revista MACAU 19

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biografia

Junho 2010 | 79

que quando Ricci veio para Macau, Um mundo nunca visto mostrar onde se preparou para a sua missão, trazia

“Matteo Ricci usou os seus conhecimentos para o cultivo de novas plantas para ajudar a população e até para defender a China, com a ajuda dos portugueses de Macau, através da compra de canhões”, numa altura em que se viviam conflitos internos. “Foi uma relação proveitosa para ambos os lados”, entende Artur Wardega.

graças a Matteo Ricci, que teve a ideia de abrir uma igreja na capital Ming.” Foi um “acto heróico”. A ideia – alargada a outras cidades chinesas – “é verdadeiramente singular, excepcional”. GuillénNuñez explica porquê: “Matteo Ricci mudou a ideia de ter um templo de tipo budista, que os jesuítas já tinham nalguns lugares na China e em especial no Japão, adaptando os templos orientais à liturgia católica. Ricci alterou essa noção, quis construir um templo ocidental, com arquitectura da Contra-Reforma, da Renascença europeia.” O investigador acrescenta que, nas cartas que enviava para Roma, Ricci comentou que fez esta mudança “para que os chineses soubessem o que era um templo cristão, porque uma igreja não era igual a um templo chinês”. Estes locais de culto foram destruídos várias vezes por convulsões internas e desastres naturais. “Existem reconstruções de estilo neo-gótico, mas não são as igrejas originais”, refere César Guillén-Nuñez. Ricci morreu sem completar 58 anos, a

Foto: António Mil-Homens

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11 de Maio de 1610. Deixou cinco missões estabelecidas e baptizou mais de setecentas pessoas. As regras da Dinastia Ming ditavam que os estrangeiros que morriam na China tinham de ser enterrados em Macau. Na morte como na vida, Matteo Ricci foi a excepção: o imperador Wanli autorizou que o seu funeral se realizasse em Pequim e ordenou que fosse construído um templo budista para o efeito. Mais tarde, os restos mortais do jesuíta foram transladados para o local onde acabariam por ser sepultados outros missionários. Artur Wardega recorda as palavras de Ricci deixadas aos seus companheiros jesuítas, já no leito da morte: “Deixo-vos, mas deixo-vos com a porta aberta para este grande país e esta grande civilização. Cabe a vós um trabalho árduo para promover o diálogo e promover a prosperidade de ambos os lados.” E é por isso que faz todo o sentido recordar o homem que soube perceber a China, já lá vão 400 anos: a arte de compreender a diferença é um trabalho em progresso.

MATTEO RICCI trouxe da Europa para a China objectos e conhecimentos desconhecidos no Império do Meio. Quatrocentos anos depois, o Instituto Ricci de Macau (MRI, na sigla inglesa) apresenta, em Agosto próximo, obras de arte que o público de Macau poderá ver pela primeira vez no território. A inauguração desta mostra que reúne centena e meia de peças é o momento alto das celebrações do 400º aniversário da morte do padre jesuíta que encantou a China, sendo consequência da colaboração do MRI com o Museu de Arte de Macau e integrada num programa internacional de comemorações, de Ocidente a Oriente. A mostra vem da cidade natal de Matteo Ricci – Macerata - para Macau, e é inaugurada numa data plena se simbolismo: foi a 7 de Agosto que o jesuíta chegou ao território. “É uma exposição muito rica, que tem como conceito

a cultura e o conhecimento da Europa, da Renascença”, sintetiza o director do Instituto, Artur Wardega. “A exposição pretende mostrar os conhecimentos que Matteo Ricci trouxe para a China, e que constituem metade do seu sucesso no país. Ele não trouxe apenas a sua personalidade e talento, mas também uma enorme bagagem de conhecimento e de educação que recebeu na Europa. Foi com esta base que iniciou o seu diálogo com a China, através da amizade.” O IRM pretende mostrar que “tipo de pontes trouxe para a China e quais as que usou para ser aceite”. Além disso, continua Wardega, “a exposição coloca em destaque os seus amigos, os intelectuais com quem estudou, as pessoas com quem lidou”. Ricci “não era o académico deslocado da vida quotidiana, socializava com os letrados e também com pessoas da corte que queriam saber da igreja e da fé católica”. As actividades do MRI em torno do missionário tiveram início no ano passado, com duas palestras sobre Matteo Ricci proferidas por Gianni Criveller, investigador especialista na vida e obra do jesuíta. Estas duas intervenções constam de uma publicação lançada em Maio, mês da morte de Ricci – a primeira versa sobre o percurso do jesuíta ainda na Europa, sendo a segunda sobre o que aconteceu entre a chegada a Macau e os seus últimos dias em Pequim. A publicação conta ainda com dois trabalhos de investigação de César Guillén-Nuñez. O historiador debruçou-se sobre as primeiras igrejas católicas na China e estudou um retrato póstumo feito por Manuel Pereira, jesuíta chinês baptizado com um nome português, que pintou o missionário poucas horas depois da sua morte. “É o retrato mais detalhado de Matteo Ricci”, explica Wardega, acrescentando que com base nesta obra foram feitos vários quadros que nos tornaram possível conhecer a figura do jesuíta. César Guillén-Nuñez acrescenta que o retrato tem valor acrescido por ser conhecido “apenas num círculo reduzido de investigadores e jesuítas”. É, porém, “uma obra de arte muito interessante e a única deste tipo”. I. C.


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