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EDITORIAL

SUMÁRIO

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Atualizações patológicas

Caro Leitor,

AINEs - vantagens e riscos

hospitais

Transplante de córnea: tecnologia a serviço da medicina

DO MÉDICO 6 DIREITOS Seguros médicos pauta 8 EM Cirurgia minimamente invasiva humanitária 10 atuação Médicos Sem Fronteiras NUCLEAR 12 MEDICINA Para o bem e para o mal da arte 14 estado Medicina regenerativa 15 MEDICAMENTOS Doenças negligenciadas: da relevante

mortalidade à inexpressividade financeira

de destaque 16 Profissionais Entrevista: Antônio Carlos Lopes de trabalho 17 Mercado A prática da Medicina Esportiva no país do hospital 18 Além Aventura longe do consultório 20 Ética Direito de morrer 21 multidisciplinar Além do consultório médico 22 especial O dilema do diploma de capa 24 matéria Brasil sob consulta 30 vacinas Evolução das vacinas na Pediatria de residente 31 Vida Enfim, residente e agradável 32 Útil Descanso da rotina 33 bastidores Staff de emergência 34 medicin@ Publicidade e medicina na internet históricos 35 Fatos Anestesia 36 cultura Suspense na medicina 37 Curiosidades Detalhes históricos e mitos colocados à prova 38 Verdades e mitos 39 crônica A pizza 40 Fotos e eventos 42 aGENDA MEDATUAL

É com enorme satisfação que publicamos a 3ª edição da Revista MedAtual. Recebemos diversas mensagens de incentivo e inúmeras sugestões nas primeiras edições, o que nos confirma a aceitação e a repercussão da Revista. Algumas matérias desta edição surgiram a partir de ideias enviadas por leitores, a quem agradecemos o contato. O tema principal é a discussão entre médicos e planos de saúde, onde apresentamos um panorama dessa relação, incluindo o pedido de uma remuneração mais digna para os médicos. Além disso, entre outros temas, abordamos o consumo dos anti-inflamatórios e suas consequências, fazemos um alerta em relação aos seguros médicos e apresentamos uma matéria sobre doenças negligenciadas. Mostramos o trabalho voluntário do projeto Médicos Sem Fronteiras ao redor do mundo, falamos dos doutores que se aventuram em salvamentos em locais de difícil acesso e trazemos um panorama da Medicina Nuclear. Como matéria especial, focamos o processo de revalidação do diploma médico do exterior no Brasil. Boa leitura! Editores

EXPEDIENTE

Diretores: Atílio Barbosa e Sandriani Caldeira Produção Editorial: Fátima Rodrigues Morais Conselho Editorial: Dra Flávia Fairbanks Lima de Oliveira Marino – mestre em Ginecologia e especialista em Endometriose e Sexualidade Humana pelo HC-FMUSP; Dr Marcos Laercio Pontes Reis – especialista em Hematologia pela Casa de Saúde Santa Marcelina e mestre em Transplante de Medula Óssea pela UNIFESP; Dr Eduardo Bertolli – especialista em Cirurgia Geral pela PUC-SP e em Cirurgia Oncológica pelo Hospital do Câncer A. C. Camargo; Dra Denize Borges Pedretti – residente em Clínica Médica pela UNIFESP; Dr Leandro Faustino – residente em Cirurgia Geral pela UNIFESP. Jornalista Responsável: Fátima Rodrigues Morais - MTB 48447 Reportagens: Paula Maria Prado, Pamella Indaiá e Yasmim Mauriz Colaboração: Dr Antonio Bomfim Marçal Avertano Rocha, Dr Durval Alex G. e Costa, Dr Ernesto Reggio, Laísa de Moura, Marlon Gomes Sobrinho, Amanda Novaretti, Diego Palmieri e Andressa Schpallir Revisão: Alessandra Barbosa Valença, Denis de Jesus Souza, Fabricio José Fernandes, Henrique Tadeu Malfará de Souza e Luciana de Barros Bocci Serviços Editoriais: Milena Patriota e Tatiana Takiuti Auxiliares Administrativos: Juliana Ferreira e Kátia Suênia Projeto Gráfico e Diagramação: Jorlandi Ribeiro Artes: Martha N. F. Leite e Luciane Sturaro Capa: R2 Criações Fotos: Martha N. F. Leite e Yasmim Mauriz Marketing e Publicidade: Camila Miquelim Agradecimentos: Organização Médicos Sem Fronteiras, Hospital Oftalmológico de Sorocaba e Hospital Sírio-Libanês Tiragem: 100.000 exemplares Periodicidade: Semestral Circulação: Nacional Distribuição: Gratuita MedAtual Avenida Paulista, 1776 - 2º andar www.medatual.com.br medatual@medatual.com.br (11) 3511 6182

A Revista MedAtual é gratuita. Solicite seu exemplar, cadastrando-se em nosso site: www.medatual.com.br. Envie suas opiniões e sugestões pelo e-mail medatual@medatual.com.br.


ATUALIZAÇÕES PATOLÓGICAS ATUALIZAÇÕES PATOLÓGICAS

AINEs - vantagens e riscos Consumidos de forma irresponsável, os anti-inflamatórios não esteroides podem causar reações adversas

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onte de inúmeros debates, os Anti-Inflamatórios Não Esteroides (AINEs) estão entre os medicamentos mais consumidos em todo o mundo. Usados para combater da dorzinha incômoda nas costas às topadas no dedão, eles estão presentes no dia a dia de todos nós. Prova disso é o grande número de pessoas que carrega consigo um desses remédios e o distribui para colegas e familiares como se fosse uma solução milagrosa para todos os problemas. São comprimidos, cremes, pomadas, gotas e injeções que prometem alívio imediato. No entanto, o uso indiscriminado de fármacos aparentemente inocentes, como a popular Aspirina, pode ter consequências trágicas. “Os AINEs surgiram em 1897, e fizeram uma revolução no universo dos anti-inflamatórios, que na época se resumia a compostos altamente tóxicos do ponto de vista terapêutico”, afirma a farmacologista e pesquisadora Magna Suzana Alexandre Moreira, professora adjunta da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Segundo Magna, os AINEs destacam-se entre os grupos farmacêuticos mais utilizados na medicina por conta de sua eficácia em suprimir dor e inflamação. “São medicamentos com um amplo espectro de indicações terapêuticas, entre elas analgesia, anti-inflamação, antipirese e até mesmo pro-

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filaxia contra doenças cardiovasculares.” Ainda de acordo com a professora, publicações científicas recentes sugerem que a família dos AINEs poderia ser eficaz na prevenção de doenças neurológicas, como o Alzheimer, além de constituir uma opção terapêutica para casos de câncer. Para Daniel Feldman, professor do Departamento de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), a importância dos anti-inflamatórios é indiscutível. “Eles são indispensáveis para uma série de doenças inflamatórias crônicas. O uso dos AINEs deve ser avaliado como o de qualquer outro medicamento. É preciso balancear benefícios e malefícios. O ganho de qualidade de vida para pacientes com problemas como artrite reumatoide, gota e osteoartrite é infinito.” COXIBEs em debate Os AINEs são agentes inibidores da ciclo-oxigenase (COX), divididos em duas classes, seletivos ou não. Os inibidores não seletivos, conhecidos como tradicionais ou convencionais, são os mais antigos da família. Estão nessa classe alguns dos medicamentos mais conhecidos pelo público em geral, entre eles a Aspirina e o Cataflam.


ATUALIZAÇÕES PATOLÓGICAS

Aparentemente inofensivos, os AINEs tradicionais são utilizados de forma indiscriminada e sem acompanhamento médico. “O uso irracional de tais fármacos pode ocasionar diversas reações adversas. As mais comuns são alergias, problemas respiratórios, lesões do trato gastrintestinal, anormalidades da coagulação e lesões renais”, alerta a farmacêutica Aline Cavalcanti de Queiroz. Foco das polêmicas recentes, os AINEs seletivos para a COX-2, também designados COXIBEs, entraram em evidência com o lançamento do Vioxx, em 1999. Anunciado como um dos remédios mais eficazes no tratamento da artrite, o fármaco também prometia acabar com a dor sem os efeitos colaterais dos anti-inflamatórios tradicionais, sobretudo as úlceras e os sangramentos gastrintestinais. “Eles melhoraram a tolerabilidade gástrica. Entretanto, a presença de efeitos adversos cardiovasculares reduziu o ânimo inicial relacionado ao uso desses fármacos”, afirma Magna. De fato, o entusiasmo foi interrompido de forma brusca quando o laboratório americano Merck Sharp & Dohme, fabricante do Vioxx, determinou, em 2004, a retirada completa do remédio no mercado mundial, após a divulgação de estudos que relacionaram o uso do medicamento ao aumento de riscos

de infartos e derrames. “Ficou constatado que o uso crônico pode facilitar a formação de trombose. Apesar de não ser um efeito colateral comum, ele é bastante significativo, especialmente para pacientes com histórico de problemas relacionados”, afirma o cardiologista Carlos Vicente Serrano Jr., do Instituto do Coração. O especialista acredita que o controle deve vir, em primeiro lugar, do médico. “Uma avaliação criteriosa de riscos e benefícios é essencial ao receitar qualquer tipo de remédio e com os AINEs não deve ser diferente.” A repercussão foi imediata, e não poderia ser para menos. No Brasil, o Vioxx liderava a lista dos anti-inflamatórios mais vendidos, e o episódio colocou sob suspeita todos os AINEs inibidores da COX-2, entre eles os também populares Arcoxia, Prexige e Celebra. Prova disso foi a série de medidas tomadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) nos últimos anos. Em 2008, o órgão incluiu os princípios ativos desses medicamentos na lista de substâncias sob controle especial, que passaram a ser comercializados com a retenção da receita médica. Apesar de não abranger os anti-inflamatórios como um todo, a medida foi bem recebida pelo meio médico como forma de reduzir o uso indevido desses remédios. Em julho do mesmo ano, a ANVISA deu início a um estudo que culminou no cancelamento dos medicamentos Prexige, da Novartis, e da apresentação de 120 mg do Arcoxia, fabricado pela Merck Sharp & Dohme. As dosagens de 60 e 90 mg do Arcoxia continuam nas prateleiras, mas com a venda controlada por meio da retenção da receita médica. Apesar das medidas tomadas pela agência, o controle ainda é insuficiente de acordo com a maioria dos profissionais da área da saúde. “Regulamentar só uma parte dos AINEs não faz sentido. Os anti-inflamatórios tradicionais também podem ter efeitos colaterais severos, alguns deles foram até mesmo associados ao maior risco de morte por eventos tromboembólicos”, afirma Aline. Feldman acredita que o problema continua sendo o uso indiscriminado dos anti-inflamatórios. “O controle ainda é muito precário, especialmente em relação aos AINEs tradicionais. A maioria não precisa nem da receita e isso é um absurdo. A automedicação é sempre ruim, mas em relação a esses remédios é ainda mais perigosa. O maior problema é que o paciente não sabe avaliar os riscos. Falta informação.”

Paula Maria Prado Amanda Novaretti Da redação

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hospitais hospitais

Transplante de córnea: tecnologia a serviço da medicina Com a grande contribuição do Hospital Oftalmológico de Sorocaba, o estado de São Paulo torna-se referência na área

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a criação do hospital se tornou necessária”, afirma Souza. Hoje, o hospital atua nas áreas clínica e cirúrgica e possui mais de 50 consultórios para atendimentos com hora marcada e dez salas cirúrgicas. Entre as subespecialidades presentes estão a catarata, o estrabismo e o glaucoma.

riado em 1979, o Banco de Olhos (BOS), de Sorocaba (SP), é referência na área oftalmológica. Sem fins lucrativos, a instituição filantrópica possui os certificados NBR ISO 9001:2008, concedidos pela empresa alemã BRTÜVM, que avaliou as atividades de “captação, avaliação, preservação e armazenamento na disposição das córneas”, segundo o documento, e de Qualidade, pela Organização Nacional de Acreditação (ONA), reconhecida pelo Ministério da Saúde. A instituição é também qualificada como Organização Social da Saúde (OSS) e mantém parceria com a Secretaria do Estado de Saúde do Estado de São Paulo. Mais de 60% dos atendimentos são voltados para o Sistema Único de Saúde (SUS), mas particulares e diversos convênios também são atendidos. “Atendemos mais de 80 mil pessoas por mês. Realizamos cerca de 1.500 cirurgias, sendo 500 de catarata, 300 transplantes de córnea e cerca de 200 cirurgias de retina; as demais, em outras áreas. É um volume muito grande”, conta Edil Vidal de Souza, superintendente do Hospital Oftalmológico de Sorocaba. “As pessoas vinham para cá atrás do transplante, mas tínhamos apenas um banco de captação de córnea, então

O Banco de Olhos é um dos principais captadores de córnea no país. Por ser responsável pelo alto volume de captação de tecidos, processamento e distribuição, foi premiado por dois anos consecutivos com os prêmios de Maior Captador de Córneas e Maior Número de Transplantes Realizados, pelo Governo Estadual de São Paulo. “Captamos córnea e mandamos para outros Estados conforme a necessidade deles”, diz o superintendente. O mérito do BOS foi reduzir a fila de espera pelo transplante de córneas. “Somos o hospital que realiza o maior número de transplantes de córneas no mundo. São mais de 300 por mês”, diz Souza. E acrescenta: “Conseguimos zerar o tempo de espera na fila, primeiro aqui na nossa região. E, em 2004, quando fomos convidados pela Secretaria Estadu-

O hospital possui mais de 50 consultórios e 10 salas cirúrgicas

A instituição é pioneira na realização de transplantes a laser

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“Oscar dos transplantes”


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al de Saúde a levar o nosso trabalho para a cidade de São Paulo, que contava com filas de seis anos de espera, conseguimos, em 2009, zerar a fila no Estado.” Ainda segundo Souza, pessoas que estão em outros Estados e que, geralmente, estão na fila à espera de transplante, vão até a cidade para realizar a cirurgia. Dos 300 procedimentos mensais, cerca de 80 são de outros Estados. O SUS arca com as despesas de viagem. Para conquistar o feito, a organização investiu em campanhas de conscientização da população. Ainda que a legislação brasileira só permita a doação de córneas com autorização da família, foi criado o Cartão do Doador, em que o futuro doador indica, através de cadastro, quais parentes o hospital deve contatar para firmar a autorização da doação após a sua morte. “É uma campanha simbólica, de manifestação do desejo de doar suas córneas. Com o cartão, o usuário conscientiza a sua família sobre isso”, explica o superintendente. “Hoje enviamos cerca de 2.000 cartões por mês para todo o Brasil.” Ainda há a BOS Style, com produtos que divulgam a importância da doação de córnea e estão à venda. “Eventualmente, os funcionários são liberados do uniforme para vir com a camiseta da campanha da doação. E, como as pessoas queriam a camiseta, resolvemos montar essa loja”, conta Souza.

seus profissionais, e oferece especialização em Otorrinolaringologia, residência médica em Oftalmologia e em Otorrinolaringologia, reconhecidas pelo Ministério da Educação, e uma subespecialização em Oftalmologia. “Formamos cinco médicos por ano na área de residência em Oftalmologia e também oferecemos cursos de aperfeiçoamento, em que formamos 30 profissionais por ano”, finaliza o superintendente. O centro de estudos promove eventos de aprimoramento profissional e oferece residência em Oftalmologia e Otorrinolaringologia

Nas áreas de Oftalmologia e Otorrinolaringologia, conta com o que há de mais moderno no mundo da tecnologia, segundo Edil Vidal de Souza, superintendente do Hospital Oftalmológico de Sorocaba

Tecnologia de ponta O Hospital Oftalmológico de Sorocaba foi o primeiro do país a ter a tecnologia Femtosegundo-Intralase, que possibilita a realização de transplantes a laser. Também há equipamentos como o tomógrafo de coerência óptica Stratus e Visante (OCT), biômetro IOL Master, Orbscan e aberrômetro, Excimer Laser Zioptix, entre outros. “É o nosso grande diferencial. Somos pioneiros na América Latina a realizar transplantes a laser, somos, talvez, os que fazem o maior número de cirurgias desse tipo. Somos convidados inclusive a participar de congressos sobre o assunto no mundo todo”, diz Souza. A área da Otorrinolaringologia também recebeu investimento na área de tecnologia e conta com aparelhos como videoendoscopia, estroboscopia, audiometria, imitanciometria, BERA, exame otoneurológico, emissões otoacústicas e polissonografia. “O que existe de mais moderno no mundo, em termos de tecnologia voltada para a medicina, temos aqui em Sorocaba.” Além da tecnologia presente no hospital, o BOS desenvolveu uma política de humanização nos tratamentos. Assim, oferece tratamento diferenciado às crianças, ambientes terapêuticos aromatizados e espaço antiestresse. Suas paredes trazem ainda fotos e informações históricas de Sorocaba. Ensino e formação médica

Estrutura do hospital Unidade 1: onde se localiza o Hospital Oftalmológico de Sorocaba, conta com o Banco de Olhos, ambulatório de Oftalmologia, espaço de internação do Sistema Único de Saúde (SUS) e centro cirúrgico. Unidade 2: nesta unidade, foi incorporado o Hospital de Otorrinolaringologia de Sorocaba. Abrange atendimentos ambulatoriais e emergenciais do SUS nas áreas de Oftalmologia e Otorrinolaringologia, tratamento fonoaudiológico, serviço de diagnose e terapia, espaço de internação e alojamento médico. Unidade 3: comporta a e-BOS, uma escola de educação infantil feita, inicialmente, para “proporcionar condições adequadas ao desenvolvimento das potencialidades de filhos ou dependentes legais de colaboradores do Grupo BOS, bem como da comunidade, particulares ou empresas conveniadas”. Tem, em média, 150 crianças e é certificada com o ISO 9001. Unidade 4: abriga a academia, o centro administrativo e o refeitório. Unidade móvel: são dois consultórios que realizam trabalhos na periferia e em cidades da região, que abrange 42 municípios e vai até a divisa do Estado do Paraná. São atendidas, em média, 100 pessoas por dia. Cartão Doador Quem se interessar em ser doador, pode preencher cadastro no site www. bos.org.br ou ligar no 0800-770-3311. O cartão, enviado para todo o Brasil, traz informações sobre as instituições responsáveis pela captação em cada região do país. Banco de Olhos de Sorocaba Rua Nabeck Shiroma, 210, Jardim Emilia, Sorocaba (SP) - (15) 3212-7000

