Manual de redação

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MANUAL DE REDAÇÃO PROFISSIONAL DA ACADEMIA CEARENSE DE LITERATURA E JORNALISMO INTRODUÇÃO Os idiomas são códigos vocais, geralmente com correspondentes gráficos, que os integrantes de grupos tribais e nacionais desenvolvem ao longo do tempo, normat izam e compartilham, para a comunicação entre eles. Os brasileiros, por exemplo, por conhecidas razões históricas, utilizam o código verbal lusitano. Esses códigos são dinâmicos porque vão evoluindo com as gerações, recebendo acréscimos e passando por alte rações semânticas e sintáticas de seus termos. É natural que isso aconteça. É inevitável. Na modalidade escrita, reformas ortográficas e gramaticais, que os países, de tempos em tempos, levam a cabo, alteram a maneira de escrever. Ressalte-se que o Brasil é o país onde mais se fazem tais reformas. Além disso, novas tecnologias vão exigindo a criação de palavras para designar coisas e ações que não existiam até então, geralmente introduzindo vocábulos do inglês, que a indústria convenciona para indicar novos aparelhos e práticas eletrônicas. Com efeito, os estrangeirismo e neologismos são bem -vindos, quando necessários, devendo ser evitados se representam apenas modismos, em havendo no idioma pátrio modos clássicos de significar o mesmo objeto, igual ação, semelhante ideia. O advento do automóvel, no final do século XIX, trouxe ao nosso idioma diversos termos deturpados do francês – que era a língua internacional naquela época. As palavras capot-capô, tabliertabeliê, gicleur-giclê foram então introduzidas, embora depois caído em desuso. Capô foi traduzido para “capuz”, tabeliê é hoje o “painel”, enquanto o giclê é uma peça já em extinção, substituída pelos “bicos de injeção eletrônica”. No futebol se deu o mesmo, desta feita com empréstimos do idioma inglê s quando o goleiro era o goalkeeper, literalmente traduzível para “guardador do gol”.

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A palavra “praticidade”, por exemplo, não existia em português, até o advento da propaganda de massa, durante o Século XX. A necessidade de dizer que determinado produto novo oferecia mais facilidade de uso do que os antigos similares, ou concorrentes outros, forçou a invenção do neologismo. Praticabilidade, vocábulo antigo, indica a possibilidade de se praticar algo, que, portanto, seria “praticável”. Precisava-se de um cognato que indicasse, especificamente, uma prática mais simples, ou mais fácil. Por conta desse processo, diz -se que se fosse possível dividir um país com um muro absoluto, de maneira que as duas porções da população assim separada não mais se comunic assem durante cem anos, ao se retirar o muro, as pessoas de um dos lados não mais se entenderiam com as do outro. Então, há regras que precisam ser seguidas pelos doutos, e perseguidas pelos literatos e jornalistas em geral, para que se preserve a língua culta, tanto quanto possível, a fim de moderar as transformações do idioma, evitando -se, de tal maneira, uma degenerescência do código verbal, de modo a prejudicar a clareza da língua, levantando-se uma barreira grave entre as gerações de falantes. No início da civilização, todas as línguas eram ágrafas. Os pré-homens que pertenciam a um mesmo grupo iam combinando entre si que determinado som indicaria um objeto, uma ação, um sentimento. Nessa fase evolutiva, a onomatopeia deve ter sido preciosa, como, por exemplo, nas palavras “bárbaro”, nascida por imitação do som ininteligível da língua falada por um grupo alienígena (bar-bar-bar), e “pipoca”, do tupi, que repete o som do milho explodindo na panela. Com o desenvolvimento da escrita, as regras gramaticais estabeleceram maior estabilidade idiomática, precisão na transmissão das mensagens faladas, e mais facilidade de transmissão da língua aos novos membros do grupo. São essas regras que definem como se deve dizer, e como se evita dizer, para que o código se m antenha minimamente inalterado, entre as regiões e ao longo do tempo. O tupi e o guarani, que eram falados, mas não eram escritos, tinham vocábulos de pronúncia imprecisa: “aguanambi” ou “aguanhambi”?. “Maranguape”, no Ceará, ou “Mamanguape”, na Paraíba? Dependia de como o jesuíta catequista local percebia o som e o registrava graficamente. É verdade que não há disposição legal que imponha uma determinada maneira de falar ou de escrever. Não há proibição 2


jurídica sobre essa ou aquela maneira de dizer, pelo meio gráfico ou via oral, de modo que não há ilicitude na ignorância da norma culta do idioma, restando aos dicionários (jocosamente apelidados pais dos burros) fornecer uma orientação tópica sobre a ortografia e a semântica dos vocábulos. Os léxicos, porém, se prestam a registrar entre seus verbetes os termos que encontraram publicados algures, para lhes informar a acepção semântica – porém, sem com isso indicar que cada um deles tenha uso conveniente e aconselhável, por estar filologicamente perfeito. Então, cumpre a pedagogos, educadores, professores, àqueles que elaboram e corrigem provas escolares ou concursais, aos escritores, redatores, militantes na imprensa, enfim, aos doutos em geral, que queimaram pestanas estudando a gramática nacional – item do patrimônio imaterial de cada país – dar o bom exemplo e exercer pressão intelectual para que a higidez idiomática, a lógica gramatical, a coerência etimológica e a clareza da fala e da escrita se preservem. Quem domina completamente o idioma, falado e esc rito, se expressa melhor, com mais clareza, com mais precisão, limitando ao mínimo possível a margem de dúvidas, as obscuridades, as ambiguidades, sendo um mito a presunção de que a coloquialidade, ou a linguagem popular, favoreça a sintonia fina entre a i deia a ser expressa pelo emissor e a sua compreensão absoluta por terceiros. O idioma grosseiramente articulado, certamente, produz o entendimento rápido do que é anunciado, porém superficial, como acontece no uso das línguas mais rústicas e até na linguag em telegráfica, bem como na grafia utilizada em redes sociais da Internet. O que se ganha, entretanto, na denotação do texto, perde -se no seu poder conotativo; ou seja, o falante ou redator menos culto, em alguma medida, consegue transmitir rapidamente o q ue vê e o que sabe, mas encontra dificuldade de expor, a quem o escuta e o lê, exatamente, o que ele sente ele pensa sobre aquilo. Tanto é assim que documentos importantes, como tratados internacionais sensíveis e encíclicas da Igreja, por vezes, são escr itos em língua morta, como o latim e o grego, para evitar futuras ambiguidades em razão das transformações das línguas vivas. Convém lembrar, ainda, que todas as obras importantes, tanto nas ciências da natureza como nas ciências humanas, foram e continuam sendo escritas na língua culta. Isso não significa que se deva aplicar na imprensa uma linguagem excessivamente rebuscada, lançando mão de fórmulas 3


arcaicas, recorrendo propositadamente a uma sinonímia incomum, privilegiando um preciosismo gramatical exag erado. Como popularmente se diz, com muita propriedade, o que distingue o medicamento do veneno é a dosagem. Notadamente na imprensa, a linguagem deve primar pela simplicidade, a objetividade e a clareza máximas – sem que seja preciso atropelar as regras básicas da gramática. Para dar exemplos precisos, um Alexandre Garcia, um Boris Casoy, um Cid linguagem empolada e gongórica, de modo completamente – e nem por isso recorrem a cedem aos cacoetes do hiperurbanismo.

Ricardo Boechat, um Carvalho, não têm uma que se fazem entender erros de gramáti ca, nem

A imprensa brasileira – notadamente a publicidade e a teledramaturgia – tem o vezo de usar linguagem coloquial em suas peças, com todos os vícios gramaticais que carregam, descendo ao nível popular e juvenil, para melhor interação com a massa consumidora do varejo, e para representar com fidelidade a cultura do meio representado na obra literária. Como o nosso povo ainda é vítima de uma baixa qualidade de ensino, tende a tomar os defeitos por virtudes, e, com ef eito, o ideal seria a imprensa assumir o múnus de dar o exemplo positivo, de modo a instruir e estimular as pessoas a melhorar a linguagem, promovendo a elevação do nível cultural do povo no tocante à língua culta, em vez de se render à ignorância. Se não é essa a disposição da grande mídia nacional, nada obsta que o Ceará se torne um polo de resistência estadual. A imprensa deve educar, ao passo que a educação pode transformar. De todo modo, o Manual de Redação tem o objetivo de padronizar a feição redacional de um veículo de comunicação, convencionando as fórmulas eleitas e divulgadas pela instituição aos seus redatores, para serem adotadas em todas as suas edições, de maneira que sejam mantidas a máxima uniformidade e a coerência redacional. Não se faz aqui nenhuma concessão à xenofobia idiomática, nem mesmo ao bairrismo vocabular, quando se procura primar pelo jargão regional, mas se cuida da preservação da expressividade característica de cada quadrante do território nacional, começando pelo chamado “cearensês”. Esse preceito não deve, no entanto, importar em abonação das distorções gramaticais de natureza grave, como ocorre na fala popular gaúcha, que aplica indiscriminadamente a segunda pessoa do singular 4


sem lhe respeitar a concordância verbal, e muit as vezes aplicando erradamente o pronome oblíquo: “Se tu vai fazer as viandas, eu vou deixar a tralha para ti cozinhar”. A propósito, consta que o ex-presidente Jânio Quadros compareceu com a sua mulher, Dona Eloá, a um comício em São Luiz do Maranhão, onde ainda não era popular, de modo que foi recebido com uma vaia acachapante. Então, logo que os apupos cessaram, para reverter a rejeição, disse Jânio: “ Eu trouxe a Eloá para que ela conheça o Estado da Federação onde melhor se fala o português ”. Então, foi intensamente aplaudido. Por fim, vale dizer que embora se aplique ordem alfabética aos verbetes do Manual de Redação, este não se presta a eventual pesquisa de tópicos isolados, pois ele deve ser lido pelos redatores profissionais em sua totalidade , para pleno conhecimento e domínio das regras exaradas.

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O QUE DEVE SER EVITADO O QUE SE DEVE OBSERVAR AÍ – AÍ – AÍ – A aplicação abusiva e inexplicável da palavra “aí”, durante a elocução de uma notícia . “O ministro declarou que vai fazer aí um pronunciamento no sentido da aprovação aí do projeto de lei”.

* ANTEONTEM E COPO D’ÁGUA – É muito comum o equívoco de dizer “antes de ontem”, em vez de “anteontem”, bem como referir a um copo com água, a um balde com água, na tentativa de ser mais claro e de falar mais corretamente. Quem diz “antes de ontem” pode estar se referindo a qualquer dia anterior a ontem. A palavra “anteontem” remete, específica e exatamente, ao dia imediatamente anterior a ontem, e nesse sentido deve sempre ser aplicada. Também há quem raciocine que deva dizer “um copo com água”, por entender que um copo de água, ou d’água, estaria indicando um copo que fosse feito de água. Uma grande tolice. Copo d’água, ou lata d’água, ou galão d’água, são medidas do líquido, para definir certa quantidade, sem qualquer referencia direta ao recipiente que o contém. No sertão antigo se diz “um coco d’água”. Um coco d’água é a quantidade d’água que cabe em um coco. É assim como uma xícara de café de farinha, ou uma colher de sopa de azeite. Alguém prefere primar pela clareza dizendo “uma xícara das de café” e “uma colher das de sopa”.

* AO ENCONTRO – DE ENCONTRO – Erra quem aplica a exp ressão “ir de encontro”, para tentar significar algo que converge, que se soma, que concorda, bem como se equivoca quando diz que “vai ao encontro”, para referir algo que se choca, que discorda . Sempre que alguém queira dizer que determinada ação, ou ideia , se soma ou concorda com outra, informa corretamente que aquela “vai ao encontro” desta, ou seja, vai encontra -la para seguir na mesma direção. Se a intenção for dizer o oposto, visando indicar que haja entre elas oposição ou antagonismo, a expressão corr eta é “vai de encontro”, ou seja, vão abalroar.

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A PREPOSIÇÃO “A” – A supressão da preposição “a”, em diversos casos a que ela, necessariamente, se aplicaria . “Daqui dois dias”, em vez de “daqui a dois dias”; “de lá dois quilômetros”, em vez de “de lá a dois quilômetros”; “isso cheira cachaça”, em vez de “isso cheira a cachaça”; “Lula não quer pedir ninguém ajuda”, em vez de “Lula não quer pedir ajuda a ninguém”. “O Procurador voltou dar entrevista”. Um prestigioso repórter sudestino utilizou a seguinte fr ase em telejornal: “(...) jamais autorizou qualquer pessoa negociar”. Ora, quem autoriza, autoriza alguém a fazer alguma coisa.

* ARENA E ESTÁDIO – A substituição arbitrária da palavra “estádio” por “arena”, imitando equívoco idiomático do inglês, corresp onde a um duplo erro, etimológico e semântico . “Arena” indica areia, e a criação da palavra remonta aos locais em que ocorriam lutas sangrentas. Nada disso tem a ver com futebol, nem com outros esportes não violentos praticados sobre a grama.

* ASSISTIR E ASSISTIR A – O verbos “assistir” tem vários usos, no sentido de dar assistência, no sentido de prestar socorro, no sentido de residir em algum lugar, e no sentido de presenciar. Em cada um desses usos o verbo pode ser transitivo direto, ou transitivo indir eto, ou bitransitivo, ou até intransitivo. Importante o redator profissional atentar para que, no caso de quem figura como espectador de televisão, de teatro, de cinema, de algum espetáculo, ou de presenciar alguma cena da vida, o verbo assistir é transitivo indireto. Então, a pessoa assiste à TV, assiste ao filme de cinema, assiste ao espetáculo de teatro, assiste ao acidente, assiste ao crime. No caso de quem exerce a função de “assistente” de alguém, ele “assiste o Deputado”, por exemplo (transitivo dir eto). No sentido de morar em determinado local, ele “assiste na rua tal” (intransitivo).

* CAIXA ALTA – NEGRITO – SUBLINHADO – Esses recursos são raramente recomendados na imprensa, sendo entretanto úteis na redação de textos técnicos e de peças jurí dicas. O negrito se presta neste caso para destacar jurisprudência ou legislação que fundamente a petição ou o argumento, às vezes sendo aplicado ao seu principal parágrafo, de modo que o seu leitor possa lhe dar prioridade na leitura. 8


O sublinhado é muito utilizado para destacar dados, principalmente nomes e endereços insertos no texto, para facilitar sua localização com fim de fichamentos ou de endereçamento de notificações, intimações e citações. O uso de caixa alta, com termos ou frases compostos com letras maiúsculas, tem o efeito simbólico de transmitir a ideia de que o redator fala em voz alta. Em suma, representa, graficamente, o que seria uma vociferação em elevado volume vocal. Por isso, a sua aplicação pode significar uma grosseria.

* CÂMARA X CAMERA – A palavra correta, em português, para designar um determinado gabinete, setores dos parlamentos, um certo cômodo, as antigas máquinas fotográficas, é “câmara”, e nunca “camera”, que é um étimo do inglês. Os aparelhos fotográficos do passado eram ass im chamados porque se constituíam de uma câmara escura em que um filme sensibilizado por nitrato de prata era exposto seletivamente à luz que, penetrando pela lente a cada vez que se abria um obturador, gravava em negativo a imagem colimada. Por isso não é correto dizer-se hoje que sejam “câmaras” os aparatos fotográficos digitais modernos, notadamente nos aparelhos celulares, que captam as imagens eletronicamente, sem precisar dispor de nenhuma câmara escura interna”.

* CHANCE DE VIVER – RISCO DE MORRER – A palavra “chance” não deve ser usada para significar a possiblidade de algum infausto, de alguma coisa indesejável. Neste caso, aplica-se o termo “risco”. “Depois dos 40 anos de idade a pessoa dobra a chance de ficar acima do peso”. Errado. “Chance” ve m do francês, e significa “oportunidade”, ou seja, boa sorte. Então, no exemplo dado, o certo seria: “Depois dos 40 anos de idade a pessoa dobra o risco de ficar acima do peso”.

* CONCORDÂNCIA DO VERBO FAZER – O verbo “fazer” indicando tempo não tem sujeito. Pode-se e se deve dizer: “Passaram-se dez anos”. De fato, os anos passam. Mas, nunca dizer “fazem dez anos”. O certo seria “faz dez anos”.

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O mesmo acontece na locução verbal quando o verbo fazer é associado a outro na indicação de tempo: “Já deve fazer vinte anos que ela foi embora”. Nunca dizer: “Já devem fazer vinte anos...”. Nesses casos o verbo fazer vem sempre no singular. Outro caso é levantado: “Quando conheci sua prima, eu morava lá havia dez anos”. A dica é muito simples. Usando o verbo fazer a forma correta de falar é “... morava lá fazia dez anos”. Neste caso, o verbo haver equivale a fazer, indica tempo. Os tempos verbais também devem se casar: se eu morava..., morava fazia..., morava havia... É assim que exige o padrão formal da língua.

* CONCORDÂNCIA DO VERBO HAVER – A aplicação do verbo haver no tempo presente, quando ele indica decurso de tempo, estando o comunicador se referindo a fato pretérito . “Naquela época, ele já era casado havia dez anos”. Existem deslizes típicos de quem não conhe ce as características do verbo haver. Quando se diz “há muitas pessoas na sala”, conjuga-se o verbo haver na terceira pessoa do singular do presente do indicativo. Note que não foi feita a concordância do ver bo haver com a palavra “pessoas”. Não se poderia dizer “hão pessoas”. O verbo haver, quando usado com o sentido de existir, fica no singular. Se fosse usado o verbo existir, este, sim, iria para o plural: “Existem muitas pessoas na sala”. A confusão tende a aumentar quando o verbo haver é usado no passado ou no futuro. Em certo trecho, a versão feita pelo conjunto “Os incríveis” da canção “Era um garoto / que como eu / amava os Beatles e os Rolling Stones”, diz: “... Não era belo mas, mesmo assim, havia mil garotas a fim...”. Nesta canção o verbo haver f oi empregado com o sentido de existir. Logo, está correta a versão, o verbo no passado e no singular. No Brasil, fala-se “cabe dez”, “sobrou trinta”, “falta cinquenta”, “é oitenta por cento”. Geralmente, erradamente, não se faz a devida concordância. Mas, quando não é necessário fazer, erra se. “Houveram muitos acidentes naquela rodovia”: Errado. O correto é “houve muitos acidentes naquela rodovia”. Haverá acidentes, houve acidentes, há pessoas, havia pessoas, houve pessoas. 10


“Cabem dez”, “sobraram trinta”, “faltam cinquenta”, “são oitenta por cento”. Vale lembrar que quando os termos são separados pela palavra “ou”, eles não se somam. Quando são separados pela palavra “e”, então eles se somam e exigem a aplicação do plural. “O João ou a Maria fará o discurso”; “O João e a Maria farão o discurso”. Vale repetir: “O verbo haver, quando empregado com o sentido de existir, ocorrer, acontecer, fica no singular, independentemente do tempo verbal e do substantivo plural que se seguir.

* CONFUSÃO ENTRE A APLICAÇÃO DE PRONOMES PESSOAIS – A confusão entre a aplicação de pronomes pessoais da 2ª e da 3ª Pessoas, no mesmo período, é um erro grave, que somente se explica pela má qualidade, ou mau aproveitamento do ensino médio, em que se deveria aprender essa matéria: “ Você sabe que eu te amo”: errado. “Tu sabes que eu lhe amo”: errado. O certo seria “você sabe que eu lhe amo”, e “tu sabes que eu te amo”. Quando alguém se dirige a outra pessoa deve usar o pronome “tu” (ou “tua”). Se essa outra pessoa for alguém menos íntimo, o tratamento mais comum é “você” (contração de “vossa mercê”). No Brasil, ao se dirigir ao público, o p rofissional jamais deve usar a 2ª Pessoa do Singular (tu, te, ti, contigo), mas sempre a 3ª Pessoa (você, se, si, consigo). Quem usa “você” não está se dirigindo diretamente ao interlocutor, mas à sua “mercê”, em sinal de respeito, do mesmo modo que quem diz “vossa senhoria” ou “vossa excelência”, fala com a “senhoria” e com a “excelência” do seu interlocutor, respectivamente. A “mercê”, a “senhoria” e a “excelência” do outro são terceiras pessoas, embora virtuais, pois que somente duas pessoas estão dialogando. É uma ficção gramatical, para denotar maior respeito ou reverência. Seja como for, quem usa “você” fala como se falasse “dela”, a “mercê” (a bondade) da pessoa com quem fala. Então, se diz: “ela é bonita” e “você é bonita”. Note que o verbo é inalterado. Mas se aplicar a segunda pessoa (“tu”) dirá “tu és bonita”. No plural, dirá “vós sois bonitas”. Aqui, basta saber que quem usa “tu”, na mesma frase tem que aplicar “te, ti, contigo”. Quem usa “você”, na mesma frase deve aplicar “se, lhe, consigo”. 11


* CONFUSÃO ENTRE DOIS VERBOS - O Presente do Indicativo do verbo “vir” é “vimos”, que por mera coincidência é a mesma palavra que corresponde ao Pretérito Perfeito da 3ª Pessoa do Plural do verbo “ver”.

Exemplos da aplicação correta:

“Nós vimos aqui para lhe homenagear” – verbo vir, no presente. “Nós vimos quando você passou” – verbo ver, no passado. “Ontem nós viemos aqui, para lhe homenagear, mas você não estava em casa” – verbo vir, no passado. “Nós vemos que você não está feliz” – verbo ver, no presente.

É comum o redator ou locutor, pretendendo dizer que ele e seu grupo estão ali no momento presente, equivocadamente aplicar “viemos”, que é o Pretérito Perfeito do verbo vir, e que portanto refere ao passado. Quem diz “nos viemos aqui para lhe homenagear” está dizendo que ele e seu grupo estiveram ali antes, ontem, em outro momento, porque, sem se advertir, está falando no passado. Então, em se tratando de profissional da comunicação, falada ou escrita, se a pessoa que emite a mensagem quer dizer que ela e seu grupo estão ali presentemente, deve dizer: “ Vimos agora para lhe homenagear, e de longe já vimos que você ficou feliz”.

* CRASE – “A crase não foi feita para humilhar ninguém”, escreveu o intelectual maranhense Ferreira Gullar, falecido em 2016, em bemhumorado aforismo que se tornou célebre, brincando com a aparente 12


dificuldade do emprego desse recurso da gramática. Gullar foi revisor e copidesque de jornal, antes de se consagrar como poeta. É necessário esclarecer, antes de tudo, que “crase” não é o acento grave – sinal diacrítico, inclinado para a esquerda, que serve apenas para indicar a crase. Ele já teve outros usos gramaticais em português, e continua tendo aplicação em outros idiomas latinos, mas somente se presta hoje, na língua lusitana, a indicar o fenômeno da crase. A “crase” – palavra do grego que significa “mistura” – indicada pelo acento grave, é o fenômeno em que se funde a preposição “a” com o artigo feminino “a” (a+a=à), ou com o “a” inicial dos pronomes demonstrativos “aquele” (a+aquele=àquele) e “aquilo” (a+aquilo=àquilo). Exemplos: “Eu vou aos Estados unidos (a+os); Eu vou à América (a+a)”; “Eu disse isso àquele homem (a+aquele)”; “Eu não vou dar importância “àquilo” (a+aquilo). No caso da fusão da preposição “a” com os pronomes demonstrativos “aquele” ou “aquela”, “aqueles” ou “aquelas”, pode-se fazer a crase, seja a frase masculina ou feminina, singular ou plural. A fusão se faz apenas com o “a” inicial das referidas palavras. Mas, no caso da crase entre a preposição “a” e o artigo “a”, este artigo tem que estar sempre no feminino – “a” ou “as”. Assim, a melhor dica para saber quando cabe a aplicação da crase é substituir o gênero do sujeito da frase. Se no masculino couber a aplicação da contração entre a preposição “a” e o artigo “o” (“ao”), então caberá aplicar a crase no caso análogo feminino. “Vou à praia = vou ao parque”; “estava às avessas = estava ao contrário”. Mas é preciso também verificar se o sujeito da frase , mesmo sendo feminino, aceita o artigo “a”. Por exemplo, “vou a Fortaleza , vou a Paris” – sem crase, porque os nomes próprios locativos “Fortaleza” e “Paris” não aceitam o artigo “a”. Então, aplica -se apenas a preposição, sem a crase, portanto, sem o acento grave. Não se diz “a Fortaleza é muito bela”, nem “a Paris é um grande destino turístico”. A menos que se diga “vou à cidade de Fortaleza”; vou à cidade de Paris. Outros locativos aceitam o pronome, co mo “a América” (vou à América), “a Austrália” (vou à Austrália), “os Estados Unidos” (vou aos Estados Unidos), “o Crato” (vou ao Crato). Lembrar também que os pronomes pessoais – eu, tu, ele, nos, vós, eles – nunca são precedidos de artigos (“a” ou “o”). Então, antes 13


deles não se aplica a contração “a+o” (ao) , nem a contração “a+a”, indicada pela crase (à). Aplica-se apenas a preposição “a”, quando for o caso. “Eu disse a ela”; “eu fui a ele”; “a vós não se atribuem defeitos”. Por último, ter presente que não se aplica a crase quando a preposição “a” indica distância (“Restaurante a 2 km”), ou prazo temporal futuro (“daqui a dez dias”), ou quando componha um adjunto adverbial de modo (“a cores”, “a pé”, “a mão”, “a toque de caixa...”). Hoje em dia os bons corretores eletrônicos já apontam a aplicação da crase, mas é importante que os profissionais da escrita saibam aplica-la, mesmo quando escrevam a mão.

* DAR – DÁ – DEMOS– “Dá” é a forma conjugada do verbo dar, na 3ª Pessoa do Presente do Indicativo. “Ela dá muita importância a isso”; Ele disse que só dá entrevista previamente marcada”. É comum, e equivocado, dizer-se “eu vou dá uma festa”, e “aquilo vai dá certo”, por exemplo, quando o certo seria dizer “eu vou dar uma festa” e “aquilo vai dar certo”, aplicando-se, nestes casos, o Infinitivo do verbo. É o mesmo caso do verbo “manter”, que provoca equívocos semelhantes, entre o Infinitivo “manter” e a 1ª ou a 3ª Pessoa, “mantiver”. Em outros verbos, como, por exemplo, o verbo fazer, esse engano não acontece. “Eu vou fazer um brinde” – “Se eu fizer um brinde”. Somente na linguagem infantil se diria “se eu fazer um brinde”. Quanto à palavra “demos”, na conjugação do verbo dar, ela se aplica em três hipóteses: na 1ª Pessoa do plural do Pretérito Perfeito (nós demos aulas a todos os alunos); na 1ª Pessoa do plural do Presente do Subjuntivo (mandaram que ele dê sua opinião, para que depois nós demos as nossas); na 1ª Pessoa do plural do Imperativo (demos nós todos os esforços; dá tu todos os teus). Uma elevada autoridade do Governo, falando de improviso, ao tentar dizer corretamente “para que demos respostas positivas...”, ficou em dúvida sobre a correta aplicação do Presente do Subjuntivo (seria deiemos?), interrompeu o discurso, e preferiu refazer a frase: “para que possamos dar...”.

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DÉCADA DE 1980 – “Década de 1980”; “anos 1980”: errado . Esse é um uso despropositado que se passou a adotar deste o início do Século XXI. Ora, o numeral 1980 indica um milênio, e não um decênio, porque é uma milhar, e não uma dezena . Além desse erro gramático -aritmético, esse uso é absolutamente desnecessário. O certo seria dizer simplesmente década de 80, pelo menos até que se supere o ano de 2080. Será que alguém vai interpretar que quem se refere hoje aos anos 80 estará remetendo a 1880? Claro que não. Assim também com todas as décadas do século passado, da de 10 à de 90.

* DE REPENTE – TIPO ASSIM – TIPO – ASSIM – Depois do “dê repente” veio o vício do “tipo assim”. O “tipo assim” demorou pouco no repertório popular, mas se mantém fragmentado – “tipo” e “assim” – com seus usos específicos. “Tipo”, na linguagem dos jovens, funciona como uma fita gomada para emendar as frases. Não tem acepção específica. “ Eu vou viajar, tipo três horas” – aqui a significar um número aproximado. Mas a palavra pode também ser usada de forma solta, como no exemplo a seguir, retirado da Internet: “ Daí, a mãe dele brigou com ele, e tipo, ela gritou tão alto que eu me assustei ”. Mas a praga do “assim” é bem pior, porque mais generalizada, uma muleta verbal intolerável de que lançam mão os falantes de todas as idades e de todos os níveis culturais. “Assim”, simplesmente, pespegado no meio das frases, sem qualquer necessidade; o “então” tornado “então assim...”; e os porquês, por seu turno, “porque, assim,”. “Eu comprei uma roupa, e comprei maquiagem... assim.” – diz uma moça entrevistada em uma externa da TV.

* DISPOR E DISPUSER – “Dispuser” é a forma conjugada do verbo dispor na 1.ª ou 3.ª Pessoas do Singular do Futuro do Subjuntivo. “Se ele se dispuser”; “Enquanto eu me dispuser”. É comum, e equivocado, dizer-se “se ele dispor”, e “enquanto eu me dispor”, “Dispor”, que é o Infinitivo do verbo, aplica -se em outros casos, como, por exemplo, “se ele quiser se dispor” e “caso eu resolva dispor do meu patrimônio”. É o mesmo caso do verbo “dar”, que provoca enganos semelhantes, entre o Infinitivo “dar”, que é “o nome do verbo”, e a 3ª 15


Pessoa do Presente do Indicativo, “dá”. “Eu vou dar um brinde”; “Aquilo vai dar certo”: Correto. “Ela dá muito importância a isso” ; Ele disse que só dá entrevista previamente marcada”. Correto. Em outros verbos, como, por exemplo, o verbo fazer, esse engano não acontece. “Eu vou fazer um brinde” – “Se eu fizer um brinde”. Somente na linguagem infantil se diria “se eu fazer um brinde”.

* DOIS PONTOS – TRAVESSÃO – PONTO-E-VÍRGULA – O uso do travessão também pode ser alternativo aos dois pontos, estes cabíveis sempre que se queira remeter o leitor a uma explanação. Presta m-se, pois, a produzir uma expectativa sobre o que se vai dizer a seguir. Mas também se pode aplicar um travessão, quando não for o caso de interromper o fluxo da leitura, para passar aos esclarecimentos que se seguirão.

Exemplos:

“Então eu disse a ele: você não deve fazer isso!”. Aqui temos apenas o epílogo. “Então era necessário dizer-lhe a verdade, com muita franqueza – você não deve fazer isso”. Aqui, além do epílogo da oração, enfatiza -se a importância do conselho. Já o ponto-e-vírgula tem a função de separar períodos relacionados entre si, numerados ou não, e que contenham frases virguladas. Assim, muitas vezes a aplicação de ponto -e-vírgula se segue à aplicação dos dois pontos. Exemplo: “Então eu disse a ele que: aquele, embora vistoso, não era o melhor produto para venda; aquela praça, muito distante, complicaria a entrega da mercadoria”.

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EM COMUM X INCOMUM – Quando o redator ou locutor se refere a amigos em comum, está significando que ele, ou aquele a quem se refere, tem amigos que também o são da uma terceira pessoa em referência. “Eu e o Joaquim temos amigos em comum”; “O Pedro e o João têm amigos em comum”. Neste caso, mantêm -se a palavra “comum” no singular. O amigo é comum a mais de uma pessoa. Já a palavra “incomum”, que denota alguém ou alguma coisa que seja estranha, exótica, diferente, a essa se aplica o plural, caso esteja qualificando mais de uma pessoa ou objeto. “Essas pessoas são incomuns, pela sua excentricidade”.

* ENDÔNIMOS – Muitos dicionário da língua portuguesa não consignam o verbete “endônimo”, nem o seu antônimo “exônimo”, palavras que tratam das formas de escrever e pronunciar vocábulos de um idioma, pelo falantes de outras línguas. O nome da famosa torre francesa, em seu país, é oxítono: “Torre Eiffél”. Essa é portanto a sua forma endônima. Mas em países anglo -saxônicos ele é paroxítono: “Torre Éiffel”. É uma forma exônima. Repórteres da TV brasileira, por exemplo, correspondentes nos EUA, em matérias jornalísticas internacionais costumam pronunciar “Nhu-orc”, ao referir à cidade americana, adotando a língua e a fonética exônima ao português falado no Brasil. Deveriam traduzir New York para Nova Iorque, que seria a forma endônica ao português brasileiro? Ou, pelo menos, ainda que conservando o idioma original, conferir a esse substantivo próprio uma pronúncia condizente com a fonética portuguesa? Exemplo: “Niu -Iorque”. Os repórteres correspondentes em Londres (novamente por exemplo), não dizem que falam de London, entretanto, referem à polícia federal inglesa como “Scoutland Iord”, no pomposo sotaque britânico, quando a pronúncia para os lusófonos é Escot e-lande-Iarde. Esse fenômeno se torna mais grave quanto à pronúncia do agá inicial, que em português seria mudo, enquanto em idiomas anglo saxônicos é aspirado. Estranhável, verbi gratia, que o comediante e apresentador de TV brasileiro, Jô Soares, que é culto e poliglota, pronuncie Ítler, ao referir o líder nazista, quando os falantes do português do Brasil articulam “Ritler”, pois já absorveram a pronúncia do “h” inicial de palavras estrangeiras com o som de “r”. Há também quem pronuncie “Onda” ao dizer o nome da famosa marca de veículos japonesa, que se escreve com agá: “Honda”. 17


É preciso notar que a palavra japonesa foi transliterada originalmente para o inglês, que nesse processo recebeu o “h” inicial, para lhe conferir o som de “r”, porque na sua língua original (o japonês) a fonética corresponde ao “r”. Então, para ser fiel ao modo como se fala no Japão, deve -se ler e dizer “Ronda”, embora escrevendo com “h” inicial. A respeito do mesmo fenômeno, no Ceará deu-se um fenômeno emblemático com a família Romcy. Os primeiro imigrantes desse clã que chegaram do Líbano à Fortaleza, havendo transliterado o seu nome para o inglês, se assinavam como Homcy – e no cemitério São João Batista veem-se as lápides desses pioneiros. Depois, ao perceberem que em português a fonética correspondente ao árabe era Romcy, passaram a corrigir o nome de família nos novos registros de nascimento. A conclusão é a seguinte: os redatores profissionais devem escrever os nomes próprios, personativos e locativos, na grafia portuguesa, no caso das palavras já nacionalizad as (Nova Iorque, Nova Zelândia). Se quiserem ou precisarem pronunciá -las em inglês, ou em outro idioma de origem, nos textos orais brasileiros, devem lhes dar a pronúncia correspondente ao assento da língua lusitana – Niu-iorque e Escote-lande-iarde. Essa é a pronúncia endônima ao Brasil. Não faz sentido enrolar a língua apenas para mostrar ao público que domina a pronúncia endônima estrangeira, que isso não tem relevância jornalística. Por fim, no caso das siglas consagradas em outras línguas, como FDA, AIDS, CIA, ESPN, ETA, NAFTA, o redator deve escrevê-las e pronunciá-las na sua forma endônima ao idioma original, e, se necessário, traduzi-la por extenso em português, entre parênteses ou não. Cada um desses conjuntos de letras já configura uma palavra, com significado próprio, cuja origem etimológica estrangeira não tem interesse imediato para o público lusófono brasileiro – mas apenas o seu significado, já devidamente traduzido. Os lusófonos portugueses, que cultuam manifesta xenofobia idiomática, protegendo a língua de influências estrangeiras muitas vezes preferem traduzir as siglas internacionais e lhes dar uma forma exônima. Exemplo: AIDS (acquired immunodeficiency syndrome ) = SIDA (Síndrome da Imunodeficiência adquirida).

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ESSE x ESTE – A aplicação correta desses pronomes demonstrativos não é arbitrária. “Esse” refere àquilo ou àquele que está longe do emissor da mensagem, enquanto “este” indica aquilo ou aquele que está mais próximo a ele – ou que seja ele mesmo. “Este missivista comunica a esse amigo que em breve chegará à sua cidade”. Neste caso, “este” é aquele que fala ou escreve, e “esse” é aquele que ouve ou lê o que ele fala ou escreve. “Essa pessoa a que tu te referes nunca falou com esta outra a que me refiro”. Assim, via de regra, deve-se priorizar a aplicação da palavra “esse”, ou “desse”, utilizando “este” ou “deste” em casos excepcionais, em que seja necessário demonstrar maior proximidade. Ou ainda quando se está referindo a algo que se vai dizer em seguida. Por exemplo: “Eu não tinha dela essa má impressão que dizes ter, até que ouvi dela esta frase: “Eu não suporto estrangeiros’”.

* ESTOU ENTRE OS QUE DIZ – Não se deve dizer “eu sou dos que faz”, “ele é um dos que pensa”, “estou entre os que diz”, “um dos que mais fez sucesso”. Trata-se de um verdadeiro absurdo de concordância que a imprensa e os políticos modernos resolveram adotar recentemente, pelo abono de algum gramático desarrazoado que andou defendendo essa aberração verbal. O certo é dizer “eu sou dos que fazem”, “ele é um dos que pens am”, “estou entre os que dizem”, “um dos que mais fizeram sucesso”. O poeta maranhense Ferreira Gullar, morto em 2016, se batia muito contra essa novidade deplorável.

* EXPRESSÕES CLICHÊS – As expressões clichês “cartão postal”, “não é diferente”, “o mesmo”, “antes de mais nada”, “a nível de...”, recursos de linguagem inteligentes, criado cada um no passado por um bom redator, entretanto tornado lugar comum intol erável, denotando falta de criatividade redacional . O “cartão postal” da cidade é um de seus pontos turísticos, um de seus ícones – paisagísticos, históricos ou arquitetônicos. Dizer que aqui é assim, e ali “não é diferente”, é um recurso muito desgastado. “Ali é assim, e aqui também é”, seria a forma mais direta. Referir-se a fulano de tal, e em seguida trata -lo de “o mesmo”, tornou-se vício redacional recorrente dos inquéritos policiais. Deve ser evitado. Por sua vez, “antes de mais nada” não significa semanticamente o que pretende. Quem diz “antes de mais nada”, a 19


rigor, está dizendo que nada haverá depois de seu enunciado. A expressão correta seria, simplesmente, “antes de tudo”. Ou seja, antes de tudo ou de qualquer coisa que se vá dizer depois. Quanto ao “a nível de...”, ou “em nível de...”, duas formas que têm provocado uma discussão inócua sobre a que estaria correta, é aconselhável ao redator profissional evitar ambas como recurso de linguagem. Pode-se dizer corretamente que se está “ao nível do m ar”, bem como pedir que se mantenha uma conversa “em nível elevado” ; referir que “o parecer foi elaborado no mais elevado nível técnico”. No mais, quando a fala a ser expressa não tiver nenhuma relação com padrão de altura, ou de altitude, o mais seguro é aplicar outra expressão, como “no âmbito ”, “no campo”, etc.

Exemplos: “Falando em nível de Diretoria...” – não recomendado. “Falando no âmbito da Diretoria...” – recomendável

* FORMA CONTRATA – PEGO OU PEGADO – GANHO OU GANHADO – A forma contrata do particípio dos verbos que a admitam em português, como “pego”, em vez de “pegado”, “ganho” em vez de “ganhado”, “aceito” em vez de “aceitado”, “entregue” em vez de “entregado”, “bento” em vez de “benzido”, “inserto” em vez de “inserido”, dentre outros, somente pode ser aplicada quando o verbo principal for “ser” ou “estar”. Essa é uma regra convencionada e prevalente nos manuais de redação dos melhores veículos de comunicação.

Exemplos:

“Ele foi aceito”; “Ele tinha aceitado”. 20


“A palavra estava expressa dessa forma”; “A palavra apareceu expressada dessa forma”. “Os pneus dos ônibus foram secos pelos manifestantes”. manifestantes tinham secado os pneus dos ônibus”.

“Os

Obs: Neste último exemplo, colhido do erro de um repórter de TV (“Os manifestantes tinham seco os pneus do ônibus”), há ainda o equívoco da aplicação de linguagem coloquial, pois seria mais correto dizer que os pneus foram “esvaziados”. O verbo “secar” indica ausência de humidades, ainda quando refira o que ocorre com coisas murchas, ou o comportamento rude de alguém: “Ele deu uma resposta muito seca”. Pneus não secam, quando perdem o ar do seu interior, mas se esvaziam ou murcham.

* GALERA – A aplicação do termo “galera”, um genuíno carioquismo , em detrimento de “pessoal”, “turma”, “negr ada”, é desaconselhável na imprensa cearense. A gíria “galera”, originalmente, remetia às “galerias” do Estádio Maracanã, no Rio de Janeiro. Nada contra o riquíssimo e muito simpático jargão popular carioca, porém, tudo a favor de que se prestigiem os regi onalismos cearenses, sem receio algum. O termo “negrada”, ou “negada”, do jargão popular cearense, não tem qualquer conotação racista, e, de resto, já perdeu totalmente a acepção racial de sua origem. Ademais, transporta uma intensa carga simpática e afetiva, tal sorte que quem o aplica geralmente se refere à própria grei em que se insere, ou que é de sua estima, exatamente como o similar “galera”, que os cariocas apreciam. Não tem, portanto, o caráter agressivo de “canalha”, “canelau”, “patuleia”, “corja”, “malta”, “súcia”, dentre outros coletivos. Analogamente, no Sudeste do Brasil se costuma aplicar o termo “neguinho” para designar, sem nenhuma carga pejorativa, um indefinido integrante da cidadania: “Está muito frio. Neguinho não pode sair de casa sem conduzir um bom agasalho”.

