Revestrés#47

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O percurso de Vandré no exílio e a tentativa Revestrés de entrevistá-lo.

E

m 1974, Benito di Paula avistou Geraldo Vandré “dizendo um poema para um poste”. Ele estava com 38 anos, mais gordo e grisalho, vagando sozinho pelas ruas de São Paulo. Tinha poucos amigos, recusava-se a fazer shows ou dar entrevistas: “Nada do que eu possa dizer, fazer ou pensar dá no mesmo ser publicado ou não, porque não tem nenhum valor”, dizia quando tinha oportunidade. Afirmava também não ver televisão, nem ouvir rádio ou ler jornal. Parecia um homem exilado de si mesmo e confirmava a impressão que reverberou - e ainda reverbera - por anos sobre o cantor: Vandré nunca mais foi o mesmo. O aspecto impressionou tanto o compositor que Benito di Paula escreveu a canção Tributo a um rei esquecido, naquele mesmo ano. É uma espécie de homenagem a Vandré: “Eu quis gritar seu nome / não pude”, reclama na canção, em referência ao fato de a simples pronúncia do nome de Geraldo Vandré ser objeto de censura na época. “E eu continuo querendo saber: cadê ele? Já deram anistia pra ele? O que foi que fi zeram com ele?”. Para driblar a censura, Benito chama o compositor de rei, em alusão à letra de Disparada, também de Vandré: “Na boiada já fui boi / boiadeiro já fui rei…”. Vandré foi simplesmente banido e apagado do Brasil. Por ter sido proibida por quase 20 anos, Caminhando teve uma trajetória em disco relativamente restrita se comparada à importância que adquiriu como um verdadeiro hino da oposição à ditadura militar. Além da versão ao vivo, gravada naquela noite no Maracanãzinho, só há outra versão em estúdio, com dois violões, uma levada guarânia paraguaia. Há ainda uma versão de Luiz Gonzaga, num compacto também recolhido pela censura, e outra da cantora Simone, anos mais tarde. 42 www.revistarevestres.com.br

Em 2008, 40 anos depois do lançamento da canção, o cantor Zeca Baleiro também relembrou o mistério em torno do compositor na canção Geraldo Vandré, que compõe o disco O coração do homem bomba - vol 1. Em sua música, Baleiro convida Vandré para tomar um café e sentencia: “Os jornalistas querem saber / o que houve com você”. Esta é a pergunta que nunca se calou ao longo dos anos. Desde a apresentação no Maracanãzinho e toda a polêmica gerada em torno da não-premiação de sua música, ninguém soube mais ao certo o destino do compositor. Houve boatos de que ele teria sido preso e estava incomunicável em alguma guarnição do Exército - os mais trágicos diziam que ele tinha sido torturado e até executado pelo Esquadrão da Morte. O livro de Zuza Homem de Mello refaz os passos de Vandré na tentativa de se manter em segurança e pouco antes de deixar o país: primeiro abrigou-se na fazenda da viúva do escritor Guimarães Rosa, no Rio de Janeiro. Logo mais, sempre com a ajuda de amigos, embarcaria para Santiago, no Chile - foi lá que o jornal O Globo o localizou, elucidando parte do mistério sobre o seu paradeiro. “Estou bem vivo. Escrevendo e fazendo da saudade o que posso fazer”, disse à reportagem, em junho de 1969.


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