O Banco de Olhos conta com um centro de estudos, Pascoal Martinez Munhoz, que promove eventos como simpósios nacionais e internacionais, para o aprimoramento dos

Paula Maria Prado Da redação

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DIREITOS DO MÉDICO DIREITOS DO MÉDICO

Seguros médicos O risco da atividade médica e o papel do seguro de responsabilidade civil profissional

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urante a graduação em medicina, a maioria dos estudantes dedica-se com afinco ao estudo da zoopatologia humana, procurando captar ao máximo desde a anatomia até a clínica, além dos aspectos sociais, humanos e éticos da profissão. Contudo, dadas as disciplinas das faculdades, no curso de medicina e em outros da área médica, não há enfoque jurídico e, quando o há, é de forma bem superficial e distante da realidade médica. Dessa forma, surgem alguns problemas em função do emaranhado de leis de nosso país. De um lado, legislações especiais, como o código de defesa do consumidor, alguns aspectos criminais relacionados às lesões corporais decorrentes de atos médicos; de outro, as formações de associações que visam processar médicos em razões de erros, supostas vítimas, sensacionalismo da mídia, que colocam em risco a atuação médica prática e atingem diretamente a parte final, que é todo cidadão-paciente que precisa do médico, pois, além de interferir na atuação regular médica, aumenta o custo da medicina. Em meio a esse cenário, surgem e se desenvolvem os seguros de responsabilidade civil médica e odontológica, entre outras, com o objetivo de assegurar ao médico proteção e o exercício da medicina. Será? Do ponto de vista jurídico, entre os vários seguros médicos oferecidos no mercado, percebe-se nitidamente que se trata apenas de um paliativo pois, geralmente, apresentam apólices com coberturas limitadas. Indenizações

Do ponto de vista legal, a indenização compreende o dano moral, o dano material e o eventual lucro cessante. O dano moral é aquela parte indenizatória de uma condenação cível, que visa compensar o sofrimento causado a outra pessoa em função de ato ilícito. Nesse caso, os segu-

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ros, em geral, possuem uma pequena cobertura para essa modalidade, que acaba sendo sempre o maior montante em uma indenização. O lucro cessante se destina à pessoa afetada que fica impossibilitada de suas ocupações habituais, deixando de auferir certo numerário por algum tempo e em função do dano sofrido. Já dano material, em linhas gerais, seriam os valores despendidos pelo paciente com o custo do procedimento médico. Os valores pleiteados em juízo são frequentemente superiores àqueles cobertos pelos seguros, que usam diversas causas de exclusão e criam uma mecânica de divisão entre os formatos de danos (moral e material), de sorte que a maior garantia em apólice cobre o menor dano (material), e o maior dano (moral e lucros cessantes) está segurado pelo menor valor das apólices. Não existe previsão para índice de reajustes das apólices desses seguros, tornando sua renovação imprevisível e fatalmente deficitária sob o aspecto financeiro. Para o Judiciário, há também uma despersonalização da relação médico-paciente. Ou seja, o Judiciário passa a enxergar a relação seguradora-paciente, e isso aumenta os valores na indenização, por julgar que supostamente quem pagaria seria uma empresa. Esse episódio cria um efeito prático: com os altos valores das indenizações, os valores pagos por médicos à seguradora tendem a aumentar sensivelmente. Experiências internacionais, em especial na América do Norte, têm demonstrado que a aquisição desse seguro pela classe médica contribui para o aumento do número de ações, que muitas vezes se baseiam em pedidos quase sempre emitidos, destemperadamente, por pacientes mal orientados, ou ainda envolvendo interesses financeiros de terceiros.


DIREITOS DO MÉDICO

O pagamento mensal desse tipo de produto torna-se uma despesa permanente e exclusiva do médico, que não tem condição de repassar o ônus nos seus honorários. Condenações Em virtude da morosidade do sistema processual vigente, as ações indenizatórias por erro médico tramitam no Poder Judiciário por um longo período. Neste caso, a garantia do pagamento do prêmio do seguro ao final da demanda, além de poder ser insuficiente, fica na dependência da saúde financeira da empresa seguradora contratada na ocasião. Deve-se considerar a grande probabilidade de condenações, mormente pelo entendimento jurisprudencial até então dominante com que se aplica o Código de Defesa dos Direitos do Consumidor, na relação médico-paciente, inclusive com a inversão do ônus da prova, em que o médico é quem tem de provar que agiu corretamente e o clima de pânico que se alardeia entre os médicos, odontólogos e hospitais, notadamente pelo espaço que as mídias televisiva e impressa têm dedicado de forma pejorativa ao assunto. Há também a questão do fato gerador ou da data do acontecimento danoso. Vale dizer que, se o médico operou um paciente no ano de 2009, se nesse ano era segurado e, após este período, rescinde com a seguradora, ele não estará coberto. Isso em razão de que, por lei, o paciente teria de três a cinco anos para processar um médico no judiciário. Outros países apontam que a escalada dos seguros ocasionou o desinteresse de médicos em atuar em determinadas especialidades de maior risco de envolvimento

em processos, deixando desassistida a população. Isso se deve ao fato de que esses profissionais não têm condições financeiras de arcar com o custo do seguro ou, até mesmo, as próprias seguradoras deixam de comercializálos. São exemplos a Traumatologia, a Obstetrícia e a Cirurgia Plástica. A cirurgia plástica é um capítulo à parte, pois a lei tende a considerá-la uma atividade-fim, ou seja, de resultado, e este é muito íntimo e particular, o que leva o judiciário a decidir de forma errônea, com maior frequência, pois o juiz não é, não age e não concebe como um médico. Esses seguros atendem apenas à questão financeira discutida na demanda, de forma parcial, e não afastam as questões morais envolvidas no processo judicial contra o médico, além de não isentá-lo das penalidades disciplinares previstas no Código de Ética Médica, muito menos de eventual aspecto criminal, por morte ou lesão corporal. Diante dessas considerações, entendemos que o seguro de responsabilidade civil do médico praticado no país é uma terapia ineficaz, em especial pelos resultados lesivos que a adoção do seguro de má practice provocará, em médio prazo, na relação médico-paciente, a exemplo do que ocorre na sociedade estadunidense, entre outras do chamado primeiro mundo. Parece-nos muito válido, portanto, investir seriamente na prevenção do estabeleciAo contratar uma seguramento desse tipo de ações dora, deve-se inclusive considerar a sua saúde financeira indenizatórias.

Recomendações · Mantenha-se tecnicamente capacitado para o exercício da profissão, através de atualizações frequentes; · Respeite os limites de sua competência profissional; · Invista muito na manutenção de uma boa relação médico-paciente/familiares; · Documente, sem protelação, da maneira mais completa possível, todos os seus atos médicos no prontuário do paciente, o mais importante documento médico-jurídico disponível; · Aborde o paciente/familiares utilizando uma linguagem plenamente compreensível por ele/eles; · Não deixe de dizer sempre a verdade; · Não diga o que não sabe. É correto dizer “não sei” ou “isto não se sabe”; · Evite atendimentos e prescrições a distância (por exemplo, por telefone); · Utilize o termo de consentimento informado, constando nele o estado clínico do paciente, o tratamento necessário, os possíveis riscos e as complicações; · Faça encaminhamentos responsáveis (por escrito, com arquivo de cópia ou registro na ficha hospitalar, além de contato prévio com o serviço que receberá o paciente); · Não faça exames constrangedores sem a presença de um assistente; · Atenda a imprensa, se solicitado. Neste caso: seja ágil; prepare-se, se houver tempo; utilize uma linguagem que o espectador compreenda; procure manter a calma, qualquer que seja a pergunta; diga sempre a verdade; não use expressões do tipo “nada a declarar”; evite qualquer declaração “em off” (com compromisso de não ser divulgada); · Tenha e mantenha um advogado/consultor jurídico de sua confiança para contratação de um seguro e a elaboração de documentos.

Marlon Gomes Sobrinho Advogado, atua há mais de dez anos na área de direito médico

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EM PAUTA EM PAUTA

Cirurgia minimamente invasiva Os recursos tecnológicos são, hoje, utilizados nas mais variadas áreas da medicina

From scalpel to the needle; from the needle to nothing”. Assim um dos mais renomados professores da urologia da atualidade, Prof. Ralph Clayman, da Universidade da California, Irvine, iniciou uma das suas sempre magníficas palestras. Prof. Clayman então descreveu as vantagens que a cirurgia minimamente invasiva trouxe aos pacientes: redução do desconforto pós-operatório, menos dor, melhor resultado cosmético e retorno dos pacientes às suas atividades mais precocemente. Além disso, ele vislumbrava a evolução das técnicas de tratamento cirúrgico, que iniciaram com grandes incisões e que tendem a se tornar totalmente não invasivas. O objetivo maior é a mínima agressão capaz de tratar segura e eficazmente a doença do paciente. Utilizam-se para tanto recursos tecnológicos, como videoendoscopia, robótica, agulhas, cateteres e dilatadores, equipamentos de ablação tecidual etc. Diversos segmentos de variadas áreas da medicina praticam cirurgias minimamente invasivas. Ortopedistas tratam doenças articulares por via endoscópica; cirurgiões vasculares tratam aneurismas, antes somente com cirurgias de grande porte e morbidade, por endopróteses e rápida recuperação. Todas as especialidades cirúrgicas passaram por transformações nos seus mais importantes conceitos, com debates muitas vezes acalorados entre os pioneiros e os mais céticos e tradicionalistas. Talvez um dos melhores exemplos foi o advento da cirurgia laparoscópica, particularmente para o tratamento de neoplasias abdominais. Inicialmente os procedimentos eram restritos a cirurgias de menor porte, mas atualmente até neoplasias que requerem grandes ressecções e reconstruções são realizadas por laparoscopias. A urologia, por sua ampla área de atuação, talvez seja um dos melhores exemplos da evolução e aplicação de novas tecnologias em tratamento minimamente invasivo. Há pouco mais de 20 anos foi realizada a primeira nefrectomia laparoscópica, pelo Prof. Clayman juntamente com o Prof.

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Louis Kavoussi. Insufladores, câmeras, monitores, pinças, óticas, trocânteres são sempre adaptados às novas situações e complexidade dos procedimentos urológicos. O tratamento laparoscópico já é considerado padrão-ouro em câncer renal, afecções cirúrgicas da glândula adrenal e caminha a passos largos no tratamento do câncer de bexiga e próstata. Este último sofreu grandes transformações nos últimos anos com o advento da cirurgia robótica: o que parecia ficção se consagrou como uma das maiores modernidades em equipamentos. Desenvolvida para superar limitações da cirurgia laparoscópica, a cirurgia robótica permite movimentos mais finos e coordenados das pinças, elimina o tremor das mãos do cirurgião, que trabalha agora em um campo de visão tridimensional (Figura 1). A prostatectomia radical robótica tem sido uma das principais aplicações do sistema operacional de cirurgia robótica Da Vinci, disponível em grandes centros médicos inclusive no Brasil. Para concluir, é oportuno comentar sobre aquele que possivelmente é um dos melhores exemplos da influência do desenvolvimento de equipamentos e novas tecnologias nas condutas médicas: o tratamento da litíase urinária. Citado até mesmo no juramento de Hipócrates, “Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam”, a litíase urinária é uma doença recorrente e muitos pacientes necessitam de diversos tratamentos durante sua vida. Há algumas décadas a solução era o tratamento cirúrgico convencional, que requeria grandes incisões como a lobotomia, com recuperação longa e dolorosa. Além disso, muitos cirurgiões enfrentaram a dificuldade de reoperar diversas vezes o mesmo retroperitônio para extrair cálculos, o que tornava cada procedimento mais difícil pelas intensas aderências e fibrose. O desenvolvimento de endoscópios que permitiam avaliação do rim e ureter estimulou os urologistas para uma nova área de atuação, a endourologia. Nefroscópios e ure-


EM PAUTA

Figura 2 - Lombotomia bilateral em paciente com litíase renal recorrente

Figura 3 - Paciente submetida a duas cirurgias renais percutâneas

Figura 1 - Parte do equipamento de cirurgia robótica

teroscópios cada vez menores, litotridores que fragmentam segura e eficazmente mesmo cálculos muito duros permitem acesso ao cálculo sem as antigas e, muitas vezes, extensas incisões. As dolorosas lobotomias (Figura 2) foram substituídas por incisões lombares de 1cm (Figura 3). Tudo sugeria que o tratamento endoscópico seria imbatível, porém o advento da litotripsia extracorporal por ondas de choque mudou novamente a abordagem do tratamento do cálculo urinário. Os cálculos são fragmentados sem necessidade de qualquer incisão ou punção e os fragmentos eliminados naturalmente pelo sistema urinário. Mesmo a cirurgia endoscópica parecia então agressiva e defasada. Neste momento surge um dos mais importantes fatores na avaliação da qualidade e eficiência na aquisição de novas tecnologias e tratamentos: o crivo do tempo. Toda nova tecnologia só deve ser considerada superior àquela já praticada quando estudos longos e bem conduzidos provam sua superioridade. Demonstrou-se que a litotripsia extracorpórea não era eficiente em cálculos grandes, duros ou quando o paciente apresentava infecção

do trato urinário. Houve um retorno ao tratamento endourológico para estes casos e novos endoscópios, cateteres, dilatadores, litotridores ressurgiram. Vale então o provérbio popular: “o novo, para ser bom, tem que ficar velho.” A evolução é constante e muitas vezes difícil de ser acompanhada, principalmente quando associada a alto custo. Mas não se deve perdê-la de vista. O benefício aos pacientes é inquestionável.

Ernesto Reggio Urologista e um dos autores do livro Manual de Cirurgia Renal Percutânea

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ATUAÇÃO HUMANITÁRIA ATUAÇÃO HUMANITÁRIA

Médicos Sem Fronteiras Organização ajuda a população de risco em lugares acometidos por desastres naturais, conflitos, epidemias, doenças negligenciadas e fome

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riada em 1971 por médicos e jornalistas franceses que atuaram em Biafra, na Nigéria, durante a guerra civil nos anos 1960, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) é uma instituição humanitária internacional e independente. Atualmente com mais de 30 mil profissionais, está presente em 70 países. “É uma experiência muito rica quando podemos fazer a diferença em alguns lugares, quando podemos mudar o que está acontecendo naqueles locais”, conta a pediatra Maria Cláudia Senatore Soares, que desde 2008 faz parte da organização. “Viajei para a Etiópia, na África, e para o Bangladesh, na Ásia, onde tratei crianças com desnutrição”, relata a médica, que enfrentou situações precárias. “Não tínhamos banheiro e dormíamos em colchões nos alojamentos.” Dentre as principais formas de atuação dos Médicos Sem Fronteiras, estão a preocupação com a assistência à saúde primária, as campanhas de vacinação, alimentação e nutrição, os cuidados com a saúde mental, os atendimentos de feridos em guerra e o diagnóstico e o tratamento de doenças como malária, HIV e tuberculose. “Comecei a trabalhar na MSF na área de recursos humanos, em 2006. Acabei participando de projetos porque me interessou trabalhar na principal frente de ação da organização”, afirma a psicóloga Ana Cecília Moraes. “Fui em 2008 para Nairobi, no Quênia (África), uma região com graves conflitos étnicos”, conta. Em 2009, ela foi para a República Democrática do Congo (África), onde atendeu portadores de HIV/Aids. E, em 2010, viajou para o Haiti, após o terremoto que devastou a região. Os voluntários recebem entre 700 e 1.400 euros (cerca de R$ 1.400 e R$ 2.800) por mês para ajudar nas despesas. “É uma ajuda simbólica, as pessoas que participam das ações o fazem pela causa, não pelo salário”, pondera a psicóloga. Atualmente, há 88 membros do Brasil na organização.

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Ingresso Para fazer parte da MSF, o profissional de saúde deve aceitar passar longos períodos longe dos familiares, já que as missões duram, pelo menos, três meses. Além disso, deve ter formação completa e dominar um segundo idioma, como o francês ou o inglês. “Se houver interesse, o profissional deve nos enviar um currículo em um desses idiomas, com uma carta de motivação explicando por que gostaria de trabalhar conosco”, explica Ana Cecília. Uma vez aceito, o interessado deve se inteirar de todos os protocolos da MSF, além de participar de um treinamento para encarar a difícil rotina que o aguarda nos projetos. “Tomamos uma série de medidas de segurança, não queremos expor o profissional a riscos de vida. Na Somália (África), por exemplo, não mantemos profissionais estrangeiros desde 2008. Porque é um país onde, entre outros agravantes, as pessoas valem como moeda de troca em negociações diplomáticas, então, há casos de profissionais assassinados”, explica a psicóloga. Atuação O primeiro passo de um projeto é enviar uma equipe ao local para verificar a necessidade de intervenção e a possibilidade de atuação. “Fui no ano passado para o Peru, para ver os casos de dengue. Mas não foi necessária uma ação da MSF, o governo local estava atuando e dando conta”, conta Maria Cláudia. São levados em conta o número de pessoas afetadas, saneamento básico local, ambiente político, capacidade da defesa civil de agir sobre aquele evento e necessidade de profissionais de saúde. Monta-se a equipe da MSF de acordo com a situação encontrada. A ação acontece imediatamente, levando até 72 horas para chegar à região afetada. Normalmente, as equipes possuem três estruturas: médica, financeira e logística.