* GÊNERO DA PALAVRA GRAMA – Por influência da última letra da palavra, a vogal “a”, que, em regra, em português, indica as palavras femininas, o vulgo costuma entender que seja “a grama”, 21


quando na verdade o vocábulo, no sentido de medida de peso, é masculino (quando designar a relva, a grama é feminina). Assim como as demais palavras que indicam unidade de massa – o tetragrama, o metagrama, o quilograma (o quilo) o hectograma – deve-se colocar a palavra “grama” entre os que pode m usar barbas. Deve-se então dizer sempre “duzentos gramas de farinha”. Esse tipo de falha na linguagem, aparentemente banal, obviamente não impede a compreensão da mensagem que se quer transmitir. Todavia, indica que o falante em questão não teve oportunidade, ou não teve ânimo de estudar o idioma português com a necessária atenção, desde a escola, e, portanto, se afeiçoou ao modo de falar coloquial. Ou, pior ainda, indica que, depois da escola, a pessoa não adquiriu o hábito salutar de se entregar a boas leituras, e não é na rua, mas nos livros que as pessoas enriquecem o pensamento. Os concursos públicos estão aí, cada vez mais exigentes, procurando selecionar os que têm condições técnico -científicas de contribuir com a humanidade, e discriminando aqueles que somente aprenderam o que o senso comum pode ensinar.

* GÊNERO DAS PALAVRAS MIL, MILHÃO, BILHÃO... – O gênero desses numerais cardinais tem peculiaridades, segundo o uso convencionado na estrutura do idioma. A palavra “mil” é “comum de dois”: “Um mil reais” – “Duas mil libras”. As palavras “tonelada”, “centena” e “dezena” são femininas. Mas as palavras “milhão”, “bilhão”, “trilhão” e seguintes, são masculinas. “Um milhão de reais”; “Um bilhão de libras” – nestes casos, necessariamente, aplicada a preposição “de”. Diz-se corretamente “São consumidas mil toneladas...” e “São consumidos 14 bilhões de toneladas...”. Notar que a palavra “milhar” também é masculina: “São consumidos milhares de toneladas...”. Por influência das palavras femininas “dezena” e “ centena”, no jargão do Jogo do Bicho se diz “uma milhar” – uso errado, do ponto de vista gramatical, porém correto na consagrada designação de um determinado lance do jogo, de modo que, neste caso específico, o redator profissional pode aplica -lo.

* GERUNDISMO – O gerundismo é um cacoete linguístico e deve ser evitado a qualquer custo. Aplicar o gerúndio é uma tendência antiga 22


do português falado no Brasil. Quando em Portugal se diz “estou a fazer”, no Brasil se prefere “estou fazendo”, por exemplo. Porém, recentemente essa tendência de aplicação do gerúndio se acentuou de forma aguda por influência do idioma inglês, efeito devido a executivos do mundo corporativo que aprenderam a oralidade do idioma britânico nos EUA e implantaram no setor a sua tradução enviesada. E então o vício do gerundismo se disseminou no Brasil, principalmente através das secretárias executivas das empresas, de suas telefonistas e dos operadores de call centers. “Estaremos marcando a reunião em que estarão sendo decididas essas questõ es”; Vou estar pesquisando seu caso”; “Vou estar completando sua ligação”: Errado. Correto seria “Marcarei a reunião...”, “vou pesquisar o seu caso” e “vou completar a sua ligação”.

* GUERREIRO – O uso equivocado da palavra “guerreiro” no sentido de “aguerrido”, de “esforçado”, de “trabalhador”, de “persistente”. Guerreiro é aquele que faz a guerra, e a guerra é uma atividade agressiva, violenta, sangrenta, infeliz, de modo que não é inteligente elogiar alguém com esse qualificativo. Assim recomenda a “peda gogia da linguagem”, na direção da cultura de paz de que carece a sociedade. Por exemplo, cobrindo um auto de Paixão de Cristo, um repórter entrevistava a moça que fazia o papel de Maria, e diz que ela representa Nossa Senhora, uma mulher guerreira. A mãe de Cristo, que certamente deplorava a guerra, não apreciaria esse “elogio”.

* HÁ DEZ MIL ANOS ATRÁS X DEZ MIL ANOS ATRÁS – Um verso de uma das canções do compositor baiano Raul Seixas, “Eu nasci / há dez mil anos atrás”, é exemplo de um uso que não se recomenda ao redator profissional. Não se trata de um erro grave, mas de uma redundância descabida, pois não há necessidade de “ênfase”, admitida somente quando necessário reforçar uma ideia pela sua repetição tautológica. Então, diz -se corretamente “há dez anos”, ou “dez anos atrás”. O verbo haver e o advérbio “atrás” são alternativos neste caso, não devendo constar na mesma frase.

* HISTÓRIA E ESTÓRIA – Não é recomendável o uso da palavra “história” com grafia diferenciada, substituindo -se o “h” e o “i” 23


iniciais pela letra “e”, a fim de distinguir de uma mera narrativa a ciência que estuda e registra o passado . A regra é gravar “História” com “H” maiúsculo, neste último caso, e com “h” minúsculo quando se fizer o uso menos pomposo da palavra, referindo um rel ato qualquer, um conto infantil, o eufemismo de “mentira”. Entende-se extravagancia adotar duas formas gráficas para a mesma palavra, sem qualquer alteração fonética, apenas para distinguir o contexto em cada uma é empregada. A aplicação da palavra “estória” é um arcaísmo, foi uso muito antigo no português, até que em 1943 a Academia Brasileira de Letras o aboliu, ao pacificar o sistema gráfico brasileiro. Registre -se que professores, dicionasitas e escritores mais tradicionalistas ainda o empregam, embora sem abonação majoritária. O Professor Doutor Vianney Mesquita, membro titular fundador da Academia Cearense de Literatura e jornalismo e de outros silogeus congêneres , o qual está entre os que defendem o uso das duas formas vocabulares, argumenta que “‘estória’ tem registro no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – VOLP como história, sendo de ficção, lorota ou brincadeira do Visconde de Sabugosa. Houaiss e Villar Salles, bem como Luis da Câmara Cascudo, também acolhem a palavra”. Em inglês, duas palavras são usadas para distinguir “história” de “História”, com a supressão de duas letras em uma delas: story e history. Mas isso não tem que influenciar o português.

* INCRÍVEL – INACREDITÁVEL – Os adjetivos “incrível” e “inacreditável” não têm a acep ção de “muito bom”. Um redator ou orador criativo deve ter lançado mão dessas palavras para conduzir à ideia de que algo a que se referia fosse ótimo: tão bom que o receptor da mensagem teria dificuldade de acreditar na sua excelência – e foi seguido por outros, que o imitaram. Mas esse uso transverso desse s vocábulos está desgastado, porque se tornou lugar comum, denotando que o emissor do conceito falece de repertório e de criatividade retórica. Portanto, deve -se evitar dizer que uma coisa muito boa, muito bela ou muito saborosa seja “incrível” (ou inacreditável), porque esses adjetivos indicam apenas e simplesmente aquilo que não se pode acreditar.

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INÍCIO DA FRASE COM PRONOME OBLÍQUO – A orientação é nunca começar as frases utilizando um pronome ob líquo, ao contrário do que se costuma fazer na linguagem oral informal . Para quem não se lembra, os pronomes oblíquos são: me, te, se, o, a, lhe; nos, vos, os, as, lhes. Os pronomes retos são: eu, tu, ele, nós, vós, eles.

Exemplo da forma errada:

Me ligue! Te amo! Me passe a caneta. O redator e o locutor profissionais devem evitar essas fórmulas adotadas na coloquialidade, para iniciar sempre as frases com o verbo, fazendo-se seguir pelo pronome oblíquo.

Exemplo da forma correta:

Ligue-me! Amo-te! Passe-me a caneta.

A restrição é apenas quando ao início das frases. Pode -se dizer corretamente: “Você pode me passar a caneta?”; Eu gostaria que tu me ligasses”; Você sabe que eu lhe amo”.

* ITÁLICO – ASPAS – TRAVESSÕES – Usa-se o tipo itálico, ou grifo, sempre que se aplica no texto em português uma palavra de 25


outro idioma. Quando se faz uma pequena citação, trazendo à colação a expressão de terceiro, se a coloca entre aspas. Na citação de trechos mais longos, é recomendável coloca -lo entre aspas e em tipo itálico, para que a fala alheia se destaque no texto, de modo que se a visualize e localize facilmente. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), em que se baseiam os trabalhos acadêmicos, nas suas especificidades, indica que aspas e itálicos sejam opções excludentes. No nosso caso, divergimos, para os específicos casos indicados. Põe-se também entre aspas algum termo do qual o redator quer ressalvar alguma imprecisão ou algum exagero que lhe seja inerente, ou lhe dotar de lato ou estricto sensu, ou pretenda o redator carregar o termo com alguma ironia, ou se eximir pessoalmente da ideia ou da acepção transportada pela expressão aspeada. Por sinal, oradores adquiriram o vezo de gesticular com dois dedos de cada mão, para comunicar à plateia que usa uma palavra imprecisa, ou à qual pretende dar um sentido especial. No caso específico de reprodução gráfica de diálogos, entre duas ou mais pessoas, cada frase da interlocução deve originar um parágrafo, e ser precedida de travessão. Se a frase r equerer um complemento do redator ou narrador, deve ser ela seguida de um novo travessão.

Exemplo:

– Fernando, foste tu que o agrediste? – perguntou o Delegado. – Eu jamais faria isso! – enfatizou Fernando.

* MAIÚSCULA DIFERENCIAL – Sempre que um determinado termo tenha duas acepções, de modo que sua aplicação possa eventualmente equivocar o leitor (quando o contexto não deixar claro em que sentido se o emprega), deve-se adotar a inicial maiúscula para distinguir a designação mais importante. Por exe mplo, se a palavra “banco” também significa um mero assento, quando ela estiver indicando uma instituição financeira deve receber a inicial maiúscula: “Banco”. É um 26


esforço do redator em prol da clareza do texto, sem necessidade de forjar uma grafia exótica.

* MANTER E MANTIVER – “Mantiver” é a forma conjugada do verbo manter, na 1.ª ou 3.ª Pessoas do Singular do Futuro do Subjuntivo. “Se ele mantiver”; “Enquanto eu me mantiver”; “Quando o chefe mantiver essa determinação...”. É comum, e equivocado, dizer-se “se ele manter”, e “enquanto eu me manter”, e “quando o chefe manter ...”. “Manter”, que é o Infinitivo do verbo, aplica-se em outros casos, como, por exemplo, “se ele conseguir se manter” e “caso eu cons iga manter o ritmo”. É o mesmo caso do verbo “dar”, que provoca enganos semelhantes, entre o Infinitivo “dar”, que é “o nome do verbo”, e a 3ª Pessoa do Presente do Indicativo, “dá”. “Eu vou dar um brinde”; “Aquilo vai dar certo”: Correto. “Ela dá muita importância a isso”; Ele disse que só dá entrevista previamente marcada”. Correto. Em outros verbos, como, por exemplo, o verbo fazer, esse engano não acontece. “Eu vou fazer um brinde” – “Se eu fizer um brinde”. Somente na linguagem infantil se diria “se e u fazer um brinde”.

* NÓS – A GENTE – O redator e o locutor profissionais devem privilegiar a Primeira Pessoa, do singular ou do plural – os pronomes “eu” e “nós” – em detrimento da expressão “a gente”. Seria um recurso aceitável tratar a si, e o grupo a que pertença, com o simpático termo coletivo “gente”, se essa prática não se tivesse tornado abusiva e desgastada, como se servisse de sinônimo aos referidos pronomes pessoais, trazendo todo o período para a terceira pessoa, sem distinção de gênero. Uma repórter construiu a seguinte frase, referindo -se à equipe da qual ela mesma fazia parte: “A gente enfrentou muitas dificuldades, e a gente foi muito corajoso”. Ora, “gente” é palavra feminina, quanto mais designando um grupo em que havia mulheres, na narração de uma mulher. O certo teria sido dizer: “Nós enfrentamos muitas dificuldades, e fomos muito corajosos” – ainda prevalecendo neste caso o masculino, por convenção gramatical, já que o grupo era misto. Um político entrevistado reportou-se dessa maneira: “A gente precisa estar sempre pronto para o que vai acontecer”. 27


* OCULISTA E ALERGISTA – Geralmente a chamada “lei do menor esforço” leva o falante e o redator a preferirem palavras contratas, que terminam se tornando mais correntes. Mas às vezes, por parecer mais pomposas, eles optam por termos alongados, que algumas vezes já têm outro significado, como no caso dos verbetes acima comentados. Dos originais “oculogista” e “alergologista” se firmaram as formas simplificadas “oculista” e “alergista”, que s e recomendam aplicar hoje.

* ONDE E AONDE – “Onde” e “aonde” não são sinônimos. “Onde” indica o lugar em que se encontra alguma coisa ou pessoa, enquanto aonde refere ao lugar para onde uma coisa ou pessoa se dirige. “Onde” – que em espanhol se diz “adonde”, forma que permaneceu longamente na linguagem campesina do nordeste brasileiro – indica lugar fixo, e somente deve ser aplicado nesse específico sentido, enquanto “aonde” corresponde a “para onde”. Deve-se evitar o termo “onde” em vez de “quando”, e e m substituição à expressão “em que”, quando se a aplica sem referência geográfica. Exemplo: “O documento onde consta o nome dele não tem validade”. Errado. O certo seria dizer “o documento em que consta o nome dele...”.

* OS INTERIORES – OS COMÉRCIOS – As palavras “interior” e “comércio”, indevidamente pluralizadas, não devem designar cidades e empresas, respectivamente. As cidades da chamada “hinterlândia”, que portanto se situam longe do litoral, estão no território central do Estado, região que se conve ncionou chamar de “Interior”. Equivocadamente, passou a se considerar como interioranos também os municípios próximos às praias, desde que distantes da Capital. Mas a imprensa não deveria adotar esse uso popular, muito menos tratar as cidades menores como “interiores”, como se tem observado: “Choveu muito em todos os interiores”. O Interior é um só, e nele se encontram as cidades interioranas. As pequenas cidades praianas não cabem nessa designação. Assim também com a palavra “comércio”, que não pode designar um conjunto de lojas, aplicada no plural: “Vários comércios foram atingidos pelo incêndio”. Os pontos comerciais não se configuram em “comércios”. 28


* PARIR – O verbo parir se refere ao parto, que é palavra cognata. Convencionou-se, equivocadamente, por hiperurbanismo, que somente parem os animais, enquanto as mulheres “dão à luz”, “descansam”, ou “ganham neném”. Em francês se aplica “délivrance”, literalmente traduzido, “libertação”. Esses eufemismo descabem ao redator profissional, que, em tratando de pa rto, mesmo humano, deve aplicar, sem receio, o verbo correto: Parir.

* PARTÍCULA “DE” – A preposição “de” anda sendo aplicada quando não deveria, por redatores e oradores profissionais, deixando de sê -lo, quando se fazendo necessária. No mesmo discurso, um Senador da República, cujos pronunciamentos, com certeza, ficam a cargo de assessores, fez essas duas construções equivocadas: “...o partido tinha acordado de que...” e “fui informado que ele teria viajado”. O certo seria: “...o partido tinha acordado que ” e “fui informado de que”. Quem acorda, está de acordo em relação a algo que foi proposto, e nunca acordado de algo. Por outro lado, quem é informado, é informado de algo.

* PERDA X PERCA – A forma conjugada da 1ª e da 3ª Pessoa do Presente do Subjuntivo do verbo perder é “perca”, enquanto a palavra cognata “perda” é um substantivo feminino que designa o ato ou o efeito de perder. “Caso você perca essa oportunidade, isso será uma grande perda para todos nós”. Em seus pronunciamentos, a política brasileira Marina Silva tem se equivocado de forma recorrente na aplicação desse substantivo, que ela tem confundido com a referida forma verbal , e vice-versa: “Isso não pode fazer com que a gente se perda” (Marina Silva).

* POETA – CONSUL – EMBAIXATRIZ – Dizer que uma mulher que escreve versos é “poeta” está errado . Ela é “poetisa”. Quando Cecília Meireles, em seu poema Motivo, musicado pelo compositor cearense Raimundo Fagner, diz “não sou alegre nem sou triste: sou poeta”, não pretende ela proscrever o feminino da palavra. Ela utilizou o masculino porque se expressou de forma genérica, até pela conveniência da métrica e da rima, assim como um 29


general pode dizer “sou um soldado”, para sintetizar a índole de sua categoria, marcada pelo estoicismo, pela disciplina, pela hierarquia – o que não significa que ele está se demitindo do posto conquistado na carreira militar. Do mesmo modo com a palavra “cônsul”, exclusivamente masculina. O seu feminino é “consulesa”. O fato de se ter aplicado o termo de forma errada, e isto ter sido dicionarizado, não significa que esteja correto. O dicionário registra os usos que o lexicógrafo encontrou publicados, sem que isso signifique que estão gramaticalmente escorreitos. Por fim, “embaixatriz” designa o cônjuge do embaixador, enquanto “embaixadora” é a mulher que exerce esse ofício.

* POR QUE X PORQUE – Todos sabem que se aplica “por que” nas perguntas e “porque” nas respostas. Mas, para evitar qualquer equívoco, é necessário ter presente que o uso do “por que” pressupõe a palavra “razão”, oculta, logo adiante: “Por que você fez isso?” = “Por que razão você vez isso?”. Na resposta, o “porque” não faz presumir esse complemento: “Fiz porque foi necessário”. Mas o “por que” também pode exigir um acento circunflexo, sempre que foi aplicado no final de uma fase, seguido de um sinal de interrogação: “Você fez isso por quê?”. Do mesmo modo, o “porque” pode também receber o mesmo acento, quando ele deixa de ser uma conjunção, e se torna um substantivo. Neste caso, ele estará sempre precedido do artigo “o”, e poderá ser substituído pela palavra “motivo”, ou pela palavra “causa”. Exemplos: “Ele agiu daquela maneira, mas não disse o porquê” = “Ele agiu daquela maneira, mas não disse o motivo” = Ele agiu daquela maneira, mas não explicou a causa.

* POSSUIR – TER – Embora os dicionários possam registrar, na terceira ou quarta acepção, possuir como sinônimo de ter, ou de ser proprietário, isso apenas confirma o erro recorrente encontradiço pelos dicionaristas. Na verdade, o verbo possuir refere especificamente à detenção física da coisa, móvel ou imóvel, excluindo a propriedade, propriamente dita. Inclusive quando em alusão ao ato sexual pelo elemento masculino. A “posse” do homem sobre a mulher indica que

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aquele praticou o coito com esta – e não que seja ela “propriedade” dele. Enfim, o redator profissional deve evitar dar ao verbo possuir sentido impróprio, dizendo, por exemplo, que uma determinada pessoa “possua” qualidades, virtudes, doenças, defeitos. Principalmente atentar para o fato gramatical de que ninguém “possui filhos”. As pessoas “têm” doenças, “têm” defeitos, “têm” predicados – e não os possuem. Filhos, as pessoas “hão”, em uso mais arcaico do verbo haver. Ou então, “têm” filhos – e não os possuem.

* PRIVILÉGIO e COINCIDÊNCIA – É comum se ouvir na imprensa pronunciar-se a palavra “previlégio”, e, não raro, “conhecidência”, erros gravíssimos de ortoépia.

* PRONOME DO CASO OBLÍQUO – O uso equivocado do pronome reto, quando caberia o oblíquo: “Eu vi ela”, em vez de “eu a vi”. Esse uso (que neste caso causa um cacófato com a palavra “viela”) não se dá pela lei do menor esforço (pois o uso correto requer duas letra a menos), mas por absoluta ignorância gramatical do populacho, transformada em “erro de hiperurbanismo”, quando equívocos verbais se tornam correntes na coloquialidade, e então cada um fala errado para não dissentir da maioria. Passou-se a entender que aplicar corretamente os pronomes, principalmente na comunicação oral, seja pedantismo desnecess ário. A imprensa nacional debochou do ent ão Presidente da República Lula da Silva, quando ele articulou erradamente a palavra “menos” no feminino, quando ela é invariável quanto ao gênero. Mas também ridicularizou Michel Temer quando este aplicou de forma correta uma mesóclise no seu discurso de posse. Quando menos fosse, sê-lo-ia pela minha formação democrática...” Cabe lembrar o ditado: “Preso por ter cão, preso por não ter cão”.

* PROTOCOLAR E PROTOCOLIZAR – RECEBER E RECIBAR Os dois usos, “protocolar” e “protocolizar”, são admitidos e aceitos, com a mesma acepção, sendo mais corretamente aplicável o verbo “protocolar” para o ato de pedir a protocolização de um documento, e “protocolizar” para a ação do funcionário que faz, de ofício, o registro desse documento no devido protocolo. Do mesmo modo que a pessoa

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“recebe” o documento ou o numerário e o “re ciba”, ao passar o recibo de que o recebeu.

* RECOMENDAMOS-LHES OU RECOMENDAMO-LHES – O doutíssimo advogado cearense Betoven Rodrigues de Oliveira, exímio redator profissional, impõe que se registre a questão da supressão do “s” final das formas verbais se guidas de pronome oblíquo átono, muito usual em petições jurídicas, ofícios e outras formas de correspondência oficial – “Solicitamos-lhes”; “Auguramos-lhe”; “Recomendamos-lhes”. Segundo os bons filólogos brasileiros, por razão de eufonia, deve-se suprimir o “s” final das formas verbais terminadas com essa consoante, seguidas do pronome oblíquo “nos”, mas não nos casos em que o pronome seguinte seja “lhes” . Sendo assim, escreva-se e se pronuncie “recomendamos-lhes”, “solicitamos-lhes”; “auguramoslhe”. E também “sentimo-nos nós”; “faze-nos tu”; “dizei-nos vós”.

* REPETIÇÃO DE PALAVRAS – Em entrevista no Programa Sem Censura, na TV Cultura, Zélia Gatai, hoje falecida, então viúva do escritor baiano Jorge Amado, anunciando o lançamento de seu livro Códigos de Família, revelou a primeira lição que o marido lhe dera, quando ela se animou a escrever um livro: “Não repita palavra no mesmo parágrafo”. De fato. Recorrer a um sinônimo, nestes casos, é imperioso. Mesmo em se tratando do nome de um personagem da narrativa, o bom redator deve procurar um pronome (ele, este, aquele), ou referir-se a ele por um predicado seu – resistindo sempre à tentação de usar o termo “o mesmo”, que abordamos em tópico próprio (Expressões Clichês).

* RISCO DE VIDA E RISCO DE MORRER – A aplicação da expressão risco de morte, em vez de risco de vida , está errada, porquanto é a vida que está em risco. É ainda aceitável aplicar a expressão “risco de morrer”. “Risco de morte” não é a forma correta de comunicar.

* SÉCULO – Ao indicar um determinado século, é recomendado aplicar letra inicial maiúscula, e o numeral em algarismos romanos. Exemplo: Século XXI. 32


* SE DAR AO LUXO – NÃO É PRIVILÉGIO – O uso equivocado das expressões “se dar ao luxo”, e “não é privilégio ”. Dar-se ao luxo remete, necessariamente, a fazer algo vantajoso. Por exemplo, uma fala em documentário sobre os gorilas, a propósito de que a morte de um macho alfa faz com que o seu sucessor no harém mate os filhos do antecessor, diz assim: “O filhote não pode se dar ao luxo de fi car órfão”. Ora, ficar órfão não representa luxo algum, nem é algo que se possa desejar ou promover. O uso desse recurso de linguagem caberia em outros contextos, como, por exemplo: “O pequeno gorila não pode se dar ao luxo de se afastar muito dos pais”. S im, porque neste caso se está referindo a uma necessária restrição de liberdade, da qual o macaquinho pode e deve se privar. Por outro lado, dizer que isso ou aquilo “não é privilégio” de alguém tornou-se um cacoete, inclusive quando produzindo uma antítese proposital. Por exemplo: “Mandar matar pessoas não é privilégio da máfia napolitana”. Trata-se de um recurso desgastado, pois essas ousadias antitéticas somente são válidas quando ainda trazem o frescor da criatividade, nunca quando tornadas clichês , repetitivos e banais.

* SEGUE INTERNADO; SEGUE PRESO – A aplicação incongruente das expressões “segue internado” e “segue preso”, quando o certo seria dizer “permanece”, ou “continua”, pois a prisão e o internamento podem ser contínuos e permanentes, mas a pessoa que os experimenta não segue para lugar algum . O verbo “seguir” indica ação, jamais inação ou paradeiro. Entrou na moda o uso do verbo seguir nos textos dos telejornais, mas a sua aplicação tem que ser restrita aos casos em que há ação e sequência: “A Prefeitura segue terceirizando a limpeza pública...”. O acadêmico acelejano, que é imortal da Academia Cearense de Letras, Luciano Maia, fez publicar um artigo no Blog da ACLJ combatendo, de forma bem fundamentada, essa erronia recorrente.

* SEJA X SÊJE – A 3ª Pessoa do Singular do Presente de Subjuntivo do Verbo Ser – seja – pode ser usada como conjunção alternativa a “ou”, ou “quer”. Por exemplo: “Não gosto de dirigir, seja car ro 33


pequeno, seja camioneta”; “Não gosto de dirigir, quer carro pequeno, quer camioneta”. Em qualquer caso, jamais se deve usar a palavra “sêje”, em vez de “seja”, pois se trata de um vocábulo inexistente em português. Trata-se de um cacoete comum que não raro se ouve de pessoas que se pretendem ilustradas.

* SOBRANCELHAS – REITERAR – TERRAPLENAGEM – DAR À LUZ – ABDOME – Dizer “sombrancelhas” e “reinterar” são erros muito comuns de cacoérpia, que são pronúncias divergentes da grafia normal da palavra. Nesses casos todos, o sacrifício da ortoépia acontece pela contaminação da semântica de outros dois vocábulos, “sombra” e “inteiro”, que embora tenham parcial semelhança sonora e uma vaga proximidade de sentidos, nada têm a ver com os outros termos em cuja pronúncia interferem. Como as sobrancelhas, presumivelmente, estejam sombr eando os olhos, e que quem reitera algo estaria tornando mais inteiro o pensamento que expressou, as pessoas tendem a entender que os termos corretos seriam “sombrancelhas” e “reinterar”. Mas se trata de erros crassos. Pela mesma razão, a palavra “terraple nagem”, que é o trabalho dos tratores que tornam “planos” os terrenos a serem edificados pela construção civil, é muitas vezes referida na imprensa, erradamente, como “terraplanagem”, por razões óbvias. Também se houve dizer na imprensa falada que determin ada mãe deu a luz a alguém, quando o certo é dize r que ela deu alguém à luz – deu à luz. Nesse particular, trata-se de um antigo e empolado eufemismo, que na coloquialidade se passou a substituir por “ganhar neném”. Aqui se observa um descabido repúdio ao correto verbo “parir”, que é cognato de “parto”, por se haver convencionado no Brasil ser ele aplicável unicamente aos animais. Já o étimo “abdome”, que indica corretamente o plexo das pessoas, por influência equivocada na palavra “homem”, ganhou um “m” final que originalmente não tinha. Hoje se aplica “abdômem” de maneira generalizada. Aquele redator em português que resolver escrever ou pronunciar “abdomen”, despropositadamente, estará se expressando em latim.

* 34


SUBSÍDIO – Uma regra fonética primária do idioma português indica que a letra “s” tem som de “z” (o fonema “zi”), apenas quando grafada entre duas vogais: a, e, i, o, u. Exemplo: “Brasil”. Não estando entre vogais o “s” mantem o som de “s”. Exemplo: “autopsia” (há apenas uma exceção, para confirma r a higidez da regra, que é a palavra “trânsito” e seus cognatos – transitar, transitado, transitivo), como observa o Prof. Rui Martinho Rodrigues. Porém, por influência do mundo corporativo, em que todos estudam e falam inglês, notadamente em matéria de e conomia, tem-se pronunciado erradamente “subzídio”, pretensamente falando português. Em inglês a palavra é subsidy, que naquele idioma se pronuncia algo como “sabzid”. Lembra ainda o Prof. Rui Martinho Rodrigues que “sub -sí-dio, por ser pronunciado su-bi-sí-di-o, cria, na pronuncia, um “s” entre duas vogais (o i de “bi”, e o i de “si”), levando à pronuncia do fonema “zi”. A influência da língua inglesa é mais recente, enquanto e o vício de linguagem (zi) é mais antigo”.

* SUBSTANTIVOS PLURALÍCIOS – Calças – Óculos – Olhos – Pernas – Aplicar no singular os substantivos pluralícios é erro crasso. Os substantivos pluralícios ou, em latim, pluralia tantum, exigem a forma plural. É claro que se pode referir ao óculo esquerdo ou ao direito, à essa perna ou àquela, ao olho sadio ou ao olho doente, porém, caso trate do conhecido aparelho oftalmológico facial, que é composto por dois óculos, se deve sempre fazê -lo no plural, “os óculos” – e continuar a frase no plural – a menos que se tenha usado o termo “par de óculos”, quando então, a partir daí, impor -se-á o singular. “As calças”, no sentido de vestimenta, e “as costas”, em sentido anatômico, só são aplicadas no plural – exceto “costa”, aplicada em sentido geográfico, na acepção de “litoral”. Quando se vai dizer que as pernas ficaram trêmulas de emoção, por exemplo, não faz sentido dizer que “a perna bambeou”. Para significar que os olhos brilharam diante de alguma maravilha visual, também não tem cabimento dizer que “o olho brilhou”. “As pernas bambearam”, essa seria a maneira correta de dizer, no caso de um profissional de imprensa em atuação. A sinédoque é uma figura de linguagem que autoriza indicar “a parte pelo todo” (pars pro toto), como, por exemplo, dizer “teto” em vez de “casa”, dizer “homem” em vez de “humanidade” ou de “ser 35


humano”, mas somente se aplica esse recurso quando se impõe uma necessidade estética (para evitar repetição vocabular no mesmo período), ou para aprimorar a clareza, ou por ousadia de estilo, o que também não cabe naqueles outros casos referidos.

* SUPOR E SUPUSER – “Supuser” é a forma conjugada verbo supor na 1.ª ou 3.ª Pessoas do Singular do Futuro Subjuntivo. “Se ele supuser”; “Enquanto eu supuser”.

do do

É comum, e equivocado, dizer-se “se ele supor”, e “enquanto eu supor”. “Supor”, que é o Infinitivo do verbo, aplica -se em outros casos, como, por exemplo, “ele pode supor que eu fiz por mal” e “caso isso faça supor que não pretendo comparecer”. É o mesmo caso do verbo “dar”, que provoca enganos semelhantes, entre o Infinitivo “dar” , que é “o nome do verbo”, e a 3ª Pessoa do Presente do Indicativo, “dá”. “Eu vou dar um brinde”; “Aquilo vai dar certo”: Correto. “Ela dá muito importância a isso”; Ele disse que só dá entrevista previamente marcada”. Correto. Em outros verbos, como, por exemplo, o verbo fazer, esse engano não acontece. “Eu vou fazer um brinde” – “Se eu fizer um brinde”. Somente na linguagem infantil se diria “se eu fazer um brinde”.

* SUSPEITOS – Uso abusivo da recomendação correta sobre o tratamento de “suspeito”, dado a acusados de um crime. Instruídos pela legislação penal, os repórteres têm evitado tratar como culpados de um crime os que aparecem como meros suspeitos nas reportagens policiais. E até aqui isto está certo. De fato, somente se deve tratar como autor de um delito aquele que for objeto de uma condenação definitiva, com sentença penal transitada em julgado. Além disso, a pessoa é apenas suspeita, ou indiciada, enquanto objeto de inquérito da polícia. Quando ela começa a responder a processo criminal na Ju stiça, passa a ser ré. Mas, a partir dessa orientação correta, os repórteres da TV têm cometido curiosos erros de redação. “A polícia ainda não prendeu os suspeitos do assalto...”; “o suspeito, que portava uma faca, assaltou o casal”. Ora, ao dizer assim, o jornalista expressa, inadvertidamente, uma dúvida descabida de que tenha acontecido o fato criminoso que 36


ele mesmo noticia. Na verdade, o que a polícia procura são os autores do crime, ou sejam, os criminosos. Não os suspeitos. Quando a polícia prender alguém, esse será ainda um suspeito. Mas, no ponto de vista impessoal, os autores do fato criminoso, que a polícia procura, existem sim, são efetivamente criminosos, e não apenas suspeitos. Do mesmo modo, o homem que assaltou o casal era efetivamente um assaltante, e não um suspeito. Quando alguém for preso e acusado de tal, então será suspeito, até s e configurar que ele é de fato o assaltante.

* TER, FAZER E HAVER NO SINGULAR – O uso equivocado dos verbos “ter”, “fazer” e “haver” no plural, nos casos em que eles não devem sofrer flexão de número. “Haviam muitas pessoas no local”, em vez de “havia muitas pessoas no local”, está errado; “Já tinham doze atores na cena”, em vez de “Já tinha dozes atores na cena”, também é erro; “Fazem dez dias que chove”, em vez de “faz dez dias que chove”, um outro erro.

* TEXTOS SOBRE DETERMINAÇÕES JUDICIAIS – É equivocado dizer que o Promotor de Justiça, ou que o Procurador, enfim, que um membro do Ministério Público, estadual ou federal, determinou algum ato mandamental. Somente quem emana ordens judiciais são os membros do Poder Judiciário. Algumas vezes estes decidem de ofício, quando sejam eles titulares de um processo judicial, mas muitas vezes eles tomam decisões e emanam ordens, dentro ou fora dos das ações judiciais já instauradas, a requerimento dos Membros do Ministério Público – mas ainda assim não é correto dizer em texto que foram estes que “mandaram”. Eles pediram, ou requereram, ou recomendaram, e o magistrado decidiu atender. Do mesmo modo, a Polícia somente p ode prender por ordem judicial, ou em flagrante delito, prisão essa que pode ser relaxada pelo juiz, ou pode ser convertida em prisão temporária ou preventiva, sempre pelo juiz. As prisões temporárias e preventivas são provisórias, sob determinada justificativa jurídica. Não são prisões punitivas. Somente após decorrer o processo criminal, com sentença penal com trânsito em julgado (sem mais possibilidade de recurso), o juiz declarará a 37


prisão punitiva, de cuja dosimetria deve ser deduzido o tempo das eventuais prisões provisórias que o réu tenha amargado. Os crimes culposos são aqueles cometidos por imperícia, imprudência ou negligência do agente. A imperícia se configura quando alguém teria o dever profissional ou jurídic o de conhecer determinada técnica, e erra o procedimento; imprudência, quando alguém faz alguma coisa arriscada, sem necessidade de fazê -lo; negligência, quando alguém deixa de fazer alguma coisa essencial, por desídia ou por preguiça. Os crimes dolosos são aqueles cometidos de propósito, objetivando matar, no caso do homicídio. Hoje, mormente nos crimes de trânsito, se considera “dolo eventual”, com as mesmas consequências penais do dolo comum, quando o agente tem uma conduta tão perigosa que se considera assumiu o risco de colher o resultado morte. Nestes casos, é incorreto dizer na imprensa que o guiador que provocou um determinado acidente por estar embriagado, inquinado de ter cometido crime doloso (eventual), tenha tido “intenção de matar”.

* TRATA-SE DE... – A indevida substituição do verbo “ser” pela expressão “trata-se de”, em qualquer caso. A aplicação correta desse recurso se dá quando já se está tratando de algum assunto, e se pretende acrescentar esclarecimentos sobre ele. “Foi eleito um homem de coragem. Trata-se de João Saraiva...”. Mas não tem cabimento dizer que “A pessoa eleita trata -se de João Saraiva”. O certo seria, neste caso, se dizer: “A pessoa que foi eleita é João Saraiva”, simplesmente. Pior ainda é aplicar a expressão “trata -se de...” referindo a algo ocorrido no passado: “Se é a esse encontro que as fontes se referem, tratou-se de uma visita...”. O certo seria: “Se é a esse encontro que as fontes se referem, trata-se de uma visita...”. Sim. É agora, no presente, que se está tratando de uma visita que ocorreu no passado.

* TRAVESSÃO – HÍFEN – VÍRGULA – Hífen, ou traço-de-união, é o sinal diacrítico a ser usado entre os termos de uma palavra composta, enquanto “travessão” é o sinal de pontuação, mais longo, com usos mais específicos, sempre separado do texto por esp aços. Hodiernamente, alguns redatores costumam fazer seguir o travessão 38


por uma vírgula, o que não recomendamos, por ser desnecessário e redundante. O travessão já produz a pausa redacional que se espera de uma vírgula. As divergências são estilísticas, s em consequências para o texto.

* VERBO “VER” NO FUTURO DO SUBJUNTIVO – A maioria das pessoas da classe medianamente culta certamente não sabe mais definir o que seja o “futuro do subjuntivo”. Não é importante. Mas é importantíssimo saber empregar corretam ente esse tempo verbal, no caso do verbo ver, principalmente quando falando em público, pois quem escreve para publicar tem sempre a possibilidade conveniente de submeter o texto a um revisor. Hoje, o próprio computador pode fazer algumas correções. Mas em discursos orais, frequentemente nos surpreendemos com o emprego errado desse verbo, nesse tempo verbal, até por quem tem curso superior: “Sempre que eu ver você fumando”, ou então “Quando você me ver apressado”. Erro grave. Deve-se dizer: “Sempre que eu vir você fumando”, e “quando você me vir apressado”.

* VÍRGULAS – TRAVESSÕES – PARÊNTESES – Quando o redator pretende inserir no texto algum aposto, alguma frase explicativa que não pertença ao contexto, ele o faz entre sinais de pontuação – sejam vírgulas, sejam travessões, sejam parênteses, de forma gradativa, exatamente nessa ordem. Quanto a frase a ser inserida está mais próxima ao tema, representando uma suave interrupção na fluência do texto, são suficientes as vírgulas; quando ela provoca uma síncope maior na redação, e merece destaque, o redator deve recorrer a travessões; se a frase a ser acrescentada for completamente estranha à fluência da narrativa, embora trazendo uma informação relevante para o tema, então abrem-se parênteses. Exemplos:

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“O homem, que era muito alto, foi logo identificado na multidão”. Aqui há uma separação das duas informações, uma , que o homem foi identificado; outra, que ele era alto e isso facilitou a identificação. “O homem – que desembarcara da Alemanha – não foi identificado na multidão”. Aqui há um destaque, simplesmente um acréscimo, uma ênfase na origem do personagem. “O homem (que era perigoso) não foi identificado na multidão”. Aqui há uma mudança de assunto, passando da simples identificação, no sentido de reconhecimento, para outra informação pertinente a periculosidade da pessoa referida, desconectada do tema inicial que era a identificação física. Notar que o fato de ser muito alto teve importância na identificação do homem; o fato de ter desembarcado da Alemanha não tem interferência no desfecho da ação, pois é apenas um detalhe ilustrativo; o fato de que o homem é perigoso é uma informação que o leitor pode deixar de ler de imediato, para manter o ritmo, para somente fazê-lo retroativamente, após termin ar a leitura do período. Por isso o parêntese é um corpo estranho no texto, sendo contraindicado em trabalhos acadêmicos, devendo ser substituído por uma nota explicativa no rodapé.

* VOZ PASSIVA SINTÉTICA NO PLURAL – As frases podem ser proferidas, ou escritas, na voz ativa ou na voz passiva, ao gosto de quem as está produzindo, de conformidade com a estética que pretenda dar ao texto. A nossa preocupação, nesse tópico, é com a aplicação do plural na chamada “voz passiva sintética”.

Exemplo, no singular:

A casa foi destruída – Voz ativa – A palavra “casa”, que é o sujeito da frase, está colocada como “agente”. 40


Destruiu-se a casa – Voz passiva – A palavra “casa”, que é o sujeito da frase, está colocada como “paciente”. Como dissemos, o problema é com a voz passava no plural, em cujo emprego muito se erra, erro que o redator profissional precisa evitar.

Exemplo, no plural:

As casas foram destruídas – Voz ativa – A palavra “casas”, que é o sujeito da frase, está colocando como “agente”. Aqui não há nenhuma dificuldade. Destruíram-se as casas – Voz passiva – A palavra “casas”, que é o sujeito da frase, está colocada como “paciente”. E o verbo precisa estar sempre no plural, concordando com o sujeito. Mais exemplos de emprego correto da voz passiva sintética:

Faz-se unha – Singular correto Fazem-se unhas – Plural correto Vende-se cesta – Singular correto Vendem-se cestas – Plural correto A coisa foi feita às escondidas – Singular correto Fizeram-se as coisas às escondidas – Plural correto

* VULTUOSO E DESAPERCEBIDO – Ambas essas palavras existem no idioma vernáculo, porém elas são muitas vezes aplicadas de maneira equivocada, o que o profissional da escrita precisa evitar. 41


“Vultuoso” não é sinônimo de “vultoso”, pois tem acepção própria, assim também com o termo “desapercebido”, que não tem o mesmo sentido de “despercebido”. “Vultuoso” é o vulto agigantado das pessoas que padecem de uma determinada doença que lhes amplia as formas faciais – portanto não tem o mesmo significado de “vultoso”, qu e indica algo que tem grandes proporções. “Desapercebido” é aquele que está desprevenido de dinheiro, ou de outra coisa que lhe seja essencial ter consigo e que lhe faça falta. Portanto, nada tem a ver com o verbo “perceber”, no sentido de “notar” – ou de “entender”, como se usa em Portugal.

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GLOSSÁRIO DE EXPRESSÕES CEARENSES INTRODUÇÃO Uma língua é um código complexo, oral e grafável, ela borado e tacitamente convenciona do por um determinado grupo social, ao longo do tempo, conforme já foi anteriormente referido. Por meio dele os indivíduos podem trocar e compartilhar cerebrações – ideias, sentimentos, impressões, opiniões, experiências, conhecimentos, informações. O idioma relaciona sons vocais e sinais gráficos a objetos, seres e lugares, lhes definindo a substância e lhes atribuindo nomes individuais, bem como identificando com palavras a quantidade, a situação, as propriedades e as qualidades das coisas, assim também as ações da natureza e das pessoas. São, basicamente, os substantivos, os adjetivos e os verbos. Os signos dos idiomas e suas regras sofrem alterações no tempo e no espaço, recebem e concedem contribuições vocabulares e gramaticais uns aos outros, sempre evoluindo. Muitas vezes se distinguem e se recompõem em códigos novos. O latim e o grego antigo, por exemplo, compuseram línguas novas, inclusive o português, aqui e ali sofrendo influências do árabe, do sânscrito, do aramaico, do hebraico, das línguas germânicas. A palavra “viúvo”, por exemplo, tem origem no sânscrito, em que significa “vazio”. Por influência desse velho étimo indiano, temos widow, em inglês, witwe, em alemão, veuve, em francês, e vdova, em russo. Dialetos são variações que um determinado idioma sofre dentro de um mesmo país, assim chamados quand o atingem tal grau de diferença da língua original que não são compreendidos por quem não seja natural das respectivas províncias ou regiões que os criaram. Há dialetos em muitos países, mas no Brasil, a rigor, não. O português, falado em todo o imenso ter ritório brasileiro, é um dos exemplos da nossa identidade cultural, que consolida a N ação, assim como o cristianismo, o futebol, a cachaça e o carnaval, que são hegemônicos entre nós, em todos os distantes recantos do país. Mas é claro que cada um dos Estados do Brasil, ao longo dos seus mais de 500 anos de existência, desenvolveu palavras e expressões de uso próprio, as quais, no caso do Ceará, este trabalho relaciona.

