e as demais trivialidades da vida diária. Depois de servir no exército norte-americano na Groenlândia, George foi deslocado para uma base militar em Massachusetts, na costa leste dos Estados Unidos. Lá, abriu sua primeira livraria, a Taunton Book Lounge, cuja clientela eram os homens da base e soldados no exterior. Pensou em abrir outra na Cidade do México, mas surgiu a oportunidade de trabalhar como voluntário na França. País que, diferentemente do seu, estava de certa forma se reerguendo depois da tragédia – e com um vigor e liberdade que o macarthismo não permitia na América naquele momento. George chegara a rodar a América Central a pé, após ter se formado em jornalismo em 1935. A idéia inicial era mais ambiciosa: uma viagem pelo planeta, fazendo 48 mil quilômetros a pé. Começou pela Califórnia e foi descendo, México, Belize, Panamá. Esteve ainda no Havaí. Mas, em certo momento, o ímpeto se foi e o andarilho retornou a Boston, pouco antes de ser convocado para servir ao exército norte-americano. Em Paris, aonde chegou em meados dos anos 1940, fez um curso sobre a 62 Revista Literal

civilização francesa na Sorbonne enquanto morava no Hôtel de Suez, no boulevard St. Michel. Com algumas reservas e economizando, conseguiu comprar uma coleção de livros em inglês que, como tudo na cidade que começava ser reconstruída, escasseavam. Assim, aos poucos foi montando uma biblioteca, que logo, logo, depois de perder a chave do quarto e deixá-lo ininterruptamente destrancado, começou a ser freqüentada por interessados em ler os livros, tomá-los emprestados. Corte para 1919. Em outro pós-guerra – neste caso, a Primeira Guerra, que introduziu o mundo no horror das incontáveis mortes em série, e seria desdobrada no próximo conflito –, uma outra norte-americana, também com dificuldades para comprar livros em inglês na capital francesa, resolve abrir uma livraria para suprir esta necessidade. Acabou se tornando a sede de uma turma de compatriotas que chegaram a Paris na bonanza que todo fim de conflito observa – este, o mais trágico visto até então. O chamado período do entre-guerras, onde por 20 anos foi possível acreditar no melhor dos mundos, arrastou para lá, entre muitos outros, Scott Fitzgerald e sua mulher Zelda, Gertrude Stein, Ezra Pound e Ernest Hemingway, que mais tarde iria descrever esse tempo nas memórias de Paris é uma festa (1964). Situada a rue de l’Odeon, no sexto arrondissement, próximo a St.-Germain-des-Prés, a Shakespeare and Company criada por Sylvia Beach foi muito mais que uma mera livraria, e


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