ATUAÇÃO HUMANITÁRIA

Os profissionais são escolhidos de acordo com o objetivo do projeto. No caso de pessoas com HIV, por exemplo, haverá médicos infectologistas, enfermeiros; já em casos que envolverão cirurgias, estarão presentes anestesiologistas e cirurgiões, entre outros profissionais. Ainda que muitas vezes a estrutura local seja precária, em geral, não falta material médico, entregue em até 24 horas após o pedido da base. São, ao todo, quatro centros de logística espalhados na Europa e no leste da África. Os estoques de materiais ficam na América Central e no leste da Ásia. Todo projeto tem data para começar e previsão para terminar. Supridas as necessidades locais, a MSF desfaz a sua equipe e repassa a nova situação a ONGs locais ou ao governo do país onde atuaram. “Ainda que haja muitas dificuldades, é muito gratificante participar dessas ajudas humanitárias. Percebi, por exemplo, que não precisamos de muito para viver. Um celular, na verdade, pode ser um incômodo durante um atendimento. Passamos por condições também extremas, como frio ou calor e falta de conforto. Mas saber que podemos fazer diferença, que o que estamos realizando é algo muito maior, nos faz acreditar que estamos contribuindo para um mundo melhor”, finaliza a pediatra.

Maria Cláudia Senatore Soares, um dos 88 brasileiros atuantes na organização Causas Veja algumas campanhas de que a MSF participa: Europa! Tire a mão dos nossos medicamentos! Contra as tentativas da União Europeia em restringir o acesso dos pacientes de países em desenvolvimento aos medicamentos genéricos. Faça acontecer! Uma campanha internacional para pedir que outros laboratórios, além dos detentores das patentes dos medicamentos, possam produzir remédios.

A missão inclui tratamento psicológico, área de Ana Cecília Moraes Tire suas dúvidas Pode desistir do projeto e voltar para casa? Sim. Assim como pode acontecer de a MSF decidir terminar antes o contrato profissional com alguma pessoa que não está correspondendo às expectativas do trabalho. É possível escolher o destino? Não. Uma pessoa pode recusar o destino proposto por uma razão clara. Quando o profissional já está há mais tempo na organização, a MSF permite escolher em que tipo de projetos quer trabalhar, de acordo com os seus interesses profissionais e pessoais. A MSF aceita doações de roupas, alimentos e medicamentos? Não. O sistema de doação em dinheiro permite que a organização monte kits padronizados necessários aos atendimentos e aos quais todos estão acostumados, de acordo com o protocolo da organização. Quais são os projetos que a MSF desenvolve? Trabalham em situações de emergência e desenvolvem serviços nas áreas da saúde básica, saúde da mulher e da criança, HIV/AIDS, saúde dos refugiados, doenças negligenciadas, saúde mental e cirurgias. Já foram realizadas missões no Brasil? Sempre que há uma emergência no Brasil, a MSF avalia a necessidade de levar ajuda humanitária. O último trabalho da organização no país foi na região serrana do Rio de Janeiro. A equipe da MSF treinou cerca de 40 psicólogos que estavam atendendo vítimas do desastre. No ano passado, a organização fez trabalho semelhante em Alagoas, que havia sido afetada por uma forte enchente. Em 1991 a 2001, foi realizado um projeto de contenção à epidemia de cólera na Amazônia, atuando na saúde preventiva de tribos indígenas. Atualmente, ela voltou ao local para o diagnóstico e o tratamento da doença de Chagas. Também já prestou assistência social e psicológica aos moradores de rua do Rio de Janeiro. Em 2002, atuou no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, após uma enchente que atingiu a região. E atuou em áreas de vulnerabilidade social em Belo Horizonte (MG). Fonte: www.msf.org.br

Doação Não é necessário fazer parte efetivamente da organização para ajudála. Aberta inclusive à população, há canais de doação. Cerca de 85% da verba arrecadada é usada nas atividades médicas. Eventualmente há campanhas para arrecadar dinheiro para um único projeto, como aconteceu com o Haiti, no desastre de 2010. Cadastro pelo site (www.msf.org.br) ou pelo telefone (21) 2215-8688.

Paula Maria Prado Da redação

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MEDICINA NUCLEAR MEDICINA NUCLEAR

Para o bem e para o mal

A mesma radiação que causou pavor em Fukushima pode ser usada para o diagnóstico e o tratamento de tecidos tumorais

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acidente nuclear de Fukushima, no Japão, ocorrido em março deste ano, consequência de um terremoto e um tsunami que atingiu a região, trouxe aos consultórios médicos pacientes cheios de dúvidas e receios sobre a radiação. “As pessoas não devem se preocupar com a radiação vinda de Fukushima, pois ela não nos atingiu devido a vários fatores, principalmente a distância geográfica entre o Japão e o Brasil”, garante Maria Inês Calil Cury Guimarães, especialista em Proteção Radiológica do Centro de Medicina Nuclear InRad-HC, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Sobre a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em Angra dos Reis, a professora também tranquiliza. “O Brasil corre um risco muito baixo de ter um acidente nessas proporções, pois o nosso conjunto de usinas nucleares são somente Angra 1 e 2, e ambas são muito bem controladas. Além disso, [o acidente de] Fukushima aconteceu por causa de um desastre natural, caso contrário jamais aconteceria algum evento desse tipo”, opina Maria Inês. Também se-

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gundo a especialista, o Brasil não possui catástrofes naturais dessa ordem devido à sua situação geológica, o que dificultaria um desastre como esse por aqui. Na hora de orientar o paciente, é importante ressaltar que não se deve temer a radiação. “Ela deve ser respeitada. Ninguém deve deixar de fazer um exame importante, como a mamografia. As doses de radiação emitidas nesses casos são extremamente baixas”, explica Maria Inês. “Diversas doenças, que podem ser diagnosticadas prematuramente nesses tipos de exames, podem ser, muitas vezes, letais, piores do que o efeito que pode ou não ocorrer devido à pequena dose de radiação emitida.” Medicina Nuclear Criada em 1940, primeiro com o nome de Medicina Atômica, a Medicina Nuclear consegue usar, para curar, o mesmo iodo que causou pânico em Fukushima. Trata-se de uma área da medicina que realiza diagnósticos e terapias usando radiofármacos. “Há muita mistificação em torno da


MEDICINA NUCLEAR

radiação. Se pensarmos, tudo pode ser perigoso, dependendo da quantidade. Comparar as doses de radiação utilizadas em Medicina Nuclear com as doses presentes numa explosão atômica é como comparar um copo d’água com um tsunami”, alega Celso Dario Ramos, professor e chefe do serviço de Medicina Nuclear da Unicamp, médico nuclear do Hospital Sírio-Libanês e presidente da Sociedade Brasileira de Biologia, Medicina Nuclear e Imagem Molecular (SBBMN). “Nesses tipos de exames ou tratamentos com radiofármacos, o paciente recebe o material radioativo por via oral, intravenosa ou inalada, e fica contaminado internamente até o organismo eliminá-la por meio da urina”, diz Maria Inês. “Usamos doses muito pequenas. Em casos de câncer na tireoide, por exemplo, usamos o iodo radioativo, que age nos tecidos tumorais, para diagnosticá-lo e também para o seu tratamento”, explica Ramos. “No caso de fraturas ocultas em atletas, utilizamos um tipo de fosfato radioativo para encontrá-las”, conta o especialista. “Já para detectar os tecidos tumorais mais agressivos, podemos usar um análogo radioativo da glicose, que se fixa no tumor. Utilizando uma técnica chamada PET/CT, conseguimos localizar esses tumores e observar a sua anatomia, contribuindo para definir o melhor tratamento possível para cada caso.” Ramos acrescenta que, por meio desse exame, também se consegue avaliar se uma quimioterapia está fazendo efeito ou não, durante o tratamento de diversos tumores. Os exames com substâncias radioativas ainda podem auxiliar no diagnóstico de isquemias cardíacas, obstruções renais, infecções, embolia pulmonar e doenças como demência de Alzheimer. “Na Medicina Nuclear, são usados radiofármacos cujo radionuclídeos possuem meias-vidas curtas, exatamente para não prejudicar o paciente”, conta Maria Inês. Pesquisa No Brasil, há centros de pesquisa e treinamento em Medicina Nuclear em várias instituições, como Unicamp, USP, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), UNESP e centros de pesquisa em estados como Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife. “A pesquisa com o uso de materiais radioativos pode auxiliar também na descoberta de como uma substância pode agir dentro do organismo. Um fármaco pode ser marcado com um elemento radioativo (radiofármaco), por exemplo, para estudo sobre o seu funcionamento no tratamento”, explica o presidente da SBBMN. “A Medicina Nuclear está revolucionando as pesquisas nessa área, facilitando o tratamento do paciente”, finaliza o médico.

Curiosidades Nenhum aparelho eletrônico que temos em casa possui fonte de radiação ou emite radiação ionizante. Estamos expostos, diariamente, a radiação solar e do ambiente (radiação natural de fundo – background), no entanto essa exposição é de 2,4mSv/ano, que é uma dose extremamente baixa, praticamente desprezível. O que a radiação provoca no corpo humano? Depende muito da quantidade de radiação absorvida, do local que foi irradiado, do tempo de exposição e do tipo de radiação. Precisamos de altas doses de radiação atingindo um corpo inteiro para termos um efeito imediato de dano, como a Síndrome Aguda de Radiação (SAR). Uma alta exposição localizada na pele pode causar, por exemplo, queimadura por radiação, a chamada radioderme. Existem 2 classificações dos efeitos biológicos: no efeito acumulativo, exposições frequentes à radiação durante muitos anos podem levar ao chamado efeito tardio ou tempo de latência, e aparecer, anos depois de sofridas as exposições, um tumor maligno. Já os efeitos determinísticos são aqueles que não ocorrem abaixo de determinadas doses de radiação e o seu efeito pode ser imediato. É o caso da exposição de altas doses, como em um acidente nuclear. Informações: Maria Inês Calil Cury Magalhães

A tragédia de Fukushima Em março deste ano, uma falha no sistema de refrigeração do reator 1 da usina Daiichi fez vazar elementos radioativos em Fukushima, cidade japonesa afetada pelo terremoto e tsunami que devastaram a região na mesma época. De acordo com a Escala Internacional de Sucessos Nucleares (INES), o vazamento foi classificado na categoria 4, sendo que o número máximo da escala é 7. A primeira providência do governo japonês para conter o acidente foi tentar um resfriamento do reator com água do mar misturada a ácido bórico. Cerca de 46 mil moradores em um raio de 10 quilômetros da usina foram retirados de casa e receberam doses de iodo para a prevenção do câncer de tireoide, registrado após um acidente semelhante – mas em maiores proporções – em Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o Japão reagiu de forma exemplar à catástrofe. Fontes: Veja e UOL

Paula Maria Prado Da redação

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ESTADO DA ARTE ESTADO DA ARTE

Medicina regenerativa

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As diversas vantagens da fabricação de tecidos biológicos com o uso de células-tronco

maioria das doenças tem como causa a perda funcional do órgão ou do tecido doente. Em última análise, o prejuízo da função das células que compõem o tecido é a causa de grande parte das enfermidades. Como exemplos, a doença de Parkinson é vista como um reflexo clínico da perda progressiva dos neurônios dopaminérgicos da substância negra mesencefálica; a falência cardíaca, após um infarto agudo do miocárdio, é o resultado da perda da contratilidade das fibras cardíacas lesadas; ou, ainda, o diabetes mellitus nada mais é do que a incapacidade das células pancreáticas de produzir insulina. Se, de alguma forma, fosse possível restabelecer a função dessas células lesadas, os tratamentos atuais seriam suplantados por estratégias mais curativas, que não só controlariam a doença, mas também livrariam – em definitivo – o paciente da disfunção orgânica que o acomete. A medicina regenerativa tem justamente este objetivo: desenvolver células, tecidos e órgãos para restaurar a função daquilo que está sendo acometido pela doença. Trata-se de área em recente expansão, que promete novas terapêuticas para as doenças que não são efetivamente tratadas pela medicina atual, baseada no uso de fármacos e estratégias mecânicas, como cirurgias e próteses. Assim, no lugar da insulina, implantar-se-iam novas células pancreáticas para restaurar a função do órgão; no caso de grandes defeitos da face, como perda de substância óssea por trauma ou ressecção de tumores, uma nova mandíbula produzida em laboratório com células do próprio paciente, em vez de próteses e placas de titânio. Uma mudança essencial de paradigmas, em que a reparação de tecidos lesados cede lugar à regeneração deles. O aspecto fundamental dessa nova área da medicina é a seleção cuidadosa de uma fonte celular ótima, a partir da qual será construído o tecido vivo. De maneira geral, existem dois tipos fundamentais de fontes celulares: as células-tronco embrionárias e as células-tronco adultas. Outras fontes, como células-tronco fetais, produtos de transferência nuclear (clonagem terapêutica) ou de desdiferenciação celular, têm perdido espaço devido às dificuldades técnicas. Apesar da indiscutível pluripotência das células-tronco embrionárias, embates de natureza ética têm impulsionado as pesquisas com células-tronco adultas, anteriormente tidas como células comprometidas apenas com sua linhagem embriológica de origem. Atualmente, sabe-se que as células-tronco adultas, derivadas de inúmeros tecidos humanos adultos, têm potencial de diferenciação muito maior do que se afirmava, fato que melhora ainda mais as perspectivas para a medicina regenerativa. Vários trabalhos já demonstraram a viabilidade do uso dessas célulastronco adultas (autólogas) no desenvolvimento in vitro de tecidos complexos, incluindo tecido ósseo, cartilaginoso, dermatológico, dentário e até mesmo neurológico. A ideia tem sido a mesma nos mais diversos trabalhos: isolar células-tronco adultas do próprio paciente, direcioná-las para diferenciação celular no fenótipo almejado, cultivá-las e expandi-las em laboratório, semeá-las em um polímero biodegradável nos moldes do órgão que se deseja construir e implantar o órgão obtido no paciente.

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Embora a maioria dos estudos ainda não chegue à fase de implantação em seres humanos, a lista de tecidos potencialmente sintetizáveis em laboratório tem crescido rapidamente: células mesenquimais obtidas da medula óssea de seres humanos demonstraram capacidade de se diferenciar em tecido adiposo quando cultivadas na presença de insulina; células-tronco adultas oriundas de tecido adiposo transformaram-se em osteoblastos, células precursoras do osso; os mesmos adipócitos, quando cultivados com dexametasona e hidrocortisona, conseguiram diferenciar-se em tecidos musculares; miócitos cardíacos foram obtidos após cultivo de células-tronco com 5-azacitidina, um importante indutor celular; da mesma forma, células fenotipicamente parecidas com neurônios, astrócitos e oligodendrócitos foram obtidas após cultivo celular na presença de beta-mercaptoetanol. No Brasil, um grupo de pesquisadores chefiado pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, conseguiu comprovar a neoformação de glomérulos e túbulos renais em rins de ratos cronicamente doentes após a injeção endovenosa de células-tronco. Na capital, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo conseguiram desenvolver tecidos dentários após cultivo e implantação de células-tronco adultas em ratos imunossuprimidos. Na Bahia, pesquisadores da FIOCRUZ-BA, em parceria com a Universidade Federal da Bahia, iniciaram estudo em seres humanos após comprovarem o retorno da sensibilidade e função motora de animais com lesão raquimedular tratados com infusão de células-tronco. Nas mais diversas instituições de pesquisa do mundo inteiro, resultados semelhantes e promissores têm surgido em quantidade cada vez maior. O uso das células-tronco obtidas do próprio paciente para a fabricação de tecidos biológicos autólogos tem mostrado diversas vantagens, ao mesmo tempo em que discussões éticas, de segurança dessas células e dúvidas a respeito dos procedimentos têm se mostrado obstáculos enormes à utilização terapêutica dessas técnicas. Cada vez mais, o conhecimento dos mecanismos moleculares e celulares das células-tronco (adultas e embrionárias), do crescimento e desenvolvimento e do seu papel na manutenção e regeneração dos tecidos humanos, é de fundamental importância para a medicina regenerativa. O uso das células-tronco na fabricação de órgãos e tecidos humanos é uma possibilidade viável, mas que ainda carece de muita pesquisa para se estabelecer como terapêutica. A obtenção in vitro de tecidos complexos encontra-se em estágio inicial, mas já aponta um futuro promissor no tratamento das mais diversas doenças e lesões, onde o foco terapêutico será a regeneração do tecido lesado, alicerce fundamental da medicina regenerativa.

Leandro Faustino Médico Residente de Cirurgia Geral pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP


MEDICAMENTOS MEDICAMENTOS

Doenças negligenciadas: da relevante mortalidade à inexpressividade financeira Com baixa prevalência em países desenvolvidos e predominando como tropicais, certas doenças não apresentam atrativos econômicos para que a indústria farmacêutica desenvolva novos fármacos

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s doenças mais comuns classificadas nesse grupo são leishmaniose, doença do sono, tuberculose, malária, esquistossomose, hanseníase, dengue e doença de Chagas. Estima-se que um total de 1 milhão de mortes ocorram por essas doenças no mundo todos os anos, o que dá uma média de 3 mil mortes por dia! Não possuem tratamentos ou os existentes não são os mais adequados. Os tratamentos são de 30, 40 ou 50 anos atrás e muitas vezes são mais maléficos que a própria doença. A doença de Chagas é um exemplo clássico dessa negligência. Causada pelo protozoário Tripanossoma cruzi, sua apresentação é silenciosa na maioria dos casos. Como é transmitida principalmente por insetos (barbeiros) que vivem em locais de habitação precária, praticamente inexiste em países desenvolvidos. Desde sua descoberta por Carlos Chagas, em 1909, os únicos medicamentos desenvolvidos no decorrer dos anos para combater a doença foram o nifurtimox e o benzonidazol, ambos muito tóxicos, com efeitos colaterais importantes e quase sem efeitos na fase crônica, quando a maioria dos casos é descoberta. A malária está presente em 110 países do mundo e ameaça cerca da metade da população mundial, concentrando-se na África Subsaariana e na Amazônia americana, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde. É importante causa de mortalidade em crianças menores de cinco anos na África, com custo estimado de US$ 1,2 bilhão de dólares anuais apenas na África. Quando não mata, a morbidade é alta, pois os prejuízos são diretos na educação de crianças com aumento da repetência escolar. Estima-se que só na África a doença cause um retardo de crescimento de 1,3% em áreas com alta endemicidade. As drogas utilizadas no seu tratamento não acompanharam a evolução da resistência, e são comuns descrições de pessoas com 20 ou 30 infecções por malária durante a vida.