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O Glossário abaixo, produzido com apuro etimológico, tem dois distintos públicos-alvo. O primeiro deles, o dos próprios cearenses de todas as gerações, para o deleite da memória afetiva sobre expressões idiomáticas do passado , e para constatação da identidade e da força intelectiva do seu povo , da Capital, das praias e dos sertões. O segundo grupo de interesse do Glossário é composto por brasileiros de outros Estados que tenham curiosidade sobre os costumes cearenses, que costumem frequentar estas plagas, ou que tenham vínculo especial com o nosso povo, bem como lusófonos em geral dedicados a pesquisa da grande amplitude do idioma de Camões.

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CONCEITOS E ETIMOLOGIA DO DIALETO CEARENSE ABAIXO DE DEUS – Rural. A expressão, antecedendo o verbo da frase, serve para enfatizar o fato referido como sendo absoluto e indiscutível. “A pessoa de quem mais gosto, abaixo de Deus, é você”; “A melhor coisa pra gente ruim, abaixo de Deus, é peia”; “Abaixo de Deus, quem mais ajudou foi o Pedro”.

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ABARCAR – Rural. Envolver: “A corda tem que abarcar a carga toda”. Conseguir envolver: “Uma árvore tão grossa que cinco homens não abarcam”. Abraçar com violência, abufelar. Por extensão, usa -se o termo para qualquer ação incisiva ou violenta: “O carro abarcou no rumo da cidade.”; “O policial segurou o homem, pegou o cassetete e abarcou!”. Nesse sentido tem a mesma acepção de “acunhar”, e pode ter conotação sexual. Usa-se muito a corruptela “abaica!”, interjeição popularmente usada para estimular alguma ação. É como, por exemplo, os passageiros de um veículo autorizariam o motorista a d ar partida, ou a aumentar a velocidade.

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ABASTA – Rural. Basta. É bastante que... . Na expressão “bom basta!”, de espanto ou de contestação, frequente no sertão, a palavra “basta” permanece na sua forma clássica.

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ABENÇA(!) – Rural. Antigo. A bênção. Maneira como os filhos e afilhados cumprimentam os pais e os padrinhos no momento do encontro e no momento da partida, geralmente estendendo a mão, simbolicamente, na velha tradição sertaneja. “Deus te abençoe!”, é a resposta clássica. O beija-mão, que fazia parte do rito, caiu em desuso, estando há muito dispensado. Usa -se também a corruptela “bença!”. “Dar a benção”; Botar a bença”.

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ABESTADO – Uso geral e frequente. Bobo, tolo. Carinhosamente, aquele que está desatento, que não percebe, não se adv erte, não aproveita de alguma vantagem em seu favor, que não presta atenção: “Deixa eu falar, abestado”. Usa -se também a forma “besta”, com o mesmo sentido, com discreta variação semântica: “Aproveita, besta, que hoje é dia de festa!”. As formas “abestalhado” e “abestaiado” são 45


mais agressivas, prestando-se ao uso pejorativo da expressão. Veja o verbete “Besta”.

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ABIROBADO Confuso.

Urbano.

Antigo.

Uso

raro.

Doido.

Tonto.

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ABORTADO – Urbano. Gíria quase em desuso. Sortudo. Veja o verbete “Cagado”.

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ABRIR – Uso geral. Ligar, no sentido de acionar aparelhos elétricos ou eletrônicos. Acender, no sentido de fazer luz, acionando o interruptor da lâmpada elétrica. Ligar a televisão = Abrir a televisão; Acender a luz = Abrir a luz. Pode significar também des istir de alguma coisa. Veja o verbete “Abrir dos paus”.

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ABRIR DO OLHO – Uso geral. Ter cautela. Ficar em alerta. “Abra do olho, rapaz, que essa mulher não merece confiança!”.

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ABRIR DOS PAUS – Urbano. Desistir da briga. Amarelar. Gelar. Afrouxar.

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ABRIR DOS PEITOS – Uso geral. Arrojar-se a uma tarefa arriscada, ou a uma despesa elevada. “Eu abri dos peitos e reformei a casa”; “O homem abriu dos peitos e se inscreveu no Exército da Borracha”.

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ABRIR-SE – Suburbano. Rir-se. Usa-se muito na expressão exclamativa “...eu me abro!”, com a qual se encerra uma narrativa jocosa, geralmente fazendo gozação sobre alguém. Não guarda, nesse caso, nenhuma relação com o uso figurado clássico de confidenciar, “abrindo o coração”.

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ABUFELAR – Urbano. Antigo. Agarrar física e intimamente.

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ABUSADO – Uso geral. Grosseiro. Irritadiço. Exigente. Indelicado. Há uma tendência de usar o termo de forma elogiosa, na gíria, para designar alguém que se impõe e sobressai pela ousadia.

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ABUSAR – Rural. Saturar-se de alguma coisa. Criar intolerância, principalmente a algo de comer ou de beber. Nesse mesmo sentido, “enjoar”. Não se usa, popularmente, no sentido clássico de exceder as prerrogativas pessoais, de expandir direitos indevidamente, de praticar violência sexual. Veja o verbete “Tomar Abuso”.

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ABUSO – Uso geral. Indelicadeza verbal. Exigência rude. Imposição grosseira. Não se usa, popularmente, no sentido clássico de excesso das prerrogativas pessoais, de expansão indevida de direitos. Veja o verbete “Tomar Abuso”.

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ACABADO – Uso geral. Pessoa envelhecida. Depauperado.

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ACANAIADO – Rural. Acanalhado. Debochado. Irreverente. Diz -se da pessoa que é dada a brincadeiras ruidosas, que goste de promover bagunça, que não leve a vida a sério.

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ACANHADO – Uso geral. Inibido. Tímido. Encabulado. Diz-se também para referir algum imóvel muito pequeno ou humilde. No Sudeste, aplica-se o termo “vergonha” para significar simples acanhamento, timidez inocente, inibição natural, a retração das crianças e o temor reverencial dos ingênuos diante de estranhos. Nada obstante, entre nós o termo “vergonha” está relacionado, com exclusividade, a pejo moral, a presença ou falta de brios: “Ele é um homem de vergonha, que não se daria a uma atitude dessas!”; “Diga lhe que tenho vergonha na cara!”; “Aquele é um desavergonhado!”; “Aquele filho só me envergonha!”; “Eu teria vergonha de fazer uma proposta daquelas!”. Já alguém que temesse falar em público, ou o menino que se recusasse a conversar com um desconhecido, para os cearenses ele estaria acan hado, ou encabulado, e nunca “envergonhado”.

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ACARALHAR – Uso geral. Gíria. Encher o saco. Importunar. O termo provém da palavra “caralho”.

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ACOCHAR – Uso geral. Apertar, tanto no sentido físico como na acepção de exercer pressão moral contra devedores renitentes ou contra interrogados que resistam a revelar a verdade. Veja o verbete “Arrochar”.

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AÇOITAR – Rural. Derivando de seu sentido clássico, o termo “açoitar” é utilizado no sertão para referir alguma coisa que supera outra em qualidade. “Correndo no prado de 400 metros, o meu cavalo açoita qualquer outro”; “Os sapotis do quintal do João são muito doces. Eles açoitam os que são vendidos na feira”.

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ACOLÁ – Uso geral e frequente. Palavra vernácula, em desuso no resto do país. Lá. Ali. Naquele lugar . Em certo lugar que não se quer especificar, por motivo de reserva. A pronúncia mais usual é “aculá”.

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ACUNHAR – Origem rural. Uso geral. Usa-se o termo para qualquer ação incisiva ou violenta: “O carro acunhou no rumo da cidade.”; “O policial segurou o homem, pegou o cassetete e acunhou!”. Nesse sentido, a mesma acepção de “abarcar” e “arrochar”. A palavra tem origem em “enfiar uma cunha”, e pode ter conotação sexual.

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AFOBADO – Uso geral e frequente. Usa-se no sentido de “zangado”, enquanto no resto do País tem a acepção de “apressado”.

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AFOLOSAR – Uso geral. Tornar foló. Afrouxar em excesso. Arrombar. Lassear muito. Alargar demasiadamente, tornando imprestável.

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AGÁ – Gíria Urbana. Mentira utilitária. Conversa Mole. “Ele disse que não vai, mas é só agá”; “João estava de agá quando falou que não foi ele que fez aquilo”. Pode -se deduzir que o termo faz referência à letra “h”, que em português é mudo na maioria das suas aplicações, portanto aparece na escrita somente “de agá”. Veja os verbetes “De Nelson e De Araque”.

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AGARRAR – Rural. Usa-se no sertão o verbo agarrar em amplo sentido figurado, como em “agarrar no sono”, ou como no exemplo seguinte: “O senhor agarra nesta cerca e vai em frente, que não tem errada”. A indicação instrui a seguir a ce rca, mantendo-se junto a ela, dobrando onde ela dobrar, para chegar ao lugar desejado. Não há entre os cearenses a forma “garrar”, comum entre os caipiras do Brasil central: “Nós garrou a prosear...”.

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AGORINHA – Uso geral. Diminutivo de agora. Há pouquíssimo tempo. Nestante. Veja o verbete “Indagurinha”. 48


* AGUNIADO – Uso geral. Corruptela de Agoniado. Impaciente. Ansioso. Avexado. Azafamado. Apressado. Diz -se também para referir a debilidade mental moderada: “Aquele rapaz é ag uniado da cabeça”; “A mulher dele é aguniada do juízo”.

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AIÁGUA – Rural. A água. Essa pronúncia sertaneja trai o acento do português de Portugal, que talvez haja resistido nos rincões interioranos.

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AÍ DENTRO(!) – Urbano. Moderno. Vulgar. Expressão de desagravo. Usa-se para rebater qualquer impropério, ou para repelir, com bom humor, uma proposta cretina. Carinhosamente, a expressão pode ser complementada com a expressão “macho véi!”. Tem conotação sexual.

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AÍ MENTE(!) – Uso geral. Diz-se quando alguém mente ou se refere a uma mentira de outrem. É uma forma de contestação difusa: “alguém mente por aí!”; “este aí mente!”.

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AINDA VAI(?!) – Uso geral. A expressão tem o fito de debochar de quem haja obtido mau resultado de alguma conduta sua. Corresponderia a dizer “bem feito!”, n a direção de quem foi punido por alguma ousadia.

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ALEGAR – Uso geral. Lançar em rosto. Cobrar favores, aludindo a dívidas morais antigas. Referir ajuda prestada a alguém no passado, com o objetivo de humilhá-lo, ou para exigir-lhe o resgate da contrapartida.

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ALOPRADO – Uso geral. Diz-se do homem sexualmente bem dotado. Por analogia, aquele cujas atitudes são desmedidas e prejudiciais a terceiros. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva celebrizou o adjetivo, em 2006, ao aplicá -lo a correligionários seus que tentaram comprar um falso dossiê contra o candidato de oposição, José Serra, visando a prejudicá -lo na campanha política – e foram pilhados com o dinheiro, de origem desconhecida, com que pretendiam fazer a aquisição dos documentos.

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49


ALPERCATA – Uso geral. Antigo. Alpargata. Designa qualquer sandália. No sertão diz-se “apragata”. Veja o verbete “Apragata”.

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ALUIR-SE – Uso geral. Termo utilizado no Ceará em sentido diverso de sua acepção clássica – do latim alluere = desmoronar. Dáse a esse palavra no nosso jargão, sempre servida por um dos prenomes pessoais “se” ou “te”, para estimular uma pessoa indolente a se apressar, ou cobrar de alguém que tenha ânimo e se ponha em ação. “Vamos! Te alui, rapaz, que já está tarde”; “Eu já disse para ele se aluir, mas ele ainda não saiu de casa”.

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AMALDIÇOADO – Rural. Pessoa impossível ou endiabrada. Diz -se daquele de hábitos exóticos, ou capaz de tarefa difícil ou de ato ousado. Contraditoriamente, diz -se também daquele que tem sorte excepcional. Veja o verbete “Condenado”.

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AMANCEBADO – Uso geral. Amigado. Junto. Que tem amante. Que vive maritalmente, sem se ter casado. O termo deriva de “mancebo”, homem jovem.

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AMARELO – Rural. Pessoa de aspecto doentio. Os indígenas e os negros consideravam a pela clara um sinal de pouca saúde e de fraqueza física. Os caboclos de aparência mais europeia, ou de morenice pálida, são muitas vezes taxados de “amarelos” por seus desafetos. O pistoleiro Ildefonso Maia Cunha, o Maí nha, homem branco, depondo em juízo, aleg ou contra uma de suas vítimas, entre outras coisas, o fato de esta lhe haver chamado de “amarelo”. O termo pode ser acrescido da palavra “empambado”, de étimo impreciso, talvez de formação arbitrária. Alguém a relaciona com “pomba”, através de “empombado”.

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AMARELO-QUEIMADO – Uso geral. Cor laranja. Usa-se amarelotorrado em outras regiões do País.

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AMARRADO – Uso geral. Mau motorista. Barbeiro. Por extensão, alguém que seja pouco habilidoso em alguma tarefa específica.

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AMARRAR-SE – Gíria antiga. Gostar de alguma coisa. Ter interesse em algo ou alguém. Apreciar. “Eu me amarro naquela mulher!”; “Ele se amarra em corrida de automóveis”; “Você gosta de doce? – Eu me amarro!”. 50


* AMIGADO – Uso geral. Amancebado. Junto. Que tem amante. Que vive maritalmente, sem se ter casado.

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AMOQUECADO – Uso geral. Reunido demais. Excessivamente aglomerado. Usa-se para referir pessoas: “o povo todo amoquecado na praça”. Talvez provenha de “moqueca”, prato da culinária brasileira em que se misturam vários tipos de marisc os.

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AMUADO – Uso geral. Empacado como um muar. Aborrecido. Rebelado. Triste. Usa-se também para realçar a ideia de intensidade ou quantidade. “O cara é rico. Tem um dinheiro amuado”.

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AMUFAMBADO – Urbano. Antigo. Escondido. Clandestino. Enfiado entre coisas. Maliciosamente oculto entre tralhas.

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AMUNDIÇADO – Rural. Diz-se de coisas, usos ou pessoas de baixo nível social. Deselegante. Deseducado. Anarquista. Esculhambado. A palavra vem de “mundiça”, povinho, gente sem importância ou refinamento, que não merece atenção ou cerimônia. Mundiça é corruptela de imundície. Usa-se, carinhosamente, para designar pessoas íntimas à uma família, em oposição àquelas de maior cerimônia e reverência.

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ANDE TONHA(!) – Rural. Chulo. Quase em desuso. O termo enfatiza algum gesto rude, por parte de quem o pratique, e inelutável, por parte de quem o sofra. Tem, em sua origem, conotação sexual.

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ANIMAL – Rural. Para os sertanejos iletrados, a palavra “animal” designa, no singular ou no plural, específica e exclusivamente, as alimárias, os bichos de carga ou montaria – cavalos, asininos e muares. Veja os verbetes “Criação” e “Miunça”.

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ANTONSE – Rural. Então. A palavra tem origem antiga, remontando ao tempo em que o português tinha maiores conexões com o espanhol. Usam-se também as formas “antão” e “entonse”.. ANTONTE – Rural. “Ternontonte”.

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Anteontem.

51

Ontonte.

Veja

o

verbete


* A OITO – Uso geral. Antigo. Em grande velocidade. “O carro foi a oito, para chegar antes de amanhecer”; “O menino passou por aqui a oito, fugindo da polícia”. A expressão, que tem origem na velocidade máxima de oito pontos, imprimida nos bondes elétricos de Fortaleza, desativados na década de 40 do Século XX, já caiu em desuso.

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APARTAR – Rural. Palavra do vernáculo regular, pouco usada no resto do País. Cindir. Separar o gado vacum, por sexo, idade, ou outra condição qualquer – “Fazer a apartação”. Conter pessoas que empreendem luta corporal – “Apartar uma briga”.

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APERREADO – Uso geral. Impaciente. Angustiado. Constrangido. Mal de finanças. Apertado, tanto no sentido financeiro, quando na premência de uma necessidade fisiológica. Toma a conotação de “louco”, na expressão “aperreado da cabeça”.

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APERREIO – Uso geral. Pressa. Impaciência. Angústia. Vexame. Assédio moral. Instigação. Cobran ça. Falta de dinheiro. Aborrecimento e inquietação causados às mães pelas instâncias infantis e pela danação dos filhos maiores.

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APETRECHADA – Uso geral. Diz-se da coisa ou mulher formosa. Provém de “apetrecho”.

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APOIS (Ô) – Rural. Pois. Usado principalmente para confirmar enfaticamente uma afirmação do interlocutor: “E apois!”. Corresponde à expressão confirmativa “claro!”. Em algumas regiões, perde o “s” final: “Apoi!”

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APORRINHAR – Gíria masculina. Aperrear, importunar, incomodar, insistir. A palavra cognata “aporrinhado” indica a pessoa que se encontre zangada, irritada, aborrecida.

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APRAGATA – Rural. Antigo. Alpercata. Alpargata. Chinelo. Veja o verbete “Quinaipe”.

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APRAGATADO – Uso geral. Achatado. Esmagado. Provém de “apragata”, alpercata, por a nalogia a algo muito plano e rasteiro. 52


* APRESENTADO – Uso geral. Extrovertido. Desinibido. Saído. Enxerido. Saliente. Usa-se a expressão para censurar crianças ou criados.

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ARACA – Uso geral e veterano. Briga. Confusão. Soa como palavra do tupi, mas também guarda relação com o étimo do árabe “áraque”, que designa uma bebida à base de arroz, de elevado teor alcoólico.

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ARAQUE – Uso geral. Antigo. “De araque”. Falso. Que não é verdadeiro. Por extensão, aquilo que não tem boa qualidade. O mesmo sentido da expressão clássica “de fancaria”. Tem uso corrente em todo o País, com semântica um pouco diversa. Guarda relação com o étimo do árabe “áraque”, que designa uma bebida à base de arroz, de elevado teor alcoólico.

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ARDO – Rural. Árdego. Diz-se do cavalo lépido, ligeiro, fogoso.

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ARENGAR – Uso geral. Fazer arenga. Provocar intriga. Debochar. Insultar. Entre as crianças, dizer impropério, chamar por apelido desonroso, chamar para a briga.

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ARENGUEIRO – Uso geral. Briguento.

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ARIAR – Rural. Arear. Polir com areia. “Ariado” é qualidade do que esteja limpo e brilhante. As mulheres antigas limpavam suas panelas e utensílios de cozinha esfregando areia, geralmente nas margens dos cursos d’água e das lagoas. O termo também tem uso absolutamente diverso, significando “desorientar”. Nesse caso pode ser corruptela de “marear”, ficar tonto, como ficam os navegantes enjoados: “Eu não conhecia a cidade e por isso fiquei ariado”. Note -se que a palavra “náusea” também tem origem náutica.

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ARISIA – Rural. Usa-se para qualificar qualquer afirmação desarrazoada. Sinônimo de bobagem, de tolice. É uma corruptela de “heresia”, palavra de origem católica que designa quaisquer atos ou pronunciamentos de hereges, contrários aos preceitos da Igreja.

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ARRAIA – Uso geral. Pipa. Papagaio. Pandorga. Brinquedo de palitos e papel que se empina no vento, sustido por uma linha. O 53


formato triangular do brinquedo lembra o do peixe homônimo. Também se diz “raia”.

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ARRE-ÉGUA(!) – Uso geral e surpresa, ou admiração, às vezes qual não se concorda, dando-se Existem as formas eufêmicas “arre

frequente. Usa-se para exprimir para repelir uma afirmação com a a entonação própria a cada uso. Elza” e “arre ema”.

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ARREMEDAR – Uso geral. Imitar os modos pessoais de alguém, de maneira debochada. A palavra é clássica, mas pouco conhecid a e pouco usada no resto do País.

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ARREPENDER-SE – Rural. Antigo. Na específica acepção, diz-se do céu, quando apresenta promissoras nuvens escuras, mas ao invés das tão esperadas e desejadas precipitações pluviométric as, abre-se ao sol. “Hoje fez tempo bonito pra chover, mas o céu se arrependeu”. O arrependimento, palavra muito usada na teologia, indicando contrição moral, e no Direito, em referência à tentativa do criminoso de interromper ou reverter seu ato ilícito, também se aplica nas artes plásticas, aludindo a sombras ou traços ocultos em uma obra pictórica, indicando que o pintor errou ou desistiu de uma determinada imagem ou cor, e refez a pintura com uma nova camada de tinta.

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ARRETADO – Urbano. Bom. Agradável. De boa qualidade. Tem o mesmo sentido das gírias “bacana”, da década de 50, e “legal” da década de 60, além de outras que têm surgido no Sudeste, todas de uso nacionalmente disseminado pela televisão, como as recentes “chocante”, “irado”, “maneiro”, “sinistro” e “da hora”, esta última mais característica de São Paulo. A palavra “arretado” irradiou -se da Bahia para o resto do Nordeste, e é também utilizada no Ceará há décadas, embora com menor frequência que no seu Estado de origem. Em terras alencarinas o termo “arretado” sofre a concorrência de “porreta”, também baiano, igualmente menos usado que na Bahia, e reunindo o sentido qualitativo ao superlativo. Em seu Estado de origem, não no Ceará, “arretado” também significa enfurecido, irado, enraivecido: “Eu fiquei arretado com ele!”. A origem da palavra é o verbo “arreitar”, que tem o sentido clássico de excitar sexualmente, e o uso popular antigo de conduzir um rebanho ou comandar os arreios das bestas de carga ou montaria.

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ARRIBAR – Rural. Levantar. Erguer. O termo é clássico, mas de uso absoluto em certas regiões sertanejas, onde não se adotam seus sinônimos. Também pode assumir, na gíria de uso geral, o sentido de fugir, ou de ir-se embora. Neste último sentido, tem a mesma acepção das expressões “levantar âncoras” e “levantar acampamento”. Veja o verbete “assungar”.

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ARIPUNAR – Rural. Repugnar. Veja o verbete “Ripunar”.

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ARROCHADO – Uso geral. Destemido, em relação ao confronto físico pessoal. Aquele que provoca brigas ou que, uma vez provocad o, não se intimida.

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ARROCHAR – Uso geral e moderno. Empreender algo com energia. Agilitar com vigor. Diligenciar com urgência. Apressar a tarefa. A expressão é antiga na forma “arrochar o passo”, no sentido de apressar-se, e mais moderna no eufemismo pop ular: fazer sexo. Já “arrochar a sola” é expressão que lembra uma forma de suplício. Usa se para referir à provocação de uma situação aflitiva.

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ARRODIAR – Uso geral. Contornar. Dar a volta. Desviar. Fazer arrodeio. Passar por trás. Alongar o caminho ou a conversa. Tangenciar. Esquivar-se. Tergiversar. Tentar mudar de assunto.

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ARROLAIADO – Urbano. Gíria. Excêntrico. Que tem modos, hábitos e ideias estranhos. Tem conotação sexual.

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ARROZ QUEIMANDO – Uso geral. Antigo. Diz-se que alguém está com o arroz queimando, no eufemismo infantil e caseiro, quando o fundilho das calças lhe está preso entre as nádegas. Assim, sempre que o pano de qualquer roupa adentra o traseiro de uma pessoa, que não o percebe, outra cuidará de fazer zombaria, se inamistosa. Se amiga, apressar-se-á em avisá-la, usando a expressão clássica: “O arroz está queimando!”. É obscuro o nexo entre a frase e o seu significado indireto, a não ser pelo efeito aderente do arroz ao fundo da panela, quando se demora o seu cozimento, formando o “cororô”, termo do jargão carioca. De analogia mais clara uma expressão mais moderna, aplicada no mesmo sentido: “O carro está na garagem!”.

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ARRUMAÇÃO – Uso geral. No Ceará, “arrumação” é também uma marmota, uma coisa estranha ou conduta mal explicada, u ma 55


traquinagem, uma cavilação, uma mutreta: “Homem, deixe de arrumação!”. A par deste e de outros usos consagrados, no sentido de fazer asseio no imóvel e pôr ordem nos móveis, no de pentear -se, vestir-se, maquiar-se e pôr acessórios para frequentar algum evento social, ou mesmo no de consertar alguma coisa, este último mais adotado no Sudeste, arrumar deriva de fazer ruma, ou de dar rumo.

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ARTISTA – Uso geral e antigo. Pessoa astuta. O “mocinho” do cinema. O “rapaz”. O galã. O herói da trama. O protagonis ta dos filmes de aventuras. O seu par romântico é a “moça”, simplesmente. Os vilões são sempre os bandidos. Os demais são o velho, o padre, os amigos, conforme a sua participação na história. Isso remonta à época dos filmes estrangeiros legendados, quando era impossível ao povinho articular os topônimos franceses ou ingleses dos personagens. Hoje já se aplica o substantivo “artistagem”, para designar modo ardiloso, ou capcioso, de feição cinematográfica, para alcançar algum objetivo pouco ético. No passado, “artista” foi tratamento carinhoso dispensado a algum desconhecido mais jovem a quem se pretendesse instar.

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ARTISTAGEM – Urbano. Moderno. Malandragem. Cavilação. Simulação. Tentativa de lograr alguém, na presunção de ter maior esperteza. Vem da palavra “artista”, o “mocinho” do cinema, o galã, que sempre obtém êxito e sai ileso.

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ÀS CASCAS – Uso geral. Estado de alguém que está com um dese jo intenso e urgente. Estar às cascas. “Estou às cascas por um trago”. Quando foi solto, ele estava às cascas par a abraçar sua mulher”.

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ASSUNGAR – Uso geral. Sungar as calças. Puxar para cima. Entre nós pode ser qualquer manobra enérgica e vigorosa. Usa -se muito para descrever os golpes de uma briga ou as investidas de uma relação sexual. Vem do quimbundo “kussung a”, puxar.

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ATACADO – Uso geral. Agitado. Furioso. Transtornado. Em surto de loucura.

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ATAIANDO FRANGO – Gíria. Uso geral. Antigo. Atalhando frango. Diz-se estar “ataiando frango” a pessoa bêbada, no estágio da embriaguez que compromete o equilíbrio e a linearidade do andar, 56


cuja movimentação oscilante semelha os movimentos de quem tenta pegar uma ave doméstica em campo aberto.

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ATÉ O CU FAZER UM BICO – Uso geral. A expressão pertence à gíria recente, fruto do espírito brejeiro da juventude urbana interiorana. Aplica-se aos casos em que se queira frisar a intensidade ou extensão de uma ação praticada ou sofrida por alguém: “O cara bebe até o cu fazer um bico”; “Se mexer comigo, ele vai apanhar até o cu fazer um bico”.

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ATAIAR FRANGO – Uso geral. Inculto. Antigo. Atalhar frango. Diz-se do bêbado, cuja marcha irregular semelha as manobras de quem tenta pegar um frango no terreiro, pendendo para um lado e para outro a fim de evitar a fuga da ave.

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ATUBIBADO – Uso geral. Pessoa confusa. Aperreada. D esnorteada.

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AVALIE(!) – Urbano. Antigo. Exprime surpresa: “Ora, avalie!”. Usa-se mais para transmitir perplexidade ao interlocutor, convidando-o a “avaliar” as consequências de uma hipótese levantada: “Avalie se eu tivesse feito aquilo!” .

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AVEXADO – Rural. Uso frequente. Tem a exclusiva acepção de “apressado”, enquanto no resto do País teria a conotação de “constrangido”, ou “embaraçado”, submetido a um “vexame”. Fora do Nordeste usa-se com pouca frequência e sem o “a” inicial: “vexado”. Dá-se distorção semântica semelhante àquela que ocorre com a palavra “afobado”, que no Ceará sig nifica “zangado” e no resto do País tem o sentido de “apressado”. Entre nós adquiriu modernamente a força de gíria urbana, para enfatizar alguma coisa que se tenha feito ou queira fazer de forma imediata e efetiva: “Se ela me quisesse, eu casaria avexado!”. Logo que o produto chegou eu fui comprar avexado!”. Veja o verbete “Vexado”.

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AVIA(!) – Rural. Antigo. Imperativo do verbo aviar. Comando que se dá no princípio ou no fina l de uma frase na qual se transmita uma ordem, se ordene uma missão, ou se recomende uma tarefa, para requerer pressa ou ação imediata: “Avia com isso, menino!”. “Vai lá e diz o que aconteceu. Avia!”.

* 57


AZ DE LOUCO – Rural. Corruptela da expressão “ares de louco”. Aspecto de louco. Aspecto de uma pessoa em polvorosa. “O que houve? Você está com az de louco!” . Veja o verbete “Em az”.

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ASEIA (Ê)– Rural. Antigo. Aselha. Asinha. Especifica exclusivamente a asa de um utensílio, pela qual se o segura ou suspende. A “aseia” do penico, a “aseia” da xícara.

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BABA OVO – Uso geral. Chulo. Puxa-saco. Bajulador. Tira-cisco.

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BABÃO – Uso geral. O mesmo que “baba ovo”, em forma mais utilizada no meio fabril e comerciário, para designar os empregados que bajulam os chefes ou patrões. Veja o verbete “Pechim”.

*

BABAR – Uso geral. Puxar o saco. Bajular.

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BAÉ – Uso geral. Baixinho. Pessoa de pouca estatura física, por comparação com um tipo de suíno, que tem essa característica. O mesmo que Batoré.

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BÃE DE CUIA – Origem rural. Uso geral. Banho de cuia. Referese à maneira antiga de banhar-se, ainda utilizada em algumas regiões do sertão onde não haja água encanada nem chuveiro, usando -se uma lata (ou uma cuia) para retirar a água acumulada em uma tina ou camburão e lançá-la sobre a cabeça. Usa-se no futebol para referir o raro drible realizado por sobre o jogador adversário, chutando -se a bola para o alto, na sua frente, e apanhando -a por trás dele – “chapéu”, em outras regiões do País.

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BAGÚI – Uso geral. Bagulho. Quer na forma inculta do verbete, mais utilizada pelos ingênuos, quer na sua pronúncia escorreita – bagulho, da qual faz uso o povo letrado, a palavra significa alimentos ligeiros, fast food, a expressão inglesa internacionalmente difundida. Sanduíches, salgadinhos, doces em geral, comida menos hígida e de pouca substância, que os jovens adoram, bem como os glutões de qualquer idade. Os bagulhos se contrapõem à dita “comida de panela” – arroz, feijão, macarrão, farinha, com a chamada “mistura”, representada pela porção de proteínas – ovo, carne, peixe... Verduras não fazem parte do prato de resistência tradicional do cearense, posto que alguns tubérculos podem compor a sua dieta, como a batata doce e a macaxeira, bem como os frutos de algumas leguminosas, como o 58


maxixe e o jerimum. Mas até o início dos anos 60 os cearenses não tinham o hábito de comer saladas cruas ou a dita “salada de maionese”, que durante longo tempo, entre nós, foi considerada comida de festa. No Sudeste têm -se firmado as expressões “porcaria”, “besteira”, “gordices”, “podrões”, então “bobagem”, no mesmo sentido semântico que no Ceará se atribui a bagúi: “Esse menino está sem apetite porque andou comendo besteira no colégio”, diriam paulistas e cariocas. Veja os verbetes “Merenda” e “Caiduro”.

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BAITINGA – Uso geral. Corruptela eufêmica de “baitola”. Entretanto, seu uso é semelhante ao do verbete “baitolinha”.

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BAITOLA (Ô) – Uso geral e frequente. Homossexual. Há duas correntes sobre a origem da palavra. Uns dizem que deriva da pronúncia anglicizada da palavra “bitola”, repetida por engenheiro inglês efeminado que teria chefiado as obras da primeira linha de bondes elétricos de Fortaleza, por isso adquirindo a alcunha de “Mr. Baitola”. Outros defendem que o termo seria de origem ma is antiga, derivando de “baita”, palavra culta que seria um determinado local das tribos indígenas apropriado a orgias sexuais. A primeira teoria é mais simpática e mais plausível, por isso mais popular, embora menos científica. Existe a forma atenuada “ab aitolado”. Não existe a forma “baitolo”, consignada em alguns dicionários por equívoco.

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BAITOLINHA (Ô) – Uso geral. Forma irônica, carinhosa e juvenil de tratamento entre amigos absolutamente heterossexuais. A expressão vem caindo em desuso pelas mai s novas gerações, prolíferas em novas gírias, geralmente importadas do Sudeste do País, ou dos EUA: “broder”, por exemplo.

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BAIXA DA ÉGUA – Uso geral. Lugar distante. Manda-se virtualmente para a “baixa da égua”, como forma de impropério, alguém ou alguma coisa que esteja importunando.

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BALADEIRA – Uso geral. Estilingue. Atiradeira. Bodoque. Forma própria de os meninos cearenses referirem o brinquedo composto por uma pequena forquilha de madeira, em forma de “Y”, dois elásticos e um pedaço de couro, usado para lançar pedrinhas, geralmente com o fim de abater pequenos animais, principalmente passarinhos. A baladeira está caindo em desuso no sertão, à medida que cresce a consciência ambiental e decresce a necessidade de caçar para comer. 59


A concorrência dos brinquedos industriais e a redução da fauna silvestre também contribuem para a iminente extinção da baladeira.

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BALANÇAR – Gíria. Uso geral. Viajar. Tomar a estrada. Seguir para. Cair na buraqueira. Refere -se certamente às oscilações do veículo em marcha.

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BALDEAR – Gíria. Uso geral e frequente. Bagunçar. Promover anarquia. Armar confusão. Gíria veterana cearense que desvia o sentido clássico do termo, que seria transferir líquidos com uso de um balde, e, por extensão, toldar líquidos. Ainda por exten são, transferir cargas ou passageiros, no jargão náutico. Na acepção de toldar líquidos também é corrente entre os cearenses.

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BAMBO – Urbano. Uso tradicional. Lance de sorte: “Aquele palpite foi um bambo”. “Ele ganhou no bambo”.

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BANDOLA bandola”.

Juvenil

e

desportivo.

Veja

o

verbete

“De

*

BANIDO – Rural. Diz-se carne ou peixe com aspecto de podre. Termo mais comum nas regiões lindeiras à Paraíba, notadamente o Cariri.

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BANQUEIRO – Uso geral. Aquele que bota banca. Diz-se da pessoa que “se vende” caro. Que não é acessível. Que é pouco disponível, em relação às outras. Por extensão, aquele que faz exigências, que não é prestimoso, que se faz de importante. Veja o verbete “Botar banca”.

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BARRAÍ – Rural. Esbarre aí. Veja o verbete “Barrainda”.

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BARRAINDA – Rural. Esbarre ainda. Expressão coloquial utilizada com o mesmo sentido de “espere aí”, com a qual se introduz a imediata contestação de algo que alguém diga ou faça, além do sentido literal de simples pedido de paciência para uma pequena demora. “Barrainda, meu amigo, você está redondamente enganado!”; “Quinta e sexta? Barrainda, você não disse que era no domingo?!”. Ele queria entrar, mas eu disse logo: barrainda, vá em casa e vista o uniforme”; “Barrainda, que eu também vou!”. Há as variações “pera í”, 60


mais citadina, “demore ainda”, “demore aí” e “barraí”, usuais nos sertões mais profundos. Veja o verbete “Perainda”.

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BARROSO – Uso geral. Ser barroso. Pessoa ou, por extensão, coisa impossível. Uso específico como “não ser barroso”: “Ele vai fazer o que eu mandei, pois ele não é nem barroso!”; “Forçando bem, essa peça tem que se encaixar, pois ela não é barroso não!”. O uso tem origem na família Barroso, fixada na região norte do Estado, que se notabilizou pelo caráter excepcionalmente forte de seus membros.

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BARRUADA – Uso geral. Abalroamento. Batida de trânsito. Choque físico. Encontrão. No Maranhão se diz “pexada”, no sentido de acidente de carro.

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BARRUFAR – Uso geral. Borrifar gasolina no carburador. Barrufar é provocar a aceleração do motor do veículo em ponto morto, geralmente várias vezes, estacionado ou em movimento, antes do engate da marcha seguinte. Veículos antigos, cuja caixa de mudanças não era sincronizada (chamados “queixo duro”) requeria essa providência para o engate de cada nov a marcha. Usuários de motocicletas de grande cilindrada fazem -no, ruidosamente, para chamar atenção. Neste caso, diz-se fazer a máquina “latir”.

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BATER DE MÃO – Uso geral. Antigo. Dar de garras. Apanhar algo com a mão de forma súbita ou violenta. Geralme nte usado em relação ao gesto de sacar uma arma: “Ele bateu de mão do machado e ameaçou”; “Bati de mão à faca e parti pra cima dele”. Veja o verbete “Dar de garras”.

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BATER FOFO – Urbano. Falhar. Descumprir compromisso. Faltar com a palavra. Quebrar expectativas. Usa-se também como adjetivo pejorativo, para indicar alguém sem hombridade, e, por extensão, um falso heterossexual: “Aquele cara é bate -fofo”. Veja o verbete “Batida fraca”.

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BATIDA FRACA – Urbano. Diz-se dos modos efeminados que algum homem apresente, a denunciar homossexualidade: “Aquele sujeito tem a batida fraca”. Veja o verbete “Bater fofo”.

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BATORÉ – Uso geral. Baixinho. Pessoa de pouca estatura física. Termo de origem tupi. O mesmo que Baé, uma raça de suínos anões. 61


* BEM NO ARO – Urbano. Usa-se a expressão para referir alguma atitude que tenha atingido o seu exato objetivo. “Acertei bem no aro!”.

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BERADEIRO – Origem rural. Uso geral. Sertanejo. Matuto. Por extensão, pessoa novata na cidade, que não tem traquejo social. A expressão deriva de “beirada”, referindo a gente oriunda das beiras dos rios ou das estradas.

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BERÉU – Urbano. Tolo. Bobo. Matuto.

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BERRO – Uso geral. Revólver. Veja o verbete “Pau-de-fogo”.

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BESTA – Uso geral. Metido a besta. Convencido. Pretensioso. No Sudeste, nessa acepção de pedantismo, em vez do segundo adjetivo, “besta”, usa-se o primeiro, “metido”. Reúne ainda o mesmo sentido de “abestado”. No sentido de “tolo”, a palavra também reúne a semântica de “fácil”, “cordato”, “fraco”, ou que se conduz com facilidad e: “Essa planta é besta pra pegar. Se enterrar uma semente, em poucos dias ela brota”; “É ruim criar perus, porque os pintos são muito bestas pra morrer. Vingam muito poucos”.

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BESTAR – Uso geral. Bancar o besta, bancar a besta (concordando o artigo com o gênero do sujeito). Andar sem rumo. Perder tempo. Permanecer inútil em algum lugar. Veja o verbete “Eguar”.

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BICHIM – Origem rural. Uso geral. Corruptela de “bichinho”. Maneira caridosa, ou carinhosa, de se referir a determinados meninos. “Ela tem quatro filhos. Morri de pena dos bichim”; “Quem são esses bichim? São os bichim de dona Joana”. Por extensão, qualquer pessoa de quem se tenha afeto piedoso: “Eu não tinha intenção de lhe aborrecer, meu bichim.”; “Bateram no homem sem necessidade. Coitado do bi chim!”. No sertão usa-se a palavra “bichim” para fulanizar alguém cujo nome falte momentaneamente à memória: “Foi lá na casa de seu bichim, pai de Maria Inácia”. “Isso é de... bichim, dono da farmácia, não me lembro do nome dele agora”. Nesse mesmo específico sentido usa-se também a palavra “coisinha”. Trata se, inclusive diretamente, de “bichim” ou de “coisinha”, alguém de quem não se sabe o nome: “Ei!, Coisinha! Onde fica a Rua das Almas?” 62


* BICÓ – Rural. Rabicó. Cotó. Suru. Anuro. Animal sem rabo.

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BIGU – Urbano. Antigo. Carona forçada. Viagem clandestina, antigamente nos bondes, ainda hoje nos trens, sobre caminhões. Às vezes utilizando uma bicicleta, o ciclista, sem pedalar, em alta velocidade, segurando-se com uma das mãos na carroceria de um carro em movimento. Diz-se “pegar bigu”. Veja o verbete “Pegar Buchecha”.

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BILA – Uso geral e frequente. Cabiçulinha. Bolinha de vidro ou de aço com que jogam os meninos. É brinquedo exclusivamente masculino, que já foi adotado de forma generalizada, es tando hoje restrito aos bairros de subúrbio, por falta de espaços urbanos amplos e arenosos adequados ao jogo, como os antigos quintais e as praças públicas, bem como pela concorrência dos brinquedos industriais sofisticados e dos jogos eletrônicos. No resto do País é conhecida como “bola de gude”. A palavra “bila” pode ter derivado de “bilhar”. Por extensão, pode também significar “olho”. “Bila do olho”: globo ocular; “Olho de bila”: olhos azuis ou verdes. Veja o verbete “Bilar”.

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BILAR – Uso geral. Olhar. Observar. Cubar. Espreitar. Vigiar. Cobiçar com os olhos. Provém da gíria “bila”, olho.

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BILÉ – Uso geral. Doido. Abestalhado.

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BILOTO (Ô) – Urbano. Peça pequenina. Tecla, botão ou alavanca pequena. Excrescência discreta. Verruga. Objeto muito miúdo. “Bilotinho”. Veja os verbetes “Birimbelo” e “Pinguelo ”.

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BINGA – Antigo. Em desuso. Excremento de animais domésticos, em linguagem eufêmica e infantil. “Binga de gato”; “binga de galinha”. Usa-se mais para desqualificar coisas. Comum na Paraíba e regiões cearenses lindeiras àquele Estado.

