Revelação 250

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História da Vida

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Quatro dias Karla Marília Meneses 6º período de Jornalismo

balbucia algumas palavras, não possui controle sobre muitas delas. A língua parece não acompanhar suas tentativas heróicas de conversação. Mas parecia ser um doce de menina. Tinha uma franjinha no rosto adorável. A mãe lhe deu alguns biscoitos. E eu, ainda sentada no chão, fiz uma proposta: - Veja, Vitória, esse gato tem mais patas que esse outro que você brinca. Vamos trocar? Ela não gostou nem um pouco. Aliás, tomou o gato branco que estava comigo.

Quinta– Feira Helena Teixeira é mãe de dois filhos: Vitor Gabriel, um garoto de seis anos saudável e apaixonado pelo Flamengo, e Vitória, de dez anos igualmente fanática por futebol e portadora da Síndrome de Down. Vitor tem cabelos encaracolados e olhos grandes. Vitória parece uma garotinha oriental. Os indivíduos com Síndrome de Down apresentam certos traços típicos, como: cabelo Sexta– Feira liso e fino, olhos puxados, nariz pequeno e Falei por telefone com Helena, e ela me “achatado”, rosto redondo com orelhas avisou que não teria jeito de nos encontrar. A pequenas. Geralmente, com baixa estatura, mãe estava realmente doente, ficaria ocupada possuem um pescoço curto e grosso. Foi a cuidando dela. Iria ficar mais uma semana partir dessas características e através de um aqui, Helena mora em Santa Juliana. Quanto exame do cariótipo que o médico anunciou a a ser casada ou não, evitei perguntar. Ela Helena o problema de sua filha. “ Ele disse parecia constrangida em falar no pai dos que ela poderia sentar, comer sozinha, meninos. Provavelmente, ele a abandonou. desenvolver a atividade motora, mas tudo ao seu tempo: ou seja, demoraria mais do que o Sábado desenvolvimento das Umas onze e meia da crianças chamadas Através desses trabalhos manhã, de ressaca, peguei “normais”. E o que é ser um moto-táxi e fui parar as crianças conseguem normal? na casa de Dona Tereza, Eu estava um tanto se comunicar de forma mãe de Helena. Bati à constrangida em falar satisfatória, aumentando porta meio sem jeito. sobre a condição de seu vocabulário Helena abriu e gritou para Vitória. Fiquei a observáa mãe, que perguntou la. Helena fazia um café. quem era: Estava hospedada na casa mãe. - Ela tá aqui prum trabalho de escola, “ Ah, você é estudante…”, Helena mãe. murmurou. Vitória tinha abandonado os “gatos”, Vitória parecia empolgada com um gato pareceu esquecer-se deles, de pano vermelho, com uma das patas momentaneamente. Muito dócil, abraçou-me dianteiras arrancadas. Havia um outro gato, com todas as patas, porém de cor branca. Ela e já me puxando pela mão, fez com que eu balbuciava algumas palavras, parecia estar entrasse. Chamaram para que eu fosse até a cantando. Sentei no chão, ao seu lado. Ela foi cozinha. Helena fritava algo. Disse para a mãe ir deitar. E falou: receptiva: - Ela tem diabetes e labirintite. Vive - Brinca com esse! tonta, coitada. Jogou em minha direção o gato branco. Eu estava interessada na garota, isso sim. Notei que as cores tinham uma forte Perguntei como identificar as vontades de influência sobre ela: apreciava tons fortes e a Vitória. Como se comunicavam? A maioria dos brinquedos de pano e plástico deficiência seria uma barreira? NÃO. As eram de cores berrantes. Helena veio com o palavras de Vitória podem não ser articuladas café: de forma adequada, mas são sons, mensagens. - Ela adora ir prá escola. Lá fazem um São consideradas palavras. Muitas vezes a trabalho de desenvolvimento. Tem psicólogos comunicação não verbal impera. Vitória e ela mexe com alguma coisa de esporte. passa por alguns momentos de mais completo Ora, a criança com Síndrome de Down tem um desenvolvimento mais lento do que silêncio. Helena avisa: - Às vezes emburra. Ou grita. Não posso as outras crianças. Isto não pode ser levar ela pró supermercado, já que não se pode determinado ao nascimento. Por isso a comprar tudo que ela quer. Grita muito até necessidade de um trabalho de estimulação ficar vermelha, as pessoas ficam me olhando desde o nascimento para desenvolver todo seu como se eu estivesse fazendo alguma coisa potencial, inclusive o da comunicação. Vitória 17 a 23 de junho de 2003

de ruim com ela. Antes eu ficava com Pocotó! Ela adora dançar e cismou com essa vergonha. Hoje não. A professora e a música. Quando aparece a Lacraia no psicóloga dizem para eu ser sempre firme e programa do Gugu, a Vitória fica louca. clara com ela. Vitória Dança, sabe todos os entende tudo. passinhos. E entende mesmo. As palavras de Vitória Vitória sabe ler o Ficou me mostrando podem não ser articuladas próprio nome e escreve como se rala uma cenoura algumas palavras. Noto de forma adequada, mas e fiquei morrendo de que ela não tem medo de que ela ralasse o são sons, mensagens dificuldade nenhuma com próprio dedo. Mastigando aparelhos tais como o a cenoura, me olhava com franca confiança rádio e a televisão. Aliás, adora apertar botões, nos olhos puxados: ligar e desligar. - É tarefinha de escola que você faz aqui, Um dos problemas de Vitória é respeitar não é? Eu também vou para a escola. os limites: a relação interpessoal é Conversando com Helena, descobri que a complicada. É difícil para ela compreender escola especial – seja através da APAE, que está invadindo o espaço de alguém, que psicólogos ou outras instituições – tem um aquele brinquedo não lhe pertence, que está papel fundamental no desenvolvimento da causando dor e constrangimento a alguém. comunicação da criança. O ensino da Com Vitor Gabriel as brigas são constantes. comunicação através da oralidade, da escrita, - Eu queria tanto que ela aprendesse a teatrinhos e leituras de estorinhas, aguça a fazer as coisas sozinha… - Helena solta um percepção dos portadores da Síndrome de suspiro. Donw. Através desses trabalhos as crianças Fico imaginando como a comunicação conseguem se comunicar de forma considerada “ inadequada” assusta as satisfatória, aumentando seu vocabulário. pessoas, ou é tratada com indiferença. Elas desenvolvem as condições de contar Indivíduos mudos, ou portadores da Síndrome fatos e relatar uma história de forma clara e de Down ou qualquer outra deficiência são coerente. Uma das preocupações de Helena é considerados, pela sociedade, incapacitados que a filha seja compreendida pelas outras de comunicarem-se de forma razoável. Isso é pessoas. Que se comunique, converse, sem uma inverdade. Compreendi tudo que Vitória precisar que a mãe ou a avó interfira para que quis dizer. Suas oscilações de humor e até seu os outros a compreendam. silêncio e emburramentos eram uma forma de comunicação. Uma vertente indispensável Segunda – Feira para aqueles que, supostamente, são De manhãzinha fui fazer mais uma visita impossibilitados de realizar uma comunicação à Vitória. O rádio estava ligado e ela dançava. adequada, é a inclusão social. Dessa forma, Helena fez uma careta: descobriremos a riqueza e a capacidade de - Agora tudo prá ela é essa tal de Eguinha comunicação que possuem esses seres.

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