DNDi Esta é a sigla em inglês para iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas. Representa uma parceria para o desenvolvimento de produtos sem fins lucrativos, mas com a finalidade de pesquisar e desenvolver novos medicamentos para essas doenças. Foi criada pela ONG Médicos Sem Fronteiras, com ações importantes associadas a países de todo o mundo, como o Instituto Pasteur na França e FIOCRUZ no Brasil, tendo atualmente subdivisões e estrutura segmentada, como a DNDi América Latina. Em sua página na internet (www.dndi.org), apresenta informações sobre essas doenças, estratégias para combate e apresentação de novos medicamentos desenvolvidos pela iniciativa. Assim, medicamentos como a combinação de artesunato + amodiaquina para malária na África; combinação de artesunato + mefloquina para tratamento de malária na América do Sul; e nifurtimox + eflornitina para tratamento da doença do sono na África são drogas menos tóxicas, mais efetivas e mais baratas em comparação às existentes atualmente. Mesmo com a melhora dos investimentos, tais doenças estão longe de um combate digno de sua importância. Enquanto ações mais efetivas não são realizadas, elas permanecem à espera de melhora das condições financeiras de países em desenvolvimento ou de aumento de sua incidência em países desenvolvidos, estimulando novas pesquisas.

Novos medicamentos desenvolvidos Entre 1975 e 2004, foram 1.556:

Investimentos Os dados referentes a investimentos nessas doenças são alarmantes. Em 30 anos (de 1975 a 2004), apenas 1,3% dos medicamentos novos lançados no mercado era para doenças negligenciadas (gráfico). O Brasil é o país em desenvolvimento que mais investe na descoberta de novos medicamentos e em estudos para essas doenças, sendo o sexto no mundo em investimentos. No ano de 2009, foram investidos US$ 37 milhões de dólares, dobrando o investimento em relação a 2008. Essa iniciativa está relacionada ao setor privado apenas em pequena parte, mas na sua maioria é feita por incentivo governamental ou organizações não governamentais.

Em 30 anos, apenas 21 deles foram destinados às doenças negligenciadas. Durval Alex G. e Costa Doutorando em Doenças Infecciosas pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Médico Infectologista do Hospital Estadual Mário Covas, Santo André, SP

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PROFISSIONAIS DE DESTAQUE PROFISSIONAIS DE DESTAQUE

Entrevista: Antônio Carlos Lopes

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rítico sobre a proliferação sem critérios de universidades de medicina no país, o presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e professor titular da disciplina de Clínica Médica da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), Antônio Carlos Lopes assumiu, no dia 16 de maio deste ano, a diretoria da Escola Paulista de Medicina. Entre as suas metas, estão a mudança no atual currículo do curso de medicina e a busca de novas parcerias para o aumento do número de pesquisas realizadas na instituição.

MedAtual: Como foi o início da sua carreira na medicina? Antônio Carlos Lopes: Ao ingressar na Escola Paulista (UNIFESP), me apaixonei de vez pela área. Especializei-me em Cardiologia, onde fiz Hemodinâmica, seguindo, depois, a carreira acadêmica. Cursei, também, pós-graduação em Cardiologia. Ainda, consegui concluir o doutorado na área, sendo o primeiro doutor pós-graduado em Cardiologia no Brasil. Posteriormente também fui adjunto e cursei livredocência na EPM. MedAtual: Como foi o seu planejamento nesta disciplina? O senhor modificou a antiga ementa? Antônio Carlos Lopes: No começo, nossa meta foi melhorar as condições das enfermarias de Clínica Médica. Então, com a ajuda do Departamento de Engenharia da UNIFESP, fizemos novas enfermarias. Também reformamos o anfiteatro Emil Burihan, criei o Clube dos Amigos da Clínica Médica e, graças a parcerias com a iniciativa privada, conseguimos construir a Unidade Ambulatorial de Ensino, Assistência e Pesquisa e o Centro de Medicina Paliativa. É um dos hospitais diferenciados do país. Temos uma equipe com excelência profissional e, além profissionais de saúde, contamos com orientadores espirituais que dão apoio a pacientes terminais, e a família também recebe auxílio para lidar com o pós-luto. Quanto ao currículo, nosso foco é a humanização. Temos ainda Residência e o curso de pós-graduação. Realizamos várias pesquisas e temos artigos publicados em diversas revistas científicas. MedAtual: Como foi assumir o cargo de secretário executivo da Comissão Nacional de Residência Médica do Brasil e depois a presidência da Sociedade Brasileira de Clínica Médica? Antônio Carlos Lopes: Como secretário executivo, um dos maiores trabalhos que consegui foi impedir que o residente se transformasse em mão de obra barata nos hospitais. É importante que ele tenha um preceptor e que possa aprender em serviço, com uma supervisão. Hoje, a Escola Paulista tem

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a maior Residência do país, com mais de 200 vagas. O problema agora é que muitos hospitais estão cheios de residentes enquanto em outros há um para cada oito pacientes, quando o ideal é um para cada dois. Então, deveria haver uma política de presença de residentes em regiões de difícil acesso. MedAtual: Qual o balanço que o senhor faz hoje da Escola Paulista – UNIFESP? Antônio Carlos Lopes: Acho que a nossa graduação acabou caindo muito, até por causa da Residência e da pós-graduação. A maioria dos alunos desconhece o professor titular das disciplinas e isso a desmotiva. Obviamente, não podemos negar que a pós-graduação tem um papel importante na pesquisa nacional. Ainda assim, é necessário realizar mudanças estruturais. A expansão da universidade, hoje presente em várias cidades do Estado, foi fruto de uma atitude corajosa e necessária; tomada em um momento delicado da educação no país. MedAtual: Quais serão as mudanças que pretende fazer na Escola Paulista de Medicina, agora que está à frente da sua diretoria? Antônio Carlos Lopes: Nossa primeira atitude é mudar o currículo do curso de graduação em medicina. Temos que preparar o médico para o mercado de trabalho. Queremos, também, aumentar o período de internato e mesclar as ciências básicas com as ciências clínicas, além de melhorar as condições de trabalho do pesquisador, fazendo importantes projetos em conjunto com instituições de fomento. Assim, conseguiremos renovar a área de pesquisa e produzir frutos importantes para a sociedade. Queremos integrar os outros campi da UNIFESP, que é um ícone no contexto médico no Brasil. Ela contempla a assistência, o ensino e a pesquisa, mas pode ser ainda melhor. Quero oferecer toda a minha experiência profissional, o que é uma grande responsabilidade. Minha preocupação é formar jovens responsáveis, assim como os meus mestres me ensinaram.


MERCADO DE TRABALHO MERCADO DE TRABALHO

A prática da Medicina Esportiva no país Em alta devido aos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016, ambas realizadas no Brasil, a Medicina Esportiva tem sido uma especialidade bastante procurada nos últimos anos

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e acordo com a Federação Internacional de Medicina do Esporte (FIMS), “é uma especialidade que inclui segmentos teóricos e práticos da medicina com o objetivo de investigar a influência do exercício, do treinamento e do esporte sobre as pessoas sadias ou doentes, com a finalidade de prevenir, tratar e reabilitar”. Engana-se quem pensa que ela abrange apenas a Ortopedia. “É uma especialidade clínica, que envolve as áreas de Ginecologia, Cardiologia, Pneumologia, Endocrinologia, entre outras, mas sempre com o foco voltado para o atleta”, explica Moisés Cohen, livre-docente do departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e diretor do Instituto Cohen de Ortopedia, Reabilitação e Medicina do Esporte. No Brasil, apenas três universidades oferecem residência na área: a UNIFESP, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Caxias do Sul (UCS). “Essas residências foram criadas há cinco ou seis anos. A Medicina Esportiva é uma especialidade muito respeitada no mundo todo. Nossa estrutura não fica devendo em nada à dos grandes centros mundiais”, afirma Cohen. Ainda segundo o médico, a UNIFESP é parceira do Centro de Medicina Esportiva, no Ibirapuera, em São Paulo, um dos pioneiros na América Latina. No complexo, inaugurado em 1976, há quadras poliesportivas, piscina olímpica, ginásio, campo de futebol, pista de atletismo, academia de boxe, além de consultórios odontológicos e psicológicos, enfermaria e salas de serviço social, fisioterapia e fisiologia.

Segundo uma resolução de 13 de julho de 2005, do Departamento de Residência e Projetos Especiais na Saúde, da Secretaria de Educação Superior, são três anos de especialização na área. O primeiro ano engloba atividades como “anamnese, exame físico, solicitação e interpretação de exames complementares e prescrição” e “participação em plantões no pronto-socorro”. O segundo ano oferece estudos de “indicação, participação e interpretação de testes específicos para avaliação do exercício”, “avaliação do estado nutricional com indicação de dietas e acompanhamento” e “atendimento aos atletas lesionados, solicitação e interpretação de exames complementares e planejamento terapêutico”. Finalmente, no último ano, há “atendimento aos atletas durante eventos esportivos” e “atividade física para cardiopatas, pneumopatas, diabéticos etc.” O trabalho com o atleta é feito junto de outros profissionais de saúde, como nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e fisioterapeutas. “Não há como fazer um trabalho sem uma parceria entre as disciplinas. A mentalidade atual é a do trabalho multidisciplinar”, explica Cohen. Entre as preocupações da especialidade, está a prevenção de possíveis lesões. “Não apenas tratamos danos, temos a função de estabelecer protocolos para preveni-los. Em equipes submetidas aos tratamentos, é possível ver uma diminuição de 25% a 30% no número de lesões nos atletas, o que é muito positivo”, finaliza o especialista. Paula Maria Prado Da redação

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ALÉM DO HOSPITAL ALÉM DO HOSPITAL

Aventura longe do consultório

O tratamento médico voluntário de ocorrências em áreas distantes do ambiente urbano

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om o crescimento do setor de ecoturismo no Brasil, a partir de 2001, uma nova especialidade médica tem ganhado campo: a chamada medicina da aventura ou medicina de expedição. Com foco no tratamento de ocorrências médicas em meios selvagens e a mais de uma hora do tratamento definitivo, os profissionais da área são formados, em sua maioria, em medicina do esporte. Se no exterior o conceito existe desde 1983, quando os médicos Paul Auerbach, Ed Gehr e Ken Kizer criaram a Wilderness Medical Society (WMS), na Califórnia, no Brasil a organização Medicina da Aventura (MDA), filiada à WMS, existe oficialmente desde 2008. “Tive a ideia de montar o grupo quando, em 1999, sofri um acidente dentro de uma caverna em Terra Ronca, divisa entre os Estados de Goiás e da Bahia, e não consegui atendimento médico. Na época, estava no sexto ano de curso e comecei a pensar na ação médica em ambientes remotos”, conta o ortopedista Adriano Leonardi, especialista em Cirurgia do Joelho e Traumatologia do Esporte, assistente do grupo de Traumatologia do esporte da Santa Casa de São Paulo e formado em Advanced Wilderness Life Support pela Universidade de Utah, também mergulhador e praticante de mountain bike cross-country

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(ciclismo praticado com bicicleta própria para percursos em alto relevo). Além de exercitar a medicina, os profissionais envolvidos com a MDA são também esportistas preparados para lidar com diversas condições de salvamento. A médica Karina Oliani, também fundadora da organização nacional, é especialista em resgates em áreas remotas, instrutora de mergulho e pilota de helicóptero. Fecha o grupo Gabriel Saud, profissional de marketing responsável pela área comercial da MDA, também praticante de atividades outdoor (ao ar livre). A equipe conta com vários colaboradores em diversos campos da saúde, como socorristas, enfermeiros, médicos e dentistas, que se dedicam, voluntariamente, ao salvamento em ambientes distantes de centros médicos. Entre eles, estão os médicos Eduardo Nogueira Garrigós Vinhaes, instrutor de mergulho, que participou de expedições como a primeira que levou brasileiros ao Monte Everest, no Tibet, em 1991, e Thiago Ferreira, praticante de corrida de aventura, escalada esportiva e em rochas, montanhismo, ciclismo, mountain bike e conhecedor de técnicas de deslocamento em cavernas.


ALÉM DO HOSPITAL

Formação Os cursos de formação, em sua maioria, são ministrados no exterior. “Nos Estados Unidos, a própria Wilderness Medical Society oferece o Advanced Wilderness Life Support, reconhecido pela Universidade de Salt Lake. A National Outdoor Leadership School ministra os cursos de Wilderness Medicine for the Professional Practitioner, Wilderness Upgrade for Medical Professionals, Medicine in the Wild e Wilderness Medicine Expeditions. Na Europa, a entidade britânica Expedition Medicine ministra cursos de especialidade com foco no salvamento em montanhas, desertos, florestas e mar”, conta Leonardi. Os tópicos da especialidade incluem medicina hiperbárica e de mergulho, busca e salvamento, doenças de altitude, traumas no deserto e ataques de animais selvagens. Também há a analise de riscos para a saúde e a segurança em situações extremas em espaços, como montanhas, florestas, desertos, cavernas e ambientes marinhos. “Estudamos as ações do meio selvagem no corpo humano, como insolação, desidratação, afogamento, lesão por raios, ataques de animais, avalanches, lesões por frio e calor extremos”, explica o especialista. O foco da MDA é, além de “praticar, investigar e ensinar a medicina do meio selvagem”, “compartilhar um senso de aventura” e de “profundo respeito pelo meio ambiente” e apoiar o conceito de sustentabilidade ambiental. “O ideal é que o médico seja também um esportista, caso contrário terá dificuldades em lidar com os ‘perrengues’ do meio selvagem”, pondera Leonardi. Outdoor Longe dos consultórios e das clínicas hospitalares, o foco são não só as pessoas que praticam esportes, mas também aquelas que estão em locais distantes de qualquer acesso médico. Avisada com antecedência sobre alguma atividade que ocorrerá fora do ambiente urbano, a MDA desloca uma estrutura de apoio ao local. “Levamos em conta a duração e a extensão da prova, bem como a distância do local de tratamento definitivo, caso haja ocorrência médica. A partir de então, definimos o grupo que participará. Pode variar de um carro de apoio com três profissionais a um helicóptero com uma equipe de até dez pessoas”, relata o ortopedista. Uma das características da MDA é o eventual uso de instrumentos de improviso. “Chegamos a realizar suturas de ferimentos usando fios de cabelo”, conta o médico. Ainda que a prática dessa especialidade seja uma igual aventura, os adeptos têm aumentado. “A sensação de estar no meio outdoor faz da nossa profissão uma paixão”, garante o médico esportista.

A medicina de aventura lida com diversas condições de salvamento, incluindo resgates em áreas remotas

Conheça algumas modalidades esportivas e as possíveis lesões durante a prática Pode ocorrer de o nitrogênio presente no sangue se tornar gasoso de maneira súbita, devido à rápida mudança de pressão Mergulho nos tecidos, ocasionando embolia gasosa, lesão de órgãos como coração e sistema nervoso central. Também pode haver dores articulares, paralisias, formigamento de extremidades e fadiga intensa. Em casos graves, pode haver paralisia, perda da consciência e vertigens. Lesões ortopédicas em mãos e punhos, Montanhismo ombros, coluna vertebral, joelho, quadril, pés e músculos. Também podem ocorrer queimaduras solares, picadas por insetos e o mal da montanha, causado pela falta de oxigênio em altitudes elevadas. Pode gerar síndromes compressivas no Mountain bike períneo, com perda da sensibilidade e impotência sexual, e nas mãos e nos punhos, com formigamento, e síndromes dolorosas, com lesões na coluna vertebral, nos membros inferiores, entre outros traumas ocasionados pela temperatura do ambiente e poluição do local. Mais informações: www.medicinadaaventura.com.br

Paula Maria Prado Da redação

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ÉTICA ÉTICA

Direito de morrer Profissionais da medicina e do direito buscam a melhor forma de garantir as vontades do paciente terminal

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alvar vidas é a missão básica de todo médico desde o início da sua formação. Porém, mesmo com todas as opções da tecnologia atual, há casos em que a morte é iminente. Quando o paciente com quadro irreversível perde a consciência, discute-se até onde prosseguir com o tratamento, mesmo quando não há perspectivas de cura. No Brasil, o documento no qual o paciente, ainda lúcido, poderia determinar o ponto da interrupção do tratamento ou os métodos terapêuticos a não serem usados, é conhecido como Diretivas Antecipadas de Vontade ou testamento vital. Os debates realizados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) indicam que não será necessária a abertura de uma Resolução para tratar do assunto, e sim uma recomendação sobre a necessidade de transcrever a vontade do enfermo e facilitar o diálogo entre pacientes, médicos e familiares. Dessa forma, o CFM pretende apenas indicar os pontos principais a serem registrados no testamento vital, o que virá com uma transformação e desenvolvimento cultural, conforme explica o docente em bioética da Faculdade de Medicina da USP e membro do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP), Ruy Ayer. “Do ponto de vista ético, o conselho nunca afirma que uma norma é impositiva, será dito que a norma é indicativa e as pessoas vão ter que trabalhar isso do seu ponto de vista.” A advogada e gerente do departamento jurídico do Hospital Sírio-Libanês Ana Lúcia Vassallo explica que no Brasil não existe uma legislação específica que regulamenta as diretivas antecipadas, mas também não há vedação legal para elas. “O paciente pode deixar por escrito a sua vontade, uma vez que a Constituição Federal e o Código Civil garantem tal direito, apesar de não haver legislação própria tratando do assunto.” Apenas o começo Ainda que o testamento vital seja legalizado em alguns países, como Portugal, Holanda e EUA, o tema ainda é pouco conhecido no país. A repercussão recente das discussões, aos poucos, tem gerado interesse público. A advogada Carolina Franca Magalhães procurou se aprofundar cada vez mais na temática. “Embora seja uma matéria que interessa a todos, envolvendo a vida, a digni-

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dade da pessoa e a morte, ainda é pouco explorada, principalmente no aspecto jurídico. Acredito que os médicos lidem com isso todos os dias, porém, por não se conformarem com a perda do ente querido, a família acaba optando por mantê-lo vivo.” Todas as pessoas têm o direito de optar no processo terapêutico em que estão inseridas. Os limites das escolhas que poderão ser deixadas no testamento vital já estão preestabelecidos pela lei, pois no Brasil a eutánasia é crime. Além disso, o anseio do paciente nem sempre pode ser aplicado à situação clínica, e o testamento vital também prevê a nomeação de um procurador. Segundo Maria Júlia Kovács, docente de bioética da Faculdade de Psicologia e coordenadora do Laboratório da Morte do Instituto de Psicologia da USP, é necessário entender que a missão do profissional da área médica não está restrita apenas a salvar vidas, mas também a fazer que a finalização da vida seja mais digna. “É preciso começar a mudar as mentalidades e a forma como se considera a morte e a morte como final da vida. Não é questão de acelerar o processo, e sim respeitar quando ele se instala.” Entenda os termos Eutanásia: prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. No Brasil, essa prática é considerada ilegal. Ortotanásia: morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento, deixando a evolução e o percurso da doença. Portanto, evitam-se métodos extraordinários de suporte à vida, como medicamentos e aparelhos, em pacientes irrecuperáveis e já submetidos a suporte avançado de vida. Distanásia: prática pela qual se prorroga, através de meios artificiais e desproporcionais, a vida de um enfermo incurável. Testamento vital: instrumento jurídico no qual os indivíduos capazes para tal, em sã consciência, expressam sua vontade acerca das atenções médicas que desejam receber, ou não, no caso de padecerem de uma enfermidade irreversível ou terminal que lhe haja conduzido a um estado em que seja impossível expressar-se por si mesmo.