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BIQUEIRO – Uso geral. Inapetente crônico. Fastioso. Alguém que, costumeiramente, tem pouca vontade de comer. O termo é nacional, mas muito frequente no Ceará. Veja o verbete “Fastioso”.

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BIRIMBELO – Uso geral. Qualquer objeto ou peça pequena de que não se saiba o nome específico. Pingente. Penduricalho. Badulaque. Balangandã. Tecla, botão ou alavanca pequena. Veja os verbetes “Biloto” e “Pinguelo”.

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BOCA DA NOITE – Rural e veterano. O fim da tarde ou o início da noite, marcados pelo recente pôr do sol. Usa -se muito no diminutivo: “À boquinha da noite”.

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BOCA QUENTE – Urbano. Uso frequente. Lugar perigoso: “Ali é boca quente!”. Situação de perigo: “Meteu-se em boca quente”. A expressão tem hoje uso generalizado, mas se origina na gíria antiga dos usuários de maconha. Nacionalmente, a “boca” é o ponto de venda de drogas.

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BODANÇA – Rural. Bagunça. Confusão. Troça. Putaria. O termo provém da palavra “bode”, referindo -se ao comportamento nupcial dos caprinos, geralmente escandaloso.

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BODEGA – Uso geral e frequente. Mercearia. Venda. Quitanda. A palavra sofre hoje a concorrência do neologismo “mercantil” e do termo “mercadinho”, mais moderno e elegante. Bodega é palavra culta, do grego “apothéké” – armazém, depósito, e drogaria em países da Europa. BODEGA DE FOGOS – Urbano. Antigo. Diz-se da pessoa destituída de pescoço e cintura, cujo torço é mais curto do que as pernas, lembrando uma caixa retangular com duas taliscas de madeira fixadas nas duas laterais mais estreitas e mais longas. Eram assim as pequenas bodegas de fogos que os meninos citadinos construíam no passado, durante as festas juninas, as quais eles portavam e encostavam nas paredes, sobre as duas perninhas, nos pontos mais propícios aos negócios, para vender fogos de artifício a outros garotos: “rasga-latas”, “bombas chilenas”, “traques alemães”, “estalinhos” e “busca-pés”.

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BODEJAR – Uso geral. Falar demasiado, ou de maneira apressada e ininteligível. Reclamar com peroração impertinente, em volume baixo e de maneira monocórdica, à maneira de certa voz dos caprinos.

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BOGA – Urbano. Uso restrito. O ânus. O termo talvez tenha origem espontânea, já que não está etimologicamente ligado a nenhum outro. Certamente nasceu da necessidade de criar neologismos eufêmicos e de sonoridade burlesca para designar a derrière.

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BOM-BASTA(!) – Rural. Interjeição com que se repudia determinada afirmação do interlocutor. Tem conotação bem humorada, ao rebater uma brincadeira, ou de modéstia, quando recusa um agradecimento ou elogio, como no caso da expressão “Imagina!”, muito usada no Sudeste.

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BOMBOM – Uso geral. Bala de açúcar. Confeito de hortelã ou menta, às vezes com recheio de mel de abelha. Genericamente, todo tipo de guloseima industrial, inclusive de caramelo ou chocolate, em forma de bala ou de pastilha. Em outras regiões do País, o termo “bombom” se refere exclusivamente a bombas de chocolate, como as que recebem a popular marca comercial “Sonho de V alsa”.

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BONDADE – Rural. Em acepção sertaneja especificame nte, no contexto próprio, o termo “bondade” assume um sentido transversal. “Bondade”, nessa acepção, é jactância, orgulho, discriminação social de qualquer ordem. Diz-se que não tem bondade aquele que não se considera superior aos outros e não faz distinçã o de classe, no trato social.

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BONEQUEIRO – Uso geral e moderno. Quem é vezeiro em “botar boneco”. Beberrão desordeiro. Pessoa exigente e pouco razoável, que se insurge e reclama de tudo; que se revolta e briga por qualquer coisa. Veja o verbete “Botar boneco”.

* BOTAR – Uso geral. O verbo botar é usado no Ceará em todas as ocasiões em que, em outras regiões do País, usar-se-ia o verbo pôr. Inverte-se esse processo no caso específico dos ovos, que para nós são “postos” pela ave, e para os sudestinos são “botados”. Lá também se diz que as árvores estão “botando” frutos, enquanto no Nordeste usa se mais dizer que elas estão “dando” frutos. Gíria. Procurar, perseguir, assediar. “Botar o cavalo”, ou “botar atrás” de alguém: “A polícia botou no homem, mas não o alcançou”. Importunar, fiscalizar, exigir, “botar curto” em alguém: “A mulher ciumenta bota curto no marido”. Chulo. Fornicar: “Ele estava botando nela”; “botar atrás”: 65


praticar sexo anal. Prejudicar: “Não faço negócio. Você quer é botar em mim”. Uso rural. Estimular os cães para o ataque: “Ele botou os cachorros no menino”. Estimular o cavalo em perseguição: “Botou o cavalo no boi”. Veja o verbete “Pôr”.

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BOTAR BANCA – Uso geral. Fazer-se de difícil. “Vender-se” caro. Apresentar dificuldades extraordinárias. Opor exigências. Impor condições exacerbadas. Veja o verbete “Banqueiro”.

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BOTAR BONECO – Uso geral e moderno. Comportar-se mal. Brigar. Promover anarquia. “Armar barraco”. Fazer imposições inflexíveis, no caso de quem tenha alguma autoridad e, bem como reagir, revoltar-se ou protestar de forma enérgica ou violenta: “Se não concordarem comigo eu vou botar o maior boneco”. Beber demais e promover desordem: “Sempre que vai bebe muito, bota boneco”. Veja o verbete “Bonequeiro”.

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BOTAR NO MATO – Uso geral. Jogar fora. Jogar no mato. Rebolar fora. Rebolar no mato. Botar fora. A expressão “botar no mato” adquiriu também a acepção específica correspondente a fazer mau negócio, administrar mal um patrimônio, perder bens ou dinheiro de forma perdulária ou dissoluta, por incúria ou desmando. “Ele botou no mato tudo o que tinha”. Corresponde, neste caso, a “botar a perder”.

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BOTAR PARA A FRENTE – Uso geral. Vender algo a qualquer preço.

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BOTAR PARA DESCATITAR – Uso geral. Botar para descabefo. Agir com muita energia, doa em quem doer. Veja o verbete “Descatitar”.

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BOTAR QUENTE – Uso geral. Empreender alguma coisa com muita energia e vigor. Ser esforçado ou exigente.

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BOTAR SENTIDO – Rural. Tomar conta de. Zelar. Vigiar. Prestar atenção a. O sertanejo utiliza o termo no sentido de guarda de qualquer coisa ou objeto, desde que envolva observação visual. Veja o verbetes “Pastorar” e “Tomar de conta”.

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BORRACHO – Urbano. Antigo. Esse étimo tem raízes no latim, na acepção de “avermelhado”; na Península Ib érica, adotou-se no feminino para designar uma bolsa de látex em que se acondicionava vinho, talvez pela sua cor, e, por extensão, no masculino ou no feminino, o bêbado e a bêbada. Dessa bolsa de látex, originou-se a vocábulo “borracha”, produto da seringueira. No Brasil, borracho passou a significar os filhotes de bombo , apreciados na culinária, talvez por serem avermelhados. E certamente por serem eles rechonchudos, no Ceará passou-se a tachar assim os indivíduos gordinhos e as mulheres de físico voluptuo so. Diz-se também “borrachinhos” e “borrachonas”.

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BRABO – Uso geral. Xucro. Bravio. Indomado. Bruto. Por extensão, diz-se de pessoa inculta e intimorata, bem como, conforme o contexto, de pessoa raivosa ou enfurecida: “Quando ele disse aquilo eu fiqu ei brabo com ele!”. É o mesmo uso que se faz de “bravo”, no resto do País, enquanto entre nós se estabeleceu uma diferença semântica entre os dois termos: “Bravo” seria o combatente leal e valente, capaz de gestos de grandeza, coragem e bravura, enquanto “ brabo” seria o brigão estouvado, cheio de ira irrefletida, capaz de atrocidades desmedidas e brabezas. Assim, imagine -se o bravo com uma mão na cintura e uma esgrima na outra, e o brabo empunhando um estacote, com a faca peixeira nos dentes, escudando -se com o chapéu.

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BREADO – Uso geral e veterano. Pessoa ou coisa que se sujou com alguma matéria úmida, oleosa, líquida ou semifluida, inclusive dejeções. Borrado. Melado. Enlameado. A origem da palavra é “breu”, substância que tinha vários usos no passad o, da selagem de documentos à calafetagem de embarcações.

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BRECHAR – Uso geral. Observar por uma brecha. Olhar pelo buraco da fechadura. Acompanhar visualmente alguma cena, de forma secreta. Divisar o homem os fundilhos femininos, pelo entrepernas, quando ocasionalmente a mulher estiver usando saia e não tiver o necessário cuidado, ao sentar, para evitar que sua intimidade física seja devassada.

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BRECHEIRO – Uso geral. Voyeur. Aquele que se encontra brechando, ou que tem costume de fazê -lo. Diz-se também dos automóveis cujas portas abrem-se pela frente, articulando as dobradiças na coluna central, no caso das portas dianteiras, ou na coluna posterior, no caso das traseiras, porque isso obriga as 67


mulheres que usem saia a “dar brecha” ao embarcar e desemba rcar do veículo, favorecendo a que ocorra uma rápida exposição de sua intimidade física a um observador externo.

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BRENHA – Uso geral e veterano. Lugar selvagem e distante. “Ele está morando nas brenhas”. Usual na expressão “ganhar as brenhas”, entrar no mato, desaparecer. Usa-se também “ganhar o bredo”, ou “cair no bredo”, ou ainda “ganhar os marmeleiros”, fugir, desaparecer, homiziar-se. Bredo e marmeleiro são arbustos silvestres.

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BRIBA – Urbano. Osga. Lagartixa branca doméstica. Distorção da palavra “víbora”, bem como do seu sentido original, já que este se refere a um tipo de serpente.

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BRIBADO – Uso geral. Pouco embriagado. “Melado”, mas ainda não exatamente “chei-dos-pau”.

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BRUGUELO – Uso geral. Filhote de passarinho. Por extensão, carinhosamente, o filho recém-nascido, criança pequena. É comum figurar como apelido, geralmente dado a pessoas muito feias, como costumam ser as aves ainda não emplumadas.

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BRUTO – Uso geral. Grosseiro. Indelicado. Tem o mesmo sentido semântico particular dado a “ ignorante” e “abusado”. No sertão, diz se também dos animais irracionais: “bicho bruto”.

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BUCHECHA – Uso geral. Carona. Bigu. Condução gratuita em veículo, geralmente clandestina. Veja os verbetes “Pegar Buchecha” e “Bigu”.

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BUFO(!) – Uso geral e veterano. Expressão onomatopaica, para reproduzir uma pancada, um murro, um chute, uma queda, ou, por extensão, para referir um gesto repentino ou muito incisivo: “Todo mês eu ia lá e... bufo!, pagava a prestação.”

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BUGA – Urbano. Antigo. Coisa banal. Objeto que não desperta interesse e não tem valor por ser muito comum, vulgar e corriqueiro. “Ninguém passa por rico usando um carro tão buga”. “No meu aquário eu tenho alguns peixes muito bugas”.

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BULIDA – Rural. Antigo. Mulher solteira desvirginada.

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BULIM – Uso geral. Confeito de polvilho de mandioca, o qual no Ceará se chama “goma”. Deve ser corruptela de “bolinho”.

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BULIR – Uso geral. Mexer ou tocar em alguma coisa, de forma reprovável: “Não deixe esse menino bulir em nada”. Ferir um assunto delicado: “É melhor a gente não bulir nisso agora” . Molestar alguém moralmente: “Se bulir comigo eu viro uma fera!” . Furtar, por eufemismo: “Dizem que aquele sujeito gosta de bulir nas coisas dos outros”. Rural. Antigo. Iniciar jovem solteira na prática do sexo. Praticar sedução sexual. Deflorar virgem: “Fazer mal a uma moça”. Usava-se até recentemente a expressão “moça bulida”.

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BULIR-SE – Uso geral. Mobilizar levemente o corpo ou parte dele. “Ele se bole muito enquanto dorme”. “O homem não estava morto, pois ainda se bulia”. “Fique parado; se você se bulir, eu atiro!”. “O ônibus estava tão cheio que a gente nem podia se bulir”.

* BUNDA-SUJA – Uso geral. Chulo. Pessoa de baixo nível social e econômico. Indivíduo desimportante. O pobre. O coitado. Um “zé ninguém”. Não indica, necessariamente, condição moral inferior ou má conduta do indivíduo.

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BURRINHO – Uso geral e moderno. Medida de cachaça correspondente a 250 ml, sempre vendida numa garrafa de vidro com essa capacidade, aproveitando-se frascos vazios de refrigerante , geralmente para uso de pequenos grupos. Convencionou -se entre os bebedores contumazes e os donos de biroscas a comercialização de “burrinhos de cana”, engarrafados no balcão, tampados precariamente com uma bucha de papel, mais em conta e mais portáteis q ue o litro inteiro. É comum ver rodas de mendigos ou de farofeiros, com um “burrinho” no centro.

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CABEÇA CHATA – Uso geral. A expressão é utilizada para referir de forma carinhosa ao cearense, assim como se diz “papa jerimum” do norte-rio-grandense, e “barriga verde”, do catarinense. O estudioso cearense Parsifal Barroso (1913 — 1986), Professor, advogado e jornalista, ex-governador do Estado e ex-ministro da República, em sua obra “O Cearense”, editada em 1969, e reeditada em 2017 por seu neto Igor Barroso, trata das possíveis causas da braquicefalia do povo 69


do Ceará, analisando teorias de outros pesquisadores, desde os escritos do Barão de Studart, de Gustavo Barroso, de Gilberto Freire, de Thomaz Pompeu Sobrinho, de Djacir Menezes, dentre outros. As causas especuladas vão desde as etnias formadoras do povo, ao comprovado degredo punitivo de judeus e ciganos de Portugal para o Ceará, tido como zona desértica, passando pelo uso da rede de dormir, além de presumidos fatores ambientais e mesmo cósmicos. O que é fato é que os índios que povoavam a região, mormente os de pequena estatura das suas regiões praianas, tinham formação craniana mais esférica que afilada (ou dolicocéfala), o que se observa até hoje entre os seus descendentes, característicos “cambebinhas”. Veja o verbete “Cambeba”.

* CABRA – Origem rural. Uso geral. Membro de um grupo de trabalhadores braçais: “Cabra do eito”. Membro de um bando de cangaceiros: “Os cabras de Lampião” . Em outra acepção paralela e específica, tipo racial mestiço , mais estritamente aquele que une traços caboclos à pele clara, ou tem cabelos ulótricos aloirados: “Ele era do tipo cabra”. Usa-se hoje também, mormente no interior do Estado, para fulanizar um indivíduo, ou referir -se à pessoa de maneira genérica, a exemplo de “sujeito”, “cara”. Notadamente no Rio de Janeiro, nesta mesma acepção diz -se “nego”, ou “neguim”, como na frase: “Neguim rala a pampa pra ganhar uma merreca!”. Ou nessa outra: “Nego sabe que tem que estudar para um dia se dar bem na vida”. No Ceará profundo se diria: “Esse cabra é um ótimo profissional”; “Se o cabra não botar quente, ele se lasca!”. Usa -se muito no diminutivo, para enfatizar uma determinada qualidade: “O cabrinha era escroto!”; “Ah cabrinha sem vergonha!”.

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CABREIRO – Uso geral. Desconfiado. Cismado. Atento. Arisco. Qualidades das cabras, como também dos seus pastores.

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CABRITO – Uso geral. O termo, no masculino ou no feminino, em referência a pessoa, tem uso unicamente em expressões repreensivas. “Quem aquele cabrito pensa que é?”; “Venha cá, sua cabrita, que eu quero ter uma conversa séria com a senhora!”. A palavra cabrito não qualifica a pessoa como má, mas, a princípio como jovem, e em seguida como insolente, atrevida, transgressora, passível de censura, reprimenda ou castigo. O uso é muito comum entre pais e filhos, ou entre superior hierárquico e subordinado, mormente se houver desnível etário. Note-se que o uso do nome completo – e de tratamento formalmente respeitoso – “o senhor, a senhora” – são 70


muito usuais, por parte dos pais, quando repreendem os filhos. É absolutamente equivocada a teledramaturgia sudestina quando usa o termo “cabrita”, ou “cabritinha”, nas novelas situadas no Nordeste, com a conotação de jovem bela e fogosa .

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CABUETA (Ê) – Uso geral. Delator. Dedo duro. Babão. Aquele que denuncia. É corruptela de “alcaguete”, através de “cagueta”. Desse termo deriva o verbo “cabuetar”, muito utilizado por crianças e pessoas menos cultas.

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CAÇAR – Rural. Procurar: “Ele estava caçando os chinelos”. “Vai caçar marido!”.

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CACAVIAR – Uso geral. Veja o verbete “Escacaviar”.

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CACHAÇAS – Rural. Além da acepção direta do aguardente de cana, diz-se “cachaças” do hábito de beber. “As cachaças dele são insuportáveis”. Por extensão, também se denominam cachaças as idiossincrasias antipáticas de determinada pessoa, ainda que não tenham relação com o alcoolismo. “Você é muito abusado. Ninguém aguenta as suas cachaças!”.

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CACHIMBEIRA – Rural. Parteira.

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CACHIMBREMA – Rural. Moderno. Nos sertões cearenses se criou essa palavra jocosa, pretensamente composta por três substantivos – cachaça, chifre e problema (na sua linguagem, “pobrema”) – para designar o estado dos indivíduos que apresentam conduta de amargura ou de revolta, marcada por consumo exagerado de álcool, aparentando estar sendo vítima de adultério e dos problemas financeiros ocasionados pelo desalento moral que interfere no trabalho. “João abandonou a lida e anda ‘contando bodega’. Todo mundo diz que ele tá com cachimbrema”.

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CACHORRO DE PREÁ – Rural. Antigo. Extremo mentiroso. Termo presente na expressão “mente mais que cachorro de preá”. Preá é um roedor anuro, encontradiço em todo o Nordeste, também chamado de “mocó”. Os preás são muito caçados pelo homem sertanejo, considerado uma iguaria. Normalmente se u sam armadilhas, mas 71


também se utilizam de populares cães podengos nordestinos, que muitas vezes fazem os donos perseguirem equivocadamente outros animais, inservíveis ao consumo, como répteis e insetos. Por isso cachorros considerados “mentirosos”.

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CACUNDA – Rural. Corcunda. Usa-se o termo, sempre no feminino – “a cacunda” – para referir à região cervical de qualquer um, mesmo sem a lordose que a palavra original especifica. A nuca e os ombros, vistos por trás. O cabelouro. O cachaço. “Cacunda”, em am bos os gêneros, também significa a pessoa corcunda”. Veja o verbete “Tum-tum”.

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CADACÁ – Rural. Cada qual. Para limitar a atuação ou a interferência de alguém sobre o patrimônio ou interesses de outrem, o matuto diz às vezes: “Cadacá com seu cadacá!”.

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CAFUÇÚ – Urbano. Gentinha. O Zé Povinho. A origem é claramente racial, pois se trata de uma corruptela da palavra “ cafuzo”, que é o mestiço de negro e índio.

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CAFURINGA – Urbano. Carro velho. Fubica. Calhambeque. A etimologia é desconhecida, talvez de fo rmação arbitrária, já que “gaforinha”, o termo mais próximo, refere -se a cabeleira desalinhada, que não tem nenhuma relação com automóvel.

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CAGAÇO – Uso geral. Chulo. Repreensão. Carão. Pito. “Quando ele chegar, vou lhe dar um cagaço!”. No meio fabril, diz-se “mijada”: “Eu levei a maior mijada do chefe”. Note -se que o termo “cagaço” tem acepção diversa em outros pontos do País, significando, mormente no jargão militar, acesso de medo. Veja o verbete “Carão”.

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CAGADA – Urbano. Uso masculino. Lance de sorte: “Acertei na cagada”. “Ele ganhou, mas foi cagada”. Em contexto próprio, o termo também tem o sentido nacional de erro cometido ou de coisa malf eita, mas neste caso toma uma conotação mais chula e grosseira.

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CAGADO – Urbano. Uso masculino. Pessoa sortuda. Certo jogo de baralhos. Veja o verbete “Abortado”.

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CAGADO E CUSPIDO – Uso Geral. Inculto. A expressão denota igualdade entre dois sósias, ou semelhança entre duas coisas. Diz -se que seria a corruptela de “talhado e esculpido”. O poeta popular paraibano Jessier Quirino, que glosa temas sertanejos, compôs uma poesia matuta sobre cenas da hinterlândia nordestina intitulada “Isso é Cagado e Cuspido a Cara do Interior”.

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CAIDURO – Urbano. Uso veterano. Cai duro. Bagúi. Petisco salgado de qualidade duvidosa. Merenda comprada em cantina pública ou de vendedor ambulante. Sanduíche de botequim. “Aquele que matou o guarda”, costuma-se dizer jocosamente, sem que se saiba por que se fixou “o guarda” como vítima histórica no provérbio. Hoje a expressão “caiduro” se refere mais precisamente a certo sanduíche de carne moída, produzido em biroscas de subúrbio e de cidades do sertão, que encontra grandes degustadores secretos entre gourmandes da sociedade cearense. As mães de todo o Brasil costumam referir a essas delícias pouco saudáveis aos seus filhos como “porcarias”, enquanto os sudestinos têm aplicado as expressões “besteira” e “tolice” para designar a comida de rua. Atualmente surgiu por lá os neologismos “gordice” e “podrão” para designar qualquer desses alimentos pouco hígidos. Veja os verbetes “Bagúi” e “Merenda” .

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CAIR NA BURAQUEIRA – Uso geral. Ir-se embora. Demandar a algum lugar. “Ganhar o mundo”. Viajar, de maneira apressada ou para lugar não sabido. Balançar.

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CAIR DE PAU – Uso geral. Agredir. Acusar. Detratar. “O João caiu de pau em cima do Pedro”.

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CALAMBOTE – Infantil. Antigo. Os meninos cearenses aplicavam esse termo para designar o carretel de linha usado para empinar arraias – em outras regiões do país chamadas pipas, papagaios, pandorgas. Calambote era o novelo oblongo de linha endurecida pela aplicação de “cerol” (o pó de vidro misturado a cola, visando “cortar” a linha de outras arraias desafiantes ). Ela era enrolada de forma diagonal sobre o carretel, que recebia um pequeno eixo de madeira . De um lado e do outro do eixo o fio era passado transversalmente sobre o carretel, enquanto os meninos iam enrolando com uma mão, fazendo girar na outra mão o calambote, em movimento de translaç ão, para produzir uma enrolação equilibrada. Essa forma de enrolar iria facilitar o ato de “arriar linha”, para fazer a arraia subir mais. Para isso mantinham as duas pontas do eixo girando frouxamente nas duas 73


mãos mantidas paralelas, deixando rolar o calambote, enquanto o vento empurrava o brinquedo para longe e para o alto. Muitas vezes o menino precisava passar a linha sobre a fiação elétrica das ruas, para atingir outras calçadas de onde preferia brincar. Então, segurando a linha com uma das mãos, às vezes com a arraia já no ar, com a outra mão ele lançava o calambote sobre os fios elétricos e telefônicos e o apanhava do outro lado, superando assim o obstáculo. Por essa razão, também se passou a chamar de calambote , mas também de “balangandã”, uma pequena pedra amarrada numa linha, que se usava para laçar e recuperar uma arraia cadente que se prendera em um ponto elevado – uma árvore, um poste, a própria fiação urbana. Também se podia usar esse artifício para interceptar a linha de uma arraia “adversária” que estivesse ao alcance, na perspectiva de tomá la. Não se sabe a origem do termo “calambote”, sendo o étimo conhecido mais próximo o nome de família de um célebre árbitro do futebol português, Inocêncio Calabote, que atuou no final da década de cinquenta do Século XX, de quem se dizia vender os resultados dos jogos que apitava.

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CALIBRADO – Uso geral. Meio bêbado. Bribado. Truviscado. Melado.

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CALUNGA – Rural. Antigo. Boneco. Por analogia, pessoa pequena. Qualquer representação humana. Manequim de loja. Como a palavra se refere originalmente a divindade s de culto africano, qualquer homem preto.

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CAMBEBA – Culto. A palavra dá nome ao bairro da Capital Cearense que nasceu a partir da instalação ali do Centro Administrativo Estadua l, na década de 80 do Século XX. É do tupi, e coincide com a forma endônoma com a qual se autodenom ina uma tribo indígena canoeira do Alto Amazonas, hoje em extinção. A sua composição etimológica naquela língua ágrafa corresponde a cangapeba = cabeça chata. Tanto é assim que também designa um certo bagre, tipo de peixe caracter izado pelo crânio horizontal. Veja o verbete “Cabeça Chata”.

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CAMBITO – Origem rural. Peças que se instalam, uma em cada lado da cangalha da besta de carga, para transportar lenha ou cana de-açúcar. Uso geral. Pernas finas e tortas; pernas cambotas. Veja os verbetes “Zambeta” e “Cambota. 74


CAMBOTA – Uso geral. Diz-se da pessoa que tem pernas arqueadas, de forma divergente. A origem é a palavra celta “kambos” = curvo. Veja o verbete “Zambeta”.

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CANACABÁ – Uso geral. Inculto e veterano. O povinho usa o termo “canacabá”, corruptela de “quando acabar”, para passar a uma frase conclusiva de sua narração, referindo alguma consequência daquilo que vinha historiando: “Eu disse a ele que não fosse. Canacabá ele foi e se lascou”; “Vim a pé. Canacabá você diz que sou preguiçoso.”

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CANAIA – Rural. Canalha. Usa-se no sentido coletivo da palavra, para designar a ralé, o “canelau”.

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CANDEFÉ – Rural. Quando se der fé. Quando dei fé. Usa -se no sentido aproximado de “quando menos se espera...”; ou “então..., de inopino..., de repente...”. Alguns sintetizam a expressão para “defé”. “Se você for sozinho, candefé ele aparece”; “Eu estava nas pedras, defé a onda me pegou”. Note-se a palavra arcaica “bofé”, registrada por Álvares de Azevedo, corruptela de “à boa -fé”, com o sentido de “na verdade”. Veja o verbete “Dar fé”.

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CANELAU – Urbano. Gíria antiga, quase em desuso. A turba, a rafaméia, a ralé, a molecada, a patuleia, a “canaia”. De forma mais estrita, grupo de jovens de baixa renda, ruidosos e deseducados. Por exemplo, no Rio de Janeiro, no dialeto cearense, seria o canelau dos subúrbios e dos morros que pratica os “arrastões”. A expressão “canelau”, no Ceará, não pressupõe grupos de criminosos, mas apenas de pessoas de baixo nível social, dadas à alegria barata e às vaias . A palavra parece provir de “canela”, sem nexo conhecido, neste uso, com o sentido original. Por extensão, pode adquirir o sentido de “negada”, que no Rio de Janeiro teria a mesma acepção de “galera”.

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CANGAPÉ – Uso geral. Acrobacia. Luta infantil, de o rigem indígena, praticada dentro d’água, consistindo em manobras ginásticas semelhantes às da capoeira, em que se jogam as pernas contra o adversário, na superfície, mantendo o resto do corpo mergulhado e sem contato com o solo. A palavra é tupi: “canga”, cabeça; “apé”, invertida, virada para baixo.

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CANTADA – Uso geral. Argumentação amaviosa. Instância aliciante. Proposta amorosa ou libidinosa. Lábia sedutora. “Ela caiu na minha cantada”. Veja o verbete “Cantar”.

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CANTAR – Uso geral. Argumentar, persuadir. Pedir ou propor alguma coisa a alguém com argumentos aliciantes ou insistentes. “Conversar a cabeça” de outro. Tentar atrair alguém, verbalmente, para amavios, carinhos, namoro, casamento ou, objetivamente, para a conjunção carnal. Dar “cantada”. Emi tir o “canto da sereia”.

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CAPAR – Rural. Castrar. Emascular. Na gíria urbana também pode ter o significado de furtar.

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CAPAR O GATO – Uso geral. Ir-se embora. Fugir. A origem está na imediata e desesperada corrida que os gatos empreendiam, tentando fugir da imensa dor que os perseguia, após serem castrados, sem anestesia. Veja os verbetes “Selar o tejo” e “Tirar os calços”.

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CAPAZ! – Uso geral. Interjeição com que se rejeita uma afirmação, ou por modéstia se recusa um elogio ou um agradecimento. Tem o mesmo sentido do termo “imagina!”, usual no Sudeste do País. Veja o verbete “Bom-basta!”.

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CAPINAR – Uso geral. Antigo. Gíria que significa ir embora, escafeder-se, sair furtivamente. No país inteiro, usa-se atualmente o correspondente “vazar”.

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CAPOTAR – Uso geral. Dormir, vencido por muito sono, forçado por longa vigília, ou em virtude de embriaguez.

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CARNE DE TETÉU – Diz-se de uma pessoa difícil, renitente, teimosa, intrigante. Também se diz “carne de pescoço” (título de livro do artista sônico paraibano Zé Ramalho, ilustrado pelo artista plástico cearense Totonho Laprovitera). A referência é à carne muito dura. Tetéu é uma ave pernalta, cujo corpo mais se constitui de ossos e tendões, por isso mesmo livre da sanha de caçadores. Em outros Estados, o tetéu é conhecido como “quero-quero”. Veja o verbete “Tetéu”.

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CARNIÇA – Rural. Recente. Qualquer coisa ou pessoa desprezível. No futebol, diz-se dos integrantes da torcida contrária.

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CARÃO – Uso geral. Repreensão. Pito. No Sudeste do Brasil, o termo se refere à “cara dura”, ou à “cara de pau”, dos que enfrentam situações embaraçosas sem vergonha ou inibição. Veja o verbete “Cagaço”.

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CARRETILHA – Urbano. Antigo. Era assim que se denominava a prancha de surf antes da chegada desse esporte havaiano em Fortaleza, evento verificado no início dos anos 70, registrado pelo memorialista Totonho Laprovitera, em seu livro “De Primeiro”. Constituía-se em uma tábua de madeira, de no máximo um metro de cumprimento por meio de largura, que somente se usava para descer as ondas deitado (ainda nãos se conheciam o isopor e a fibra de vidro com essa aplicação). A prancha era apenas um facilitador, mas não era essencial, pois os meninos de praia de então conseguiam praticar o surf de peito, sem nenhuma prancha. Não se praticava o esporte em pé. Também se aplicava essa palavra para designar a ati vidade, em si: “Vou pegar carretilha”. Em outros locais do País se dizia “pegar jacaré”. Hoje, em qualquer parte, se diria “pegar onda”.

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CARROÇA – Urbano. Mau pagador. Aquele que compra a prazo e habitualmente atrasa os pagamentos.

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CASA – Uso geral. Antigo. A loja comercial. “Essas cadeiras foram compradas na casa”. A palavra, que no singular pode significar a residência de quem fala – “lá em casa” ou “levar pra casa” – no plural tem uso muito particular, para designar a vizinhança, as casas alheias: “Esse menino só quer viver nas casas!”.

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CASA DO CHAPÉU – Uso geral. Refere-se a um lugar impreciso ou distante: “Fica muito longe. Lá na casa do chapéu!”; “Você está enchendo o saco. Vá pra casa do chapéu!”. É uma forma eufêmica do termo “Casa do caralho”, de conotação sexual. Veja o verbete “Casa do Chico”.

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CASA DO CHICO – Uso geral. Refere-se a um lugar impreciso ou distante: “Fica muito longe. Lá na casa do Chico!”; “Vo cê está enchendo o saco. Vá pra casa do Chico!”. É uma forma eufêmica do 77


termo “Casa do caralho”, de conotação sexual. Veja o verbete “Casa do chapéu”.

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CASAMENTO DA RAPOSA – Uso geral. Antigo. Diz-se que está acontecendo o casamento da raposa quando come ça a chover sem que o sol haja sido encoberto. Trata -se de uma rara e momentânea eventualidade meteorológica, sem nenhuma implicação importante, a que as pessoas do sertão davam um sentido algo místico. Talvez originalmente se dissesse “o casamento do gato com a raposa”, para significar a mistura de dois opostos, tendo depois sido suprimido o primeiro animal. Veja o verbete “Casamento da viúva”.

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CASAMENTO DA VIÚVA – Uso geral. Antigo. A expressão nasceu de uma rima, desaparecendo com o tempo a parte do ve rso que lhe daria algum sentido: “Sol e chuva, casamento da viúva”. Lançar -se mão de rimas aleatórias, apenas para enfatizar ou conferir alegria e mnemônica a uma expressão corriqueira, também é comum em outras línguas. Nos EUA, por exemplo, muitas vezes o s jovens se despedem com a frase: “See you later, alligator”, que se pronuncia “siu leitur, aligueitur”, e cuja tradução é: Vejo -te mais tarde, jacaré”. Veja o verbete “Casamento da raposa”.

* CASCUDO – Uso geral. Golpe desferido sobre a cabeça de alg uém, com os nós dos dedos de uma das mãos fechada. A palavra tem sinônimas antigas que já caíram em desuso: “piparote”, “coque” e “cocorote”. O cascudo foi usado no passado como forma de castigo infligido aos escravos, pelos senhores, e aos filhos pequenos , pelos pais, permanecendo como método de tortura perpetrada às vezes por meninos maiores, contra os menores.

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CATABILHO – Uso Rural. Antigo. Acidente de terreno que origina solavanco de veículo. Gíria caminhoneira e beradeira. De etimologia controvertida. Também usadas “Catabi” e “Catabil”. Há quem relacione o termo à expressão do inglês catch a beat – “pegue uma batida”.

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CATARINA – Urbano. Antigo. Chamam-se “catarinas”, não só no Ceará, mas em todo o Nordeste, os militares louros, de aspecto nórdico, das Forças Armadas Brasileiras, oriundos dos Estados do Sul. Eram tidos como especialmente dedicados aos misteres castrenses, e muito temidos pelos presos políticos, durante as 78


ditaduras, pois havia a presunção de que fossem mais frios e inclementes. Essa concepção pode ter nascido da fama de algum oficial rigoroso que tinha tais características físicas, ou por influência do antagonismo germânico-brasileiro, estimulado pelo cinema, a partir da Primeira Guerra Mundial. O termo tem origem no nome do Estado de Santa Catarina.

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CATIROBA – Uso restrito. Mulher da plebe. Prostituta pobre. Palavra do tupi.

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CATRAIEIRO – Urbano. Uso veterano. Gente reles, de baixo nível social, ou qualquer um que tenha modos ou aparência grosseira ou cafona. Por extensão, roup as ou adereços kitsch, cafonas, consideradas de mau gosto. Originalmente a palavra designa os barqueiros das praias cearenses, que manobram as catraias, espécie de embarcação.

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CATREVAGE – Uso geral. Conjunto de objetos velhos e sem valor. Sucata. Tranqueira de mascate. Bagagem de pobre. Bagulheira de ciganos. Armações de circo e de trupe itinerante. Por extensão, as pessoas que a essas coisas se relacionam. O termo vem de “catervagem”, esse, por sua vez, de “caterva”, multidão de pessoas, animais ou coisas.

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CAXINGAR – Uso geral. Coxear. Claudicar. Mancar.

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CEGO ADERALDO – Urbano. Infantil. Antigo. Usa-se o termo para ofender os míopes, em referência a famoso repentista sertanejo cego, que se chamava Aderaldo , falecido em 1967. Era impropério comum entre os meninos, contra aqueles obrigados a usar grossas lentes de grau. Esse trauma, que ainda atingiu o roqueiro Herbert Viana (“Eu não nasci de óculos, eu não era assim”), hoje está parcialmente superado pela possibilidade das cirurgias oftalmológicas e pelas lentes de contato.

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CEGUEIRA – Rural. Fixação mental. Paixão cega. Fissura. “Tinha uma cegueira tão grande pela rapariga, que terminou deixando a mulher”; “Deixa de cegueira, menino! Não se pode passar o dia jogando bola!”.

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CELULAR – Uso geral e recente. Recipiente de cachaça, pequeno e de formato achatado, próprio para portar no bolso. Trata -se de velho apetrecho utilizado pelos bebedores discretos de uísque, copiado pelas indústrias de aguardente, que os vendem como opção econômica e portátil, em vidro, louça, ou mais comumente em plástico PET. Diferentemente do “burrinho”, o “celular de cana” destina -se mais ao uso individual. O termo faz analogia irônica com o formato dos primeiros telefones móveis.

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CEROTO – Uso geral. Sujeira corporal. Cerume enegrecido que se acumula no corpo e nas vestes das pessoas pouco asseadas.

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CHECHEIRO – Uso geral. Vejo o verbete “Xexeiro”.

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CHÊCHO – Uso Geral. Veja o verbete “Xêxo”.

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CHEGA – Uso Geral. A tal ponto que, de tal modo que. “Ele era tão feio chega espantava todo mundo”.

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CHAPA – Uso geral inculto. Dentadura. Usa-se ainda o termo para referir a radiografia: “Vou bater uma chapa do pulmão”. A palavra também tem o sentido nacional de amigo, camarada, companheiro, talvez por influência do jargão rodoviári o. Chapa é uma abreviatura de “chapeado”. Chapeados eram os “carreteiros”, capatazia que descarregava os caminhões nas cidades e que usava chapas metálicas numeradas nos chapéus, para controle dos seus patrões. Há também quem entenda tratar-se de corruptela do termo do inglês chappie – literalmente “tampinha”, figuradamente “baixinho”, maneira carinhosa de tratar pessoas camaradas, inclusive em português do Brasil, não necessariamente por serem mais baixas. Hoje, chamam-se de “chapas” os profissionais que r ecebem os caminhoneiros na entrada das grandes cidades, para lhes orientar nos trajetos urbanos.

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CHEI-DOS-PAU – Uso geral e veterano. Muito bêbado.

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CHIBATA – Uso urbano e masculino. Coisa ou pessoa de boa qualidade: “Ontem eu fiz um programa chibata” ; “O cabra foi chibata comigo”. Coisa muito grande: “Embarcou num navio que era um chibata”; “Comprei uma arraia chibatona”. Carinhosamente, pode -se chamar uma pessoa, que seja de hierarquia social inferior, de 80


“chibateiro”, enquanto não se lhe souber o no me. Em outro contexto, chibata também significa o pênis, e por isso, em circunstância especial e entonação própria, pode designar alguma coisa que seja objeto de fúria. “A casa é minha, e quem manda nessa chibata sou eu!”; “Eu ia lhe comprar o carro, mas v ocê está botando tanta banca que agora eu não quero mais essa chibata, nem de graça!”. A importância que se dá a essa palavra no português do Brasil talvez tenha relação com a função disciplinar que as chibatas tiveram na sociedade escravagista.

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CHULIPA – Uso geral. Golpe do dedo indicador da mão vibrado contra a orelha de uma outra pessoa, que esteja distraída, fazendo o pavilhão auditivo vibrar violentamente. Trata -se de brincadeira de mau gosto muito comum entre crianças, ou con tra elas. Em outras regiões do País é também chamada de “caçuleta”.

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CIÇO – Urbano. Moderno. Pessoa tola, simples ou de pouca inteligência. Nessa acepção, o mesmo que “mané”. Usa -se também para discriminar socialmente os de origem menos nobres e de hábitos menos cultos. Talvez derive do antropônimo “Cícero”, muito comum entre os simples da região do Cariri.

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COCOROTE – Uso geral e antigo. Golpe desferido sobre a cabeça de alguém, com os nós dos dedos. A palavra, hoje quase em desuso, tem sinônimas mais antigas e mais mode rnas: “piparote”, “coque” e “cascudo”. O cocorote, corruptela de “cocuruto”, foi usado no passado como forma de castigo infligido aos escravos, pelos senhores, e aos filhos pequenos, pelos pais, permanecendo, sob o nome de “cascudo”, como método de tortura perpetrada às vezes por meninos maiores, contra os menores.

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COIÓ – Uso geral. Em desuso. Assovio lisonjeiro que os rapazes emitiam, em louvor à beleza de uma moça que passasse por ele. O verdadeiro coió cearense semelhava o assobio fino e delicado dos saguis (sõins), que se produzia aspirando o ar fortemente entre os lábios contraídos, e não soprando como no clássico do fiu -fiu, também utilizado, com a mesma finalidade, em todo o País. Essas manifestações de galanteio são hoje repreendidas pela ideologi a do “politicamente correto”, que as considera “assédio sexual” ou, no mínimo, invasão da privacidade feminina.

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COISAR – Uso geral. Mexer. Bulir. Fazer. Aplica-se esse termo para substituir qualquer verbo que não ocorra na memória, ou que se ignore, ou que se prefira omitir. “O casal estava coisando, e tomou um susto quando eu entrei”; “A máquina fica coisando a terra, antes de passar o asfalto”; “Ele coisou no computador até que ele voltou a funcionar”. Os professores cearenses de inglês costumam dizer que o verbo “to take” corresponde ao verbo “coisar’ em português do Ceará, pela amplitude de sua aplicação no idioma britânico.

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COISINHA – Uso geral. Detalhe de um fato que não se tolera, que não se pretende aceitar, e contra o qual se reage veement emente, ficando subentendido o complemento da frase: “Ele disse isso? Taí, uma coisinha (que não aceito – que não admito)!”; “Ele se aborrece por uma coisinha de nada”. Rural. Pessoa de quem não se lembra do nome. Veja o verbete “Bichim”.

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COISONA – Uso geral. Por antítese irônica, um mau negócio. Normalmente usado para rechaçar uma proposta ou sugestão desvantajosa, na seguinte expressão irônica: “Ô coisona!”. No mesmo sentido, usa-se também: “Ô negoção!”. Veja o verbete “Negoção”.

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COLORAU – Uso geral. Colorífico. Corante natural vermelho, de origem indígena, à base de urucum, usado no momento do preparo de alguns pratos, com a finalidade de conferir tons mais apetitosos às receitas culinárias.

