revista MACAU 26

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ostuma dizer-se de certos lugares que são o resumo de uma coisa maior. Como de Singapura, que é um resumo muito arrumadinho da Ásia – com chineses, indianos, árabes e toda a mestiçagem. Pois bem: a cara de António Conceição Júnior, 60 anos, é um resumo de Macau. Pelo menos de uma certa Macau de muitos sangues cruzados, de muitas gentes diferentes. E ao mesmo tempo, quando o encaramos nesta sala de paredes “monasticamente brancas” da casa que habita na Avenida da Amizade, temos a certeza de que este homem não podia ser de outra parte senão daqui. António Conceição Júnior, autor de banda desenhada. Artista plástico. Criador de moda. Professor. Consultor de arte. Praticante de Aikido. Presidente do Sporting de Macau. Marido. Pai. Este homem nascido em Macau em 1951 trazia as artes e as letras no ADN. Hoje, olhar para o seu percurso é como espreitar um caleidoscópio. “Há uma carga, no sentido positivo do termo, que nunca utilizei e que é a de ter uma mãe que foi a primeira escritora de Macau.” Deolinda da Conceição, a mãe jornalista e escritora, teve uma vida cheia. De Conceição Júnior, o filho, pode dizer-se o mesmo. António era ainda um catraio quando deixou o território para rumar a Portugal. “As minhas raízes são naturalmente de Macau, mas embora me defina com muito orgulho macaense saí muito cedo daqui, para um colégio interno, talvez porque instintivamente me tivesse sentido a asfixiar em Macau.” Conceição Júnior fala devagar mas o raciocínio acelera e às vezes o fio da conversa extravia-se. Ele diz que foi do pai, também António Conceição, que herdou os jeitos da divagação. Pedimos-lhe que recorde e recordar significa ir muito atrás, ao colégio no Estoril onde foi colega de ilustres como o banqueiro Fernando Ulrich, na década de 60, e mais atrás ainda, quando com cinco anos viajou pela primeira vez a Portugal com os pais. Pouco depois do regresso, Deolinda da Conceição morre e é a tia, professora primária e locutora de rádio, que passa a tomar conta do pequeno Conceição. A ida para Portugal, com uma dúzia de anos, é decisiva. “A partir daí começou uma vida de pingue-pongue, três anos cá, três anos lá. Interrompi o curso [de Belas-Artes] para vir fazer a tropa a Macau, estive cá três anos e depois voltei

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para acabar”, lembra. Cada vez que trocava a Ásia pelo rectângulo europeu, ou vice-versa, António Conceição Júnior sentia-se a crescer. “Quando cheguei à estabilidade de voltar a Macau em 1977 senti que mesmo aos 26 anos já sabia o que queria. Já tinha feito uma banda desenhada em Portugal, que tinha sido publicada, já tinha cumprido alguns dos meus sonhos inimagináveis.” Mas vamos mais devagar. O curso na Faculdade de Belas-Artes, em Lisboa, no qual ingressa aos 18 anos, vai também moldar a vida deste macaense. Conceição Júnior era então um rapaz de preto, sempre vestido de preto e de braços abertos. Como? Sim, de braços muito abertos. “Andava com as mãos assim [afasta os braços],

revista MACAU · Março 2012


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