Pamella Indaiá Da redação


MULTIDISCIPLINAR MULTIDISCIPLINAR

Além do consultório médico A importância dos assistentes sociais para a complementação das recomendações médicas

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resentes em instituições de todo o país, apesar de não haver uma legislação específica que torne obrigatória sua atuação em unidades de saúde, os assistentes sociais analisam as diversas realidades do paciente. “Temos por objetivo atuar junto do paciente e de sua família, no hospital ou mesmo após a alta hospitalar, nos aspectos sociais, socioeducativos e socioambientais e na garantia aos direitos de cidadania”, afirma Arlete Salimene, Diretora de Serviço Social do Instituto de Medicina Física e Reabilitação (IMREA) do HC-USP. A especialista ainda revela que o trabalho é mais complexo, pois realizam uma avaliação socioeconômica e cultural para conhecer a realidade do paciente e de sua família e elaborar um diagnóstico nesse âmbito, informando a equipe sobre as questões sociais que podem implicar um tratamento específico. Com mais de 70 anos de existência no país e regulamentado há 50, o serviço social atua na consolidação dos direitos sociais, combatendo a discriminação e a subalternidade. “O Brasil tem, hoje, aproximadamente, 102 mil profissionais que atuam, predominantemente, na formulação, no planejamento e na execução de políticas públicas, como educação, saúde, previdência, assistência social, habitação e transporte. São movidos pela perspectiva de defesa e ampliação dos direitos da população brasileira”, explica Raimunda Ferreira, Diretora do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). A atuação pode ser ainda mais ampla, como afirma a profissional. “O assistente social trabalha ainda na área privada, principalmente, no âmbito de repasse de serviços e benefícios e na organização de atividades vinculadas à produção e material, e atua em processos de organização e formação política de segmentos da classe trabalhadora.”

méstica contra mulheres e crianças; e atendimento específico às famílias das vítimas. De acordo com Arlete, apesar de o atendimento assistencial priorizar o período de permanência no hospital, poderá se expandir em alguns casos de falecimento, acolhendo as famílias. Fora do ambiente hospitalar, o trabalho não para. A ajuda também é direcionada à localização e à identificação de familiares de pacientes, ao acompanhamento da alta e ao seu direcionamento conforme a necessidade e as orientações previdenciárias. São realizados ainda trabalhos em toxicologia e psicologia, em casos de intoxicação e tentativa de suicídio, entre outras práticas. “É importante que o paciente tenha acesso à informação para que ele saiba dos direitos que tem. Por esse motivo, é importante o assistente social estar sempre bem informado sobre a rede de atendimentos e os programas que existem hoje, para poder encaminhar o paciente a ela, principalmente quando envolver questões que extrapolam a área da saúde e do atendimento hospitalar”, acrescenta Raimunda. Situação brasileira No Brasil, ainda não há uma legislação específica que torne obrigatória a presença de um profissional de serviço social nos hospitais. “No entanto existem portarias do Ministério da Saúde que regulamentam alguns serviços especializados, como o Programa Saúde da Família e as equipes multidisciplinares”, pondera Raimunda. “Em alguns desses serviços, as portarias determinam a presença do assistente social para que haja a habilitação da instituição no Ministério ou o convênio do hospital, quando privado, com o Sistema Único de Saúde (SUS).”

Atuações variadas na saúde

Paula Maria Prado Diego Palmieri Da redação

O trabalho do assistente social abrange também ações como identificação e orientação em casos como violência do-

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ESPECIAL ESPECIAL

O dilema do diploma O processo de revalidação do diploma do exterior no Brasil ainda tira o sono de muitos estudantes; exercer a medicina fora do país ainda envolve burocracia e atualização do curso segundo os moldes das nações envolvidas

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epois da experiência de estudar fora do país, o processo para validação dos diplomas médicos obtidos no exterior pode ser longo e tortuoso. Se até 2009, as provas aconteciam sem periodicidade certa em universidades federais, em 2010, o MEC (Ministério da Educação), junto ao Ministério da Saúde, elaborou um projeto para a revalidação do documento. O objetivo foi unificar o processo, buscando maior isonomia, transparência e padronização. “Os procedimentos de verificação de equivalência curricular são extremamente trabalhosos, morosos, exigindo dos docentes dos cursos de medicina um tempo de dedicação do qual eles não dispõem, e frustrando as expectativas dos candidatos. Além disso, a análise é, muitas vezes, apenas documental, prescindindo-se de uma efetiva avaliação sobre as condições e qualificação profissional para exercer a profissão”, afirma Cláudia Griboski, diretora de Avaliação da Educação Superior do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). No entanto, após a aplicação do projeto piloto, o foco deixou de ser a análise de equivalência das disciplinas e carga horária do curso de origem em comparação com o curso oferecido pela universidade revalidante, e passou a ser uma avaliação constituída de duas etapas (prova objetiva e prova de habilidades clínicas, ambas aplicadas pelo INEP). Dos 628 inscritos, recém-formados em medicina, apenas dois obtiveram a aprovação. Graduação no exterior

A maioria dos candidatos é composta por brasileiros formados em universidades bolivianas, argentinas e cubanas. “Faz um ano e meio que moro em Buenos Aires. Decidi vir, assim como a maioria dos meus colegas, pela facilidade no ingresso na graduação”, conta Danilo Graciano, no segundo ano de medicina na Fundación H. A. Barcelo. “Além disso,

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o que eu gasto com moradia e contas não chega ao valor da mensalidade de muitas faculdades no Brasil. Cerca de R$ 2.000 por mês, tem quem consiga viver com menos ainda”, afirma Graciano, que, na volta ao país para atuar na área, terá que submeter o seu diploma a reconhecimento de uma universidade pública. A revalidação de diplomas no Brasil é regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9.394, de 1996, e por Resoluções da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. Segundo informações do INEP, essa revalidação é de competência de universidades públicas que ofereçam curso equivalente ao do diploma que se quer validar. Apesar de cada instituição ter um método de avaliação do aluno, a aprovação, geralmente, inclui análise do currículo acadêmico, realização de prova e o pagamento de uma taxa entre R$ 100 e R$ 5.000. Segundo nota do CFM (Conselho Federal de Medicina), são analisados o histórico e a compatibilidade de carga horária de 7.200 horas de curso e 35% de internato ou estágio prático. Se houver qualquer tipo de incompatibilidade [em relação à graduação nacional], o interessado deve buscar saná-las, cursando as disciplinas faltantes. “O funcionamento nos casos de reconhecimento automático pode ser variável com base em acordos internacionais firmados entre países envolvidos”, afirma diretora de Avaliação da Educação Superior do INEP. O estrangeiro que vem para o país enfrenta os mesmos problemas com um adicional: fazer uma avaliação de proficiência em língua portuguesa. “A revalidação de diploma é uma exigência para todas as profissões regulamentadas, nos casos de indivíduos que tenham concluído seu curso de graduação em um país e queiram exercer sua profissão em outro país”, afirma Cláudia.


ESPECIAL

Diferença entre os currículos De acordo com Graciano, ainda que o ingresso na faculdade de medicina de universidades no exterior seja mais fácil, sair dela diplomado é tarefa para poucos. “O método de ensino é muito complicado. É preciso ser praticamente autodidata para conseguir se manter na universidade”, conta. “A carga horária é mais baixa. E existem disciplinas médicas no Brasil que não existem na graduação em medicina aqui em Buenos Aires. Como as que tratam de doenças tropicais ou sobre o Sistema Único de Saúde.” O estudante afirma ainda que entre os motivos para a desistência dos colegas estão o desconhecimento da língua nativa, a saudade de casa e o medo de não conseguir validar o diploma posteriormente. “No começo, na minha turma éramos em 30 brasileiros e, a cada prova, o número segue diminuindo. Muitos voltam para a vida de vestibulando, outros desistem da carreira. Todos nós temos medo do futuro ‘incerto’ aqui”, diz. “Todos vivem com essa assombração na cabeça. Ainda não sei muito sobre os trâmites para regularização. No momento, nem me interessam. Vim para cá para me formar em medicina. É isso que vou fazer. Se não der para exercer a profissão no Brasil, vou para onde Deus quiser”, finaliza Graciano. Rumo ao exterior Quem deseja ir para o exterior trabalhar na área médica, também deve revalidar o seu diploma. De acordo com informações do CFM, cada país tem regras e estruturas próprias para a validação de diplomas. A melhor forma de obter informações sobre os trâmites necessários, é o interessado ir até a embaixada do país onde fica o curso em que pretende ingressar. “Validar o diploma exige paciência e dinheiro”, afirma Cristiane Ueno, que faz especialização em Cirurgia Plástica nos Estados Unidos desde 2004. “O interessado deve entrar no site da ECFMG (Educational Committee for Foreing Medical Graduates) e enviar uma série de documentos traduzidos, como diploma e histórico escolar, e pagar uma taxa para ter um número de identificação”, ensina a médica. “Com isso, pode-se inscrever nas provas para a validação. São três: USMLE (United States Medical Licensing Examination) step 1, que tem matérias básicas que aprendemos nos três primeiros anos de faculdade; USMLE step 2 CK, de medicina aplicada com discussão de pacientes em todas as áreas; e USMLE step 2CS, que é prova prática em pacientes”, conta. As duas primeiras provas podem ser feitas no Brasil. E o percurso não acaba aí. Diferente do Brasil, nos Estados Unidos, o NRMP (National Resident Matching Program) controla todas as vagas de residência do país. “Depois de passar nas provas, você se inscreve pelo NRMP para uma vaga de residência, e novamente é necessário enviar

todos os documentos e notas, além de três cartas de recomendação. Com isso em mãos, pode-se escolher o programa desejado, como Cirurgia Geral, por exemplo. E, de acordo com o número de programas escolhidos, deve-se pagar uma quantia”, relata. De posse dos documentos, a partir de então, os responsáveis pela área escolhida selecionam (ou não) o candidato para uma entrevista. Depois, baseado em um ranking, o interessado pode, ou não, conseguir a vaga. “Os currículos dos programas de Cirurgia Geral e de Cirurgia Plástica são bem diferentes aqui em relação ao Brasil. Aqui, se faz quatro anos de college antes de entrar em medicina. E, como as faculdades são caras, muitas pessoas trabalham antes ou ao mesmo tempo em que estão cursando a faculdade”, conta Cristiane. “Não acredito que o meu curso de medicina, nem a minha formação como residente no Brasil foram piores do que as dos Estados Unidos. Desde que vim para cá, tive grandes momentos que ultrapassaram a saudade de casa, da família e dos amigos. A vantagem de estar em uma universidade americana é que existe uma chance maior de conhecer grandes cirurgiões, que antes conheceria apenas através dos livros, participar de congressos mundiais e estar mais próxima de pesquisas de ponta na área”, opina. Após o término da residência, começa outra luta: conseguir um emprego. “Infelizmente, nenhuma das residências consegue ser validada nos Estados Unidos, não importa onde foi feita. Existem raras exceções. Conheci um cirurgião que teve a sua residência parcialmente revalidada tendo que repetir apenas alguns anos”, conta Cristiane. “Dentro de algumas especialidades é possível fazer um fellowship em determinadas áreas, como em Cirurgia do Transplante, sem ter que passar pela residência em Cirurgia Geral. Mas não é possível se inscrever para a prova de certificação dessa maneira”, alerta a médica, que passou por todo o processo e, depois de cinco anos de residência em Cirurgia Geral, está começando a residência em Cirurgia Plástica e pretende ficar mais três anos no país. Mais informações nos sites das embaixadas - Americana: http://portuguese.brazil.usembassy.gov - Italiana: www.ambbrasilia.esteri.it/Ambasciata_Brasilia - Espanhola: www.culturaespanha.org.br - Portuguesa: www.embaixadadeportugal.org.br - Francesa: www.ambafrance-br.org - Australiana: www.brazil.embassy.gov.au/brasportuguese/home.html - Japonesa: www.br.emb-japan.go.jp - Argentina: www.brasil.embajada-argentina.gov.ar

Paula Maria Prado Da redação MedAtual

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MATÉRIA DE CAPA MATÉRIA DE CAPA

Brasil sob consulta Desavença entre a comunidade médica, operadoras de planos de saúde e governo evidencia o descaso da saúde no país

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o último dia 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, o Brasil assistiu à mobilização nacional dos médicos contra os planos de saúde. Segundo a Federação Nacional dos Médicos (FENAM) 160 mil médicos em todo o país participaram do movimento, que incluiu suspensão de consultas eletivas dos convênios, coletivas de imprensa, ciclos de debates e passeatas. Um dos objetivos da paralisação, que não afetou os atendimentos de urgência e emergência, é a melhoria na prestação de serviços aos pacientes, que hoje chegam a esperar até três meses para marcação de uma consulta em algumas especialidades e sofrem com a interferência das operadoras nos diagnósticos e tratamentos. O movimento também reivindica reajustes de honorários, regularização dos contratos entre operadoras e médicos e promoção de ações no Congresso Nacional para a aprovação de projetos de lei que contemplem a relação entre médicos e planos de saúde, além de cobrar da ANS (Agência Nacional de Saúde) maior austeridade no exercício de seu papel fiscalizador, exigindo dos planos de saúde o cumprimento da regulamentação própria do setor. As três entidades nacionais que organizaram o movimento – Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho

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Federal de Medicina (CFM) e FENAM – apontaram, ainda, a discrepância entre os lucros das operadoras e o repasse à classe médica: dados divulgados pela Federação Nacional de Saúde Suplementar apontam receita bruta do setor de 73 bilhões de reais e uma despesa total de 58 bilhões, no período 2009-2010. Um lucro líquido de cerca de 15 bilhões de reais para o mesmo setor que paga ao médico algo entre R$ 25 a R$ 45 por consulta. Os planos de saúde, por outro lado, se defendem, alegando que o reajuste médio do valor das consultas médicas praticado por afiliadas do setor variou entre 83% e 116% no período de 2002 até 2010, percentuais superiores à variação do Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) no mesmo período, que foi de 76,31%. Alegam, ainda, conformidade com a regulamentação do setor, que coloca a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos como referência para o estabelecimento das faixas de valoração dos atos médicos. Em meio ao fogo cruzado, a ANS alega que não pode atuar para estabelecer um piso mínimo para os honorários médicos nas consultas e existem pareceres do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), vinculado ao Ministério da