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COM A GOTA – Rural. Antigo. Diz-se de quem, ou do que, está sob carga máxima, em energia, afobação ou pressa. “Naquele dia ele estava com a gota, e disse-lhe poucas e boas!”; “O carro vinha com a gota, quando passou pela estrada.” Veja o verbete “Da gota”.

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COMÉDIA – Urbano. Moderno. Qualquer cena ou evento cur ioso. Farra. Balada. Comédia, no sentido estrito da gíria cearense, é uma noite de bebedeira e galhofaria, durante a qual um grupo de jovens vai a festas ou eventos, clubes ou bares, zombando do mundo e uns dos outros. Em alguns casos, uma comédia pode est ender-se por todo um final de semana. Em Portugal diz -se “rapaziada”.

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COMER COCADA – Uso geral. Antigo. Veja o verbete “Segurar vela”.

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COMER DE CAPITÃO – Rural. Antigo. Comer de capitão é fazer as refeições sem o uso de talheres, mas utilizando uma da s mãos para apertar porções da comida entre os dedos e a palma, formando assim bolinhos oblongos, chamados capitães, levados à boca um a um. Era a forma tradicional utilizada por índios e negros na sua própria alimentação e na dos filhos, estendida aos men inos brancos, por suas amas e por criadas de casa. Comer assim tornava -se um fetiche para muitas dessas crianças da casta patronal, até a puberdade, pelo seu aspecto lúdico, pela sua comodidade . Mais tarde, até por saudosismo da infância. Até os anos 50, e m algumas famílias cearenses, era um método adotado para estimular o apetite das crianças. Também se diz, menos frequentemente, “comer de soldadinho”.

* COMPARAÇÃO – Rural. Usa-se com o mesmo sentido de “por exemplo”. Usa-se também para designar coisa malfeita, ou incompleta: “Ela disse que daria um almoço, mas fez só a comparação”. É comum tornar-se um vício de linguagem, funcionando como conectivo entre frases, ou assumindo a função de anteceder qualquer explanação: “Isso é remédio de erva. Comparação: a gente amassa bem a semente e mistura na água”; “Eu fui dizer a ela, comparação: eu gosto muito de ser sincero”. Há um tipo cômico feminino na televisão brasileira, que faz a caricatura de uma mulher do campo, que incorporou esse cacoete de iniciar as frase s com o termo “comparação!”. Certamente aprendeu isso de alguma nordestina, das muitas que trabalham em tarefas domésticas no Sudeste.

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COMUSTODO – Rural. Corruptela de “como todo”. Muito. Bastante. Demais. Sobremaneira. É frequente entre os campesinos o emprego da expressão, para referir intensidade ou grande volume. “Tinha gente comustodo na festa”; “Eu corri comustodo, mas assim mesmo perdi o ônibus”.

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CONDENADO – Rural. Veja o verbete “Amaldiçoado”.

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CONHECE O TEU LUGAR! – Uso geral. Expressão autoritária utilizada para impor ao interlocutor a devida consciência de sua modéstia social. Corresponde a “recolha -se à sua insignificância”. Tem origem na classificação discriminatória dos cidadãos de segunda e terceira classes no período colonial e escrava gista, com reflexos ainda hoje. O saudoso compositor cearense Belchior, que foi monge católico e que era crítico das desigualdades sociais, tem uma canção 83


denominada enxerga!”.

“Conheço

o

meu

lugar”.

Veja

o

verbete

“Te

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CONHECIDO – Rural. Reconhecido. O sertanejo costuma enaltecer qualquer coisa ou pessoa, quanto a determinada qualidade que possua, com o termo “conhecido!”, independentemente de fama real: “Aquele cabra é motorista conhecido!”. “Conhecido”, nesse caso, teria o sentido de “reconhecido”, ou de “facilmente reconhecível”. Veja o verbete “Famoso”.

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CONSIDERE O MATUTO – Uso geral. Antigo. Expressão restrita às décadas de 60 e 70 do século XX, era um recurso coloquial de modéstia para dotar de especial sentimentalidade algum apelo. Ao se pedir um favor, um desconto de preço, uma concessão qualquer, se podia complementar o discurso com a frase: “Considere o matuto!” .

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CONTAR BODEGA – Rural. Antigo. Contar bodegas. Diz-se estar contando bodegas o bebedor inveterado que durante o seu itinerário faz escalas em todas as vendas e botecos por que passa, para sorver um trago, por irrefreável compulsão alcoólica, como é característica de alguns alcoolistas.

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COQUE – Uso geral e antigo. Golpe desferido sobre a cabeça de alguém, com os nós dos dedos. A pa lavra, hoje quase em desuso, tem sinônimas mais antigas e mais modernas: “piparote”, “cocorote” e “cascudo”. O coque, de origem onomatopaica, foi usado no passado como forma de castigo infligido aos escravos, pelos senhores, e aos filhos pequenos, pelos pais, permanecendo, sob o nome de “cascudo”, como método de tortura perpetrada às vezes por meninos maiores, contra os menores.

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CORRALINDA – Uso geral. Corruptela de “coisa linda”.

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CORRER DENTRO – Uso geral. Dispor-se a brigar. Partir para a briga. Veja os verbetes “Ir pros-paus” e “Vir pros-paus”.

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CORRER FROUXO – Urbano. Ocorrer sem oposição: “Deixa pra lá! Deixa correr frouxo!”. Acontecer sem dificuldade e com frequência: “Aqui a criminalidade corre frouxa”.

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CORTAR – Uso geral. Falar mal de alguém. Difamar. Denegrir. Tesourar.

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CORTAR PREGO – Uso geral. Ter muito medo. Estar cortando prego. Gíria dos anos 60, hoje pouco usada. Faz referência velada a lendárias contrações intensas dos esfíncteres sedais, pretensamente provocadas pelo medo, fenômeno mítico que talvez não tenha confirmação neurofisiológica. Diz -se também “cortando trilho” e “trilhando aço”.

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COTOCO (Ô) – Uso geral. O dedo médio, usado em gesto obsceno de desagravo contra alguém. “Dar cotoco” é realizar tal gesto, na direção de outrem, para desacatá-lo, imitando o pênis ereto com o dedo médio, e os testículos com o indicador e o anular. No Sudeste diz-se “dedada”. Entre nós, dedada é a atitude, ainda mais agressiva, de cutucar o traseiro de alguém, usando o dedo médio. O gesto de dar cotoco remonta à Roma antiga, quando servia para que as prostitutas convidassem os clientes potenciais para a contratação de seus serviços eróticos.

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CRIAÇÃO – Rural. Para os sertanejos iletrados, o termo, no singular ou no plural, designa, específi ca e exclusivamente, os gados ovinos e caprinos. Veja os verbetes “Animal” e “Miunça”.

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CRUVIANA – Rural. Antigo. Vento noturno. Frio da madrugada. Garoa matinal.

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CRUZETA – Urbano. Trapaça. Trama desonesta urdida entre várias pessoas.

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CUBAR – Uso geral. Olhar. Observar. Espreitar. Vigiar. Bilar. Cobiçar com os olhos. Provém de “cubagem”, medição de volume.

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CU-DE-CANA – Uso geral. Alcoólatra. Bebedor contumaz. Usa-se também “pé-de cana”.

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CUMA – Rural. Antigo. Como: “Cuma foi que você veio?”. Al gumas vezes usa-se “acuma”: “Acuma se diz na Paraíba”.

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CUMADE – Rural. Comadre. Feminino de compadre. Tratamento mútuo entre pessoas que celebraram compadrio, usado no sertão com rigor obrigatório, da mesma forma que os afilhados adotam os tratamentos de “padrinho” e “madrinha”. Nas cidades não se usam esses tratamentos, até porque aí essas relações costumam ocorrer entre parentes consanguíneos. No interior também é usual chamar de “cumade”, genericamente, toda e qualquer mulherzinha do povo de quem não se saiba o nome, desde que esta tenha idade ou status de mulher casada. Urbano. Modo bem humorado com que alguns rapazes se referem a uma moça pela qual tenham interesse, e mais diretamente às próprias namoradas.

* CUMBUCA – Uso geral. Vasilha pequena, oval ou hemisférica. Cuia. Cabaça. A expressão é conhecida em todo o Norte -Nordeste, bem como no Brasil profundo, interior de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Provém do tupi “cuiambuca” . Levar, roubar ou tomar “até as cumbucas de sal” é uma expressão muito popular.

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CUMPADE – Rural. Compadre. Masculino de comadre. No interior também é usual chamar de “cumpade”, genericamente, todo e qualquer homenzinho do povo de quem não se saiba o nome, desde que este seja suficientemente maduro para merecer o tratamento: “Cumpade! Sabe dizer por onde se chega à barragem?” Urbano. Usase como vocativo impessoal, durante a fala, da mesma forma que se usa “cara”, “meu irmão”, “bicho”: “Ah! meu cumpade... eu não perco essa viagem por nada!”. Os jovens do Sudeste têm adotado, no mesmo sentido, o termo “Brother”, usual entre os negros norte -americanos.

* CUNHÃ – Uso geral. Antigo. Originalmente, as jovens serviçais a serviço das famílias, no sertão e nas cidades. Cabocla de cozinha. Depois, forma depreciativa de se referir a qu alquer mulher, para lhe atribuir condição social e condição moral inferiores. “Quem aquela cunhã pensa que é?”. Finalmente, amante de homem casado, concubina secreta. “Dizem que ele tinha por lá uma cunhã”. A palavra vem do tupi, com o significado de “mulh er”. Etimologicamente, cu+nhã – língua ligeira.

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CURIAR – Cubar. Assuntar. Lobrigar. Investigar alguma coisa de forma dissimulada. Deriva de “curioso”.

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CURUBA – Uso geral. Palavra do tupi. Coceira. Escabiose. A médica alergista Paula Albuquerque, oriu nda de Maceió, com longa vivência em São Paulo, notou o termo apenas no Ceará.

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CURUBENTO – Uso geral. Palavra do tupi. Pessoa portadora de curuba. Como impropério, para depreciar alguém socialmente, o mesmo uso que no Sul do País se faz do termo “lazaren to” (portador de lepra). A médica alergista Paula Albuquerque, oriunda de Maceió, com longa vivência em São Paulo, notou o termo apenas no Ceará.

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CUSPIR NO CHÃO – Uso geral e antigo. Diz-se que vai “cuspir no chão” quando se quer apressar alguém a cumpri r uma tarefa, mormente a de ir a algum lugar e voltar incontinenti. É expressão autoritária, que talvez remonte ao tempo dos escravos. Quando não se dispunha de relógios, usava-se esse recurso para fazer um criado cumprir um mandado de maneira rápida. “Vou cuspir no não. Antes de o cuspe secar esteja de volta!”. Mais recent emente os pais usam-na, com bom-humor, de forma meramente retórica, para aligeirar crianças.

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CUSTAR – Uso geral. Demorar. Demorar-se. O termo conserva também, entre os cearenses, o seu sentido mais comum, referente ao preço de algum objeto ou ao esforço necessário para se obter alguma vantagem.

* DA BIXIGA – Rural. Uso veterano. Da bexiga. Qualquer coisa muito grande, forte ou intensa pode ser qualificada como “da bixiga”. Exatamente o mesmo uso de “da gota”, “da gota seren a”, “da peste”, “da mulesta” e “medõe”. Todas elas são expressões que remontam às grandes epidemias que assolavam os sertões. Bexiga é como chamavam a varíola, moléstia contagiosa que enchia a pele dos doentes de bexigas apostemadas e de feridas. Veja o verbete “Medõe”.

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DA GOTA – Rural. Uso veterano. Usa-se a expressão para enfatizar qualidade, promovendo adjetivação de intensidade ou de grandeza. “Aquele homem é um vaqueiro da gota!” (um excelente vaqueiro). Eu estava com uma gripe da gota!” (uma gripe forte). Veja o verbete “Com a gota”.

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DA GOTA SERENA – Rural. Uso veterano. Exatamente o mesmo uso de “da gota”, “da mulesta”, “da peste”, “da bixiga” e “medõe”. Gota é como chamavam uma doença que cegava. Também se presta ao juramento: “Eu quero cegar da gota serena se não for verdade o que estou dizendo!”.

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DA MULESTA – Rural. Uso veterano. Da moléstia. Exatamente o mesmo uso de “da gota”, “da gota sere na”, “da peste”, “da bixiga” e “medõe”. Usa-se também a expressão “cachorra da mulesta” para a mesma adjetivação de intensidade, ou para referir coisa má.

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DANAÇÃO – Uso geral e antigo. Travessura. Bagunça de criança. Mau comportamento infantil.

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DANADA – Uso geral. Diz-se da criança travessa, muito peralta, muito bagunceira, rebelde, desobediente. No sudeste se diz “levada”, por simplificação da veterana expressão “levada da breca”. Hodiernamente se diz da moça que é muito festeira e namora muito, que avança demais nas intimidades eróticas com os namorados, que é mais promíscua que as demais, nos relacionamentos amorosos.

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DANOU-SE! – Rural. Expressão que denota espanto ou perplexidade, ante um acontecimento, uma revelação, ou uma atitude específica de alguém, de que se presuma consequência indesejável. “Ele disse isso mesmo? Agora danou-se!”; “Danou-se! A estrutura da casa está abalada mesmo”; “Se eu fizer isso, danou -se!”.

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DA PESTE – Rural. Uso veterano. Qualquer coisa muito forte, grande ou intensa pode ser qualificada como “da peste”. Exatamente o mesmo uso de “da gota”, “da gota serena”, “da mulesta”, “da bixiga” e “medõe”. São expressões, todas elas, que remontam as grandes epidemias que assolavam os sertões. A expressão “cabra da peste” popularizou-se no Sudeste, quase como sinônimo de “cearense”.

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DAR AS HORAS – Uso geral. Dar um mínimo de atenção. Expressão aplicada sempre negativamente: “Eu passo por ele e nem lhe dou as horas”. “O João passa na porta e sequer dá as horas para o pai”. Refere à negativa de informar que horas sejam, a quem eventualmente não porte relógio, abordagem muito comum entre estranhos antigamente, de resposta socialmente obrigatória. Sequer das as horas é tratar com absoluto desprezo. 88


* DAR CABIMENTO – Uso geral. Permitir a alguém intimidades, permitindo-lhe imiscuir-se em seus assuntos. É usado normalmente em sentido negativo: “Eu nunca lhe dei cabimento para me tratar como seu paricero”. Também se diz “dar confiança”. “Ele faz isso porque ela lhe dá confiança”.

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DAR DE GARRA – Uso geral antigo. Pegar. Segurar. Bater de mão. Por extensão, furtar. O termo está caindo em desuso.

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DAR FÉ – Rural e veterano. Notar. Perceber. Não tem relação com “acreditar”, como parece. Os sertanejos costumam enxertar em suas narrativas a expressão “candefé”, corruptela de “quando dei fé”, para referir uma ocorrência inesperada: “Candefé ele já estava com a faca na mão”. Variações semânticas de termos acontecem também entre o português brasileiro e o falado em Portugal. A palavra “perceber”, por exemplo, em Portugal, significa especificamente “comp reender”, enquanto no Brasil ela significa “notar”. Note -se também a palavra arcaica “bofé”, registrada por Álvares de Azevedo, corruptela de “à boa-fé”, com o sentido de “na verdade”. Veja o verbete “Candefé”.

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DAR NO PÉ – Uso geral. Correr. Fugir rapidamente. Veja os verbetes “Dar o pira” e “Meter o pé na carreira”.

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DAR O GRAU – Urbano. Tomar alguma providência corretiva. Consertar. Ajeitar. Reparar. Arrumar. Por extensão, ter qualquer atitude benéfica.

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DAR O MAIOR DEZ – Urbano. Gostar. Aprovar. Diz-se também “dar o maior ponto”. Veja os verbetes, “Dar o maior valor” e “Dar valor”.

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DAR O MAIOR VALOR – Uso geral. Gostar muito. Apreciar sobremaneira, em detrimento de outras opções. É mais enfático e amplo que “dar o maior dez”. Veja os verbetes “Dar o maior dez” e “Dar valor”.

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DAR O PIRA – Uso geral. Antigo. Em desuso. Correr. Fugir rapidamente. Veja os verbetes “Dar no pé” e “Meter o pé na carreira”. 89


* DAR O PREGO – Uso geral. Enguiçar. Apresentar defeito. Entrar em pane. Estar no prego. Usado originalmente em referência ao automóvel, hoje o termo é usado em relação a qualquer máquina, aparelho ou equipamento.

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DAR O TRAÇO – Uso geral. Driblar, iludir, enganar. “Ele me deu um traço naquele negócio que fizemos”. Veja os verbetes “Traçar” e “Traço”.

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DAR O XÊXO – Uso geral. Pronuncia-se “dar o chêcho”. Dar calote. Não pagar alguma dívida, notadamente referente ao serviço sexual das prostitutas e do consumo dos bares, geralmente empreendendo fuga, muitas vezes em grupo, não raro correndo em disparad a, hábito recorrente para a juventude da segunda metade do Século XX. Veja os verbetes “Xêxo e Xexeiro”.

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DAR PITACO – Uso geral. Dar opinião, geralmente de forma impertinente. “A mania dele é dar pitaco, mesmo sem entender do assunto”.

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DAR PRO MUNDO – Uso geral e veterano. Acabar-se, extinguirse, danificar-se, apresentar defeito grave: “Ontem o meu rádio de pilhas deu pro mundo!”

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DAR UMA PISA – Uso geral. Veja os verbetes “Pisa”, “Peia” e “Meter a peia”.

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DAR VALOR – Uso geral. Aceitar como bom. Apreciar. Valorizar. Aprovar: “Você falou demais. Dei valor não!”; “O cara fez o serviço direito. Dei valor!”. Veja o verbete “Dei o maior valor”.

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DE AGÁ – Gíria Urbana. Veja o verbete “Agá”.

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DE ARAQUE – Uso geral. Falso. Que não é verdadeiro. Por extensão, aquilo que não tem boa qualidade. O mesmo sentido da expressão clássica “de fancaria”. Tem uso corrente em todo o país, com semântica diversa. Guarda relação como étimo do árabe “áraque”, que designa uma bebida à base de arroz, de elevado teor alcoólic o. Veja os verbetes “Agá” e “De Nelson”. 90


* DE BANDOLA – Juvenil e desportivo. De banda. De lado. Indica um movimento lateral, ou o lance de futebol executado com o lado externo do pé. Dizia-se também “dar de Charles”. Charles Miller foi o inglês que trouxe para o Brasil o Futebol. Presumivelmente apreciava chutar de bandola, assim como o jogador Sócrates, da Seleção Brasileira de Futebol, falecido em 2011, costumava chutar com o calcanhar.

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DE CACETE(!) – Urbano. Moderno. Com grande velocidade.

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DEDADA. Uso geral. É a atitude, muito agressiva, de cutucar o traseiro de alguém, usando o dedo médio. Bastante usual nas brincadeiras grosseiras dos meninos. No sudeste se usa o termo “dedada” para na acepção que no Ceará se dá à palavra “cotoco”. Veja o verbete “Cotoco”.

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DEFÉ – Rural. Veja os verbetes “Dar fé” e “Candefé”.

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DEJEITO – Rural e veterano. Desse jeito. O uso do termo é mais comum nas cidades do Cariri, quase sempre de forma crítica ou repreensiva: “Dejeito não há quem aguente!”; “O cabra é dejei to. Só faz o que quer”.

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DE LEVE – Uso geral. De pouco em pouco. Devagar, mas sempre fazendo subentender a pretensão de chegar ao longe.

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DE NASCENÇA – Uso geral e veterano. A expressão é clássica, portanto não pertence à gíria cearense; contudo, inco rporou-se ao regionalismo local pela amplitude que se lhe dá na medicina popular, e até no psicologismo leigo, para referir o determinismo genético: “Aquela doença não pega, pois é de nascença”; “A baitolice não é pecado não. Aquilo é de nascença”; “A famí lia toda é muito boa. É coisa de nascença”.

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DE NELSON – Uso geral e antigo. Afirmação falsa. Que não é verdadeiro. Usa-se mais para negar o que acabou de ser dito : “Ela diz que gosta muito de mim – de nelson!” Parece ter relação com o nome do falecido cantor Nélson Gonçalves; contudo, não há evidência disso, nem coerência aparente, pois o cantor existia de fato e não consta que 91


fosse mitômano. Veja os verbetes “Aí mente”, “Agá” e “De Araque”.

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DE NOITINHA – Rural e veterano. No princípio da noite. Nesse caso, “noitinha” é apenas um diminutivo. Entretanto, o termo tem maior força expressiva para significar, durante o dia, o avançado da hora, mormente em relação a alguma tarefa lenta ou a alguma coisa que demore muito: “Vamos com isso, que já está de noiti nha!”; “Voume embora. Tá de noitinha!”. A palavra “noitinha”, nas expressões do exemplo, não funciona como diminutivo de noite, mas, pelo contrário, como anúncio de uma qualidade ou condição que se insinua ou se estabelece de forma incisiva. Exemplos anál ogos: “Esse café já está friozinho!”; “Quando eu vi a arma fiquei apavoradinho!”. No caso da expressão “de noitinha”, no sentido de “fazer -se tarde”, é também uma hipérbole, porquanto comumente usada em plena luz do dia.

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DE PAU – Urbano. Em grande velocidade, e perigosamente, ou vertiginosamente. “Ele só dirige de pau”; “O avião passou de pau sobre a cidade”. Veja o verbete “De cacete”.

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DE PRIMEIRO – Uso popular. Em desuso. Dantes. Antigamente. A expressão é título de um livro do artista plástico e esc ritor memorialista cearense Totonho Laprovitera.

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DE RASPÃO – Uso geral. Diz-se de um projétil ou móvel qualquer que atinge algo superficialmente, causando ferimento leve, somente arranhando, ou mesmo sem causar dano nenhum. “As balas passaram de raspão”. Veja o verbete “Tirar um fino”.

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DERNA – Rural. Desde. “Derna do dia 10 que não chove”.

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DESCATITAR – Uso geral. Desmantelar. “Botei para descatitar”: agir com muita energia, doa em quem doer. Veja o verbete “Botar para descatitar”.

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DESENROLAR – Uso Geral. Resolver um impasse burocrático.

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DESENROLADO – Uso Geral. Pessoa descomplicada, diligente, hábil, boa de negócios.

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DESMENTIR – Rural. Contundir parte do corpo. Luxar uma articulação: “Estou com o pé desmentido.”

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DESPOMBALIZADO – Urbano. Triste. Confuso. Irritado. Diz-se de alguém que se comporta de forma afetada, pretensamente por carência sexual.

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DESTÁ (Ê) – Uso geral. Deixe estar. Usa-se, coloquialmente, em tom de queixa e ameaça velada, em alusão a alguma injustiça sofrida, subentendendo-se a promessa de que a revanche será preparada. Nem sempre se aplica a expressão com gravidade de sentimentos, contra desafetos, mas muitas vezes apenas para reclamar atenção ou carinho eventualmente sonegado: “Destá, bichinho ...!”.

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DE VERA – Uso geral e antigo. De verdade. De forma efetiva. De forma válida.

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DE VEZ – Uso geral. Diz-se da fruta prestes a amadurecer, estado em que algumas são preferidas por alguns, com sua polpa mais firme e conservando o sabor travoso e adstringente, como no caso da siriguela, da manga, do limão e da goiaba.

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DIABEÍSSO(!?) – Uso geral e veterano. Corruptela de “que diabo é isso?”. Na expressão, perde o seu sentido interrogativo original, funcionando agora como uma exclamação eminentemente crítica.

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DICUMÊ – Rural. De comer. É a forma usual do sertanejo mais antigo se referir à comida. Diz-se também simplesmente “cumê”. “Mãe, o dicumê está pronto?”. “João, vai botar o “cumê” do gado!”.

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DICUNFORÇA – Uso geral. Veterano e inculto. Operar energicamente. Na gíria urbana, usa-se o termo, adjetivado, de forma bem humorada, para significar valor: “O homem é um operário dicunforça!”. Pode também ter o sentido de “objetivamente”, como adjunto adverbial de modo: “Eu não faço arrodeios. Entro no assunto é “dicunforça!”.

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DINDIM – Uso geral. Sorvete vendido em saco plástico ablongo, geralmente de fabricação caseira, comercializado para complementar a renda familiar. Chup-chup, e sacolé, em outras regiões do país. 93


* DIREITO – Uso geral. Popular. Significa semelhança: “João é direito o pai dele”. Usa-se no diminutivo para intensificar o seu sentido: “Esse carro é direitinho aquele que tive”. Conforme o contexto, pode indicar também a percepção de algo aparente, mas neste caso ficando implícita a ressalva de que possa ter o corrido, por parte do observador, uma forte ilusão de ótica ou de audição: “Eu vi direito a Maria naquela reportagem de TV”; “Eu ouvi direitinho você me chamar”. Nessa acepção, corresponde ao termo “ter a impressão de...”. Veja o verbete “É ver”.

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DISTIORADO – Rural. Objeto ou imóvel em mau estado de conservação. Corruptela de deteriorado.

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DONA MARIA – Uso geral e veterano. Tratamento com o qual se dirige a palavra a uma mulher do povo, de quem não se saiba o nome. A pronúncia corrente é “do’maria”. O s eu correspondente masculino é “seu zé”. Veja os verbetes “Cumade”, “Cumpade” e “Seu Zé”.

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DORDOI – Rural. Inculto. Corruptela de “dor d’olhos”. Conjuntivite bacteriana que acomete as crianças, mormente as sertanejas e suburbanas, mais expostas aos mosqui tos transmissores.

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E BRÁ(!) – Uso geral. E fim. E só. E nada mais. E fim de papo. E não se fala mais nisso. Expressão com que se encerra vigorosamente uma proposição. Veja o verbete “Entonse brá(!)”.

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É DIREITINHO – Veja o verbete “Direito”.

*

É DIREITO - Veja o verbete “Direito”.

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ÊÊ – Uso geral. Interjeição utilizada no começo ou no fim de uma oração que refira determinada tarefa ou problema, com a finalidade de frisar grande dificuldade na execução daquela, ou na superação deste. “Ele diz que vai fazer o vestibular. Êê!, se não estudar muito ele não passa nunca!”; “Êê, meu amigo. A luta foi grande, mas nós vencemos”; “Passei três anos sem ver a mulher amada. Foi terrível, êê!”.

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ÉGUA – Uso geral e veterano. Besta. Tolo. Usado como interjeição, o termo expressa grande espanto: “Égua! Eu nunca tinha visto um prédio tão alto!”.

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ÉGUA! – Uso geral e veterano. Interjeição enfática de espanto. Não raro a ênfase da emissão do termo alonga o “e” inicial – Éeeegua! – ou o suprime e soa como um monossílabo gut ural: Guá!!!

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EGUAR – Uso geral. Bancar o égua (concordando o artigo com o gênero do sujeito). Andar sem rumo. Perder tempo. Permanecer inútil em algum lugar. Veja o verbete “Bestar”.

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EITA! – Uso geral. Interjeição de espanto, já apreciada no Sudeste, adotada pelo apresentador de televisão Fausto Silva, ao comentar as passagens mais burlescas das “vídeo cacetadas”. Diz-se também “Eita pau!” e “Eita ferro!”. Alguns pronunciam “êta!”.

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EITA PAU FEROZ! – Uso geral. Antigo. Expressão de espanto, ou de exaltação, diante de um fato ou de uma notícia excitante. “Eita, pau feroz! A meteorologia prevê muita chuva para amanhã”; “Dizem que ele pegou a mulher com outro homem – eita pau feroz!”. O mesmo que Eita pau pereira!

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EITA PAU PEREIRA! – Uso geral. Antigo. Expressão de espanto, ou de exaltação, diante de um fato ou de uma notícia excitante. “Eita, pau pereira! A meteorologia prevê muita chuva para amanhã”; “Dizem que ele pegou a mulher com outro homem – eita pau pereira!”. O termo “Pau Pereira” remete à madeira dura de uma árvore nordestina, o pereiro, assim denominada porque as folhas lembram as da fruteira europeia que produz peras. A expressão seria masculina – pau pereiro – mas foi popularizada na canção “Paraíba”, de Luiz Gonzaga, em referência à fibra do povo daquele Estado, cujo nome é do gênero feminino: “Eita, pau pereira, meu bodoque não quebrou / Eita, Paraíba, mulher macho sim, senhor / Paraíba masculina, mulher macho sim, senhor. O político cearense Iranildo Pereira deu ao seu livro de memórias esse título – Pau Pereira – relacionando o seu próprio sobrenome à saga da sua vida – pois qualificar algo ou alguém como “pau pereiro” significa lhe reconhecer força e resistência.

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ELEMENTO – Rural. Inculto. Em virtude de ser esse termo aplicado muitas vezes nos inquéritos da polícia, bem como nas 95


entrevistas prestadas por agentes de segurança, referindo os indiciados, os suspeitos, os criminosos, os simples do povo interpretam que ele seja depreciativo da pessoa. Assim, aplicam a palavra como impropério ofensivo. Veja o verbete “Indivíduo”.

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EM AZ – Rural. Antigo. Na iminência de acontecer. Quase acontecendo. “Eu estava em az de entrar para o exército”; “Ele estava em az de provocar um acidente”. Pode ser que o termo “az” venha da palavra “ás”, em referencia à carta de baralho; contudo, a fonética adotada indica o fonema “z”. É possível também que a origem do mesmo termo seja “ares”, como na expressão “com az de louco”. Nada obstante, no português falado em Portugal encontra -se a expressão “em hás-de”, no mesmo sentido de “na iminência de” – a segunda pessoa do presente do verbo haver, com a preposição “de” presa por hífen. Veja o verbete “Az de louco”.

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EM BANDA DE LATA – Urbano. Recente. Em grande quantidade: “A festa foi boa. Tinha mulher em band a de lata”.

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EMBARCAR – Urbano. Antigo. Uso infanto-juvenil. Lançar algum objeto móvel sobre algum prédio, seja acidental ou propositadamente, no telhado de uma casa ou por sobre um muro, na copa de uma árvore, ou ainda dentro de um veículo qualquer em movimento, de modo a extraviar a coisa ou dificultar a sua recuperação. Fazer jazer algo, geralmente uma bola ou outro brinquedo, em lugar inacessível ou de difícil acesso. “Não chute alto que você embarca a bola!”; “Ele estava enchendo o meu saco, então, com raiva, eu embarquei o chinelo dele”.

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EMBOANÇA – Uso geral. Conflito. Intriga. Bate-boca. Reclamação. Pronuncia-se “imboança”. Os dicionários brasileiros registram o termo, encontrado em autores nordestinos, mas não conseguem interpretar a sua exata acepção, absolutamente regional.

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EMBORCAR – Uso geral e veterano. Virar de borco. Entornar. Colocar de ponta-cabeça. Emborcar-se: pôr-se em decúbito ventral. O termo tem, por extensão, o sentido de malograr, de estar mal administrado ou falido, em relaç ão a um empreendimento qualquer: “A empresa emborcou”.

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EMBUCETAR – Urbano. Gíria com significado de “imiscuir -se” demais, unir-se excessivamente, manter-se junto a alguém ou a alguma coisa longamente. “Ele vivia embucetado com aqueles caras do partido”; “Você bateu atrás, porque vinha embucetado no carro da frente”. O termo tem evidente origem genital. EM NÓS – Rural. Veja os verbetes “Lá em nós” e “Inóis”.

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EMPANZINAR – Uso geral e antigo. Empanturrar. Empachar. Empanzinar-se: comer demais.

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EMPRIQUITAR – Uso geral. Enfeitar excessivamente. Nessa acepção, nacionalmente utilizada na forma “ emperiquitar”, deriva de “emperequetar-se”, ou seja, enfeitar-se com perequetés, que são enfeites, em tupi. Mas, na gíria cearense, o termo tem o sentido de zangar-se, recrudescer, recalcitrar: “Então eu empriquitei e não saí mais de lá”.

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ENCABULADO – Uso geral. Inibido. Tímido. Acanhado. Envergonhado. No Ceará, alguém que esteja envergonhado em relação a outro indivíduo, por alguma atitude indigna que tenha per petrado contra ele, diz-se estar o primeiro encabulado com este último. “Depois do que ele me fez ficou me evitando, encabulado comigo”. Contudo, no Sudeste, aplica-se o termo “vergonha” para significar simples acanhamento, timidez inocente, inibição natur al, a retração das crianças e o temor reverencial dos ingênuos diante de estranhos. Mas entre nós “vergonha” está relacionada, exclusivamente, a pejo moral, a presença ou falta de brios: “Ele é um homem de vergonha, que não se daria a uma atitude dessa s!”; “Diga-lhe que tenho vergonha na cara!”; “Aquele é um desavergonhado!”; “Aquele filho só me envergonha!”; “Eu teria vergonha de fazer uma proposta daquelas!”. Já alguém que temesse falar em público, ou o menino que se recusasse a conversar com um desconhe cido, para os cearenses ele estaria “encabulado”, ou “acanhado”, e nunca “envergonhado”.

*

ENCANGADO – Uso geral. Preso por canga, peça de madeira que prende os bois de carro pelos pescoços. Junto. Congeminado. A origem deve ser o étimo do tupi “ acanga” = “cabeça”, se não do celta, “cambica” = madeira curva. Diz-se geralmente de duas pessoas que sempre andam juntas, parecendo estar encangadas, como a junta de bois de uma carroça. 97


* ENCARNADO – Uso geral. Vermelho. A palavra é do vernáculo comum, mas é muito usada no Norte-Nordeste e no Ceará particularmente, não sendo aplicada no Sudeste e no Sul, nessa acepção cromática.

*

EN-EIM(!) – Rural e veterano. Interjeição comum em certas regiões do Estado, principalmente em áreas lindeiras ao Piauí e à Paraíba. O “en” se pronuncia de maneira curta e rápida, somente com a garganta e sem fechar a boca, portanto sem alongamento do ene, enquanto o “eim” tem o som alongado e meloso. Em alguns lugares pode ter sentido meramente afirmativo, ou negativo, conforme a entonação e combinado com o movimento da cabeça, afirmando verticalmente, ou negando horizontalmente: “Você quer comer? – Eneim!”. Em outras regiões exprime surpresa, admiração, piedade ou ternura: “En-eim...!, que criancinha linda!”; “Tenho muita pena daquele homem, en-eim!”. A expressão deve ter origem no tupi.

*

ENGEMBRADO – Uso geral. Torto. Feio. Mal Enjambrado. Usa-se também na forma “malengembrado”.

vestido.

*

ENGOMAR – Uso geral e veterano. Passar a roupa a ferro. “Passar” é a palavra bastante no re sto do país: “Eu lavo e passo”. Mas , no Ceará, se diria: “Eu lavo e engomo”. O termo vem do tempo em que o ato de passar o ferro aquecido era apenas o arremate da operação de adicionar goma ao tecido molhado, para depois secá -lo, e então estirar suas fibras passando o ferro quente sobre ele, para que o pano ficasse firme e armado.

*

ENREDAR – Uso geral. Denunciar alguém, em relação a alguma conduta irregular que tenha tido. O termo tem uso exclusivo entre as crianças, ou, quando usado por adultos, sempre em relação a travessuras infantis, relatadas a pais ou preceptores. A expressão correspondente, em referência a assuntos mais graves, seria “cabuetar”. No meio profissional, é muito corrente o uso do adjetivo “babão”, para designar os que apontam erros de colegas de trabalho. Na gíria do Sudeste tem-se o verbo “dedar”, agir como “dedo duro”, “entregar”. A semântica clássica de “enredar”, que deriva de “rede”, seria “envolver”, alguém ou a si mesmo, em situação labiríntica.

*

ENROLAR – Uso geral. Urbano. Embromar. Enganar. Temporizar. 98


* ENROLADO – Uso geral. Urbano. Pessoa confusa, atrapalhada. Procedimento complicado ou embargado pela burocracia. Em outra acepção, alguém que esteja com problemas policiais ou judiciais.

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ENTONSE BRÁ(!) – Uso geral. Inculto. O mesmo que “então pronto!”. Define uma conversa ou situação. Veja o verbete “E brá(!)”.

*

ENTONSE PRONTO(!) – Rural. Então pronto!. Veja o verbete “Entonse brá(!)”.

*

ENTRÃO – Urbano. Moderno. Intrometido. O importuno contumaz. Aquele que penetra nas rodas sociais a despeito de não ser convidado, e que opina sem ser consultado, e que toma intimidades que se não lhe concedeu.

*

ENXAMBRAR – Uso geral. Antigo. Enxombrar. Do latim, exhumorare – reduzir a humidade. Usava-se a palavra para designar coisas ligeiramente úmidas, notadamente as roupas enxambradas, quando ainda não estando bastante secas, estavam no ponto de serem engomadas – ou de lhes passar a ferro, como se diz no resto do País.

*

ENXAME – Uso geral. Moderno. Ajuntamento irregular de pessoas, ou de curiosos, ou de baderneiros. “Vão lá somente para fazer enxame”. “Passei lá, mas nem parei, porque já tinha um enxame”.

*

ENXERGAR-SE – Uso geral. Veja o verbete “Te enxerga!” .

*

ENXOMBRAR “Exambrar”.

Uso

geral.

*

Antigo.

Veja

o

verbete

É O NOVO(!) – Urbano. Recente. Expressão crítica exclamativa, visando evidenciar o anacronismo de algum hábito ou de algum termo já em desuso. Tem sentido semântico oposto ao seu sentido literal, pois pretende subtender a sua antítese: “Eis um velho!”. Era jargão do programa da televisão cearense denominado TVNENO, apresentado pelo jornalista Neno Cavalcante, falecido em 2016 . 99


* ERRADO – Uso geral. Homem dissoluto, que tem hábitos pouco recomendáveis, mormente no que se refere a bebida, sexo e valentia. “João é muito errado!”.

*

ESCACAVIAR – Uso geral. Revirar coisas em busca de algo. Escrutinar fatos, instar pessoas, fazer gestões exaustivas para dirimir uma dúvida ou obter uma informação. Também se diz “cacaviar”.

*

ESCAMBAU – Uso geral. Usa-se o termo para significar “todo o mais”, “muitas outras coisas”, “uma pletora de coisas”: “O caminhão trazia gente, móveis, animais domésticos, e o escambau”.

*

ESCOPETEIRO – Uso geral. Vivaldino, embusteiro, trapaceiro. A palavra escopeteiro é cognata de “escopeta”, do italiano schioppetto, designativo de uma arma longa que deflagra cartuchos, com alto poder de fogo a curta distância, de uso policial e defensivo . Veja o verbete “Trabuqueiro” e “Marreteiro”.

*

ESCRAMUÇAR – Rural. Escaramuçar. Correr, dar saltos, rolar no chão, como fazem os animais jovens, mormente potros e bezerros, ou mesmo os adultos fogosos, geralmente logo após sua soltura no campo.

*

ESCRÚPULO – Uso geral. O nordestino, particularmente o cearense, usa esse termo para referir o excesso de asco, noj o, ou repulsa que caracteriza as pessoas muito sensíveis ou refinadas, extremamente exigentes quanto à higiene e aos alimentos. Somente em contextos mais cultos se lhe dá a conotação clássica de “parâmetro moral”. A palavra, em sua origem latina, significa va “pedrinha”. Veja o verbete “Frescura”.

*

ESCULHAMBAÇÃO – Uso geral. Anarquia. Algazarra. Bagunça. Desordem: “Fizeram a maior esculhambação”. Numa segunda acepção, desaforo, repreensão, descompostura, cagaço: “Fui lá e dei -lhe uma esculhambação”. Num terceiro uso, apenas brincadeira: “Não é verdade. Você está é com esculhambação”. A palavra, na sua origem, é sinônima de “castração”.

*

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ESCULHAMBADO – Uso geral. Desorganizado. Deteriorado. Mal zelado. Mal administrado. Em mau estado. Por extensão, pessoa mal vestida. Diz-se também daquele que é dado ao deboche e à irreverência.

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ESCULHAMBAR – Uso geral. Falar mal de alguém ou de algo. Detratar. Injuriar. Por extensão, arrebentar alguma coisa. Fazer mau uso. Provocar defeitos em algo. Depreciar. No seu sen tido literal e clássico, esculhambar significa retirar os colhões, portanto sinônimo de emascular, castrar, extirpar os testículos.

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ESGALAMIDO – Uso geral. Glutão. Insaciável. Isgalamido.

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ESGULEPADO – Uso geral. Diz-se do mal vestido, desarrumado, maltrapilho. Pode também referir alguém que exiba lesões físicas generalizas, ou a objeto em evidente mal estado. Usa -se ainda verbo “esgulepar”, por desarrumar, desmantelar, esculhambar.

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ESPARRO – Uso geral e antigo. Gabolice mentirosa. Jactância. Tentativa de intimidação verbal.

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ESPETACO – Rural. Escândalo. Boneco. Araca. Não se usa no sentido original da palavra, “espetáculo”, que seria ato cênico, show, função circense.

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ESPIA(!) – Rural. Espia, no caso dessa interjeição, não tem o sentido literal de olhar, mas de atentar para alguma pretensão rejeitável ou declaração desaprovada, sempre com entonação de espanto: “Espia o que essa cabra gaiato está dizendo!”. Sofreu evolução semântica e formal parecida com a do “ué!” dos sudestinos e a do “uai!” dos gaúchos, ambos derivados da interjeição “olhai!”. Olhai, oiai, uai, ué. No sertão cearense mais profundo já se chegou ao termo “pia!”, com o mesmo sentido de “espia!”, mas neste caso conservando ainda simplesmente o sentido de “olhar”. “Pia!, a cabeça da cobra saindo do buraco”.

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ESPILICUTE – Uso geral. Explicudo. Que fala muito, com muitos detalhes e afetação. Por extensão, mulher muito vaidosa e afetada, criança extrovertida, empregado doméstico ou pessoa de condição modesta que importuna, por extra polar as barreiras de sua esfera 101


social. Pessoa saída, intrometida, enxerida, saliente. A pronúncia mais comum é “ispilicute”. Veja o verbete “Saliente”.

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ESPRITADO – Uso geral e antigo. Ágil. Inquieto. Ativo. Diligente. Impaciente. Atrevido. Desabusado. Aplica-se muito a crianças danadas, ou levadas da breca, como se diz no Sudeste. O termo pode ter conotação pejorativa ou elogiosa, dependendo do contexto. A palavra compara a alguém que estivesse sob possessão espiritual. A pronúncia mais comum é “ispritado”.

