Revestrés#45

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BRASIL

religião. Eu tentei cuidar pra que ela não ficasse uma caricatura: a mulher negra, que era empregada doméstica, que vai ajudar a mulher branca. O que tentei fazer foi me inspirar em mulheres que conheço. Trabalhei na penitenciária por muito tempo, com aulas de teatro, e conheci mulheres que gingaram, enganaram o sistema. Mesmo que fossem presas, eram pessoas que não aceitaram o lugar que se tinha pra elas. Eu acho que a Filomena é capoeira. A realidade se coloca e ela vai encontrar maneiras – seja pela rasteira, pelo salto, às vezes furando o bloqueio – de lidar com essa realidade. Ela sabe que não tem saída fácil, mas vai driblar o sistema. Acho sensacional pensar que a Filó é a única mulher que poderia garantir para Guida uma experiência de liberdade. Porque, com todas as dificuldades, ela era um exemplo da experiência de liberdade, e ela dribla 66 www.revistarevestres.com.br

o sistema até na hora de morrer. Ela saca: “Pô, eu não vou deixar essa casa para o Estado, vou deixar pra Guida”. E também tem ali uma consciência de que aquilo só vai funcionar porque a Guida é branca. Se fosse uma mulher negra não ia funcionar, porque a mulher negra é sempre suspeita. Então tem ali também um dado que talvez não esteja tão explicitado, mas que é importante.

cinema de longa metragem não faz sentido fazer filme pra não ser visto. Na indústria do cinema brasileiro as pessoas são colocadas de um lado como autores, filmes fechados, e de outro como filmes comerciais, abertos. E eu sempre estava na lista dos filmes fechados, e dizia, mas gente, por quê? (risos). Isso é uma maluquice, todo filme é aberto. Pra mim cinema comercial é um cinema que você entende, que se comunica, que REVESTRÉS Na divulgação, A Vida pode ter uma vida própria. E eu Invisível é citado como “meloachava que podia fazer um filme drama tropical”. Você, Karim, que se comunicasse com o público, disse em entrevistas que queria que fosse extremamente popular, e fazer um melodrama que chegasse que continuasse sendo meu, de ter a ao público das novelas. Acha que minha caligrafia ali. Então eu queria conseguiu? um pouco implodir essas diferenças K ARIM Quando comecei a fazer que, na verdade, só nos enfraquecem. cinema era quase como se escrevesse O folhetim é algo muito familiar ao um diário, um ato muito íntimo, não público brasileiro. Ao mesmo tempo era pra dividir com ninguém. Claro eu achava que a novela, da maneira que quando você começa a fazer como é feita, com 48 cenas por dia,


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