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Justiça, e da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Ministério da Fazenda contra projetos de lei que tratem desse tabelamento, dado que o prejuízo ficaria para os 40 milhões de consumidores do sistema suplementar de saúde. Em outras palavras, temos um claro desacordo entre dois setores da população brasileira que, juntos, são diretamente responsáveis pela saúde e pela vida de aproximadamente um quarto dos brasileiros, e um governo hesitante em sua função reguladora, tangenciando a questão ao emitir opiniões via entidades alheias às políticas públicas de saúde. Tal quadro não é, de longe, nem recente nem tem suas raízes em aspectos econômicos, como querem alguns setores mais liberais que defendem a lei do livre mercado na regulamentação da saúde. O estado atual da saúde suplementar no Brasil está intimamente relacionado à implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), que abrange, desde suas origens conceituais na década de 1980, as iniciativas em saúde tanto pública quanto privadas. A morosidade do Estado em implantar o SUS e exercer o seu dever, constitucional, de garantir o direito à saúde a todos os cidadãos “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196, Constituição Federal), facilitou a expansão descomedida da exploração e da prestação de serviços médicos por parte da iniciativa privada. Notadamente a partir dos anos 90, ocasião em que a Lei que criou o SUS (Lei nº 8.080/90) permitiu a descentralização das ações e serviços, observou-se uma explosão nos contratos de planos e seguros saúde, que passaram a suprir a carência estatal no provimento da saúde. Estes contratos particulares chegaram aos consumidores de forma unilateral por parte das empresas do setor e em caráter de adesão aos médicos, restando pouca ou nenhuma margem para discussão de eventuais cláusulas abusivas por parte nem de contratantes nem de conveniados. Após 8 anos da criação do SUS e de livre iniciativa das empresas do setor, o Estado promulgou a Lei nº 9.656/98 e instituiu a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANSS (Criada pela Lei nº 9.961/2000, alterada pela MP 2.17744/2001). Atitudes louváveis as quais, todavia, não foram capazes de diminuir as lesões à saúde experimentadas pelos cidadãos brasileiros, ou mesmo pela classe médica. A legislação criada a partir destas tentativas de regulamentação do setor ainda não conseguiu abranger, contudo, os abusos cometidos pelas empresas privadas exploradoras dos serviços relacionados à saúde, no que diz respeito à relação havida para com os médicos. O enfoque da ANS e das Leis que regem a matéria vem priorizando o respeito aos direitos dos consumidores, deixando de regulamentar, de forma separada, a relação existente entre os médicos e

as operadoras de convênios, a qual, inclusive, gera reflexos – muitas vezes negativos – ao exercício da medicina no que tange à ética. O regramento jurídico para os contratos havido entre médicos e convênios obedece às diretrizes do Código Civil. Por outro lado, a relação entre médicos e pacientes não se disciplina apenas nos preceitos do Código de Defesa do Consumidor: a responsabilidade por qualquer dano ao paciente, causado por ação ou omissão do médico, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência é passível de punição ético-disciplinar, além da responsabilização civil e criminal. Em qualquer hipótese, é certo que os médicos devem, antes mesmo do respeito aos termos de quaisquer contratos, obedecer ao determinado no Código de Ética Médica, tendo em vista que nenhum interesse econômico deve prevalecer sobre o bem maior que o ser humano possui: a vida. Desta forma, nenhum interesse por parte das instituições privadas que exploram os serviços de saúde deve prevalecer sobre os deveres médicos descritos no Código de Ética Médica. Qualquer cláusula contida em contrato entre médicos e convênios, que estipule a limitação a procedimentos, a bonificação em razão de não solicitação de exames, a exigência de justificativas das mais variadas para fins de solicitação de procedimentos ou a remuneração de forma injusta, deve ser considerada abusiva. Mas, para que o médico deixe de praticá-las é imprescindível que o contrato seja discutido perante o Poder Judiciário, para que o médico não seja acusado de descumprimento do contrato. E é justamente esse o panorama atual da saúde suplementar brasileira, depois de 20 anos de evolução: os contratos ainda contêm cláusulas abusivas, as empresas faturam bilhões e repassam o mínimo para os médicos e os órgãos reguladores do setor se omitem na defesa dos conveniados, que se acham entre o respeito aos contratos e a prática ética da medicina. Qualquer forma de enfrentamento dessa situação deve ser, portanto, considerada legítima e desejável. A paralisação nacional do último dia 7 de abril, embora tenha comprometido os atendimentos eletivos, não prejudicou os atendimentos de urgência e trouxe para a questão uma notoriedade que, para o bem da saúde de milhares de pacientes e médicos, deverá modificar pra melhor o panorama atual da saúde suplementar no Brasil. Leandro Faustino Médico Residente de Cirurgia Geral pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP Laísa de Moura Advogada, especialista em Responsabilidade Civil pela Fundação Getúlio Vargas (GVLaw) e Mestranda em Direito Civil pela PUC-SP

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MATÉRIA DE CAPA

Digna remuneração D

Irregularidades nos planos de saúde afetam médicos e segurados

iversas irregularidades vêm sendo denunciadas pelas entidades médicas. “Uma pesquisa que a Associação Paulista de Medicina fez junto ao Datafolha mostrou que há outras gravidades como o não pagamento de vários procedimentos médicos, a negativa de exames e tratamentos importantes ao paciente, como a quimioterapia e as cirurgias, por exemplo, e a burocratização desses processos. Então, não é incomum ver muitos pacientes que têm plano de saúde indo atrás de atendimento médico no serviço público”, afirma Jorge Curi, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM). Pesquisa realizada pelo Datafolha/IESS entre os meses de janeiro e fevereiro deste ano, que mostra que 55% dos entrevistados estão “satisfeitos” com o seu plano de saúde e 25% se mostraram “muito satisfeitos”. Foram entrevistadas 1.626 pessoas com e 1.627 sem plano de saúde.

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Existe um claro desacordo entre dois setores da população: os médicos, que reivindicam melhores remunerações, e as operadoras, que faturam bilhões de reais anuais

Repasse da verba

Viabilidade

Segundo dados publicados pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, os planos de saúde no Brasil são responsáveis pelo atendimento de 45,5 milhões de pessoas. E o número de médicos que atendem pelos planos é de cerca de 160 mil. A Associação Médica Brasileira (AMB) fez um levantamento mostrando que, entre 2003 e 2009, o valor de uma consulta médica foi reajustado em 44%. No entanto, as operadoras obtiveram 129% de aumento no faturamento neste mesmo período, ou seja, passou de cerca de R$ 28 bilhões para R$ 65,4 bilhões. Ainda segundo a associação, atualmente, os honorários médicos correspondem a apenas 18% dos gastos das operadoras, enquanto, em 2003, eram 40%. “No site da AMB temos um programa que ajuda a realizar o cálculo de cada consulta. O profissional coloca o valor e o número de atendimentos realizados e depois deduz os custos com consultório, luz, telefone, secretária, aluguel, valores pagos aos conselhos de medicina e cursos de atualização, entre outras contas que fazem parte da rotina do médico. Percebese então, que consultas que valeriam R$ 30,00 e R$ 40,00 acabam valendo R$ 5,00 ou R$ 6,00. Isso inviabiliza o trabalho com planos de saúde”, afirma o presidente da APM. Uma das consequências diretas das irregularidades denunciadas pelas entidades médicas é a escolha de alguns profissionais por especialidades mais rentáveis, o que, em longo prazo, afeta a população. “Com menos médicos de determinada modalidade no mercado, podemos observar que as pe ssoas têm demorado meses para conseguir uma consulta com alguns especialistas”, observa Curi.

A exemplo do valor cobrado pelos planos de saúde, a AMB afirma que o razoável é de que seja pago R$ 60,00 por consulta, com garantia de um aumento anual periódico. “A ANS tem como obrigar a normatização dos contratos e o reajuste. O que não podemos é, sozinhos, negociarmos com operadoras de plano de saúde”, afirma Curi. “Esse assunto vem se arrastando há 15 ou 20 anos, mas agora a situação está pior. Vemos que o sistema está falindo e não há resolutividade.” Dia 30 de junho (antes do fechamento desta edição), foi marcada uma reunião de avaliação da situação descrita pelas entidades médicas. “Estamos ansiosos, nosso objetivo é esclarecer aos médicos, à população e aos veículos de imprensa sobre o que está acontecendo e como estão as negociações”, diz o presidente da APM. “No entanto, todos nós sabemos que uma ação incisiva sobre milhares de prestadores é muito complexa e que precisamos da ajuda da população e dos órgãos públicos. Afinal, ninguém vive de ‘brisa’.” A FenaSaúde informou, em nota, que “busca, constantemente, aperfeiçoar o relacionamento com os médicos e que, nesse momento, encontra-se sob negociação um modelo de remuneração apresentado recentemente em um fórum promovido pela ANS”. Por sua vez, a ANS comunicou, também via documento oficial, que “vem trabalhando continuamente na busca pelo entendimento entre as operadoras e os prestadores de serviços de saúde, sempre no intuito de salvaguardar o equilíbrio do mercado e garantir o atendimento com qualidade aos consumidores de planos de saúde”.

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MATÉRIA DE CAPA

Avaliação dos planos de saúde – Brasil

Avaliação do plano de saúde – Brasil

(Dezembro de 2010 – APM/Datafolha)

(Maio de 2011 – IESS/Datafolha)

Satisfação dos usuários de planos de saúde

Avaliação geral dos planos ou seguro-saúde no Brasil

O médico que trabalha com planos ou seguros-saúde atribui, em média, nota 5 para as operadoras, em escala de zero a 10. Vale notar que 5% deram nota zero para os planos ou seguros-saúde brasileiros e apenas 1% atribuiu notas 9 ou 10.

Avaliação geral dos planos ou seguro-saúde no Brasil - média Principais desejos de consumo da população entrevistada

Grau de interferência dos planos ou seguros-saúde na autonomia técnica do médico Pessoas que gostariam de ter plano de saúde

Em uma escala de zero a 10, o médico atribui nota média de 5,8 para o grau de interferência dos planos ou seguros-saúde na autonomia técnica do médico. Oito por cento atribuíram nota 10, mesmo valor observado para zero.

Interferência dos planos ou seguros saúde na autonomia técnica do médico, por tipo de serviço

A divergência entre o lucro das operadoras e o repasse aos médicos é um dos entraves apontados pela paralisação

Paula Maria Prado Da redação

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MATÉRIA DE CAPA

Em direção ao esperado? Manifestações em todo o país passam a dar um novo tom à conhecida batalha entre médicos e planos de saúde; prestadoras e profissionais ainda caminham em sentidos opostos

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uase quatro meses depois da paralisação, as discussões pela melhor forma de prestar serviços e ser bem remunerados para tal não foram completamente resolvidas. “Esses problemas começaram há 15 ou 20 anos, mas a coisa se tornou pior agora. Nós temos de demonstrar que é inviável e que [o sistema] está em falência”, diz Jorge Curi, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM). Atualmente, de acordo com pesquisa da Federação Nacional dos Médicos (FENAM/CREMESP), a remuneração por uma consulta é R$ 39,65, em média. Para fazer um eletrocardiograma, os médicos recebem R$ 16,20, enquanto que imobilizar uma perna ou um braço sai por pouco mais de R$ 8,00. Em muitas cidades, como São Paulo, esses valores ficam muito abaixo do preço cobrado por um corte de cabelo ou um prato executivo, em estabelecimentos sem muito luxo. Para amenizar esse desnível, os médicos pedem que o valor da consulta suba para R$ 80,00 e que outros procedimentos sejam atualizados proporcionalmente, de acordo com o sistema de hierarquização da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM).

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A diminuição da interferência dos planos na atuação dos médicos também está em pauta nas assembleias que ainda acontecem em todo o Brasil. “A consequência deste movimento é que os órgãos responsáveis, juntamente com o poder público, repensem sobre o modelo atual dos programas de assistência à saúde, para que possamos obter um respeito maior à cidadania”, afirma, em comunicado, Paulo Oliver, presidente da Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica. Já a ANS, que afirma buscar um entendimento entre ambas as partes, destaca que, em situações de conflito como essa, o atendimento à população não pode ser prejudicado e que garantir o acesso aos serviços médicos pelos beneficiários de planos de saúde é uma obrigação das operadoras. Paula Maria Prado Diego Palmieri Da redação


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VACINAS VACINAS

Evolução das vacinas na Pediatria Especialistas procuram tratamentos para encerrar a proliferação de algumas doenças

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esde o início da vida, é aplicada uma variedade de vacinas na criança objetivando impedir o acesso de doenças e vírus naquele corpo por um período longevo ou até por toda a existência, através da resposta de anticorpos. Partindo desse princípio, o foco maior da imunologia é a área pediátrica. De acordo com Marco Aurélio Palazzi Sáfadi, Mestre em Pediatria aplicada pela UNIFESP e professor assistente da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, contamos com um arsenal cada vez maior de vacinas, e hoje os estudos são cada vez mais precisos, no sentido de identificar os benefícios e os riscos, o que é inerente em qualquer procedimento médico. “Claro que existem riscos implicados, mas, hoje, quando se licencia uma vacina, ela já foi alvo de muitos estudos e pesquisas, que garantem a qualidade daquele produto em termos de eficácia e em termos de segurança também”, explica o especialista. HPV Entre tantos exemplos de vacinas, citamos a do vírus HPV, que tem sua transmissão relacionada ao início da vida sexual. Hoje, a vacina tem sido aplicada em meninas que ainda nem chegaram à adolescência e ainda são inativas sexualmente. “É uma vacina que demonstrou alta eficácia para a prevenção dessa infecção quando aplicada antes do início da vida sexual. Como é profilática, se administrá-la depois que já houve o contato com o vírus, a eficácia não é a mesma, será menor”, adverte Sáfadi. Embora especialistas defendam que a alta eficácia das vacinas ocorra de acordo com o tempo de prevenção, a questão tem gerado temor por uma parte da sociedade, já que podem causar efeitos colaterais indesejáveis, principalmente a uma criança ainda em fase de desenvolvimento. Causas e efeitos Em comparação com casos de grandes epidemias do passado, vê-se uma geração bastante saudável hoje, pois

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houve um controle das doenças nos últimos anos. Segundo o médico, as vacinas têm um papel importante nisso, pois ao controlarem algumas doenças que produziam sequelas, diminuíram um percentual de pessoas que poderiam ter hoje consequências de poliomielite, paralisia, algo mais comum em pessoas acima de 50 anos. Quando se fala em produtos biológicos, não há nenhum totalmente inócuo, pois sempre poderá ocorrer um efeito adverso, que faz parte da história dos medicamentos. E não é diferente com as vacinas, pois a imunologia ativa já causou, desde seu início, espantosos efeitos colaterais, levando a óbito muitos pacientes. “O importante é estudar a vacina e ter certeza de que ela tem um perfil que beneficie um grande percentual dos indivíduos que a recebem, ao custo de um ou outro que infelizmente tem um efeito adverso. Isso faz parte realmente de algumas vacinas e cada vez mais se tenta diminuir a chance desses eventos adversos. Algumas vacinas podem produzir tais eventos, mas em escala ínfima, perto do benefício que elas propiciam”, explica. Porém, há quem diga o contrário, caso de diversos movimentos antivacina, que alegam que são mais prejudiciais ao ser humano do que benéficas, especialmente em crianças. E comparam, através de estudos, que muitas doenças já haviam diminuído suas taxas de prevalência/incidência antes mesmo das campanhas de vacinação. Como exemplo das campanhas, no Reino Unido, espalhou-se o conceito de que a vacina combinada contra sarampo, caxumba e rubéola seria a causa do autismo, doença mundialmente prevalente. Segundo Marco Aurélio, são cada vez maiores o arsenal e a precisão do estudo das vacinas

Yasmim Mauriz Da redação


Vida de residente vida de residente

Enfim, residente O período da residência médica é útil para que o profissional de saúde aprenda a lidar com sentimentos como vulnerabilidade, descubra as limitações diárias da profissão e estabeleça limites éticos para a formação de sua identidade pessoal e profissional

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inda que estressante, a Residência Médica é crucial para a especialização do médico e complementação de sua formação. “O residente é médico com todos os direitos e deveres da profissão, sendo responsável por todos os seus atos, no curso de um programa de residência médica, para os quais responde do ponto de vista ético, científico e educacional”, explica Maria do Patrocínio Tenório Nunes, secretária executiva da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). “Do ponto de vista cível, o residente responde pelos atos praticados – já que também possui registro profissional –, a diferença é que durante a residência os atos praticados por eles são tutorados, acompanhados por um assistente. Em casos de problemas jurídicos, ambos respondem em conjunto, o que deixa o residente, de certa forma, mais protegido”, explica Roosevelt de Sá Kalume, coordenador da Residência Médica em Cirurgia Geral do Hospital Regional do Vale do Paraíba. A passagem de aluno, sem autonomia, para médico, com autonomia e responsabilidade em condutas, gera dificuldades sobre como enfrentar dúvidas com relação à realização de procedimentos. “Mas é importante perceber a relação quase diária com a morte e seus estágios evolutivos, compreender que ela faz parte da medicina e que existem casos que, infelizmente, não têm reversão”, afirma Bruno Dal Sasso Begliomini, 28 anos, no segundo ano de residência em Cirurgia Geral do Hospital Regional do Vale do Paraíba. Máspoli de Souza Filho, 27 anos, residente do segundo ano de Neurocirurgia, confirma que há uma apreensão natural ao se tornar residente. “É muito conflituosa a passagem. O residente faz evoluções médicas e responde pelas intercorrências. No início, sente-se isolado, com medo de cometer erros e prejudicar algum paciente, no entanto só o tempo traz amadurecimento e experiência. Nesses momentos, é necessário um dos residentes mais graduados ou do seu preceptor para orientá-lo”, afirma o médico, que já passou por situações de estresse. “Logo no meu primeiro plantão, enfrentei uma parada cardiorrespiratória. Jamais tinha conduzido um PCR sozinho na enfermaria. No início, batem o nervosismo e o estresse, mas conhecia as condutas e pude também contar com o apoio da equipe de emergência na manobra de ressuscitação.”

Erro médico De acordo com a CNRM, quando é denunciado um erro, este é apurado por comissões sindicantes, como a Comissão de Ética Médica da instituição onde ocorreu o fato e pelos Conselhos de Medicina. Na sequência, pode ainda ser apurado nas varas cível e penal. “A medicina não é uma profissão de resultados. Assim, algumas vezes se confundem resultados insatisfatórios, efeitos colaterais e eventos adversos com erro médico”, diz Maria do Patrocínio. Na esfera ética, o médico pode ser absolvido ou condenado a penas que variam de advertência confidencial a suspensão definitiva da licença profissional. Na vara cível, pode receber como penalidade o pagamento de indenizações, e, na penal, corre o risco de detenção. Nas instituições de ensino com programa de residência médica, o residente pode ainda receber penalizações na esfera administrativa educacional, de acordo com o regimento interno da instituição. “Para receber uma punição, deve-se seguir todo o rito do processo administrativo, garantindo à denunciante e ao denunciado o amplo direito de manifestações e apresentações de provas. Ninguém pode ser sumariamente julgado sem direito a ampla defesa, o que é contraditório, em benefício da verdade como próprio estado de direito”, afirma a secretária executiva do CNRM. Há várias leis que regulamentam os direitos e deveres dos residentes, como a Constituição Federal, os Códigos do Judiciário, o Código de Ética Médica, as evidências científicas, os regimentos das Comissões de Residência Médica, os regulamentos das instituições, os projetos de programas de Residência Médica e o Código de Ética Médica. “A rotina de um hospital é acompanhada pelo acadêmico desde o internato. Portanto, ele já se encontra familiarizado com os procedimentos. Na verdade, não é um ‘susto’ e, sim, uma mudança. Antes ele acompanhava os procedimentos, agora, como médico, passa a realizá-los”, conclui Ana Cláudia Aragão Delage, coordenadora da Residência Médica em Anestesiologia do Hospital Regional do Vale do Paraíba.