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ESTAR ÀS CASCAS – Veja o verbete “Às cascas”.

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ESTAR COM NADA – Uso geral. Veja o verbete “Não estar com nada”.

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ESTAR NO PREGO – Veja o verbete “Dar o prego”. ESTRIBADO – Urbano. Moderno. Rico. Endinheirado.

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ESTUMAR – Rural. Corruptela de “estimular”, na estrita acepção de acirrar os cães contra uma presa, contra um invasor de seu território de guarda, a ser repelido ou perseguido. Para “estumar” os cães fazem-se sons guturais, entre comandos como “Pega!”. O mesmo que “Istumar”.

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EU MESMO NÃO! – Uso geral. Forma muito enfática de negar o interesse ou a participação pessoal em qualquer evento – ou de outrem: “Ele mesmo não!”. Pode ser aplicado para negar posse ou propridade: “Meu mesmo não!” e “Dele mesmo não!”.

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EU QUERO É CU! – Urbano. Em desuso. A expressão chula, exclusivamente masculina, não tem exatamente a conotação sexual que a sua literalidade denota. Indica que a pessoa que a pronuncia está “se lixando” para determinada problemática a que ele mesmo se esteja referindo, ou que o interlocutor lhe proponha. Tem o exato sentido de “Não estou ligando!”. Ou ainda, “não estou nem vendo!”, “não estou nem aí!”. Ou então, “isso não me atinge!”, “isso não me interessa”, “caguei para isso!”.

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É VER – Rural. É semelhante. É parecido. “Teu carr o é ver o do Roberto”. Veja o verbete “Direito”.

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FAMOSO – Rural. Belo. Formoso. Em bom estado físico. Bem tratado. Usa-se especialmente para referir cavalos e outros animais. O uso origina-se da migração semântica da palavra, entre aquilo que se torna notório pela boa aparência e aquilo que tem boa aparência, independentemente de sua notoriedade, apenas potencialmente presumida. Veja o verbete “Conhecido”.

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FASTIOSO – Uso geral. Inapetente crônico. Biqueiro. Alguém que, costumeiramente, tem pouca vontad e de comer. O termo, que deriva de “fastio”, não está dicionarizado, mas é muito frequente no Ceará. Veja o verbete “Biqueiro”.

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FAZER COM – Uso geral. Fazer algo com alguém, no nosso dialeto, significa fazer-lhe algo de mau, prejudicá-lo: “Por que você fez isso comigo”. No Sudeste, no mesmo sentido, diz -se fazer algo para alguém: “Que é que eu fiz pra você, que você tanto me odeia?”. Em ambos os casos, o oposto seria “fazer algo por alguém”: “Agradeço que tenha feito isso por mim”. São maneiras diferente s de dizer a mesma coisa. Em português, por exemplo, dizemos que “sonhamos” com alguém, ou com alguma coisa, enquanto em inglês, diz -se sonhar “sobre” alguém ou “sobre” alguma coisa.

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FAZER HORA – Uso geral. Matar o tempo. Por extensão, debochar, gozar alguém, frescar com alguém, curtir com a cara: “Você está é fazendo hora com a minha cara!”.

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FAZER MAL – Uso geral e antigo. Desvirginar. Deflorar. Tirar a virgindade de uma jovem. Praticar sedução sexual. “Ele fez mal à moça e não quis casar com ela”.

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FAZER O MAL (SÓ PARA...) – Uso geral e moderno. Praticar alguma coisa apenas por teimosia ou pirraça: “Ela não gostava dele. Casou só pra fazer o mal”.

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FAZER POUCO – Rural. Depreciar alguém. Detratar. Debochar de alguma pessoa ou atitude. “O Paulo esta va fazendo pouco do Raimundo”. “Eu digo a verdade, e você fica fazendo pouco...”. 103


* FAZER SABÃO – Uso geral. Refere a relação homossexual entre mulheres.

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FAZER UM’ARTE – Uso geral e antigo. Acidentar-se, ferir ou matar alguém de forma culposa, ou mesmo i ntencional. “O homem atirou em mim, e por pouco não acertou o tiro. Ele quase fazia um’arte comigo”; “Desce daí menino, antes que tu faças um’arte!”.

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FECHICLER – Urbano e antigo. Do francês fecho éclair. Zíper. No interior, o zíper é chamado de ri -ri, por onomatopeia. Antigamente, de maneira bem humorada, também se dizia “lá -vem-mamãe”.

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FEITO VACA – Uso geral. Diz-se de quem esteja em situação ridícula. Aquele que está bestando, eguando, perdendo tempo, aguardando algo em vão. “Eu fui à festa, mas ele não apareceu. Fiquei lá feito vaca”; “O João estava feito vaca na esquina, com aquela cara de palerma”.

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FELA DA GAITA – Uso geral. Filho da puta, em forma eufêmica.

*

FELA DA PUTA – Uso geral. Filho da puta, contudo sem conotação estrita, mas apenas na forma de impropério.

*

FEME – Rural. Inculto. Fêmea. A amante. A concubina. A prostituta, em relação ao homem que ela sustenta, ou pelo qual é sustentada. Está em oposição de gênero ao termo “macho” – o homem em relação à prostituta que sustenta, ou pela qual é sustentado. O termo “mulher” está semanticamente relacionado à desposada, aquela que se uniu ao homem pelo casamento regular. O termo “feme” somente é adotado nos sertões, de modo depreciativo, e no baixo meretrício das cidades. Veja os verbetes “Macho” e “Mulher”.

*

FI-DE-QUENGA – Rural. Filho da puta, sem conotação estrita, mas apenas como forma de impropério.

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FI-DU’A-ÉGUA – Uso geral. Filho da puta, em forma eufêmica.

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FLOZÔ – Uso geral. A palavra, pronunciada “frozô” pelos incultos, significa o “bem-bom”, a ociosidade prazenteira. “João não foi trabalhar hoje. Está em casa de flozô”; “Lá, ninguém trabalha. É o maior flozô”. FOGOIÓ – Uso geral. Ruivo.

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FOI MAL – Urbano. Expressão que corresponde a um pedido de desculpas.

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FOI NÃO(!...) FOI(?) – Uso geral. Expressão utilizada normalmente por quem recebe uma informação escandalosa. Nega -se credibilidade a princípio, e em seguida pede -se confirmação do fato: “É não!... É?”.

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FOLÓ – Uso geral. Frouxo demais. Muito lasso. Afolosado. Chulo. Diz-se da mulher que teve muitos parceiros sexuais.

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FRANGO – Rural. No masculino ou no feminino, a palavra “frango” , que originalmente significa um galináceo jovem, pode indicar qualquer coisa ainda imatura, embora já desenvolvida, ou que seja de tamanho mediano. “Não era um menino, já era um frangote”; “ Ele tinha uma filha, que eu conheci mocinha, uma bela franga de negra”. “O cara não sabe dirigir, ou então ele é cego. Como é que não viu aquela franga de parede?!”. No Ceará, frango não é sinônimo de homossexual masculino, uso que se verifica na gíria de Pernambuco. Veja o verbete “Ataiar frango”.

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FRESCAR – Uso geral. Brincar. Divertir-se. Pilheriar. Fazer hora. Neste sentido, debochar, gozar alguém, curtir com a cara : “Você está é frescando com a minha cara!”; “Fresque não!!!”. Mentir, com finalidade zombeteira: “Acredito não. Você está é frescando”. Veja o verbete “Fazer hora”.

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FRESCO – Uso geral. Pessoa dada a frescuras. Aquele que é muito exigente, muito detalhista, muito luxento, sistemático ou escrupuloso. Mas no Ceará também se diz de que m costuma “frescar”. Em outros Estados do Nordeste ainda significa homossexual masculino.

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FRESCURA – Uso geral. Brincadeira. Pilhéria. Afetação, comportamento efeminado em específico contexto. Insinuações sexuais de caráter passivo. Escrúpulo excessivo ou exigência exacerbada: “Esse cliente é fresco demais. Por qualquer coisa ele reclama”; “A mulher do cara era cheia de frescura, tinha nojo de tudo, qualquer coisa a ofendia”.

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FRIVIÃO – Rural. Fervilhão. Turbulência mitológica, localizada no ânus, que se atribui ser a suposta causa da inquietação das pessoas muito agitadas, mormente as crianças. “Esse menino não p ara. Parece que tem um frivião”.

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FULEIRO – Uso geral. Adjetiva objeto frágil, feio, cafona, d e má fabricação, de baixa qualidade física ou estética. Pessoa alegre, sem gravidade, que faz pilhéria com frequência e conta anedotas com maestria: “O João, que é muito fuleiro, foi animando a viagem”. Em se tratando de pessoa, o termo perdeu a semântica pejorativa, que foi transferida para o derivado “fuleragem”; “Não gosto daquele indivíduo. Aquilo é um fuleragem!”. Provém do étimo espanhol “fulero”, que designa pessoa desprezível.

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FULERAGEM – Uso geral. Adjetiva coisa de má qualidade ou pessoa de baixo nível social. “Esses caras não trabalham e não têm filosofia nenhuma. São hippies fuleragem”. Como impropério, desqualifica moralmente. Como substantivo, é brincadeira, frescura. Comportamento de quem é brincalhão: “O João é cheio de fuleragem”.

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FUMAR NUMA QUENGA – Uso geral. Estar furioso. A expressão deve aludir a algum antigo ritual indígena, marcado por inalação de ervas fumegantes, que induzia a transe demoníaco.

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FUNARÉ – Rural. Confusão. Briga. Zoada.

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GALEGO – Uso geral. Não tem qualquer relação direta com o significado original, pois não faz referência à região espanhola da Galiza. O uso mais antigo, no Ceará, trata dos imigrantes sírios e libaneses, bem como dos seus descendentes. Por extensão, até hoje designa o profissional, de qualquer nacionalidade, que anda de porta em porta vendendo objetos para pagamento a prestação. Em seguida passou a significar qualquer “estrangeiro”, indistintamente, conforme o contexto da conversa. No sertão qualifica também qualquer pessoa 106


de tipo nórdico, como os louros, de pele e olhos claros. Em muitos casos, o apelido “Galego” toma o lugar do nome próprio, para toda a vida. Veja o verbete “Morrer galego”.

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GAMELÃO – Uso geral. Pessoa muito alta. Varapau.

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GASTURA – Uso geral. Mal-estar provocado por um som raspante, ou pelo toque em algum material de textura desagradável, ou pela evocação de alguma imagem aflitiva, como, por exemplo, a de uma lâmina de barbear dentro do olho. Em algumas regiões do Estado, o termo conserva a sua acepção original, relativa a enjoo e náuseas.

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GATO – Urbano. Mulher de programa, no uso masculino da expressão. Homem belo, na linguagem feminina, de uso nacional. Note-se que a palavra no feminino – “gata” – como em todo o país, adjetiva a mulher jovem e bela.

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GIGOLETE – Uso geral e antigo. Tiara. Arquinho. Acessório em forma de arco semiflexível, geralmente de substância plástica ou metálica, fixada sobre a cabeça, para prender os cabelos. Antigamente usado exclusivamente por mulheres, hoje adotado por alguns homens.

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GOIPADA – Rural. Golpeada. Cusparada. Refere mais especificamente ao jato abundante de saliva negra frequentemente lançada pelos mascadores de tabaco sertanejos, ou pelos bebedores de cachaça ou conhaque de alcatrão, logo após cada tragada, para repugnar-lhe o sabor agressivo. A goipada não se produz pelo modo discreto de quem cospe soprando sobre os lábios, mas expulsando fortemente o ar e fazendo pressão súbita da língua sobre o palato, projetando-a para fora da boca e atirando longe o seu conteúdo. A palavra se origina de “goipe”, corruptela de “golpe”. Veja o verbete “Goipe”.

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GOIPE – Rural. Golpe. Tanto se aplica o termo na acepção de um corte na pele da pessoa ou de um bicho (dar um goipe, levar um goipe, ter um goipe), como no sentido de uma pequena quant idade de líquido a ser sorvido – uma dose, um trago, uma talagada – muitas vezes aplicado no diminutivo: “um goipim de cachaça”.

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GOMA – Uso geral. Polvilho seco de mandioca, com o qual se fazem sequilhos, bulins e tapioca, além de outras especialidade s da culinária 107


cearense. É subproduto da confecção da farinha de mandioca. Com ele também se faz o grude, este uma específica “goma”, muito usada como cola, a qual, devidamente temperada e assada, converte -se em bolo translúcido, muito característico das f estas juninas. Goma, no Ceará, é o que se convencionou chamar de “polvilho doce” no Sudeste.

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GOSTO DE GÁS – Uso geral. Empenho. Interesse. Pressa. Usa -se para designar alguma ação empreendida de forma muito efetiva, rápida ou animada. “Eu faço isso é com gosto de gás!”.

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GOTA – Rural. Antigo. Da gota: usa-se a expressão para enfatizar qualidade, promovendo adjetivação de intensidade ou de grandeza. “Aquele homem é um vaqueiro da gota!” (um excelente vaqueiro). Eu estava com uma gripe da gota!” (uma grip e forte). Com a gota: diz-se de quem, ou do que, está sob carga máxima. “Naquele dia ele estava com a gota!”; “O carro vinha com a g ota, quando passou pela estrada ”. O termo deriva do nome de uma doença artrítica, a que os sertanejos antigos atribuíam a sintomatologias de outros males. Referem à gota serena, e ao fazer um juramento, muitas vezes se expõem ao castigo da cegueira para se fazerem acreditar, nos seguintes termos: “Se eu estiver mentindo, eu quero é cegar da gota -serena”.

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GRELAR – Uso geral. Fixar os olhos. Mirar com insistência, agudeza ou demora. “Ela grelou os olhos no menino”; “Raimundo estava de olhos grelados naquela mulher”; “Eu fiquei ali, grelando nele”. Veja o verbete “Bilar”.

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GUAJARINA – Urbano. Gíria corrente entre os funcionári os do comércio varejista, para designar as clientes que examinam as mercadorias, experimentam peças, desorganizam o estoque, ocupando longamente os vendedores, e nada, ou quase nada, compram ao final.

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GUARIBAR – Urbano. Antigo. Enfeitar. Guarnecer acessórios. Muito usado com referência a automóveis.

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com

HORA DE CANCÃO PEGAR MENINO – Uso geral e antigo. A expressão se refere ao horário convencionado antigamente para o recolhimento noturno das crianças, que girava em torno das 20 horas. Excedido esse limite, as mães costumavam mandar dormir os filhos, alegando ser “hora de cancão pegar menino”. Cancão é um pássaro nordestino, de cor preta com marcações brancas, da família das 108


gralhas, que se costuma criar solto e manso pelas casas do sertão. É especialmente útil no controle de pragas domésticas, mormente baratas, que fazem parte de sua dieta preferida. Aprende a montar guarda sobre objetos determinados, bicando furiosamente a mão de pessoas desautorizadas a tocá-los. Talvez por isso seja usado para amedrontar as crianças. Os corvos europeus têm habilidades e mitologia semelhantes.

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HUME(!) – Rural. Homem. Usa-se como vocativo, no início, no meio ou no final de uma frase exclamativa, não raro duas vezes na mesma frase, geralmente para alertar ou repreender : “Hume, deixe disso, hume!”; “Faça isso não, hume!”. Pode também ser usado isoladamente, para comunicar reprovação, ameaça ou receio, em relação a determinada atitude do interlocutor: “Hume!!”. O uso prevalece na classe masculina, no sertão e nas cidades da região do Cariri, convertendo-se em verdadeiro vício de linguagem, para alguns indivíduos, que somente iniciam uma frase utilizando esse termo. O “e” final pode ser bem pronunciado, com som de “i” – “Humiii!”, ou suprimido, alongando-se o som do “m” – “Hummm!”, dependendo da entonação que o caso exija. Talvez esse uso tenha dado azo ao refrão caricato “nhame-nhame-nhame” que os sudestinos intercalam às frases quando fazem paródias cômicas de músicas do Nordeste. Em inglês norte-americano usa-se muito a expressão “man” (homem), de modo parecido, no final das frases, mormente no linguajar dos afro descendentes.

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IGIA(!) – Rural antigo. Vigia. Não se aplica em substituição ao verbo vigiar no seu sentido clássico, que no caso voltaria à sua forma normal (vigia), seria substituído pela expressão “botar sentido”, ou pelo verbo “pastorar”. A interjeição “igia!” é usada exclusivamente para denotar admiração em relação a afirmação ou atitude de outrem, censurando-o e principalmente denunciando alguma presunção descabida. “Igia!, a roupa que esse lascado está usando!”; “Igia!... que conversa besta é essa?”. Corresponde à expressão “mas, olha!”, também usada no Nordeste, e ao termo “imagina!”, mais usual no Sudeste.

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IGNORANTE – Rural. No meio popular, o adjetivo ignorante é empregado para significar “grosseirão”, “bruto”, “temperamental”, “indelicado”: “Não falo com João porque ele é muito ignorante”.

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IGNORAR – Rural. Levar a mal. Aborrecer-se com ato ou afirmação de outrem. Interpretar de maneira maliciosa. Reagir grosseiramente contra algo. “Eu disse que ela é bonita e ela ignorou. Pensou que era atrevimento meu”; “Eu tentei ser educado, mas assim mesmo ele ignorou, e partiu pra briga”. Hoje a palavra “ignorar” é usada nos sertões e subúrbios cearenses exclu sivamente nessa acepção. Mas em tempos mais antigos, os caboclos usavam “inorar” no sentido clássico de “desconhecer”: “Eu inoro onde ele esteja”. Veja o verbete “Ignorante”.

* IMBUANÇA – Uso geral. Veja o verbete “Emboança”.

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IMPAIÁ – Rural. Empalhar. Atrasar. “Vamos logo! Você está me impaiando!”.

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IMPINJAR – Rural. Insultar. Implicar. Importunar.

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INCESO – Rural. Aquilo que está intacto. Inteiro. Porção de um produto fungível qualquer cuja quantidade inicial não foi reduzida: “O saco de feijão está inceso”. A palavra tem sonoridade latina, e nesse caso o étimo mais próximo seria “incesso” – aquilo que não foi cedido.

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INCRIQUIADO – Rural. Inculto. Murcho. Veja o verbete “Ingiado”.

Encarquilhado.

Engelhado.

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INDAGURINHA – Rural. Ainda agora. Nestante. Há pouquíssimo tempo. Agorinha mesmo.

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INDIVÍDUO – Rural. Inculto. Em virtude de ser esse termo aplicado muitas vezes nos inquéritos da polícia, bem como nas entrevistas prestadas por agentes de segurança, referindo os indiciados, os suspeitos, os cri minosos, os simples do povo interpretam que ele seja depreciativo da pessoa. Assim, aplicam a palavra como impropério ofensivo. Veja o verbete “Elemento”.

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INGIADO – Rural. Inculto. Engelhado. Encarquilhado. Murcho. Veja o verbete “Incriquiado” .

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INHACA – Uso geral. Mau cheiro renitente, exalado pela pele de alguém, ou pelo pêlo de algum animal, entranhado em algum objeto, ou que trescala em algum ambiente, sugerindo pouco asseio. A palavra provém do tupi “yakwa”, que significa “odoroso”, sem especifica ção de bom ou mau odor. No Sudeste dá-se ao termo interpretação errada, em relação à sua raiz etimológica, usando -a como sinônimo de “urucubaca”, falta de sorte, caiporismo.

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INÓIS (in-nóis)– Rural. Em nós. Corresponde a dizer “na minha região”; “na minha terra natal”. Costuma-se dizer, mais extensivamente, “lá inóis" Nada a ver com a gíria dos morros cariocas, “é nóis”, que ganhou o submundo brasileiro, e com a qual se declara ou enfatiza adesão a um grupo, ou solidariedade difusa a outra pessoa, valendo ainda como um “muito obrigado”.

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INRIBA – Rural. Sobre. Em cima. Provém do espanhol “arriba”. INSETO – Rural. Qualquer animal silvestre nocivo às culturas agropastoris. Por extensão, pessoa desclassificada, ou coisa estranha que não se saiba ainda def inir o que seja. “Que inseto é este?”.

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INTERAR – Rural. Inteirar. Completar. Complementar. Acrescer. Usa-se também o antônimo “desinterar”: “Mal ele recebe dinheiro, vai beber no cabaré e desintera a feira”.

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INTERTÊ – Rural. Entreter. Distrair.

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INXERIDO – Uso geral. Extrovertido. Desinibido. Saído. Apresentado. Penetra. Intrometido. Metido. Vale esclarecer que no Sudeste do País o adjetivo “metido” tem a acepção de jactante, posudo, “metido a besta”, enquanto no Nordeste é apenas sinônimo de intrometido. Inxerido é corruptela de “inserido”.

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IR PROS-PAUS – Uso geral. Antigo. Ir brigar. Atender a convocação beligerante ou desafio agressivo. “Eu chamei ele pros paus, mas ele não correu dentro”; “Vem pros -paus, macho véi, se tu for homem!”. “O João esculhambou com ele, mas ele não foi - prospaus”. Veja o verbete “Correr dentro”.

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ISGALAMIDO – Uso geral. Glutão. Insaciável. Esgalamido. 111


* ISPILICUTE – Uso geral. Veja o verbete “Espilicute”.

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ISPRITADO – Uso geral. Veja o verbete “Espritado”.

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ISTRUIR – Rural. Veterano. Estragar. Fazer mau uso. Desperdiçar. O termo deve ter origem em “destruir”, adquirindo sentido semântico mais específico.

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ISTUMAR – Rural. Veja o verbete “Estumar”.

* IÚ(!) – Uso geral. Som que imita a vaia, mas em tom moderado, pois esta, quando no intuito de apupar, geralmente entoada coletivamente, é expressa de forma aguda e esganiçada, rascante, produzida diretamente na garganta. Em diálogo normal, de maneira discreta, alguém dirá iú!, geralmente em voz de falsete (mas não necessariamente), às vezes alongando o “u” final, sempre que pretender zombar do seu interlocutor, antes ou logo após lhe fazer revelação que o ponha em desvantagem. É comum entre crianças, quando uma mostra possuir algo que a outra ainda não detenha, ou lhe conte ter feito algo interessante de que a outra não participou. É a forma clássica de “mangar”. “Iuú! Nem tens uma bicicleta como a minha!”; “Eu fui à praia e tu não foste... Iú!”.

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IXE(!) – Uso geral. Veja o verbete “Vixe(!)”.

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JACARÉ – Urbano. Recente. Pessoa que convence ou persuade facilmente as outras através da conversa. Homem muito conquistador, dado a “cantar” as mulheres, ou que dispõe de argumentação criativa para fazer negócios. Queixudo. Por extensão, argumento falso, lábia, mentira.

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JOGAR NO MATO – Uso geral. Jogar fora. Extraviar. Botar no mato. Rebolar no mato.

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LABACÉ – Rural. Lambança. Fanfarra. Zoada. Desordem. Confusão. Presepada.

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LABROCHERO – Antigo. Quase em desuso. Mal vestido. Sem requinte. Maltrapilho.

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LACULÁ – Uso geral. Lá acolá. Lá. Ali. Acolá. Os mais letrados costumam repreender os que assim se expressam, de forma irônica, com uma alusão onomatopaica: “Laculá é um cachorro bebendo água numa lata!”.

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LÁ INÓIS – Rural. Lá em nós. Veja o verbete “Inóis”.

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LAIVAI(!) – Uso geral. Lá vai. Usa-se para prevenir sobre algo que se vai lançar na direção de outrem, inclusive, às vezes, verbalmente : “Quer saber a verdade? Então laivai!”. Usa -se também como interjeição, para expressar espanto crítico em relação a algo que se ouça ou se veja, dando-se ao termo a entonação adequada: “Laivai! Isso lá é jeito de se vestir!”.

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LAIVÉM – Uso geral. Lá vem. Previne sobre algo que está vindo, e que esteja sendo esperado: “Laivem o trem!”. Usa -se, de forma crítica, contra alguém que insista em algum argumento ou comportamento indesejável: “Laivém você de novo com essa história!”.

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LAMBEDOR – Rural. Inculto. Xarope. Mel de confecção caseira, pela infusão e cocção de ervas, folhas, ramos, cascas vegetais, frutos, flores, raízes, cupinzeiros, com finalidades medicinais, produzidos por curandeiros sertanejos.

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LAPA – Uso geral. Grande pedaço de alguma coisa. “Ele tirou uma lapa de queijo e comeu”. Nesse sentido, também se diz “lapada”. Por extensão, coisa grande. “O Pedro é uma lapa de homem, com quase dois metros de estatura”.

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LAPADA – Uso geral. Golpe de relho, de rebenque, de chicote. Chicotada. Provavelmente proveniente do étimo “lappa”, o mesmo que “pedra” no idioma pré-céltico. Corresponderia, portanto, a “pedrada”. Também se diz de uma tragada de aguardente. Em outras partes do país se diz “lambada”. Nesta acepção, o mesmo que “talagada”.

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LAPA DO MUNDO – Uso Geral. Popular. Os confins. Lugar incerto e não sabido. “O cabra fugiu da cadeia e sumiu na lapa do 113


mundo”. “Onde anda aquela mulher? – Não sei, está na lapa do mundo”.

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LAPINHA – Uso geral. Antigo. Representação natalina da cena do nascimento de Jesus Cristo, hoje já muito em desuso. O mesmo que “presépio”. Automóvel muito enfeitado, antes da moda do tuning.

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LARGAR MÃO – Uso geral. Abandonar alguma coisa, mormente algum hábito reprovável: “Larga mão dessa mania, homem!”.

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LASCADO – Uso geral. O uso mais comum no sertão é no sentido de fendido, rachado, quebrado. No meio urbano toma a conotação de “desgraçado”, referindo-se a alguém que esteja em apuros, perseguido, derrotado, mal de saúde ou em dificuldades financeiras.

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LASCAR – Uso geral. Prejudicar alguém, ou a si mesmo: “Assim você lasca o rapaz!”; “Com essa, eu me lasquei”. Acumula ainda o mesmo sentido de “tacar”, “bater com...”, vibrar alguma coisa contra outra: “Lasquei a mão na cara dele”; tomar alguma atitude vigorosa, “Então ele lascou o pau e assinou o documento” ; abrir o verbo, principalmente na expressão “Lascar o pau”: “Ele queria saber a verdade, aí eu lasquei o pau!”.; “Se mexerem comigo, vou à imprensa e lasco o pau na vida deles”.

* LATOMIA – Rural. Antigo. Barulho de vozes humanas reclamando. Lamentações altissonantes. Lamúrias ruidosas. Choradeira coletiva. O termo vem do latim, latomiae – prisão de pedra. Dionísio, príncipe de Siracusa, que viveu 400 anos a. C., fez escavar na rocha uma prisão – uma latomia – dando-lhe tal formato acústico interno que lhe permitia ouvir, numa câmara secreta, tudo aquilo que os seus inimigos presos tramassem con tra ele.

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LERIADO – Uso geral. Lero-lero. Conversa fiada. Jacaré. Pabulice.

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LESADO – Uso geral. Diz-se depreciativamente do desatento, do nefelibata, da pessoa aérea, distraída, desligada. Leso. Veja o verbete “Voador”.

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LETRECA – Uso geral. Adjetiva coisa de má qualidade, feia, cafona, vulgar. Diz-se também “Lequetreque”. 114


* LIBRINA – Rural. Chuva fina. Chuvisco. Garoa. Provém de “neblina”. Neblina, a névoa, bruma ou “fog” que ocorre em dias e locais de grande umidade, para o sertanejo é sempre “ne voeiro” ou “cerração”.

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LINHEIRO – Rural. Reto. Certo. Direito. Usa-se somente como referência geométrica, mormente na engenharia rústica do sertão. Árvore linheira, madeira linheira, traço linheiro, parede linheira, cerca linheira, estrada linheira.

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LISEIRA – Uso geral. Falta de dinheiro. Quebradeira. Prontidão. Dureza. Pindaíba. Aperreio. Por extensão, no Ceará o termo passou também a adjetivar aquele que tem parcos recursos, pouco patrimônio, baixa renda, pertencente a uma das classes mais modestas da sociedade: “Aquele é um grande liseira!”. Veja o verbete “Liso”.

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LISO – Uso geral. Pobre. Sem dinheiro. Duro. Quebrado. Aperreado. Além de designar a condição de quem esteja momentaneamente sem dinheiro, por extensão, socialmente, diz -se daquele que tenha parcos recursos, pouco patrimônio, baixa renda, pertencente a uma das classes mais modestas da sociedade: “Ele mora naquele bairro mas é liso!”. Veja o verbete “Liseira”.

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LOBA – Urbano. Desvantagem. Má situação. “Aquele cara está na loba!”. Estar em má situação.

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LOIÇA – Rural. Louça. Trata-se aqui de um uso arcaico, como “oiro” e “loiro”, em vez de “ouro” e “louro”, por exemplo, formas que não mais são empregadas. Mas no sertão cearense, e apenas no sertão, a palavra “loiça” ainda é da linguagem c orrente. O Prof. Vianney Mesquita, dos mais destacados linguistas do Ceará, titular fundador da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, e de outros silogeus congêneres, registrou que o famoso dicionarista paulista Sérgio Buarque de Holanda (morto em 1982), em viagem ao Ceará nos anos 60, levado ao extinto Abrigo Central, na Praça do Ferreira, pelo contista local Moreira Campos, falecido em 1994, teria anotado a aplicação do termo “louça” significando uma xícara de café expresso, nacionalmente chamado “cafezinho”. De fato, 115


essa acepção está consignada no célebre dicionário que leva o nome do referido lexicógrafo, entre as acepções do verbete “louça”.

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MACACA 1

– Urbano. Juvenil. Em desuso. Diz-se das empregadas e criadas domésticas, de qualquer aparên cia étnica, embora o uso deva ter-se originado contra as moças mestiças trazidas dos subúrbios e dos sertões para a cozinha, para cuidar de crianças e para outros serviços das casas urbanas. Iniciadoras sexuais dos rapazes de classe média, entre os anos 30 e 70 do século passado, eram especialmente assim designadas quando procuradas por eles, para fornicação, nas praças e nas esquinas da cidade, durante as folgas noturnas diárias que elas desfrutavam. Os mais antigos as tratavam de cunhãs – “mulheres”, em tupi, já que as primeiras tinham origem indígena.

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MACACA 2 – Urbano. Infantil. Em desuso. Também se chama de “macaca” o jogo infantil que consiste em riscar, geralmente com giz ou carvão, um quadrado subdividido no piso de cimento das varandas ou calçadas, para saltar dentro dele, hora com os dois pés, ora com um só, em cada uma de suas subdivisões, sem perder o equilíbrio, às vezes apanhando pedrinhas, mantendo uma das pernas levantada. A esse jogo dão o nome de “amarelinha”, em outros Estados brasileiros.

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MACHO – Uso geral. Tratamento coloquial carinhoso dado aos indivíduos do sexo masculino, geralmente na intimidade, exatamente com a mesma conotação do termo “bicho”, incorporado à gíria do movimento Jovem Guarda, na década de 60. Evoluiu para a forma “macho véi”, que denota ainda mais afeto entre os interlocutores. Os norte-americanos usam o correspondente “ man” – “homem”. Corresponderia à expressão clássica “amigo velho”. Usa -se ainda a palavra “macho” como adjetivo, para qualificar um indivíduo viril, valente, corajoso, ou mesmo em estado de fúria: “O cara é mesmo muito macho!”; “Quando ele disse isso comigo eu fiquei muito macho com ele, e taquei-lhe a mão na cara!”. Mormente no baixo meretrício, “macho” é usado também como sinônimo de amante regular , cliente mais assíduo de uma prostituta, que muitas vezes passa a sustentá -la em troca da exclusividade amorosa, e, de outras vezes, na condição de gigolô, é sustentado por ela, a custa de sua função no cabaré. “Aquele camarada é o macho dela”. Veja os verbetes “Mulher” e “Feme”.

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MAIS – Rural. Palavra usada como conjunção aditiva, em vez do “e” tradicional, ou como a preposição “com”, em frases que refiram a conjunto de pessoas. Muitas vezes em substituição aos pronomes 116


“contigo = mais tu”, “comigo = mais eu”, “conosco = mais nós”, e “convosco = mais vocês”. “Eu mais ele sempre gostamos de cachaça”; Ela foi mais eu para o roçado”; “João andava mais Pedro”; “Maria disse que ontem estava mais tu naquela festa”.

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MALDAR – Uso geral. Fazer mau juízo. Suspeitar. Levar a mal.

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MALFAZEJO – Rural. Antigo. Malfeitor. Alguém disposto a cometer maldades.

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MALINO – Rural. Diz-se do menino buliçoso, inquieto, danado, peralta, travesso, traquinas, levado da breca, como se costuma dizer no Sudeste. É corruptela de “maligno”. Veja o verbete “Traquino”.

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MALUVIDO – Rural. Aquele que não escuta conselhos, ou que desobedece a ordens. Teimoso. Muito utilizado em relação a empregado doméstico relapso e a menino peralta.

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MANCEBIA – Rural. Amigação. Caso amoroso irreg ular, mormente se paralelo ao casamento. Provém de mancebo, ou manceba – jovem, em referência ao rapaz ou moça que se presta a ser amante de alguém, geralmente mais velho. Veja o verbete “Amancebado”.

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MANEIRO – Rural. De fácil manejo. O rurícola cearense substitui o uso do adjetivo “leve” pela palavra “maneiro”. Maneiro, ou maneirinho, indica exclusivamente aquilo que tem pouco peso, e pode ser suspendido ou carregado por um homem. Na moderna gíria do Sudeste, maneiro é um qualificativo positivo. Substitu i os termos “bacana” e “legal”.

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MANGAR – Uso geral. Debochar, ridicularizar, gozar com a cara de alguém, levar na troça, fazer mangoça.

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MARMOTA – Uso geral. Coisa feia. Macaquice. Atitude suspeita. Conduta desonesta. Assombração. Pessoa desengonçada ou mal vestida.

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MARMININO(!) – Uso geral. Mas menino!. Termo com o qual se discorda de forma irônica, ou mesmo desafiadora, de alguma afirmação ou de alguma atitude de terceiro. “Ele disse isso? 117


Marminino!”. A entonação e mesmo a acentuação dada à palavr a varia, de conformidade com o grau de espanto ou de censura que se queira imprimir. Era jargão do programa da televisão cearense denominado TVNENO, apresentado pelo jornalista Neno Cavalcante, falecido em 2016.

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MARRETAGEM – Uso geral. Embuste, trapaça, o mesmo que “picaretagem”, termo de emprego nacional. A palavra marretagem é cognata de “marreta”, massa pesada para bater coisas ou agredir pessoas, que tem históricas conotações políticas no Brasil. Veja o verbete “Trabucagem”.

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MARRETEIRO – Uso geral. Embusteiro, trapaceiro, o mesmo que “picareta”, termo de emprego nacional. No Sudeste, a palavra marreteiro designa o camelô, o vendedor ambulante, sem conotação pejorativa. A palavra marreteiro é cognata de “marreta”, massa pesada para bater coisas ou ag redir pessoas, que tem históricas conotações políticas no Brasil. Veja o verbete “Trabuqueiro” e “Escopeteiro”.

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MASSA – Urbano. Juvenil. Bom. Agradável. De boa qualidade. Tem o mesmo sentido das gírias “bacana”, da década de 50, e “legal”, da década de 60, além de outras que têm surgido no Sudeste, todas de uso nacional, como as recentes “chocante”, “irado”, “maneiro”, “sinistro” e “da hora”, esta última mais característica de São Paulo. Da Bahia irradiou-se para o resto do Nordeste a expressão “porreta”, também utilizada no Ceará há décadas, embora com menor frequência que no seu Estado de origem.

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MEDÕE – Rural. Medonho. Usa-se, tanto no sentido literal da palavra original, para referir a alguma coisa amedrontadora, como também com a função superlativa de conferir grandeza ou importância: “Era um homem alto medõe”; “Tinha uma coragem medõia”. Pronuncia-se “méd”, mais um “o” tônico com o som nasal semelhante ao da palavra “onze”, seguido do som de um “ i” breve.

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MEIMUNDO – Uso geral. Meio mundo. Todo mundo. Todo canto. “Falei com meimundo e ninguém soube informar”; “Ele já andou meimundo e não se cansa de viajar”.

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MEIOTA – Uso geral. Inculto. Meia garrafa de cachaça. 118


* MEIPÃO – Uso geral. Meio pão. Impropério dirigido aos homens de pouca estatura: “baixinho”. O uso remonta ao tempo em que era usual comprar a metade de uma bisnaga de pão (nas bodegas, não nas padarias), para consumo individual, pois não se produziam ainda as de tamanho menor, chamadas no Ceará de “carioquinhas”, e, em outros Estados, de “cacetinhos”.

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MELADO – Uso geral e veterano. Um pouco bêbado. Puxando fogo. Bribado. Truviscado. Diz -se também do cavalo cor de mel.

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MELÉ – Uso geral. O curinga, no jogo de cartas.

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MENAS VERDADE – Rural. Usa-se essa expressão para desmentir uma afirmação. Deriva de “menos a verdade”, fórmula culta desvirtuada pelo povão. O equivocado plural da palavra “menos” era aplicado pelo presidente Lula, nos discursos de campanha, o que foi muito ridicularizado pela mídia.

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MENDE-FÓSCO – Rural. Rapidamente. Sem demora. A expressão é corruptela de “mesmo que fósforo”, ou seja, com a presteza com que o fósforo se incendeia. Em certas regiões de Portugal usa -se a expressão “em menos que um fósforo”, com o mesmo sentido.

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MENINO AMARELO – Uso geral. Menino pequeno, ainda indigno de ter as opiniões e atitudes levadas a sério. O mesmo que “menino véi” e “menino do buchão.

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MENINO DO BUCHÃO – Uso geral. Menino pequeno, ainda indigno de ter as opiniões e atitudes levadas a sério. O mesmo que “menino amarelo” e “menino véi”.

* MENINO VÉI – Uso geral. Menino velho. Menino pequeno, ainda indigno de ter as opiniões e atitudes levadas a sério. O mesmo que “menino amarelo” e “menino do buchão”. “Eu ainda era menivo véi, mas me lembro como se fosse hoje”. Note -se que a palavra “velho”, ai entrevista, não se refere a idade, por mera antítese, mas tem o fito único de desqualificar, ou apequenar, qualquer substantivo, ou simplesmente lhe conferir algum coitadismo: “Minhas mãos véias têm sofrido muito nesse novo empreg o de operário”; “Sabe Antônio, eu 119


ando tão doente véi!”. A pronúncia da palavra, na expressão, pode evoluir para “menino réi”, caso se queira fazer entender que, além da desqualificação pela pouca idade, também se indica pouca importância sociocultural ao tal menino. “O bêbado vinha arrastando pela mão um menino réi imundo”. Vale notar que no sertão tradicional a infância não goza de nenhum prestígio especial, além do direito de ser alimentado – e isso desde que ajude na lida camponesa e se submeta a severos castigos físicos, quando transgredir alguma norma doméstica. É, no máximo, poupada das tarefas mais pesadas, e vigorosamente protegida de maus tratos perpetrados por adultos estranhos à família. Um tradicional radialista cearense, Guajará Cialdini, para enaltecer suas origens sertanejas, que pretensamente lhe teriam conferido fibra extra, repetia o bordão ufano: “Eu fui criado com angu e tabefe”.

* MERCANTIL – Uso geral. Supermercado. O termo, cujo significado clássico seria “comercial”, etimologicame nte ligado a “mercante”, “mercado”, “mercador”, com correspondentes no francês e no inglês – merchant, ganhou essa acepção específica no Ceará nos anos 60, quando a família Ximenes fundou um supermercado com o nome Mercantil São José, a primeira grande re de cearense de lojas desse gênero. A primeira empresa desse tipo em Fortaleza, o Supermercado Sino, falira pouco tempo depois de inaugurado, porque o povo estranhara esse termo superlativo, que evocava carestia, e não prestigiara o empreendimento. O Mercan til São José teve sucesso imediato e, embora com redução do número de lojas, perdura até hoje, mantendo em sua nova denominação Hipermercantil o termo que consagrou. “Fazer supermercado”, ou “fazer feira”, no Ceará é o mesmo que “fazer mercantil”.

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MERENDA – Uso geral. Lanche. Fast food. A palavra é conhecida em todo o país, mas só é corriqueira no Nordeste. No interior, também se denomina merenda o café da manhã, o desjejum, o “pequeno almoço”, como se diz em Portugal. Veja os verbetes “Bagúi” e “Caiduro”.

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METER A PEIA – Uso geral. Sovar. Açoitar. Castigar. Espancar. Bater em alguém: “Comigo é assim. Se não me atender, eu meto a peia!”. Veja os verbetes “Peia” e “Pisa”.

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METER BRONCA – Uso geral. Empreender alguma tarefa com denodo e energia. O mesmo que “meter mola”. 120


* METER MOLA – Uso geral. Empreender alguma tarefa com denodo e energia. O mesmo que “meter bronca”.

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METER O PÉ NA CARREIRA – Uso geral. Correr. Fugir rapidamente. Veja os verbetes “Dar no pé” e “Dar o pira”.

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METIDO – Uso geral. Abelhudo. Enxerido. Intrometido. Aquele que opina sem lhe ser perguntado, ou que se interessa por assuntos que não lhe dizem respeito. No sudeste, o termo “metido” designa o jactante, o orgulhoso, o posudo, o “metido a besta”.

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MEU FÍI – Rural. Meu filho. Usa-se em vez de “meu caro”, “meu velho”, como vocativo enfático. “Tu comeste hoje? – Nem feijão, meu fíi!”.

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MEU SENHOR – Uso geral. Usa-se em todo o País, e mais frequentemente no Nordeste, mormente as mulheres, como tratamento formal para com des conhecido, não exatamente respeitoso, mas muito mais para marcar ausência de intimidade. É assim que as mulheres se dirigem aos balconistas das lojas, aos caixas dos bancos, a alguém a quem tenham que tomar informações, indiferentes à idade ou condição soc ial: “Meu senhor, onde fica a rua Delmiro Gouveia?”. O uso da expressão no feminino (minha senhora) é muito mais formal e menos corriqueiro, restrito ao caso de se dirigir a palavra a mulher idosa, ou, por algum outro motivo, mais respeitável. A mulher jovem somente é tratada de “minha senhora” em ambiente de grande formalidade. Com o desuso coloquial da forma “senhorita”, o tratamento mais usual que se lhe dá é simplesmente “moça”.