Paula Maria Prado Da redação

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ÚTIL E AGRADÁVEL ÚTIL E AGRADÁVEL

Descanso da rotina

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Eventos médicos aliam atualização profissional e lazer

evido a uma rotina de trabalho agitada, conciliar agenda e atualização profissional é um desafio para os médicos. Programar um período apenas para férias, muitas vezes, se torna algo impossível. Para suprir essa necessidade, inúmeros eventos médicos são realizados ao longo do ano em território nacional e internacional. Diante disso, unir capacitação e lazer tem se tornado uma opção apropriada. De acordo com a resolução de 2010 do Conselho Federal de Medicina, o Brasil possui 53 especialidades reconhecidas e cerca de 460 associações. A área médica é uma das que mais realiza congressos, feiras, seminários e fóruns, segundo explica a empresária e presidente da Associação Brasileira de Eventos (ABEOC) de Santa Catarina, Anita Pires. “O número de eventos médicos vem crescendo no país, em 2009 foram realizados 432 e, no ano seguinte, 523. Em 2011, a expectativa é que aconteçam 600.” A vasta oferta, quando não bem aproveitada, pode ser um fator negativo para o profissional que precisa se desenvolver em uma especialidade. É preciso ater-se ao calendário que as entidades divulgam anualmente, o que facilita conciliar as datas dos eventos e dos compromissos. Trabalho e lazer

A participação em congressos proporciona ao profissional, além do conhecimento, ótimas oportunidades de networking e possibilidades de lazer e turismo, levando esse tipo de evento a ser procurado em ampla escala. Os médicos que frequentam um congresso buscam, em primeiro lugar, excelência na programação científica. Porém, ganhar tempo livre para o descanso é um ponto a favor. “Ausentar-se do local de trabalho para investir na capacitação implica que o profissional liberal não obtenha seus honorários durante esse período. Desta forma, se a programação científica lhe proporcionar algum período livre para momentos de lazer com colegas ou com a família, isso será mais um fator motivador de sua anuência”, diz a diretora da Praxis Feiras e Congressos e membro do Conselho Fiscal da ABEOC Nacional, Lucia Camargo. No Brasil, a Lei Geral do Turismo nº 11.771 estabelece regras para o exercício da organização de eventos. Mas, para que o investimento seja feito com segurança, é válido procurar informações previamente. “Pesquisar as empresas, ver seu histórico de prestação de serviços, a situação legal da

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empresa, se possui Cadastur e está associada à ABEOC e ao C&VB, é fundamental”, diz Anita. Com o objetivo de oferecer boas oportunidades, as empresas organizadoras trabalham em parceria com agências de turismo e possuem critérios rigorosos na escolha do local do evento. Tanto a rede hoteleira como a infraestrutura dos centros de eventos, a acessibilidade e as atrações turísticas são levadas em consideração. Por esse motivo, os congressos são realizados em cidades com atrativos naturais, culturais e econômicos. Aliar um pacote de viagem ao período de desenvolvimento científico é uma ótima escolha para quem não possui muito tempo disponível. De acordo com o diretor da agência de viagem GV Tur, Marcio Celso, a oportunidade de conhecer a cidade onde o evento é realizado não deve ser desperdiçada. “A dica é a oportunidade para o lazer também, antes ou depois do evento. A gente sempre tenta mostrar ao profissional que é interessante ele ir com a família e se juntar a ela nos momentos de lazer, ainda que por poucos dias.” Dicas para evitar transtornos durante a viagem 1. Nunca viaje sem a cobertura de um cartão de assistência (seguro-viagem). Você só vai saber o quanto ele é indispensável se precisar. 2. Dê preferência aos traslados adquiridos no pacote para evitar taxistas não credenciados e tabelas não oficiais. 3. Não deixe de etiquetar a sua bagagem. É bom colocar identificação também dentro da mala. 4. Para uma pronta identificação visual da sua bagagem, personalize-a e guarde bem a marca e o modelo. 5. Leve sempre uma muda de roupa na bagagem de mão. Caso sua bagagem extravie, você terá o que vestir. Da mesma forma, se viajar acompanhado divida as roupas nas duas bagagens. Assim, se uma das malas extraviar, o transtorno não será tão grande. 6. Se a bagagem sumir, não saia do aeroporto antes de preencher o formulário de reclamação de bagagem no balcão da empresa aérea. E, se tiver seguro, avise imediatamente à seguradora. 7. Viaje sempre com roupas e calçados leves e confortáveis. 8. As autoridades recomendam alguns cuidados durante o voo: alimentos leves, muito líquido e pouco álcool e caminhada pelo avião pelo menos a cada duas horas. 9. Confirme sempre o voo de volta assim que desembarcar no destino, no aeroporto ainda, de preferência. 10. Quando solicitar a reserva de sua viagem, lembre-se de pedir a dieta a que está sujeito e o atendimento especial a que têm direito as gestantes, crianças desacompanhadas, idosos e pessoas com dificuldade de locomoção. Fonte: GV Tur

Pamella Indaiá Da redação


bastidores bastidores

Staff de emergência Como é montada a estrutura médica de suporte nos grandes eventos

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esta, esporte, peregrinação. Não importa o tipo de evento, um grande número de pessoas reunidas precisa de um suporte médico com estrutura própria apto a prestar atendimento às mais diversas ocorrências de saúde. Em eventos como jogos de futebol, utiliza-se o Estatuto do Torcedor (sobre a Lei 10.671/2003), que obriga, a cada 10 mil torcedores, a presença de um médico, dois enfermeiros e uma ambulância de plantão. No entanto, engana-se quem acha que os bombeiros são parte dessa equipe presente no estádio. Segundo Capitão Crespo, responsável pela seção de operações do Corpo de Bombeiros de São Paulo, não é possível deixar a população sem apoio e deslocar oficiais para um evento; portanto, os bombeiros só entram em cena no caso de acidentes graves. Existe plantão em um local próximo, que é chamado quando necessário. A contratação de empresas especializadas na cobertura médica de eventos é responsabilidade dos organizadores destes. “É isso que acontece, por exemplo, na Fórmula 1”, diz Capitão Crespo. “Existe uma equipe interna particular, e, quando acontece algum acidente grave, em que nossa intervenção é necessária, entramos na pista junto da equipe de salvamento”, completa. Uma situação complexa é a de socorristas responsáveis por grandes shows, como o do ex-beatle Paul McCartney, que reuniu, aproximadamente, 50 mil pessoas em Porto Alegre. De acordo com Dr. Marco Schitz, coordenador médico do SOS Emergências Médicas da Unimed Porto Alegre, foi montada uma grande estrutura para atender ao evento. “Uma parte muito importante nesse tipo de atendimento, e que ninguém se dá conta, é a logística envolvida”. Ainda segundo ele, foi montada uma central de atendimento que tinha por objetivo controlar as viaturas e as equipes soltas no estádio, por meio de rastreamento de GPS via celular. “Essa parte logística é algo novo que temos usado há pouco tempo e é extremamente importante. Afinal, as equipes devem chegar rapidamente nas possíveis vítimas”, completa. No show, segundo dados fornecidos pelo coordenador, o atendimento contou com mais de 50 pessoas entre médicos e profissionais de enfermagem – com uma equipe disponível especialmente para o cantor e a banda. Foram montados quatro ambulatórios dentro do estádio e equipes volantes foram posicionadas nas arquibancadas munidas

de equipamentos, sistema de comunicação e direcionador automático. “A maior parte dos atendimentos nos grandes eventos é de pessoas que passam mal com problemas de pressão entre outros todo tipos de mal estar. Em segundo lugar, aparecem vítimas de traumas e contusões. Depende, na verdade, do tipo de evento.” No Carnaval carioca, por exemplo, normalmente os casos atendidos são de tombos, cortes e abuso de bebidas alcoólicas. Segundo Fernanda Ferraz, coordenadora de Promoções e Eventos da Unimed Rio, o trabalho é realizado em conjunto com o Corpo de Bombeiros e com a Secretaria Municipal de Saúde. “O trabalho no atendimento ao público em geral está muito mais voltado para o atendimento pré-hospitalar e a remoção da vítima para um dos hospitais previamente listados como de retaguarda”. Ela frisa que os cuidados tomados são exatamente os mesmos em qualquer atendimento médico, seja em ambiente externo ou interno. “A estrutura disponibilizada para o atendimento pré-hospitalar está capacitada para salvar a vida e mantê-la até a chegada a um hospital.” Peregrinação e fé Outra realidade pode ser encontrada durante o Círio de Nazaré, que acontece anualmente, em Belém. Com a presença de, aproximadamente, 2 milhões de pessoas por edição, a organização do Círio conta com a ajuda de 12 mil profissionais da área de saúde que trabalham como voluntários, sendo que cerca de 10 mil são disponibilizados pela Cruz Vermelha. O trajeto de 4 km percorridos pela população também é acompanhado por ambulâncias. Segundo Flávio Américo, diretor secretário do Círio, o planejamento da estrutura médica é feito junto a Cruz Vermelha, Marinha, Aeronáutica e Exército. “São feitas reuniões e todas as instituições participam em conjunto”, diz. “Nós temos uma preocupação especial com a saúde dos ‘promesseiros’.” Segundo relatório da Cruz Vermelha Brasileira, filial do Pará, de 1.494 ocorrências no Círio de 2010, 451 foram ocasionadas por desmaios, seguidas de 345 aferições de pressão arterial, 170 casos de insolação e 138 de mal-estar. Paula Maria Prado Andressa Schpallir Da redação

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MEDICIN @ MEDICIN @

Publicidade e medicina na internet Profissionais da área devem considerar as normas que regem a comunicação médica

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acesso a todo tipo de informação, comunicação facilitada e agilidade para atingir um grande número de pessoas, torna a internet um dos meios mais eficientes para divulgação, promoção de trabalhos e serviços. Assim como em qualquer outra profissão, os médicos também estão utilizando essa plataforma para se manterem em contato com seus pacientes e com a população em geral, por intermédio de sites e redes sociais. Para saber o que deve ou não ser feito na web, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) lançou o Manual de Princípios Éticos para Sites de Medicina e Saúde na Internet, com considerações específicas para esse meio. De acordo com a resolução, “as organizações e indivíduos responsáveis pela criação e manutenção dos sites de medicina e saúde devem oferecer conteúdo fidedigno, protegendo a privacidade dos cidadãos e respeitando as normas regulamentadoras do exercício ético profissional da medicina”. A Resolução 1.701 do Conselho Federal de Medicina norteia o uso da propaganda e esclarece questões como autopromoção, sensacionalismo, entre outros assuntos, aprovando a prática da publicidade dentro de critérios éticos. Comunicação Pela facilidade de comunicação gerada pela internet, muitos sites médicos têm adotado seções como esclarecimento de dúvidas, perguntas e respostas, dentre outras, com o intuito de estreitar a relação do profissional com a comunidade. Segundo Lavínio Nilton Camarim, conselheiro do CREMESP e coordenador da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (CODAME), é importante lembrar que o médico não pode esclarecer dúvidas individuais do paciente pela internet, pois isso caracterizaria uma consulta a distância, o que é proibido de acordo com o Código de Ética Médica, artigo 134. “Você pode e deve falar sobre assuntos médicos, tirando dúvidas de uma forma geral para a comunidade, de uma forma educativa para a coletividade.” Ele ainda lembra que o médico não deve colocar, após artigos ou matérias jornalísticas, a indicação de seu consultório ou serviço. “O médico estará fazendo comércio e angariando clientela, e o Código de Ética Médica é muito incisivo em proibir esse tipo de prática”, pondera.

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Sensacionalismo A promessa de cura de doenças para as quais ainda não existe recurso, a divulgação de técnicas e procedimentos sem reconhecimento científico e atitudes que sugiram que o médico está em posição superior aos seus pares, configura sensacionalismo e também é proibido pelo Código de Ética Médica. A autopromoção para angariar clientela, como a divulgação de promoções e facilidades de pagamento também é vetada. “Isso é uma relação médico-paciente. Cabe ao profissional definir as formas de tratamento e as condições de pagamento desse serviço com o seu paciente. O código de ética veta a publicidade disso”, afirma Camarim. Outra estratégia também comum são as fotos de pacientes em situações que mostram “o antes e o depois”. “Isso caracteriza promessa de resultado e nós sabemos que a medicina é uma profissão de meio e não de fim”, explica o conselheiro do CREMESP. Além disso, ele esclarece que ações desse tipo, ou qualquer foto de paciente em site ou publicidade, quebra o sigilo médico, mesmo que com a anuência da própria pessoa. “Nós estamos primeiramente presos ao código de ética que diz que não se pode expor o paciente”, conclui. Se a intenção é criar um site, confira as dicas - Deixe claro se o site é educativo ou tem fins comerciais; - Os nomes dos responsáveis pelo site, mantenedor e patrocinadores devem ser facilmente acessíveis; - Se o site está a serviço de patrocinadores, esclareça quando o conteúdo divulgado tiver intenção publicitária; - Atenção à linguagem: deve ser clara e de fácil entendimento. Produtos e serviços devem ser descritos com clareza e todas as dicas e aconselhamentos embasados cientificamente e prestados por profissionais qualificados; - Os usuários têm direito à privacidade de seus dados; - Não coloque fotos de seus pacientes. Isto constitui quebra de sigilo médico; - Não divulgue valores ou promova facilidades de pagamento para procedimentos e consultas médicas; - Nunca relacione sua imagem e seu nome com quaisquer produtos ou aparelhagens, remédios ou laboratórios.

Paula Maria Prado Andressa Schpallir Da redação


FATOS HISTÓRICOS FATOS HISTÓRICOS

Anestesia

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A busca pelo domínio da dor

eja uma cirurgia estética ou um transplante de órgãos, os procedimentos cirúrgicos fazem parte do arsenal terapêutico e diagnóstico de diversas especialidades médicas atualmente. Mas isso só se tornou possível há menos de dois séculos. Foram vários os desafios que a cirurgia precisou vencer para atingir seu status atual. Talvez o mais emblemático seja a descoberta da anestesia. O caminho para a vitória sobre a dor é um dos capítulos mais fascinantes da história da medicina. Inicialmente, a dor era considerada um detalhe inerente a todo procedimento cirúrgico. Métodos puramente físicos como pressão e gelo, ou o uso de bebidas alcoólicas eram medidas meramente paliativas oferecidas a quem necessitasse da extração de um dente ou da amputação de um membro gangrenado. E, talvez pelo grande número de pessoas que precisassem de tratamento dentário já em meados do século XIX, foram os dentistas os pioneiros na busca de substâncias que pudessem combater a dor em seus procedimentos. Em 1844, o dentista Horace Wells (1815-1848), animado com os efeitos do óxido nitroso, o “gás hilariante”, acreditou ter descoberto uma maneira de extrair um dente sem que o paciente sentisse dor. Wells foi convidado a demonstrar sua “descoberta” em janeiro de 1845, no Hospital Geral de Massachusetts, perante o famoso cirurgião John Collins Warren. Infelizmente sua demonstração não obteve o sucesso esperado e acabou com gritos de dor do paciente e manifestações ofensivas e jocosas das pessoas presentes. Felizmente houve um amigo de Wells, William Thomas Green Morton (1819-1868), que não se deixou abater pelo insucesso do colega. Porém, ao contrário de Wells, Morton estudou os efeitos do éter e concluiu que era possível obter o grau de insensibilidade necessário, além de um efeito rapidamente reversível. Em 16 de outubro (hoje comemorado como o dia do anestesista) de 1846, Morton compareceu a mesma sala de cirurgia do Hospital Geral de Massachusetts onde as pessoas riram de Wells no ano anterior. Perante o mesmo Warren e com 15 minutos de atraso, Morton estava diante de Edward Gilbert Abbott, paciente de 21 anos com um tumor em uma glândula submaxilar.

Morton pediu a Abbott que respirasse através de uma máscara de vidro a solução com éter. Em pouco tempo, o paciente estava adormecido. Warren tomou o bisturi e iniciou a cirurgia. Para surpresa de todos, o paciente não manifestou um grito sequer de dor ou sofrimento. Warren retirou o tumor, realizou as ligaduras hemostáticas e fez a limpeza do local. E tudo continuava no mais profundo silêncio. Conforme está escrito no livro “O século dos cirurgiões”, “Warren (...) estava mais pálido que de costume e o trejeito sarcástico desaparecera-lhe dos lábios (...) – Isto – pronunciou afinal o grande cirurgião – não é nenhum embuste! (...) Warren, o homem avesso a toda manifestação de sentimento, chorava.” Com isso, pela primeira vez cirurgia e dor deixaram de ser sinônimos. Para muitos, a era da Cirurgia Moderna se iniciou em Boston, naquela manhã de 1846.

Warren extirpando o tumor da glândula submaxilar de Abbot. Observe, atrás do paciente, Morton com seu reservatório de éter. Essa figura simboliza a primeira cirurgia com anestesia da história da medicina Referências: Gordon, R. A assustadora história da medicina. 9a ed. Ediouro, 1997; Thorwald, J. O século dos cirurgiões. 1a ed. Hemus, 2002; www.wikipedia.org

Eduardo Bertolli Cirurgião pela PUC-SP e Cirurgião Oncológico pelo Hospital do Câncer A. C. Camargo

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CULTURA CULTURA

Suspense na medicina Quando a experiência vai da prática às páginas em branco

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ão vários os exemplos de médicos que se dedicam paralelamente à literatura. Tanto que no Brasil existe a Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES) desde 1965. Entre os mais conhecidos no cenário nacional, estão Moacyr Scliar e Drauzio Varella. Também são vários os estilos literários. Contos, crônicas e poesias figuram como os mais habituais. Há também os que se dedicam a escrever sobre a história da medicina e do pensamento médico. Mas nem todos os médicos escritores caminham por assuntos suaves. Assassinatos, conspirações, intrigas e outros ingredientes dignos de roteiros de cinema também fazem parte das criações literárias dos discípulos de Hipócrates. O americano e oftalmologista Robin Cook é considerado por muitos como o criador do gênero “thriller médico”. Seus livros inovaram ao combinar as narrativas rápidas dos títulos de suspense policial com assuntos de medicina, saúde pública e bioética. A maioria de seus protagonistas são médicos que deparam com situações inusitadas como mortes em série, quebra de informações sigilosas e brigas internas por poder. Segundo as biografias do autor, Cook foi médico da marinha norte-americana entre as décadas de 1960 e 1970. Foi nesse período que ele começou a escrever. Seu primeiro livro, “Coma”, foi lançado em 1977. Atingiu rapidamente a lista dos mais vendidos nos Estados Unidos e foi adaptado para o cinema, em filme dirigido pelo também médico e escritor Michael Crichton e estrelado por Michael Douglas. Além dos livros de suspense, Robin Cook também tem títulos de ficção científica, como “Cromossomo 6” e “Abduzidos”. No total, estima-se que seus livros já tenham vendido mais de 100 milhões de cópias em todo o mundo. Michael Crichton passou bastante tempo na intersecção medicina – literatura – cinema. É autor do romance “Jurassic

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Park”, levado às telas por Steven Spielberg, e criador da série de TV “ER”, uma das primeiras a retratar a vida dentro de um pronto-socorro. Crichton também escreveu sobre assuntos fora da medicina. O suspense “Estado de Medo” discute o aquecimento global e questiona sobre o que há de real e o que é mera especulação nesse assunto. Michael Crichton faleceu em novembro de 2008, vítima de um linfoma. Em 2009, o livro “Pirate Latitudes” foi lançado nos Estados Unidos como obra póstuma do autor. Entre as mulheres, a anestesista Tess Gerritsen faz parte de uma nova geração de médicos-roteiristas. Seu primeiro thriller, “Harvest”, foi lançado em 1996 nos Estados Unidos. No Brasil, seu primeiro livro a fazer sucesso foi “O Cirurgião”, que narra a história de um serial killer perseguido por uma policial em busca de autoafirmação. Essa personagem, Jane Rizzoli, se tornou a protagonista de outros suspenses da autora, como “O Aprendiz” e “O Pecador”, onde ganhou a companhia da médica patologista Maura Isles e a sequência da parceria em outros livros. Atualmente, existe a série de TV “Rizzoli & Isles”, baseada nos livros de Tess Gerritsen e exibida no Brasil pela TV a cabo. Hoje, Tess dedica-se exclusivamente à literatura. Para quem quer conhecer esses autores, qualquer um dos livros citados é um excelente começo. Entretanto, é bom estar preparado: depois de começar a lê-los, há uma grande chance de você não conseguir parar até terminá-lo. Boa leitura! Referências: www.wikipedia.com, www.tessgerritsen.com

Eduardo Bertolli Cirurgião pela PUC-SP e Cirurgião Oncológico pelo Hospital do Câncer A. C. Camargo


CURIOSIDADES CURIOSIDADES

Detalhes históricos e mitos colocados à prova Michael Jackson: quais eram as suas doenças? A morte do cantor Michael Jackson, em 25 de junho de 2009, trouxe à tona detalhes sobre a sua saúde frágil. O ídolo pop era conhecido não só por sua música, mas também por suas esquisitas manias, que sugeriam problemas não só de ordem física. Segundo o relatório da necropsia obtido e divulgado pela Associated Press, Jackson tinha cicatrizes no rosto, resultado de suas cirurgias plásticas e tatuagens sobre as sobrancelhas e os lábios. No entanto, o laudo afirma que o cantor era aparentemente saudável, pesando 61 quilos e tendo 1,75m de altura. Ainda de acordo com o documento, Jackson estava ficando careca, sofria de uma doença de pele que reduzia a sua pigmentação, deixando nela manchas brancas, e tinha artrite na coluna. Seus órgãos pareciam normais, com exceção dos pulmões que estavam inflamados. Nos ossos das mãos, também foi detectada osteoartrite. Especulações Ainda que nunca foram efetivamente confirmadas, Jackson pode ter sofrido com doenças como: Câncer - Em março de 2009, o cantor teria se internado no centro médico Cedars-Sinai, em Los Angeles, para remoção de células cancerígenas no peito e no nariz. Vitiligo - Jackson revelou, em uma entrevista a Oprah Winfrey, em 1993, que sofria da doença. Para deixar a pele mais uniforme, o cantor teria feito um tratamento para a despigmentação total da pele.

Onde surgiu a residência médica? Foi criada pelo médico cirurgião William Halsted, do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, em 1889. Na época, Halsted observou que o treinamento dos médicos era feito à custa de erros e acertos que, muitas vezes, culminavam com a morte do paciente. No Brasil, embora haja residentes desde a década de 1940, implantados no então recém-fundado hospital da Universidade de São Paulo e no hospital dos Servidores do Rio de Janeiro, apenas em 1977 a residência médica foi instituída no país, pelo decreto nº 80.281, que criou a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). Junto, foram criadas diretrizes e normas para o funcionamento, como a lei

Síndrome dolorosa - Durante os ensaios para a turnê This Is It, o cantor fraturou uma vértebra e uma perna, fato incomum na idade dele. Além disso, o cantor fazia uso do relaxante muscular Soma, o que indicaria a existência de um problema físico. Hipocondria - Jackson era constantemente visto em hospitais e possuía uma equipe particular de médicos. Isso explicaria o uso da máscara cirúrgica, fruto de um Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), e que poderia estar associada ao medo de contaminação. Dismorfofobia - Caracterizada pela excessiva preocupação com a aparência. Pode ser a explicação para o grande número de cirurgias plásticas realizadas por Jackson. Lúpus - Um dos médicos do ídolo pop, Deepak Chopra, sugeriu que ele tivesse a doença desde a década de 1980. Michael Jackson fazia ainda uso de medicamentos como os analgésicos Demerol, OxyContin, Vicodin e Dilaudid, os anestésicos Diprivan, Lidocaine e Propofol, e os antidepressivos e calmantes Valium, Xanax, Zoloft, Vistaril e Paxil. Sua morte foi causada pelo anestésico Propofol, aplicado pelo médico particular do cantor, Conrad Murray, acusado de homicídio culposo. Logo após a aplicação do medicamento, o cantor teve uma parada cardiorrespiratória e veio a óbito. Fontes: Sites da Veja, da Folha de S.Paulo, do Estado de São Paulo, da Associated Press e da Rolling Stones e do Portal G1

nº 6.932, de 1981, que contribuiu para a definição e para disposições sobre as atividades do médico residente. Em 1997, foram criadas as Comissões Estaduais de Residência Médica, com o objetivo de descentralizar o trabalho do CNRM. O que também estimulou a criação de novos programas de residência médica nos estados. Atualmente, mais de 90% dos médicos que se formam a cada ano buscam uma vaga na residência. No entanto, ainda que sejam oficializadas também pelo Ministério da Educação, as vagas para residentes não são acessíveis a todos os formandos, já que o número de profissionais que vão para o mercado é maior que a quantidade de vagas oferecidas pelos programas. Fontes: Sites da Associação Brasileira de Psiquiatria e Med On-line e o livro “A Formação do Médico”, Irany Novah Moraes (1997), Ed. Roca

Paula Maria Prado Da redação MedAtual

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VERDADES E MITOS VERDADES E MITOS

1 - A calvície é genética. Verdade. A alopecia androgenética ou calvície, como é chamada popularmente, é determinada pela genética do indivíduo em combinação com os hormônios masculinos. A presença de receptores androgênicos herdados na raiz dos cabelos, ao se ligarem com a fração de diidrotestosterona (DHT) do hormônio testosterona, promove a atrofia da raiz (afinamento e miniaturização dos fios) e a perda definitiva do cabelo. A calvície atinge 80% dos homens e cerca de 30% das mulheres. Quanto mais precoce, mais severo é o quadro. O uso frequente de gorros, toucas ou bonés aumenta a calvície, pois deixa a cabeça abafada, favorecendo o desenvolvimento de fungos, que desencadeiam a dermatite seborreica que leva ao desenvolvimento da oleosidade capilar. Por outro lado, o uso de gel ou cremes capilares não induz à calvície, assim como lavá-los diariamente não é prejudicial. João Carlos Pereira, Dermatologista

2 - Canja de galinha é tratamento para a gripe. Verdade. Já foi evidenciado por estudos científicos que

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3 - Ovo de codorna e amendoim são alimentos afrodisíacos. Mito. Embora os poderes afrodisíacos dos alimentos não sejam comprovados cientificamente e as pesquisas apontem como responsáveis por esse efeito a autossugestão, o pensamento que conduz à fantasia que desperta a excitação e o bem-estar e sensações agradáveis que os envolvem, é fato que certos alimentos são fontes de nutrientes, que podem estar diretamente relacionados com uma função sexual específica. Em relação aos ovos de codorna, são fontes de proteínas, com quantidades consideráveis de vitamina B1 e B2, além de cálcio, ferro e fósforo. Não há, porém, qualquer evidência científica que comprove seu efeito afrodisíaco. Tal mito pode residir no fato de a ave copular várias vezes, em um intervalo de tempo reduzido e, daí, associar-se “o bom desempenho sexual” ao consumo de seus ovos. Quanto ao amendoim, também não dispomos de pesquisas que atribuam a esse alimento qualquer efeito em particular, mas, em se tratando de uma oleaginosa, podemos dizer que é um alimento energético rico em vitamina B3. Essa vitamina, em grandes doses, promove maior dilatação dos vasos sanguíneos, o que poderia suscitar a associação desse efeito ao incremento do “vigor sexual”. Letizia Nuzzo, Nutricionista

líquidos quentes parecem facilitar a expectoração de mucos presentes nos processos inflamatórios das vias aéreas superiores, muito provavelmente pela inalação dos vapores através das narinas. Esse efeito também se deveria ao aumento do movimento dos cílios do aparelho respiratório em função da temperatura, que propiciaria a eliminação do muco. Estudos feitos por cientistas brasileiros e americanos demonstraram que a canja tem um componente diferencial em relação às outras sopas: o aminoácido cisteína. Tal aminoácido tem a propriedade de agir sobre o muco, tornando-o mais fluido, o que facilita, consequentemente, a sua eliminação. Outros estudos apontam também para a existência de compostos anti-inflamatórios na canja que aliviam o malestar causado pelos processos inflamatórios virais, como no caso das gripes.

Verdade. Existem poucos estudos que investigam o efeito de um breve cochilo na consolidação de memórias declarativas – as que envolvem fatos e eventos. A maioria desses estudos descreve um melhor desempenho após o sono, quando comparado com a vigília, mostrando melhoras na eficiência de 4 a 46% na memória para pareamento de palavras após uma sesta. Do ponto de vista psicológico, cochilar depois das refeições é positivo. Além de privilegiar o descanso físico, as propriedades antiestresse garantem a calma, a concentração, o foco e a atenção durante os treinamentos. Vários estudos sugerem ainda que um cochilo possa ajudar uma pessoa a se lembrar do que acabou de aprender, mas ela precisa de períodos mais longos, com os olhos fechados, para extrair o pleno potencial do sono.

Letizia Nuzzo, Nutricionista

Márcia Gonçalves, Psiquiatra

MedAtual

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4 - Dormir depois do almoço melhora o desempenho cognitivo.


CRÔNICA CRÔNICA

A pizza Vinicius de Moraes, um dos meus poetas preferidos (bom gosto musical herdado de meu pai), proferiu, em um de seus infinitos momentos de sabedoria: “O whisky é o cachorro engarrafado”, referindo-se ao melhor amigo do homem. Pois respeitosamente recrio essa frase e a transporto para a realidade dos plantões médicos: “A pizza é o cachorro recém-saído do forno à lenha, com borda de catupiry!” Refiro-me à pizza com tal reverência por ser a melhor parte do plantão para a grande maioria dos cirurgiões. Hora de quebrar a rotina incessante de queixas de enfermos impacientes, de reunir os colegas, de falar mal dos ausentes (coisa chata é falar mal de quem está presente, a pessoa fica chateada, de mal com você), de falar dos(das) consortes dos presentes e ausentes, entreveros do dia a dia, enfim, atualizar o bate-papo. A pizza também é a grande companheira do alvorecer, bem gelada, juntamente com aquela indefectível coca-cola com pouquíssimo gás e invariavelmente mais quente que a referida pizza. Falta grave é comê-la sem a devida permissão dos interessados, parece que o ciclo do plantão não se fechou, restando uma pequena mágoa a ser carregada durante uma semana, até o próximo plantão. Se você achou dramático o parágrafo acima, você não conheceu Marconi. Marconi era o plantonista que ficava com o plantão de cirurgia de Abel no domingo pela manhã. Ele não era necessariamente gordo, podemos dizer que ele era baixo (se tivesse 2,13 metros de altura, estaria proporcional ao seu peso). Outra característica explícita de sua personalidade era a cara de pau, pois, sempre que ele chegava mais cedo ao plantão, todos os mínimos resquícios de pizza da véspera desapareciam misteriosamente, bem como a já referida coca-cola. Você pode estar achando tudo isso muito mesquinho, negar míseros restos de massa e refrigerante ao nosso robusto colega de profissão. O problema em questão não era ele comer o café da manhã dos colegas, e sim negar descaradamente que o tinha feito todos os domingos, ainda com um derradeiro pedaço de rúcula entre os dentes! Um belo dia, a paciência dos colegas chegou ao fim, e estes resolveram testar a sinceridade de Marconi. Abel iria fazer o que nós médicos chamamos de 24 horas invertido – começaria o plantão às 19 horas do sábado e terminaria às 19 horas do domingo. Logo, teria 12 horas de convivência com o nosso pizzopata. Tempo suficiente para observar o seu comportamento após o presente matinal que seria preparado para ele. Na referida noite de sábado, foi pedida uma pizza a mais, de forma que sobrou quase uma pizza inteira para o café da manhã. Então, com toda a sua destreza cirúrgica, Abel e seus colegas plantonistas desmontaram a redonda e colocaram alguns gramas de Dulcolax (um laxante bastante eficaz) sob a mussarela. Após a remontagem, ficou imperceptível a pequena alteração de conteúdo da tão aclamada massa. Eles não sabiam se aquilo iria alterar muito o sabor da pizza, mas também nenhum deles foi voluntário para a degustação. Para garantir um melhor efeito da iguaria, colocaram um pouco de Manitol na coca-cola (outro laxativo, mais forte que o Dulcolax). Dormiram quando não havia mais nada a ser feito no plantão.

Sete horas da manhã! Abel despertou sonolento, pensando que realmente fazer 24 horas invertidas de plantão não era uma boa ideia. Lavou o rosto, escovou os dentes e foi até a geladeira. Surpresa! A pizza sumiu inteira! Nem a tampa sobrou. — Hoje descobrimos a verdade — pensou Abel. Foi conversar com Marconi. — Bom dia, velho, bem alimentado? — Fala aí, Abel, tudo bem? — A pizza tava boa? — Poxa, velho, já falei que não sou eu que como a pizza de vocês! Por sinal, acho isso muita sacanagem! — Tranquilo, então. Vamos trabalhar. Lá pelas nove horas da manhã, chegou um paciente de 19 anos, magro, com dor abdominal havia pelo menos 18 horas. Pelo exame físico não houve dúvida, era uma apendicite. Solicitaram um hemograma e indicaram a cirurgia. Nesse meio tempo, Abel observava Marconi, que trabalhava tranquilamente, sem nenhuma queixa abdominal. — Questão de tempo — confabulou com Alessandro, o terceiro plantonista de cirurgia. Até chegar o hemograma e vagar uma sala no centro cirúrgico, já eram duas horas da tarde. Abel e Marconi se escovavam para iniciar a cirurgia. A essa altura, Abel se remoía de culpa — Meu, não foi o Marconi, tem alguém por aí passando mal no lugar dele — pensou. Após a cirurgia, iria pedir desculpas pela desconfiança e contar da armação. Paciente anestesiado, campos cirúrgicos colocados, Marconi de bisturi na mão, Abel se sentindo um lixo de primeiro e único auxiliar. Tudo pronto para a cirurgia. Então, a revelação: — Huuuuuuuuu!!!!! — gemeu Marconi, segundos antes de iniciar o procedimento, enquanto uma gota de suor escorria furtiva de sua fronte. — Que foi, meu irmão? — Tô com uma cólica f*d!d@! Que p8rr@ é essa? — e largou o bisturi na mesa e correu para o banheiro. Abel teve de chamar Alessandro para ajudar na cirurgia, que transcorreu tranquilamente em uma hora. Foram ao encontro do colega. A diarreia veio explosiva e incessante! Tiveram de deixar Marconi preso a um soro para hidratação associado a antiespasmódicos para diminuírem as cólicas, que eram fortes e constantes. — Erramos a mão — disse Abel para Alessandro. Pior para os dois, que passaram até as 18 horas trabalhando em dupla o que era para ser feito em três. Marconi sobreviveu! Conseguiu levar bem o plantão a partir das sete da noite. Ficou sabendo tempos mais tarde da armação, mas não ficou bravo. Afinal, uma brincadeira de mau gosto desse tipo só pode ser feita com um bom amigo. Uma coisa ficou de lição: o café da manhã dos plantonistas foi tratado com maior respeito, e nosso robusto personagem começou um regime rigoroso, escolhendo melhor a procedência dos seus alimentos.

Antonio Bomfim Marçal Avertano Rocha Cirurgião Oncológico do Hospital Saúde da Mulher – Belém, PA

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