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MEUS-OVOS – Uso geral. Os testículos de quem fala. No trato coloquial o homem do povo costuma dar aos próprios testículos a condição de entidade especial, à qual se remete qualquer assunto que se queira desprezar, pergunta que se queira negar, ou qualquer questão à qual não se queira dar veracidade ou importância. “Diga ao João que não compro a casa dele por esse preço. Diga a ele que 20.000 reais são meus-ovos!”; “Vou nada! Meus -ovos, que eu vou a uma festa dessa!”. “Então, vais comigo? – Meus-ovos!”; “Tu deves medir, no máximo, um metro e setenta – Meus-ovos! Eu meço um e setenta e quatro!”. Em alguns casos, corresponde à expressão “Picas!”, 121


usual em todo o país. Os norte -americanos dão exatamente o mesmo uso ao termo “my ass”, que se refere ao ânus próprio. Algumas vezes, o vulgo costuma tratar uns aos outros de “meus -ovos”, como tentativa de impor intimidade através da depreciação.

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MIOLO DE POTE – Uso geral. Nada. Vazio. Besteiras. Coisa nenhuma, já que pote não tem miolo. Ou, por outra, água, que é aquilo que os potes de barro nordestinos costumam conter. Refere -se geralmente a conversa tola ou sem conteúdo: “conversar miolo de pote”; “conversar água”; “conversar besteiras”. Difere semanticamente da consagrada expressão “conversa mole”, que já significa falsidade, explicação evasiva, afirmação inconsistente, promessa insincera.

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MISTURA – Rural. Pedaço de carne, peixe ou frango, de raro um ovo, que acompanha a refeição principal do sertanejo, representando a sua porção proteica diária. Aquilo que na culinária elegante se chama de “guarnição” – batatas, purê, arroz, enfim tudo que acompanha o prato principal, constitui, de forma inversa, a ração maior do homem do campo – arroz, feijão, farinha, servida sempre em grande quantidade, ficando a “mistura”, sempre em muito menor proporção, com a função secundária de “alegrar” a refeição.

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MIUNÇA – Rural. Miuça, palavra clássica que do latim indica “miudezas”. No Ceará, assim como em outras regiões do Nordeste profundo, no singular ou no plural, designa os gados ovinos e caprinos, também denominados “criações”. Veja os verbetes “animal” e “criação”.

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MODE – Rural. Veja o verbete “Prumode”.

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MÓI – Rural. Molho (ó). Feixe. Lio. Coletivo de chaves, de ramos, de gravetos, de coisas delgadas ou oblongas que se possam prender ou cingir com tiras. Por extensão, porção de qualquer coisa. Forma sintética do impropério “mói de chifre”.

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MÓI DE CHIFRE – Uso geral. Chulo. Molho de chifres. Porção de chifres. Monte de chifres. Impropério que se dirige aos “chifrudos”. Título que se dá aos pretensos “cornos”, assim compreendidos os maridos traídos. Usa-se mais em sentido jocoso, quer de forma agressiva, contra os importunos e desprezíveis, ou carinhosa, em 122


relação aos íntimos, independentemente da real situação conjugal daquele de quem se fala.

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MOITIM – Rural. Escaramuça. Mungango. Marmota. Macaquice. Em linhas gerais, fazer moitim é se movimentar de modo pouco discreto, ou muito suspeito: “Fiquem ai, e não façam moitim se o policial se aproximar”; “O cachorro lhe mordeu porque você fez moitim”. O termo deve ter origem na palavra “moi tinha”, embora sem uma clara relação com o seu sentido . (Talvez a expressão tenha relação com “motim”). Mormente na região do Cariri, também se diz “pantim”, com o mesmo sentido.

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MOLECAGEM – Uso geral. Anarquia infantil. Bagunça juvenil. Desordem grupal e ruidosa promovida publicamente. Brincadeira. Troça. Pilhéria. Por extensão, indignidade qualquer praticada por um adulto contra outro: “Ele fez uma molecagem comigo. Rompeu o contrato e bandeou-se para o outro lado!”. Essa acepção da palavra é muito antiga, registrada nesse sentido ainda em 17 31.

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MOLEQUE – Uso geral. Negrinho. Caboclinho. Do quimbundo mu’lek = menino. Por extensão, filho de pobre, pivete, trombadinha, menino de rua ou de favela, ou qualquer um que cometa “molecagem”. Mais extensivamente ainda, diz -se da pessoa extremamente brincalhona. Esta última acepçã o é aplicada no epíteto “Ceará Moleque”, para referir-se ao espírito galhofeiro tradicionalmente atribuído ao povo cearense. No resto do País, a palavra “moleque” já está sublimada, significando apenas criança, de qualquer vertente étnica, indistintamente, e de modo especialmente afetuoso.

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MONDRONGO – Uso geral. Elevação irregular em qualquer superfície, inclusive da pele, da parede e do terreno. Inchaço.

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MORRER GALEGO – Urbano. Antigo. Fazer ajuntamento de pessoas. “Vamos circulando! Aqui não morreu galego não!”; “Que confusão é aquela? Parece que ali morreu galego!”. I ntui-se que quando falecia um raro sírio-libanês em Fortaleza, na primeira metade de Século XX, por algum motivo, havia um grande afluxo de público ao seu velório (Credores? Bajuladores? Curiosos?). Talvez atraísse a multidão o alarido das pessoas do Orien te Médio, carpindo seus mortos. Veja o verbete “Galego”.

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MUCIÇO – Rural. Maciço. Denso, consistente.

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MUCUMBU – Uso geral. Antigo. Diz-se da base da espinha dorsal. A parte inferior do lombo. O cóccix. Aparentemente de origem tupi, ou africana, mas sem nenhuma referência.

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MULHER – Uso geral. No Nordeste, forma de tratamento coloquial carinhoso e íntimo exclusivamente entre as mulheres, exatamente como entre os homens usa-se o termo “macho”, entre os integrantes do movimento “Jovem Guarda”, em todo o país, na década de 60, usava-se “bicho”, e nas gerações mais recentes adotou -se “cara”, nestes últimos casos (“bicho” e “cara”) sem distinção de gênero. “Mulher”, como vocativo, é hoje corriqueiro nas cidades grandes e nas capitais do Nordeste, em todas as classes sociais, conservando-se as formas “muié” e “muiezinha” entre as sertanejas, ou “mulé”, nas regiões lindeiras à Paraíba. Veja os verbetes “Macho” e “Feme”. Os menos cultos, mormente os feministas, resistem ao uso da palavra mulher como antônimo de marido, preferindo o termo “esposa”, pomposo mas etimologicamente incorreto, já que significa, especificamente, “noiva”.

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MUNDIÇA – Rural. Imundície. Coisa de pouco valor. Gente pouco educada, ou que age com pouca elegância. Por extensão, gente íntima, ou muito simples, com quem não se precisa ter cerimônia.

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MUNGANGO – Rural. Careta. Trejeitos. Macaquice. Provém da palavra “mogango”, de origem africana.

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NÃ(!) – Rural. Não!. Nos sertões, é muito comum o uso do termo como negativa enfática: Nã! Eu mes mo não!”. Como se vê no exemplo, não substitui a palavra “não”, que é pronunciada integralmente no final da frase. Algumas vezes, para conferir mais ênfase ainda, a palavra pode soar com duplo “a” nasal (“nãã!”), ou já com um som de duplo “e”: “neem!”. No meio das frases, o “não” já pode ter um som diverso: “num”. “Nã! Eu num vou de jeito nenhum!”.

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NÃO ESTAR COM NADA – Uso geral. A expressão desqualifica algo ou alguém. “Esse carro é tido como sendo muito bom, mas, na verdade, não está com nada”. “Paulo é metido a valente, mas eu sei que ele não está com nada”.

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NÃO SER BARROSO – Urbano. Vide o verbete “Barroso”.

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NAS CARREIRA – Uso geral. Inculto. Às carreiras. Diz-se daquilo que se faz, ou se tem que fazer, às pressas, por algum fator impositivo. “Eu tive que socorrer as crianças nas carreira”.

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NEGADA (Ê) – Uso geral. Negrada. Pessoal. Turma. Gente. A patuleia. Do grupo de negros, derivou para designar o grupo de crianças, porque através das crianças, que brincavam todas juntas, as raças foram-se fundindo socialmente no Brasil. Assim, esse termo não tem nenhuma conotação racial. Faz-se hoje o mesmo uso que no Sudeste se faz do termo “galera”, que, por sua vez, tem origem na palavra “galeria”, referente às arquibancadas populares do Estádio Maracanã. Veja os verbetes “Pessoal” e “Turma”.

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NEGOÇÃO – Uso geral. Negocião. Negociarrão. Usa-se para indicar um bom negócio, mas também, em forma de antítese, para referir uma péssima opção, ou um trato iníquo, e principalmente para repelir uma proposta capciosa, na expressão irônica: “Ô negoção!”. Veja o verbete “Coisona”.

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NEGÓCIO DE – Uso geral. Em torno de. Mais ou menos. “Ele chegou lá em casa negócio de três horas da manhã”; “Maria ganhou negócio de 5 mil reais pelo trabalho”.

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NESCAU – Urbano. Antigo. Infantil. Salva de tapas vibradas por um grupo de meninos sobre a cabeça de um infeliz supliciado, como forma de penalidade lúdica, geralmente por ter ele feito ou dito alguma coisa condenável, conforme as regras de algum jogo, ou por pura execração sádica e discriminatória a que costumam dar vazão os adolescentes. A origem da expressão é um anúncio publicitário da década de 60, do famoso achocolatado em pó solúvel, cuja letra do jingle verberava: “Nescau, Nescau, Nescau, pa -ra-rá – ti-pum!!!. Durante a execução do espancamento, o grupo segura a vítima n o centro da roda, enquanto repete em coro a palavra “nescau”, cantando o jingle, fazendo coincidirem as mãozadas desferidas com a onomatopéia do tambor: “pa-ra-rá – ti-pum!!!”. Veja o verbete “Salga”.

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NESTANTE – Uso geral. Nesse instante. Há pouco tempo. Agora mesmo. Agorinha. Ainda agora. Indagurinha. 125


* NÓ CEGO – Uso geral. Pessoa difícil, “impossível”, rebelde, complicada ou exigente, que não se deixa dominar ou conduzir facilmente. O termo é muito utilizado no interior como apelido, geralmente bem aceito pelo alcunhado, por ser, de alguma forma, alusivo à firmeza de caráter.

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OBRAR – Uso geral. Antigo. Defecar.

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OFENDER – Rural. Fazer mal à saúde. Causar doença. Termo sempre utilizado em relação a alguma prática ou à ingestão de alguma coisa: “Comer doce quente ofende a gente”.

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OI-DA-GOIABA (Ô) – Uso geral. O ânus, dito de maneira chula. Uso exclusivamente masculino.

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ONDE JÁ SE VIU? – Uso geral. A expressão denota espanto ou perplexidade ante um fato ou um ato inusitado, ou repreensível, sobre o qual a pessoa se refere. “O cara meteu a mão na cara do outro. Onde já se viu!?”. Veja o verbete “Quem já se viu?”.

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ONTONTE – Rural. Anteontem. Antonte.

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O RABO ERA UM REI – Rural. Corruptela de “o rabo era um relho”, imagem clara dos movimentos de chicote (relho), feitos pela hipotética cauda de alguém, durante uma fuga desesperada, exatamente como ocorre com os bichos caudados quando se procuram escafeder. Usa-se a expressão para referir a alguém que fugiu ou fez alguma coisa em desabalada carreira : “Ele passou por aqui que o rabo era um rei”.

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Ó-U-MEI! – Uso geral. Corruptela da expressão “olhe o meio!”, no sentido de “saia do meio”, de “deixe -me passar”, de “desobstrua a passagem!. O emprego é sempre exclamativo, pois somente se usa a expressão de forma imperativa, emergencial, ou mesmo repreensiva, quando se esteja apressado ou conduzindo algum peso. Veja o verbete “Ó-u-sangue!”.

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Ó-U-SANGUE! – Popular e inculto. É um modo popular de pedir passagem, mais propriamente de modo urgente e ameaçado r, quando 126


se esteja portando algum objeto, com cujo volume a pessoa que interrompe a passagem possa se machucar, ou se prejudicar de outra maneira. Sua origem são matadouros, frigoríficos rústicos, feiras livres e mercados populares, em que se transportam sangrentos volumes de carnes in natura. Veja o verbete “Ó-u-mei!”.

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OXENTE(!) – Rural. Exclamação para denotar surpresa, espanto, ou reprovação. Usado no Ceará apenas nas regiões lindeiras à Paraíba e a Pernambuco. O termo tem evoluído para “xent”, simpli ficação adotada por quem o utiliza em demasia, no início ou no final das frases: “Xent... e João não disse que ia?!”; “Eu chamei, mas ninguém respondeu... xent!”. É corruptela de “ó gente!”.

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PADARIA – Uso geral. Antigo. Além da acepção normal como sinônimo de “panificadora”, na gíria nordestina, particularmente no Ceará, significa os quadris, a bunda. “Quebrou a padaria, e amanhã não tem pão” – diziam as crianças, fazendo bullying com aquela inditosa pessoa que, em consequência a escorregão ou tapada, caísse ao solo.

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PAIA – Urbano. Moderno. Ruim. De má qualidade. Por extensão, feio. O termo é uma corruptela proposital da palavra “palha”, aquela supostamente utilizada para adulterar determinada porção de maconha. Originalmente, no jargão dos drogado s e traficantes, “coisa paia” é a maconha impura, que não provoca o efeito esperado.

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PAI DA COALHADA – Rural. Antigo. O trovão, como arauto que proclama as chuvas, que trazem fartura para o sertão. Era comum alguém gritar vivas ao “pai da coalhada”, dur ante as chuvas torrenciais.

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PAI D’ÉGUA – Uso geral. Antigo. Muito grande. Muito bom. De boa qualidade. Pessoa prestativa, agradável, de bom caráter. O termo provém do título que se dava ao garanhão de uma fazenda, o cavalo selecionado para reprodutor, portanto o melhor exemplar da criação. Vale lembrar que até recentemente, pouco mais de um século atrás, os cavalos tinham tanta importância social quando têm hoje os automóveis.

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PALAVRA DE DEUS – Antigo. Popular. Infantil. Expressão utilizada por aquele que afirma algo duvidoso, como forma de 127


juramento pessoal correspondente a “juro por Deus”. Usa -se também “palavra de homem” – e, de maneira jocosa, também se diz “palavra de escoteiro”.

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PANGOLAR – Uso geral. Vadiar. Vagar por algum lugar sem destino definido. Ficar ao léu. Termo também usado na Paraíba.

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PÃO D’ÁGUA – Uso geral. Caindo em desuso. Era como se denominava no Ceará a bisnaga de pão português comum, dotado de casca dura e miolo macio, cuja massa, riscada ao meio ainda crua, abre-se no forno em bordas duras e crocantes , correspondente aos atuais carioquinhas, porém em maior dimensão. Distinguia -se do “pão sovado”, do “pão de fôrma”, do “pão de coco” e do “pão doce”, os quatro únicos produtos da panificação das velhas padarias. Nos sertões, em oposição ao “pão de milho” (cuscuz), também se chamava o pão d’água “pão do reino”.

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PÃO SOVADO – Uso geral. Bisnaga de pão macio, de casca lisa e fina, em oposição ao pão d’água, ou pão francês, ou pão do reino. No sertão às vezes o pão sovado é cham ado “massa fina”. O nome provém certamente do fato de que a massa utilizada para esse tipo de pão era sovada pelo padeiro, antes de ser assada.

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PAPANGU – Uso geral. Antigo. Espécie de farricoco mascarado dos reisados sertanejos, e por extensão os foliõe s que brincavam o carnaval usando fantasias e capuzes, mais extensivamente ainda, pessoa desajeitada e mal vestida. A palavra vem de “papa angu”, aquele que come angu, espécie de pirão. Não há nexo conhecido entre as duas acepções.

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PAPEIRA – Uso geral. Caxumba. Inflamação epidêmica da glândula parótida. Doença contagiosa que atinge geralmente as crianças, as quais, depois de curadas, ficam imunizadas por toda a vida contra recidiva.

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PAPEL DE EMBRULHAR PREGO – Urbano. Gíria. Pessoa grossa ou deseducada. Diz-se também “pentelho de barrão” e “ponta de aterro”.

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PAPEL QUEIMADO – Uso geral. Antigo. No tempo em que o casamento era indissolúvel, até o fim dos anos 70, referindo -se aos 128


homens, as moças tachavam os casados de “papel queimado”, pelo seu estado civil, à época irreversível como os processos químicos, estado idêntico à condição física daquilo que virou cinzas.

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PAPOCAR – Uso geral. Perder-se, acabar-se, desaparecer, sejam coisas ou objetos. Falir, com referência a empresas. Morrer, em relação a coisas viventes. Perdeu afinidade com a referência sonora de “papoco” – estampido, variação de “pipoca”, de onde o verbo “pipocar”, relativo às pequenas e múltiplas explosões dos caroços de milho postos a torrar. Vem do tupi “poka”, que significa “arrebent ar”. Papocar era ainda o termo utilizado entre os meninos para referir a dramática perda da arraia, quando a linha que a sustinha empinada se partia, por qualquer razão, e o brinquedo era melancolicamente levado pelo vento.

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PAPUDIM – Uso geral. Recente. Papudinho. Que tem papadas. Bêbado contumaz. Mendigo alcoólatra. Refere o intumescimento facial que acomete os alcoólicos.

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PARICERO – Uso geral. Inculto. Antigo. Amigo íntimo. Comparsa. Companheiro. Corruptela de “Parceiro”. Usa -se mais para, de forma depreciativa, significar cumplicidade promíscua, ou para negar intimidade. “Me respeite, que eu não sou seu paricero”.

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PASTINHA – Uso geral. Antigo. Franja de cabelos sobre a testa.

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PASTORAR – Rural. Pastorear. Tomar conta. Zelar. Vigiar. Prestar atenção a. A palavra é clássica no sentido do pastoreio de animais, mas o sertanejo a utiliza para a guarda de qualquer coisa ou objeto, desde que envolva observação visual. Veja os verbetes “Botar sentido” e “Tomar de conta”.

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PAU-DE-FOGO – Uso geral. Revólver. Vejo o verbete “Berro”.

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PAU-DE-LATA – Uso geral. O chato. O incômodo. Aquele que atrapalha. O “empata-foda”. Por extensão, o inútil, que não serve e só atrapalha. Refere-se à empunhadura de madeira geralmente pregada nas bordas internas das lata s maiores, usadas para apanhar água nos poços e nas cacimbas, provavelmente porque esses paus, atravessados na boca das latas, se auxiliam na sua sustentação, atrapalham no seu enchimento e no seu esvaziamento. 129


* PAU-DO-GUARDA – Uso geral. Cancela rodoviária oficial guarnecida por uma bimbarra levadiça, uma guarita e um guarda de sentinela que identifica os condutores de veículos antes de lhes conceder o acesso livre.

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PAU FEROZ – Uso geral. Veja o verbete “Eita pau feroz!”.

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PAU PEREIRA – Uso geral. Veja o verbete “Eita pau pereira! ”.

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PAU-QUE-RÓLA – Uso geral. Aquilo que há em grande quantidade ou que acontece com muita frequência: “Gente lá é o pau -que-róla”. “Para os ciganos, viajar é o pau-que-róla”.

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PEBA – Uso geral. De má qualidade. Banal. Ruim. Em tupi, corresponde aos adjetivos “achatado”, “rente”, “baixo”, “chato”, “horizontal”, dando a ideia de pouco espesso no sentido longitudinal. A palavra difundiu-se muito por designar o tatu-peba, variedade desse animal cujos indivíduos não têm os co rpos cilíndricos, como os das demais, mas totalmente planos. Pode ser que o adjetivo pejorativo advenha do fato de que o peba seja o mais abundante dos tatus, a caça menos valorizada e mais consumida no sertão. O tatu -peba come carniça, escava sepulturas, e sua carne pode transmitir a hanseníase. “Peba” também se diz do prógnato, indivíduo cuja mandíbula é alongada, de modo que os dentes frontais inferiores encaixam -se na frente dos dentes frontais superiores.

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PEBADO – Uso geral. Lascado. Frito. Em palpos-de-aranha. Em grandes dificuldades. A origem é a palavra peba, de tatu -peba, um dos animais silvestres mais perseguidos e caçados pelos sertanejos.

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PECHIM (Ê) – Urbano. Juvenil. Antigo. Peixinho. Aluno aplicado, e por isso protegido pelos professores. Corresponde aproximadamente ao que hoje se diria “CDF”, ou ainda, mais modernamente, o que são os alunos “nerdes”. Veja o verbete “Babão”.

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PÉ-DE-PAU – Uso geral. Árvore.

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PÉ-DE-PLANTA – Uso geral. Árvore. Arbusto. Usa-se mais para referir a vegetal que haja sido cultivado: “pé-de-pranta”.

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PEDIDO DE AMIGO(!) – Infantil. Antigo. Apelo enfático reservado aos casos de maior necessidade. Não atende -lo significada perder a amizade. Também se diz “pedido de colega(!)”.

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PEDIR PENICO – Uso geral. Render-se. Pedir arrego.

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PEGAR BUCHECHA – Uso geral. Pegar carona. Pegar Bigu. Conseguir condução gratuita em veículo, geralmente clandestina. Veja o verbete “Buchecha”. Veja o verbete “Bigu”.

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PEGAR O BECO – Uso geral. Gíria. Ir-se embora. Fugir. Escafeder-se.

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PEGAR SIRI – Uso geral. Pegar siri era usar calças mais curtas que o recomendado pela moda, ao tempo em que a moda impunha que as barras das calças cobrissem os tornozelos. Essa exigência permanece na indumentária masculina mais formal; contudo, a moda atual permite, para homens e mulheres, o uso de calças de qualquer formato, cor e comprimento. A expressão se refere à necessidade óbvia de dobrar os embainhados, sempre que alguém for caçar crustáceos nos alagados em que eles predominam.

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PEIA (Ê) – Uso geral. Surra. Sova. Espancamento. Peiada . Corretivo físico imposto aos filhos pelos pais. “A polícia pegou o cabra e meteu a peia.”; “Quando os meninos do João não se comportam bem, é peia muita em cima deles!”. Também se diz de alguém que seja insubmisso, ou mal comportado, ou de algo que seja difícil de fazer. “Mandei o Raimundo lavar o carro, mas ele não lavou. O Raimundo é peia!”; “Construir estadas na serra é peia!”. Esse termo tem razão etimológica na palavra “pé”, pois originalmente indica instrume nto para conter animais (pear), lhes amarrando um pé ao outro. Como no sertão isso é feito com uma tira de couro, que também pode ser convenientemente usada para surrar pessoas, deu -se a migração semântica da palavra. Veja os verbetes “Meter a peia” e “Pis a”.

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PEIADA (Ê) – Uso geral. Veja o verbete “peia”.

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PEINHA DE NADA (É) – Rural. Uso generalizado. Um triz: “Não caí no abismo por uma peinha de nada” = “por muito pouco não caí no abismo”. A pronúncia da palavra “peinha” conserva o “e” com som aberto, mas a sílaba tônica está no “i”. É corruptela da palavra “pelezinha”.

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PEITAR – Rural. Antigo. O sentido clássico da palavra é propor propina, derivando do latim pactu. Mas nos sertões do Ceará esse vocábulo sofreu uma migração semântica, assumindo a ace pção de “enfrentar”, ou de “confrontar”, ou de “afrontar”.

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PEITICA – Infantil. Antigo. Palavra cabalística que se pronuncia para evocar boa sorte, ou para pretensamente trazer azar a um adversário, mormente nos jogos pueris, não raro aplicada na expressão “peitica da velha chica!”. Por extensão, “fazer peitica” também significa “aborrecer”, pois quem ouve do adversário a insistente invocação agourenta se aborrece. “Não venha me encher o saco com a sua peitica”. É palavra do tupi, que designa o pássaro de nome científico empidonomus varius. Talvez sua relação com sortilégios tenha origem nessa ave, quem sabe considerada indicativa de má-sorte.

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PELEJAR – Uso geral. Tentar com insistência. Perseverar na tentativa ou na tarefa. Insistir. Persistir. Não tem entre os cearenses o sentido de “lutar”, como no “pelear” dos gaúchos. No futebol se usava antigamente chamar a partida de “peleja”, mas essa acepção já está caindo em desuso.

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PENSE(!) – Uso geral. Gíria suburbana moderna. Interjeição com que se instiga o interlocutor a avaliar, na imaginação, a grandeza ou a excelência daquilo que se está referindo. “Eu fui a uma festa ontem... Pense, numa festa boa!”; “A festa foi boa mesmo? – Se foi boa? Pense!”.

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PENSO – Uso geral. Torto. Inclinado, em relação à lin ha do solo. O termo é clássico, porém pouco usado no resto do país.

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PERAÍ – Uso geral. Coloquial. Espere aí. Veja o verbete “Perainda”.

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PERAINDA – Uso geral. Espere ainda. Expressão coloquial utilizada com o mesmo sentido de “espere aí”, com a qual se introduz a imediata contestação de algo que alguém diga ou faça, além do sentido literal de simples pedido de paciência para uma pequena demora. “Perainda, meu amigo, você está redondamente enganado!”; “Quinta e sexta? Perainda, você não disse que era no d omingo?!”. “Ele queria entrar, mas eu disse logo: perainda, vá em casa e vista o uniforme”; “Perainda, que eu também vou!”. Há as variações “peraí”, mais citadina, “demore ainda”, “demore aí”, “barraí” e “barrainda”, usuais nos sertões mais profundos. Veja o verbete “Barrainda”.

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PEREBA – Uso Geral. Palavra do tupi, mais usual na Bahia e no Ceará. Ferida pequena na pele. “Um homem magro, cheio de marcas de pereba”. No Rio Grande do Sul, aplica -se a ferimento de aspecto mais grave, especialmente em animais . A médica alergista Paula Albuquerque, oriunda de Maceió, com longa vivência em São Paulo, notou o termo apenas no Ceará.

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PEREBENTO – Uso Geral. Pessoa com feridas na pele, ou de mau aspecto físico em geral. Como impropério, para depreciar alguém socialmente, o mesmo uso que no Sul do País se faz do termo “lazarento” (portador de lepra).

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PEROBA (Ô) – Urbano. Homossexual. Baitola.

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PESCA – Uso Geral. Antigo. Ato de fraudar, durante os exames escolares, por meio de anotações clandestinas ou de indev ida comunicação com outros alunos, ou ainda pela secreta visualização das respostas alheias. Diz-se também da própria anotação clandestina: “Eu vou levar uma pesca dentro do sapato”. No S udeste se diz “cola”.

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PESCAR – Uso Geral. Antigo. Obter secretamente informações com outros alunos sobre as questões de um prova, durante exames escolares; lobrigar as respostas da prova de um vizinho de carteira; levar consigo, de forma clandestina, para a sala de exames, anotações sobre a matéria da prova, para suprir a própria memória no preenchimento das questões. Mormente neste último caso, o termo corresponde a “colar”, no jargão sudestino, hodiernamente importado para o Ceará pelas redes de televisão.

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PESSOAL – Uso geral. Esse substantivo é aplicado no Ceará para indicar um determinado grupo afetivo mais ou menos identificado: a turma (“o pessoal que estava comigo...”; “o meu pessoal”), a família (“o pessoal lá de casa”), ou, indefinidamente, o povo, aqueles de quem se fala em relação a alguma coisa. Neste último caso, semanticamente comparável à expressão “as pessoas”, mais usual nos estados do Sudeste: “as pessoas pensam que todos os políticos são safados...”. O substantivo “pessoal” é aplicado em todo o país, porém mais comumente referindo a corpos funcionais: “ o departamento de pessoal”; “o pessoal do setor de produção da fábrica...”; “o pessoal da Secretaria da Fazenda”. E a palavra também é de uso generalizado como adjetivo, no sentido de “próprio”, “individual”, “particular”: “Esta é a minha opinião pessoal”. A expressão “Pessoal do Ceará”, subtítulo do LP “Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem”, primeiro disco fonográfico dos jovens compositores e interpretes cearenses que fizeram sucesso nacional no início dos anos 70, cujo sentido literal indica a origem do grupo, embute ainda esse regionalismo semântico especial, que como tal soa aos ouvidos sudestinos. Veja os verbetes “Negada” e “Turma”.

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PEXIM(Ê) – Veja o verbete “Pechim”.

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PEZIM – Urbano. Gíria futebolística. Pezinho. Usava-se até recentemente com o mesmo sentido de “embaixada”, o controle contínuo da bola de futebol, quicando sobre um dos pés, como prova de extrema habilidade futebolística. Nessa acepção, “dar pezim” era exatamente o mesmo que “fazer embaixadas”, ou “embaixadinhas”, como se tem preferido. O termo cearense já sucumbiu à influência do substituto sudestino. Infantil. Fazer pezim também é entrançar os dedos das duas mãos, fazendo com elas assim unidas um nicho para alguém apoiar um pé, a fim de elevar o corpo e escalar uma parede, ou subir numa árvore.

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PIA(!) – Rural. Veja o verbete “Espia(!)”.

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PIANÇAR – Rural. Desejar algo ardentemente. Termo usual na Paraíba, e em cidades lindeiras no Ceará, notadamente na Região do Cariri.

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PILOURA – Uso geral. Mal estar súbito e intenso. Desmaio.

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PIMBA – Uso geral. O órgão sexual masculino. Usa-se muito no trato infantil, ou em expressões depreciativas: “Aquele sujeito é um “pimba mole!”; “Eu lá tenho medo desse pimba d’água!”.

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PIMBADA – Uso geral. Relação sexual. Veja o verbete “Pimba”.

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PINADA – Uso geral. Veja o verbete “Pinar”.

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PINAR – Uso geral. Chulo. Encostar-se o homem em uma mulher, com intenção lasciva, geralmente aproveitando -se de uma aglomeração, muito comumente em filas ou ônibus lotados, ou durante uma dança a dois. O mesmo que “dar um pino”, ou “dar uma pinada”. A palavra deriva do substantivo “pino”. No Sudeste se tem aplicado no mesmo sentido, a expressão “encoxar”. Veja o verbete “Tirar Sarro”.

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PINGUELO – Uso geral. Objeto pequeno. Excrescência miúda. Biloto. Birimbelo. É também sinônimo chulo de clitóris.

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PIPAROTE – Uso geral. Antigo. Golpe desferido sobre a cabeça de alguém, com os nós dos dedos. A palavra, hoje quase em desuso, têm sinônimas mais antigas e mais modernas: “coque” “cocorote” e “cascudo”. O piparote, termo de origem espanhola, talvez em alusão ao som cavo produzido por uma pancada sobre uma pipa ou tonel pequeno, foi usado no passado como forma de castigo infligido aos escravos, pelos senhores, e aos filhos pequenos, pelos pais, permanecendo, sob o nome de “cascudo”, como método de tortura perpetrada às vezes por meninos maiores, contra os menores.

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PIRRITA – Uso geral. Pequeno, sempre em referência a uma criança, ou a um animal. Pode ser substantivado, no sentido de “pivete”, muito comumente usado como apelido, caracterizando pessoa de pouco porte físico. Em todo o País usa-se o termo pirrititinho”, para qualificar qualquer coisa muito pequena .

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PISA – Uso geral. Surra. Sova. Açoite. Dar uma pisa é açoitar, ou derrotar, em sentido figurado; levar uma pisa é apanhar, é tomar uma surra, ou ser vencido, extensivamente. Veja os verbetes “Peia” e “Meter a peia”.

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PISSUIR – Rural. Possuir, no sentido estrito dos bens materiais, incluindo os filhos entre eles, no caso exclusivo do pai referir -se a estes. A mãe “tem” os filhos, em vez de os pissuir, no entendimento dos rurícolas. Veja os verbetes “Ter” e “Possuir”.

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PITACO – Uso geral. Opinião impertinente. Veja o verbete “Dar pitaco”.

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PÍULA – Rural Antigo. Gíria de uso geral. Corruptela de “pílula”, usada na acepção exclamativa genérica – “eita píula!” – ou para negar alguma coisa: “Ele não é capaz de fazer isso. Faz é píula!”. Usa-se também para acentuar uma depreciação, como na frase: “A mulher é feia que só uma píula!”. A origem desse uso d eve ser a clássica expressão de desagrado “ora, pílulas!”, muito utilizada no passado.

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PITEL – Urbano. Coisa boa, catita, muito bela, ou muito bem zelada.O mesmo que “uma tetéia”. Muito usado em relação a mulher bonita, ou para caracterizar alguma coisa que se quer vender ou anseia comprar: “O carro é um pitel!”. Veja o verbete “Só o mí”.

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PLANTAR – Urbano. Tacar. Percutir. Bater: “Plantei a mão na cara dele”. “Plantar o pau”: fazer alguma coisa com muita energia. “Ela pegou a estrada, plantou o pau, e em pouco tempo estava em casa”.

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PODRE A – Vide o verbete “Puro a”.

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POMBA LESA – Uso geral. Pessoa sem iniciativa, pouco operosa, muito passiva, que não reage bem aos estímulos da vida.

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PÔR – Uso geral. Botar ovos. O verbo pôr é praticamente desusado no Ceará, sendo-o quase exclusivo nesse uso referido. O verbo “botar” é adotado nos casos todos em que, em outras regiões do país, usar -seia o verbo “pôr”. Inverte-se esse processo no caso específico dos ovos, que para nós são “postos” pela ave, quando, para os sudestinos, eles são “botados”.

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POR BOSTA! – Urbano. Gíria. Em grande quantidade. “Pra caralho”.

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PORRETA – Urbano. Gíria. Bom. Agradável. De boa qualidade. Tem o mesmo sentido das gírias “bacana”, da década de 50 e “legal” da década de 60, além de outras que têm surgido no Sudeste, todas de uso nacional, como as recentes “chocante”, “irado”, “maneiro”, “sinistro” e “da hora”, esta última mais característica de São Paulo. A expressão irradiou-se da Bahia para o resto do Nordeste e é também utilizada no Ceará há décadas, embora com menor frequência que no seu Estado de origem. Pelo menos entre os cearenses, ganhou também a acepção de “muito grande”: “Era um avião que era um porreta!”; “A casa do homem é porretona, quase um quarteirão inteiro!”. Em terras alencarinas o termo “porreta” sofre a concorrência de “arretado”, também baiano, também menos usado que na Bahia e reunindo o sentido qualitativo ao superlativo. Em seu Estado de origem, não no Ceará, “arretado” também significa enfurecido, irado, enraivecido: “Eu fiquei arretado com ele!”. Veja o verbete “Arretado”.

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POSSUIR – Rural. O caboclo dá ao verbo possuir, geralmente pronunciado “pissuir”, um uso muito especial, sempre com referência aos seus bens mais prezados, neles incluídos os filh os, no caso de ser o pai que a estes se refira. Quem “tem” filhos, no seu entendimento semântico, são exclusivamente as mães, confundida a acepção do verbo ter com a do verbo parir. Veja o verbete “Ter”. PRA FAZER O atitude arrojada para contrariar verbete “Só de

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MAL – Uso Geral. Utiliza-se para qualificar uma demais, que poderia ser evitada, mas que é adotada quem quer que seja. Só pra fazer o mal. Veja o mau!”.

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PRANTA – Rural. Planta. Árvore. Arbusto. Leguminosa. Plantação. Usa-se geralmente para referir a vegetal cultivado. Pé -de-pranta. Veja o verbete “Pé-de-planta”.

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PRANTAR – Rural. Veja o verbete “Plantar”.

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PREGAR – Uso geral. Antigo. Cansar-se, em razão de alguma atividade física específica, laboral ou desportiva, de modo a não conseguir continuá-la, por exaustão respiratória. “Não vou continuar na partida, porque eu preguei”; “Tira o Róbson do time, porque ele está pregado!”

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PRESÉPIO – Uso geral. Antigo. Representação natalina da cena do nascimento de Jesus Cristo, hoje já muito em desuso. O mesmo que “lapinha”.

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PRESEPADA – Uso geral. Atitude de presepeiro. Artimanha. Trapaça. Brincadeira de mau gosto.

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PRESEPEIRO – Uso geral. Gaiato. Trapaceiro. Aquele que promove trapalhadas, ou presepadas, que urde artimanhas ou faz brincadeiras de mau gosto.

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PRIQUITO – Uso geral. Antigo. Chulo. Órgão sexual feminino. Provém de “periquito”, o pequeno pássaro psitacídeo.

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PRISIGA – Rural. Perseguição. A palavra é substantiva. Não se aplica o verbo cognato. Quem faz uma prisiga, para os simples do sertão, “bota atrás” de algo ou de alguém, em vez de persegui -lo.

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PRONTO! – Uso geral. Essa interjeição é aplicada para grifar com resolubilidade um determinado pondo do discurso. “Pronto! Já chegou o estraga-prazeres!”; “Sabe a igreja que existe daqui a três quarteirões: pronto! A casa dele fica bem defronte.”; “Você diz que não quer me aborrecer? Pois pronto! Não toque mais nesse assunto!”. A palavra conserva os seus significados clássicos de “concluído” – “a casa que estava em construção já ficou pronta ”; de “disposto” para alguma empreitada – estou pronto para enfrentar a prova; de vestido de forma elegante ou apropriada para um evento social – “as mulheres demoram para se aprontar”. Neste sentido, “pronto” é sinônimo de “arrumado”. A acepção antiga que se aplicava a pessoa sem dinheiro, neste caso sinônimo de “liso” e de “quebrado”, já não se usa mais.

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PROVOCAR – Rural. Sentir náuseas. Vomitar. O uso advém certamente da expressão “provocar vômitos”. As pessoas simples usam “provocar” à guisa de eufemismo. Conhecem, mas rejeitam o termo “vomitar”, mais evocativo das ânsias e apuros nauseosos. Fenômeno semelhante ocorre no meio urbano com a palavra “parir”, somente usada para animais, substituída, no caso humano, por “ter menino”, “descansar” ou “ganhar bebê”. Ora, “parir” e “parto” são palavras irmãs, cognatas; entretanto esta última, ao contrário da primeira, mantém-se referente ao ser humano no vocabulário elegante aplicado em sociedade. Em algumas áreas diz -se também “lançar”, ou “alojar”, 138


por “vomitar”. “arrojar”.

Neste último caso, talvez seja uma corruptela de

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PRUMODE – Rural. Antigo. Por amor de. Usa-se no sertão no sentido de “por causa de”, “para”, “a fim de”. “A plantação morreu prumode aiágua, que faltou”. “Eu só fui prumode ajudar ele” . “Eu não posso andar, prumode uma dor que me dá na perna”. Hoje a expressão já está reduzida à forma contrata “mode”.

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PURO A – Uso geral. Cheirando a... : “Esta roupa está puro a perfume”. Usa-se também de outra forma: “A casa está o puro incenso”. Se a referência for a qualquer cheiro desagradável, a expressão pode ser agravada para “está podre a...”: “Meu cabelo está podre a sarro de cigarro!”.

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PUTARIA – Uso geral. Seria o coletivo de puta, ou, por outra, designaria o comportamento característico da s meretrizes. Entretanto, o termo adquiriu sentido mais amplo, e bastante distanciado de sua genética semântica. Usa -se hoje para referir a baderna, a desorganização, a gozação, ou, ainda, a brincadeira ou meramente a alegria. “Aquilo é uma putaria. Nada ali funciona que preste!”; “Os caras se desentenderam e a reunião virou a maior putaria!”; “Não acredito nisso. Você está é com putaria.”; “A festa foi muito boa. Fizemos a maior putaria!”.

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PUXAR FOGO – Rural. Apresentar vermelhidão na conjuntiva dos olhos, por ter consumido bebida alcoólica. “Sou fraco para a bebida. No segundo copo eu já fico puxando fogo”.

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QUEBRAR DENTRO – Uso geral. Diz-se de quando alguma coisa se complica, por algum evento infeliz superveniente. “Se o ônibus chegar e não houver vaga no hotel, então vai quebrar dentro”; “Agora quebrou dentro: não consegui o livro, e a prova é amanhã”. A expressão é de uso quase que exclusivamente masculino, e tem nítida origem mecânico-operária, referindo o momento difícil do conserto ou desmontagem de determinado engenho ou mecanismo, cuja peça quebrada, a ser removida, geralmente um parafuso, esteja reclusa e inacessível, a carecer de esforços ingentes para a sua extração.

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QUEBRAR E APARTAR – Uso geral. Falir completamente. “A empresa quebrou e apartou!”. Usa-se a variante “Quebrou que 139


apartou”, enfatizando a quebradura com a separação das duas partes. Veja o verbete “Apartar”.

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QUEIMA(!) – Urbano. Grito de guerra da molecagem cearense. Expressão que se profere a plenos pulmões, geralmen te entre vaias, sempre que haja alguma razão para galhofa, ou euforia coletiva. Provém da frase “queima, raparigal!”, que a turba adotou desde um incêndio ocorrido em um prostíbulo, no centro de Fortaleza, lá pelos anos 40, durante o qual as prostitutas, em polvorosa, correram seminuas para a rua. Como não teve vítimas fatais, e portanto não se converteu em sinistro trágico, o evento se perpetuou na memória do povo como episódio burlesco da cidade.

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QUEIMADO – Urbano. Moral ou socialmente desgraçado. Sofr endo de descrédito e mau conceito. Desacreditado. Também se diz do levemente embriagado.

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QUEIMA RAPARIGAL(!) – Urbano. Veja o verbete “Queima!”.

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QUEIXAR – Urbano. Gíria recente. Na acepção aqui abordada, a palavra não guarda relação com o verbo “queix ar-se”, regularmente utilizado no Ceará, como em todo o país. Queixar, na gíria recente, é o mesmo que “meter o queixo”, “dar cantada”, argumentar, tentar persuadir. É atributo dos indivíduos “queixudos”. Veja o verbete “Jacaré”.

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QUEIXUDO – Urbano. Gíria. Veja o verbete “Queixar”.

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QUEM FOI QUE VIU? – Uso geral. A expressão substitui a negativa de um fato, ou de um ato, por sua impossibilidade ou por um impedimento qualquer. “Eu quis atravessar o rio a nado, mas, quem foi que viu? Não consegui, pois a co rrenteza estava forte”. “João disse que ia brigar com Pedro. Quem foi que viu? Quando Pedro apareceu ele meteu foi o pé na carreira”.

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QUEM JÁ SE VIU? – Uso geral. A expressão denota espanto ou perplexidade ante um fato ou de um ato inusitado, ou repreen sível, sobre o qual a pessoa se refere. “O cara meteu a mão na cara do outro. Quem já se viu?”. Veja o verbete “Onde já se viu?”.

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QUE NEM – Uso geral. Inculto. Como. Assim como. Tal qual. “Ele é que nem eu: não gosta de brincadeira”.

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QUE NEM PRESTA(!) – Uso geral e recente. Em grande quantidade. Em banda de lata. “A festa foi ótima. Tinha mulher que nem presta”.

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QUENGA – Uso geral. Parte rígida da casca de coco. Cuia de coco. Prostituta, em uso chulo e mais restrito. Por equívoco, os autores sudestinos, em suas obras ficcionais, principalmente nas novelas televisivas, quando situam a trama no Nordeste, adotam a palavra “quenga” nos diálogos como substituto absoluto de “prostituta”, como se o termo fosse tão frequente e socialmente aceito entre nós, com ares de eufemismo simpático e delicado. Na verdade, na acepção de meretriz, “quenga” é palavra grosseira, de baixo calão, para designar, de maneira depreciativa, as rameiras mais pobres e baratas.

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QUI(!) – Rural. A interjeição contesta alguma afirma ção que o interlocutor acabe de fazer: “Este animal está morto. – Qui!, menino. O bicho está só dormindo!.” Ou nega de plano, ante indagação mal recebida: “Você namora com ele? – Qui! Nem de soldado eu gosto!”. O termo deve ser uma simplificação da express ão “que nada!”.

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QUI SÓ(!) – Uso geral. Que só... A expressão designa muita quantidade ou intensidade. “O Raimundo bebe que só!”; “Quando o time do Ceará ganha eu fico feliz que só!”. Após a palavra “só” deveria haver outra, em cada caso, que representasse um termo de comparação, que terminou sendo suprimida. Pode ser a simplificação da expressão “que só ele mesmo”, que da forma resumida se aplica de maneira generalizada, como no exemplo: “Fui à pescaria ontem; deu peixe qui só.”

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QUINAIPE – Rural. Antigo. Sandália de rabicho. Aquilo que no inglês se diz “desert sandal”. Também se diz “quinaipo”. Veja o verbete “Apragata”.

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QUIXÓ – Rural. Antigo. Palavra do tupi que significa uma pequena armadilha para a captura de pequenos animais. Figurativamente, diz se de uma casa ou aposento de mínimas dimensões. “Eu moro num quixozinho de nada”.

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RABIÇACA – Uso geral. Gesto com o corpo, ou com a cabeça, na direção contrária a alguém, desviando a face e o olhar de forma rude, denotando grande desprezo. É prática usual entre mulheres, quando são desafetas. “Ela passou e me deu uma rabiçaca!”. O termo pode derivar da palavra “rabo”, em alusão ao movimento que o gesto provoca nos cabelos ou no vestido de quem o pratica.

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RACHA – Urbano. Disputa automobilística de velocidade empreendida pelos jovens, nas ruas da cidade. Pega. “Racha” também designa, não só no Ceará, a partida de futebol menos formal, amadora, geralmente sem árbitro e sem regras rígidas. Nessa acepção é sinônimo de “pelada”, mas, em qualquer caso, é palavra do gênero masculino.

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RACHADA – Urbano. Gíria. Mulher, na gíria dos homossexuais. O termo se estendeu, por deboche, a outros grupos sociais, sempre com intenção depreciativa em relação à classe feminina.

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RAIA – Uso geral. Veja o verbete “Arra ia”.

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RÁIDIA – Rural. Rádio. A estação de rádio, cujo feminino os sertanejos generalizam. A ráidia, além do prédio de uma emissora, também designa difusamente a radiodifusão. A expressão “saiu na ráidia” corresponde a “deu na imprensa falada local”.

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RAPARIGA – Uso geral. Prostituta. É expressão chula, mas suave, nem tão socialmente admissível como “prostituta”, nem tão grosseira como “puta”, nem tão depreciativa como “quenga”. Tanto que algumas mulheres de classe média e classe alta costumam tratar -se às vezes por “rapariga”, na intimidade, carinhosamente. Na verdade o termo tem origem culta no vernáculo, adotado em Portugal como feminino de rapaz.

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RAPAZ – Uso geral. O termo é aplicado, de forma muito generalizada na linguagem coloquial como vocativo retórico, no início ou no final das frases mais enfáticas , independentemente do sexo daquele com quem se fala. “Como você cometeu esse crime? – Rapaz, ele tinha rexa comigo, puxou faca pra mim, aí eu atirei nele”; “Como se faz uma coisa dessas, rapaz!? A s enhora não sabe que não se bate em criança?”. A malandragem cariosa às vezes aplica a palavra “rapaz”, no final das suas perorações, sempre reduzida para rapá!. 142


* RASO – Uso geral. Fácil. Perto. Breve. “Pensei que não íamos chegar nunca. Mas agora já está bem rasinho”; “Tirar os documentos é complicado. Mas através de um bom despachante fica mais raso”. A palavra conserva a sua acepção clássica, referente a pouca profundidade.

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RASPÃO – Uso geral. Arranhão. Veja o verbete “De raspão”.

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REBOLAR – Uso geral. Jogar fora. Pôr no lixo. Desfazer -se de algum objeto. Conserva a acepção clássica de “mexer os quadris”, a depender do contexto.

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REBOLAR FORA – Uso geral. Rebolar. Jogar fora. Rebolar no mato.

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REBOLAR NO MATO – Rural. Rebolar. Jogar fora. Desfazer-se de algum objeto. Não tem a acepção de “botar a perder”, como ocorre com a sinonímia “botar fora” e “botar no mato”, a qual tem a acepção extra de ter perdas econômicas ou fazer maus negócios.

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RÉI (réia) - Uso geral. Véi. Velho. Veja o verbete “Véi”.

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RESPEITA A POLÍCIA, VAGABUNDO! verbete “Respeita as Caras!”.

Inculto.

Veja

o

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RESPEITA AS CARAS! – Inculto. Antigo. Expressão utilizada, em princípio, para cobrar respeito ou impor autoridade ao interlocutor insolente, muito utilizada pelos simples. Passou a ser usual também e principalmente para rebater, de forma amistosa, alguma invectiva bem humorada e zombeteira. Evoluiu depois para a forma alternativa e mais enfática “Respeita a polícia, vagabundo!”.

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RESPEITE(!) – Uso geral. Expressão elogiosa ou enaltecedora. “A festa foi boa? – Respeite!”; “Ontem fomos a uma festa na cidade. Respeite a comida!”.

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REXA – Rural. Inculto. Rixa. Na sua acepção regular, a palavra rixa significa um conflito, uma briga, uma contenda. Na linguagem 143


jurídica, o termo designa especificamente uma luta grupal, sem integrantes definidos. Na sua corruptela, rexa é empregado pelo populacho no sentido de desafeto, inimizade, implicância, consabida intolerância social de uma pessoa pela outra. “Ele tem rexa de mim”.

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RIDICO – Rural. Corruptela de “ridículo”, mas sem a mesma acepção semântica. Pretende significar pessoa ou animal de gênio difícil e imprevisível. Muito usado em relação aos cavalos e muares de comportamento traiçoeiro, que ora se comportam com docilidade, ora tornam-se rebeldes.

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RIPUNAR – Rural. Repugnar. Às vezes dizem “arripunar”, pela tendência sertaneja de acrescentar a alguns verbos o “a” inicial, em alguns casos usual no passado, mas já quase desusado em língua culta: “assentar”, “alevantar”, “ avoar”.

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RI-RI – Rural. O zíper. O fechicler. O lavem-mamãe. Essa palavra onomatopaica ocorre mais na Região do Cariri, em regiões lindeiras à Paraíba.

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RODAGE – Rural. Rodagem. Estrada.

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RONCEIRO – Uso geral. Vagaroso. Lento. Mau pagador. Muito utilizado em relação a veículo ou montaria que não desenvolve boa velocidade.

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RONCHA – Uso geral. Mancha na pele originada por derrame subcutâneo, provocada por pancada, ou alguma causa patológica . Petéquia. Livor. Do espanhol, rocha.

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ROSCOFE – Uso geral. Relógio de má qualidade, em referência, talvez injusta, ao relojoeiro suíço G. F. Roskopf, que viveu no século XIX. Mas o termo também assumiu acepção mais chula, para significar o ânus.

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RUMA – Uso geral. Um bocado, uma porrada, um monte, um bando, uma boa quantidade de qualquer coisa, seja coisa animada ou inanimada: “uma ruma de gente”; “uma ruma de carros”; “uma ruma de bosta”. Neste último exemplo, a palavra “ruma”, isoladamente, por eufemismo, dispensará menção à matéria a que se refere. Sendo 144


assim, quando alguém se refere a “uma ruma”, sem dizer de que, certamente se estará referindo a excrementos. Note que a palavra “bosta” deve significar exclusivamente esterco vacum. “Bos” é o radical latino para “boi”.

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SABACU – Uso geral. Espancamento. Porrada. Dar uns sabacus é a ir às vias de fato. É palavra tupi.

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SACANAGEM – Uso geral. Atitude pouco digna. Trapaça. Diz -se de qualquer comportamento que constranja ou exponha outrem a vexame ou a prejuízo. Por extensão, brincadeira de mau gosto. O termo, que tem origem clássica de conotação sexual, foi sublimado no Sudeste, onde é amplamente usado em sociedade e na imprensa. No Ceará, no entanto, conserva a sua conotação chula e grosseira.

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SACO FURADO – Uso geral. Diz-se da pessoa que não sabe guardar segredos.

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SALGA – Urbano. Antigo. Infantil. Salva de tapas vibradas por um grupo de meninos sobre a cabeça de um infeliz supliciado, como forma de penalidade lúdica, geralmente por ter ele feito ou dito algo condenável, conforme as regras de algum jogo, ou por pura execração sádica e discriminatória a que costumam dar vazão os adolescentes. O termo faz referência ao ato de salgar a carne de sol, ou à ardência provocada pelas mãozadas sobre a pele. Veja o verbete “Nescau”.

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SALIENTE – Urbano. Antigo. Diz-se de quem se comporta de maneira irreverente. Das crianças, das moças e dos serviçais que se imiscuam em assuntos ou tenham comportamentos que lhe sejam inadequados. Veja o verbete “Espilicute”.

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SALSEIRO – Uso geral. Confusão. Desordem. Desmantelo. Deve ter origem na palavra “salsa”, uma planta daninha que embriaga os animais que a ingerem, muito comum no sertão, a qual se espalha pelo solo em confuso emaranhado de cipós verdes e folhas redondas. Pode também se originar de “salso”, relativo a sal, quem sabe e m alusão à faina das charqueadas, quando se matavam, carneavam e salgavam dezenas de bois por dia, na produção da carne de sol, em vários centros urbanos do sertão nordestino.

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SAMANGO – Urbano. Antigo. Soldado. Por extensão, qualquer militar. “Milico”, como se diz em todo o país.

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SAPECAR – Uso geral. Além do uso normal como sinônimo tupi da palavra “chamuscar”, acumula ainda o mesmo sentido de “tacar”, “bater com...”, vibrar alguma coisa contra outra: “Sapequei a mão na cara dele”. Pode significar també m a tomada de alguma atitude vigorosa, “Então ele sapecou a assinatura no documento”. Veja os verbetes “Lascar” e “Plantar”.

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SARRO – Urbano. Em desuso. Veja o verbete “Tirar sarro”.

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SE ABRIR – Urbano. Vulgar. Abrir-se, neste caso sempre aplicando a próclise do pronome, é rir-se, dar risadas, gargalhar, achar graça. “Quando ele falou aquilo eu me abri muito!”; “Quando ele viu a cena começou a se abrir”. Há quem adote o cacoete de concluir qualquer narrativa jocosa com a expressão: “Eu me abro!”. Note -se que “achar graça”, entre os cearenses, não é somente um sentimento de bom humor, mas, a partir desse sentimento, especificamente o ato de rir.

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SEBO NAS CANELAS (PASSAR) – Geral. Antigo. Passar sebo nas canelas é apressar-se, aviar-se. Usa-se geralmente como voz de comando, quando se pretende obter tarefa urgente de algum subordinado: “Passe sebo nas canelas!”. Deve provir de antiga crença segundo a qual canelas lisas fazem mais velozes os corredores.

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SEBOSO – Uso geral. De sebo. Aquele que não tem escrúpulos higiênicos. Porcalhão. Qualquer ato anti -higiênico: porcaria, “sebosidade”.

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SECO – Uso geral. Magro. Também reúne os sentidos de enxuto, pouco úmido, sem água (rios e lagos), estival (região), rudemente lacônico ou desafetuoso (alguém), curt ido pelo tempo (artigo). Entre nós o termo não guarda relação com ausência de açúcar, a não ser na classificação dos vinhos, que nos vem de outra cultura.

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SECO DA TISGA – Rural. Antigo. Seco da tísica. Tísico. Tuberculoso. Usa-se como impropério contra os indivíduos muito magros. 146


* SECO DO QUINZE – Rural. Antigo. Seco da tisga. Macérrimo. Usa-se como impropério contra os indivíduos muito magros. Faz referência à terrível seca de 1915, que inspirou o famoso livro de estreia da escritora cearense Rachel d e Queiroz – O Quinze.

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SEGURAR VELA – Uso geral. Segurar vela, na gíria cearense, é acompanhar um casal, impor a própria presença junto a dois enamorados, importunando o seu romance, ou constrangendo -se a si mesmo pelo incômodo provocado. “ Não vou com vocês, porque detesto ficar segurando vela ”. Antigamente era comum serem os meninos obrigados pelos pais a acompanhar irmãs mais velhas com seus namorados, a fim de evitar intimidades maiores entre estes. Certamente, nesta função, seguravam uma vela. També m se diz “comer cocada”.

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SELAR – Uso geral. Desistir. Retirar-se. “Eu ia comprar a casa, mas quando vi o seu estado, selei”; “Ele não estava gostando da conversa, e então selou”. O termo deve ter origem no ato de selar o próprio cavalo, para montar-se e ir embora.

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SELAR O TEJO – Uso geral. Vulgar. Fugir, escapar, escafeder-se. O sentido original remete à grande velocidade empreendida pelo Tejo, ou Teiú, um lagarto sertanejo rasteiro, quando é flagrado por alguém pelos ermos da caatinga. Veja os verbetes “Capar o gato” e “Tirar os calços”.

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SEM-FUTURO – Uso geral. Pessoa desqualificada ou atividade desprezível. “Aquele cara é um sem-futuro”; “Deixa essa mania de fazer fofoca que isso é muito sem -futuro”. Usa-se ainda a sigla simplificadora, por eufemismo, seguida da palavra “total”: “ O namorado dela é um SF- total”.

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SE TACAR – Uso geral. Inculto. Arrojar-se a algum destino distante. “Ele se tacou para o Pirambú, só para se encontrar com ela”; “Todo dia eu saía de casa e me tacava para Messejana”. Veja o verbete “Tacar-se”.

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SEU MININO – Rural. Veja o verbete “Seu Zé”.

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SEU ZÉ – Uso geral. Tratamento que se usa ao dirigir a palavra a um homem do povo, de aspecto mais maduro, de quem não se saiba o nome. Os mais jovens são designados de Zé. O corresp ondente feminino é Dona Maria. Nos EUA, com a mesma aplicação, usa -se “Jo”, que é a forma contrata de “Joseph”, exatamente o endônimo anglófono do antropônimo “José”.

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SIBITE BALEADO – Uso geral. Pessoa muito magra, ou de aspecto muito frágil. É impropério comum entre os meninos. Sibite é o nome popular da cambaxirra, um passarinho muito pequeno e delicado.

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SIMIANTE – Rural. Semelhante. O termo, entretanto, nesse uso ingênuo, não guarda relação com semelhança, mas toma a semântica de “tal” ou “que tal”, aquilo que é notável, ou isto que é desproporcional: “Eu não seria capaz de fazer simiante coisa com um amigo”; “Ele disse que essa ponte não aguenta o peso de simiante caminhão, com essa enorme carrada de tijolo”; “Por simiante valentia, o homem merecia até um prêmio”.

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SÓ DE MAU – Uso geral. Por maldade. Por birra. Por mero capricho. “Negaram o visto só de mau”; “Pois só de mau eu não vou à festa”. Veja o verbete “Só pra fazer o mal”. SÕIM – Uso geral. Mico. Sagui.

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SÓ O MI – Rural. Inculto. Só o milho. Corresponde a “muito bom”, “excelente”. A gíria suburbana adaptou a expressão para “só o pitel”. Veja o verbete “Pitel”.

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SÓ PRA FAZER O MAL – Uso geral. Veja o verbete “Pra fazer o mal”.

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SOSTOU (Ó) – Uso Geral. Antigo. Só estou... Usava-se esse termo no passado, e ainda se usa com alguma raridade nos sertões, para significar surpresa ou espanto sobre algum fato específico. Em 1995, narrando um de seus crimes, Ildefonso Maia Cunha, o famigerado pistoleiro cearense Maínha (assassinado em 2011) disse que matou um homem porque ia passando e este lhe lançou insultos. “Sostou aquele sujeito saber que eu andava por aí mantando gente, e ainda assim vir bulir comigo”. Deve resultar da supressão da última palavra de uma frase de perplexidade. 148


* SUSTANÇA – Rural. Substância. Sustentação física. Saúde. Vigor. Energia alimentar.

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TACAR-SE – Uso Geral. Arrojar-se a um lugar distante, em sacrificada aventura. O verbo “tacar” tem múltiplos usos na cearensidade, sempre alusivamente a alguma atitude ou gesto vigoroso. No Sudeste o verbo é equivocamente aplicado no sentido de por fogo em alguma coisa: “Ele tacou fogo no pasto”. No Ceará, e de forma mais apropriada, diz-se “tocar fogo”, onde o verbo se aplica na acepção de fazer prosseguir. Veja o verbete “Se tacar”.

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TAÍ, UMA COISINHA(!) – Uso geral. Expressão de absoluto repúdio a uma informação recebida, ou de ameaça velada, ante alguma pretensão revelada por terceiro: “ Ele disse isso? Taí, uma coisinha! Ele que se atreva! ”.

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TAPIOCA MORDEU BEIJU – Rural. Curiosa expressão para sintetizar argumentação prolixa, descabida, falsa ou desprezível, que alguém haja adotado, e que seja ocioso repetir inteiramente. “ O doutor disse que não atendia o homem, porque não o conhecia, e que tapioca mordeu beiju...”; “Ela acabou o namoro. Disse que até gosta de mim, mas que prefere assim, porque tapioca mordeu beiju ”. Tapioca é uma especialidade da cozinha nordestina, feita de goma de mandioca, dobrada no formato de uma boca, e beiju é uma versão de tapioca, maior, mais grossa e en durecida.

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TE ENXERGA! – Uso geral. Expressão autoritária utilizada para impor ao interlocutor a devida consciência de sua modéstia social. Corresponde a “recolha-se à sua insignificância”. Tem origem na classificação discriminatória dos cidadãos de segun da e terceira classes no período colonial e escravagista, com reflexos ainda hoje. Também usual em Portugal, segundo o cidadão lusitano Joaquim Mota, comerciante em Fortaleza. Veja o verbete “Conhece o teu lugar!”.

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TEM É ZÉ(!) – Uso geral. Antigo. Expressão que denota dúvida, ou atribui alto grau de dificuldade, diante de uma bravata, ou ao se declarar alguma pretensão mais ousada. Corresponde a se dizer “ isso é muito difícil!”. “Ele pensa que vai passar no concurso... tem é Zé! ”; 149


“A estrada está muito ruim. Para se passar em certos trechos, tem é Zé!”.

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TER – Rural. Além da acepção normal do verbo, usa -se especificamente em substituição ao verbo “parir”, no caso do parto humano, pois no entendimento semântico dos caboclos, “parir” é de uso restrito em referência aos animais. As mulheres “têm” filhos, seus maridos os “pissuem”, as fêmeas irracionais “parem”, segundo a antiga terminologia matuta. É antigo e generalizado em toda a lusofonia o eufemismo “dar à luz”, e, mais modernamente, “ganhar bebê”. Veja o verbete “Possuir”.

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TERNONTONTE – Rural. Tresanteontem. O dia anterior a anteontem. O termo é pouco usado no idioma regular, embora absolutamente correto em sua forma culta. Em vez de usá -lo, as pessoas preferem dizer: “...há três dias...”, ou: “na quarta-feira passada...”, se presentemente é um sábado, por exemplo. Mas o sertanejo usa “ternontonte” com bastante frequência. Veja o verbete “Ontonte”.

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TETÉU – Uso geral. Aquele que é insone, que dorme pouco, que está sempre alerta, em alusão ao pássar o com esse nome, que acusa com vocalizações agudas qualquer movimento no campo, a qualquer hora da noite. Já houve uma patrulha motorizada da Polícia Militar do Ceará, nos anos 70, que recebia esse nome – Patrulha Tetéu. Ele usava fuscas para perseguir os guiadores irregulares pelas noites adentro, pelas madrugadas afora. Era o terror dos adolescentes que condiziam os carros da família, ainda não habilitados. TIBUNGAR – onomatopaica.

Rural.

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Mergulhar

com

estrépito.

Palavra

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TIRAR OS CALÇOS – Urbano. Gíria. Ir embora. Se ausentar. Faz obvia alusão ao veículo que, estacionado em um declive, desce ladeira abaixo ao se lhe tirarem os calços das rodas. Surgiu no Sudeste a expressão “se arrancar”, com o mesmo sentido. Veja os verbetes “Capar o gato” e “ Selar o tejo”.

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TIRAR UM FINO – Uso geral. Passar muito próximo. Tangenciar algo, quase lhe tocando. Passar de raspão. “O carro tirou um fino na criança que atravessava a rua”. Veja o verbete “Raspão”. 150


* TIRAR SARRO – Uso urbano. Caindo em desuso. Relacionar-se o homem com uma mulher, com grande intimidade lúbrica, porém sem nudez total e sem o intercurso sexual, bem como sem compromisso amoroso e social. Pode corresponder ao que neste início de Século XXI passou a ser designado pelo verbo “ficar”, neste caso um termo unissexual. Tirar um sarro com uma mulher correspondia a “ficar” com ela, na condição de “ficante”. A palavra sarro designa o gosto e o cheiro de nicotina deixada pelo cigarro na boca e no hálito. Pode ser que na expressão “tirar sarro” haja uma alusão ao beijo na boca dos fumantes, quando somente os homens fumavam.

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TOCAR FOGO – Uso geral. Botar fogo. Incendiar. Em outras regiões do país diz-se “tacar fogo”, parecendo-nos esta uma forma semanticamente distorcida. “Tocar” tem o sentido de f azer contato, encostar, bem como o de fazer progredir, o que evoca a provocação de um incêndio. Já o verbo “tacar” sugere vibrar alguma coisa contra outra, percutir, bater, usar o tacão, dar pancada, que não tem nenhuma relação com o ato de fazer queimar.

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TOMAR ABUSO – Rural. Saturar-se de alguma coisa. Criar intolerância, principalmente em relação a pessoas e suas atitudes . “O povo tomou abuso à classe política”. Veja os verbetes “Abuso” e “Abusar”.

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TOMAR DE CONTA – Inculto. Infantil. Tomar contas. Tomar conta de. Tomar contas é o inverso de “prestar contas”. O uso consagrou a expressão “tomar conta de”, no sentido de cuidar, vigiar, pastorear, responsabilizar-se por alguma coisa. Nessa mesma acepção, “tomar de conta” é uma forma deturpada. Veja os verbetes “Botar sentido” e “Pastorar”.

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TORAR – Rural. Quebrar. Partir.

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TOSTÃO – Uso geral. Antigo. Golpe aplicado com o joelho na base da nádega de outrem, apanhado por trás de surpresa, de modo a lhe provocar intensa dor, causando momentânea dificuldade de locomoção. Era uma das formas de tortura recreativa aplicada por meninos, uns nos outros, fosse em forma de bullying contra os mais frágeis, fosse mera brincadeira de mau gosto entre os amigos.

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TRABUCAGEM – Uso geral. Antigo. Artimanha. Negócio escus o. Comportamento de trabuqueiro. A palavra provém de “trabuco”, designação de antiga arma de guerra. Tem a mesma acepção da expressão “trambicagem”, nacionalmente utilizada. Veja o verbete “Marretagem”.

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TRABUQUEIRO – Uso geral. Antigo. Aquele que pratica trabucagem. Tem a mesma acepção da expressão “trambiqueiro”, nacionalmente utilizada. Veja os verbetes “Escopeteiro” e “Marreteiro”.

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TRAÇAR – Uso geral. Comer com volúpia. “ Ele traçou o prato todo”. Praticar sexo por meio de conquista. “Carlos traçou todas as moças do bairro”. Veja os verbetes “Dar o traço” e “Traço”.

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TRAÇO – Uso geral. Finta do futebol. Drible. “Dar um traço”. “Dar um traço de arrodeio”. Por extensão, dar um traço pode ter o sentido figurado de enganar, iludir, lograr. Veja os verbetes “Dar o traço” e “Traçar”.

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TRAQUINO – Uso geral. Traquinas. Travesso. Veja o verbete “Malino”.

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TRISCAR – Uso geral. Tocar levemente. Muito usado, por força de expressão, para negar violência física, ingestão de algum alimento, ou abordagem de algum tema. “Tinha muita comida lá, mas eu nem trisquei”; “Ela está chorando, mas eu juro que nem trisquei nela ”; “Para ele não se aborrecer comigo, eu não trisquei no assunto ”. Tem origem no gótico “thriskar”, que significa “debulhar”.

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TRISQUIM – Uso geral. Pequeno pedaço ou pequena porção de alguma coisa: “Eu comi um trisquim de nada”. Tem origem no gótico “thriskar”, que significa “debulhar”.

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TROPO – Rural. Trôpego. Sem resistência nas pernas.

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TRUPICÃO – Uso geral. Grande tropeço. Topada.

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TRUPICAR – Uso geral. Tropeçar. Topar. 152


* TRUVISCADO – Uso geral. Ligeiramente embriagado.

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TUDO EM RIBA – Urbano. Gíria. Passou-se a usar essa expressão em Fortaleza, substituindo a forma tradicional “tudo em cima”, para referir a um estado de coisas favorável, c orrespondente a “tudo bem”. “Em riba” é modo sertanejo de falar, mas foi adotado satiricamente pelos jovens citadinos, neste específico uso, o qual chegou a ser empregado por artistas sudestinos de TV que estiveram em férias ou a trabalho no Ceará.

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TUM-TUM – Uso geral. A nuca e os ombros, vistos por trás. O cabelouro. O cachaço. Muito usado na linguagem infantil, para designar, entre brincantes de cavalinho, o local de montaria daquele que monta, sobre o outro, que é montado. Levar alguém no tum -tum é transportá-lo nas costas, escanchado sobre os ombros. Usa -se também dizer “levar na cacunda”. Veja o verbete “Cacunda”.

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TURMA – Uso geral. Antigo. Antes de se nacionalizar pela mídia o uso do termo “galera”, eminentemente carioca, no Ceará a palavra “turma” era a forma clássica para designar grupos de pessoas jovens. Concorria com o sinônimo “negada”, de uso mais burlesco, mais popular, mais infantil, e “pessoal”, de acepção mais genérica, mais abrangente e mais clássica ainda. Veja os verbetes “Negada” e “Pessoal”.

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UM SETENTA – Uso geral. Antigo. Muito grande. “O homem era um setenta. Tinha quase dois metros de altura ”. Não se conhece a origem da expressão. Veja os verbetes “Chibata” e “Porreta”.

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UM-UM – Rural. Em algumas regiões do Estado, o som repetido do artigo “um” serve para negar, geralmente combinado com o tradicional movimento horizontal da cabeça, como substituindo a palavra não: “O carro já saiu? – Um-um”. O som pode ser produzido na garganta, com a boca fechada, de modo anasalado, dependen do da ênfase que se queira dar à negativa.

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UN-RUM(!) – Uso geral. Esse som nasal, produzido na garganta, com a boca fechada, ou quase fechada, tem o sentido das expressões “veja!” e “olhe!”, com as quais se mostra alguma coisa, ou do imperativo “toma!”, usado quando se está oferecendo algo. Pode 153


inclusive servir apenas como recurso de ênfase, concomitantemente a uma das palavras sobreditas. “ Veja o que eu trouxe pra você – unrum!”; “Un-rum! Que beleza é essa cachoeira! ”. Com entonação própria, muito mais exclamativa, usa-se esse som, isoladamente, para enfatizar perplexidade ou censura ante alguma atitude, cena ou declaração: “Ele fez isso contigo?... Un-rum!!!!!”; “Un-rum!!!! Olha o que esse menino está dizendo! ”.

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VALHA(!) – Uso geral. Expressão de espanto, muito utilizada pelas mulheres, que costumam alongar o som da palavra, tornando -a muito mais exclamativa, ou, conforme o contexto, fazendo -a melosa, piedosa ou enternecida. É uma forma reduzida de “valha -me Deus!”.

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VARAPAU – Uso geral. Pessoa muito alta. Gamelão.

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VÉI (véia) – Uso geral. Velho. A palavra “velho”, em muitos casos, não se refere a idade, mas tem o fito único de desqualificar, ou apequenar, qualquer substantivo, ou simplesmente lhe conferir algum coitadismo: “Minhas mãos véias tem sofrido muito nesse novo emprego de operário”; “Sabe, Antônio, eu ando tão doente véi! ”. A pronúncia pode evoluir para “réi”, mormente para carregar o discurso de mais sentimento de opróbrio: “ O bêbado vinha arrastando um menino réi imundo pela mão”. “Velho” é também usado como tratamento carinhoso, talvez derivado de “amigo velho”. No Nordeste se usa “nego véi” e “nega réa”, como forma muito íntima e afetuosa de tratar.

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VEACO – Rural. Velhaco. Diz-se da alimária cavilosa que, embora absolutamente domesticada e amansada, uma vez solta no pasto, não se deixa capturar facilmente quando o seu dono ou tratador pretende utilizá-la para o trabalho de montaria ou tração, sendo preciso que a persiga e atalhe, ou a atraia com algum estratagema, como, por exemplo, uma sonora e apetitosa cuia de milho agitada na mão. Animais assim são menos valorizado s nos sertões. Por extensão, também se diz “veaco” do mau pagador, notadamente aquele devedor que costuma fugir das cobranças evitando que os seus credores o localizem e encontrem.

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VENDER CEBOLA – Urbano. Antigo. A etiqueta social recomenda aos casais que, andando juntos pela rua, a mulher ande sempre pelo lado interno da calçada, enquanto o homem caminhe externamente, 154


mais rente ao meio-fio, mais exposto ao tráfego de veículos. Quando não obedecia a essa praxe dizia-se no Ceará que o casal estava vendendo cebola. Essa regra tem origem no tempo em que, andando junto às fachadas dos sobrados, as damas estavam a salvo de alguma porcaria que jogassem lá de cima, pois não havia latas de lixo nem os caminhões da coleta regular, bem como ficavam elas mais protegidas da poeira ou da lama espargida pelo trote dos cavalos. Talvez essas posições fossem invertidas pelos casais de vendilhões de rua, um carregando a mercadoria – cebolas, por exemplo – e o outro apregoando.

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VER – Rural. Buscar. Trazer. Entregar: “Vai lá em casa e vê a inchada, que eu estou precisando dela ”. “Tome esta cédula e veja logo o troco, que quero ir embora ”; “Menino, vai ver a água que os animais estão com sede!”. Nesse sentido, somente se usa o verbo no tempo presente, a menos que auxiliado pelo verbo “ir”: “ Foi ver a inchada nestante”; “Vai ver a água amanhã”. No passado e no futuro, “viu” ou “verá”, o verbo tem unicamente o sentido clássico de “enxergar”. “Ir ver”, por “ir buscar”, também é usado em outros Estados, sendo que em certas regiões do interior do Ceará esse uso é generalizado. Veja o verbete “É ver”.

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VERME – Urbano. Mania. Fixação mental. Vício. Compulsão. Vontade irresistível de praticar algo, principalmente atividade física ou viciosa, como jogar, beber ou fumar. Veja o verbete “Cegueira”.

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VERMINOSO – Urbano. Aquele que se entrega com muita frequência ou intensidade a determinado hábito, atividade ou mania. Veja o verbete “Verme”.

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VEXADO – Uso geral. Muito apressado. Tem o mesmo sentido que se dá ao termo “afobado”, no Sudeste, sendo neste caso, entre nós, sinônimo de “avexado”. Mas a específica forma “vexado/vexar” adquiriu autonomamente uma segunda conotação semântica, significando também, conforme o contexto, “retardado mental”. “Esse menino é vexado da cabeça!”; “Tenham calma com ele, que ele é meio vexadinho”; “Tanto fizeram que vexaram o rapaz. Ele agora não diz mais coisa com coisa”.

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155


VEXAME – Uso geral. Pressa. Urgência desmedida. Impaciência. Aperreio. Tem a acepção de afobação, no sentido que se dá a esse termo no Sudeste. Afobação, no Ceará, é irritação, zanga, fúria.

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VIR PROS-PAUS – Uso geral. Antigo. Vir brigar. Convocação beligerante. Desafio agressivo. “Eu chamei ele pros-paus, mas ele não correu dentro”; “Vem pros-paus, macho véi, se tu for homem!”. “O João esculhambou com ele, mas ele não foi pros -paus”. Veja os verbetes “Ir pros-paus” e “Correr dentro”.

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VIRAR O PANGAIO – Uso geral. Antigo. Fazer confusão. “Os rapazes chegaram na festa e viraram o pangaio. Perverter -se. “Ela era uma moça direita, mas depois virou o pangaio”.

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VISAGE? – Uso geral. Visagem. Assombração. Perdeu a relação estrita com algo que se veja, para abranger qualquer manifestação a que se atribua fenômeno místico. “A gente ouviu uma voz sussurrada. Mas não tinha nada lá. Era visage”. Veja o verbete “Marmota”.

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VIXE(!) – Uso geral. Expressão de espanto. É forma reduzida de “Virgem Maria!”. Também se usa a simplificação “ixe!”.

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VOADOR – Urbano. Militar. Diz-se do desatento, do nefelibata, da pessoa aérea, distraída, desligada. Mais brando que o sinônimo depreciativo “lesado”. Veja o verbete “Lesado”.

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VOTE(!) (Ô) – Rural. Interjeição que exprime espanto, repulsa, desaprovação. Mais comum nas regiões lindeiras à Paraíba.

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XABOQUE – Uso geral. Pedaço. Naco. Parte pequena de alguma coisa, em relação ao tamanho desta, que se desprende ou arranca. A palavra deve ter origem tupi . “Caiu um xaboque da parede”; “Arranquei um xaboque do dedo, numa topada”.

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XABOUQUEIRO – Uso Geral. Diz-se da pessoa de traços grosseiros. Dizia-se daqueles que ostentavam fisionomia afro indígena.

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XEXEIRO – Uso Geral. Aquele que é vezeiro em dar o xêxo, ou que abacou de fazê-lo. Segundo o memorialista Totonho Laprovitera, em 156


seu livro De Primeiro, “xexeiro advém da palavra xexo, corruptela de seixo (pedrinha). Antigamente, quando se utilizavam pedras preciosas como moeda, os trapaceiros misturam seixos com as pedras preciosas para enganar os b estas. Daí, surgiu a expressão ‘dar o seixo’, que virou ‘dar o xexo’, que quer dizer deixar de pagar, dar o calote”. Veja os verbetes “Dar o Xêxo” e “Xêxo”.

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XÊXO – Uso Geral. Pronuncia-se chêcho. Corruptela de “seixo”, pequena pedra. Usa-se para designar um calote, o não pagamento de uma dívida. O termo é muito especificamente usado pela patuleia para significar algum ardil para não pagar o serviço sexual das prostitutas ou dos bares, geralmente empreendendo fuga após o serviço e o consumo. Veja os verbetes “Dar o Xêxo” e “Xexeiro”.

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XIRCA – Rural. Inculto. Xícara.

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ZAMBETA – Uso geral. Aquele que tem as pernas tortas, com convergência dos joelhos. Deve ser uma deturpação de “gambeta”, ou de “gambota”, vez que o étimo “c amba” tem origem no celta Kambos = torto. Veja os verbetes “Cambito” e “Cambota”.

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ZUADA – Uso geral. Zoada. Barulho estranho ou importuno. Som peculiar: “zuadinha”. Ruído característico do funcionamento de um motor. Rumor forte de tropel ou de vozes, humanas ou animais.

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ZURUÓ – Uso geral. Tonto. Desorientado. Tem origem no espanhol “orate” – louco, através de “azoretado” e “zureta”, usos comuns em outras regiões do Brasil.

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SOTAQUES CEARENSES O Ceará tem pelo menos dois sotaques mais fortemente identificados, em contraste co m o modo de falar dos naturais da Capital: o sotaque da Região Norte, e o da Região Sul do Estado. Na Região Norte o sotaque característico é restrito ao populacho local, mais comum e mais acentuado nos simples e incultos. É criticado pelos doutos, evit ado pelos citadinos, combatido pelos pais e educadores locais, não obstante muitas vezes notado em pessoas que ascenderam a boa condição econômica ou a posições políticas destacadas. Os principais traços são a pronúncia do f onema “rr” inicial em lugar do “v” (rai, em vez de “vai”), e do “x” em vez de “ss”, nos pronomes demonstrativos. “Exe home rive me atazanando pur dinheiro”. Nos municípios da Região Sul do Estado, tendo no centro o Cariri, por influência dos estados de Pernambuco e da Paraíba, o sotaque é endêmico e generalizado. Por ele não se distinguem as classes sociais locais. Caracteriza -se principalmente pela pronúncia seca do fonema “i”, nas sílabas “ti” e di, “te” e “de”, e pela dispensa dos artigos definidos: “Titia mandô Raimund ti dizê que fosse divagá, purque êss carr di Juão é munto rim di frei ”. No resto do Estado se pronunciam essas sílabas “de”, “di” “ti” e “te” como se fossem “dhi” e “thi”: “ A Thithia mandou o Raimundo thi dhizer que fosse dhivagar, porque esse carro do João é ruim dhi freio”. Como se nota do exemplo dado, e se frisa melhor no exemplo a seguir, também faz parte do sotaque da Região Sul a substituição de certos fonemas, como “o” por “u”; a supressão de certas letras, como “u” e “i”, bem como dos erres finais e das ú ltimas vogais átonas de algumas palavras, terminando-as com o abruto som consonantal, colando a língua no palato, como ocorre em palavras de línguas germânicas: “El diss que tud deu errad, e que tá cum muit med di chegá a passá fom (Ele disse que tudo deu errado, e que está com muito medo de chegar a passar fome)”.

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NORDESTINIDADE Por eu ser nordestino o meu sotaque é diferenciado. Tem gente que ri dizendo que eu falo engraçado. Pois estude mais a cultura e deixe de ser debochado. As palavras são diferentes, mas tem o mesmo significado. E eu vou lhe mostrar que é certo o que muitos acham errado. Lá chinela é apragata, banco de pau tamburete, água com açúcar é garapa, Ter pressa é ser avexado, ser rápido é ser ligeiro, Ser bobo é ser abestado, o briguento é arengueiro. Lá encima é lá inriba, roupa véia é mulambo, criança teimosa é maluvida, Fazer careta é mungango, quintal de casa é munturo, monte de terra, mundurú. Casa velha é tapera, ratazana é guabiru, lá uma surra é uma pisa, Imitar é remedar, gente feia é marmota, rir dos outros é mangar, Assombração é visage, trilha no mato é vareda, Estrada de barro é rodage, quem pisa torto é zambeta, Rede pequena é tipoia, tomar banho é se banhar, Ser tímido é ser matuto, tomar café, merendar. E tem também a anatomia: o pau da venta, a tapa do queixo, o sovaco e a viria, E tem também os beiço, o espinhaço, a batata da perna, a cana do braço. E isso é só o começo, não dá para dizer tudo, Agora, dizer que tá errado, eu acho isso absurdo, O Brasil é rico em cultura e e sse é o nosso linguajar, Quem não conhece a palavra, que comece a pesquisar. Eu gosto da diversidade, isso eu não posso negar, E tem mais orgulho ainda de ser do Ceará, O meu orgulho é tão grande que quando a traiçoeira da morte resolver me arrebatar, e, no dia do julgamento, se Jesus vier falar: – Olhe, você foi pobre na vida, vou te fazer ser burguês. Eu vou dizer: – Meu senhor, por favor, me deixe ser nordestino outra vez. [AUTOR DESCONHECIDO)

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OUTRAS OBRAS SOBRE TERMOS NORDESTINOS

O DIALETO CAMPESINO Amadeu Amaral VOCABULÁRIO POPULAR CEARENSE Raimundo Girão FALANDO NO CEARÁ Lindomar de Oliveira ORÉLIO CEARENSE Andréa Saraiva DICIONÁRIO DE CEARÊS Marcus Gadelha DICIONÁRIO DO CEARÁ Tarcísio Garcia

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ACADEMIA CEARENSE DE LITERATURA E JORNALISMO Fortaleza-Ceará academiacearense@gmail.com

www.academiacearense.blogspot.com PRESIDENTE Reginaldo Vasconcelos SECRETÁRIO-GERAL Vicente Alencar PRIMEIRO-SECRETÁRIO Altino Farias SEGUNDO-SECRETÁRIO Adriano Jorge TESOUREIRO Paulo Ximenes

COMISSÃO EDITORIAL Adriano Jorge Arnaldo Santos Cid Saboia de Carvalho Dorian Sampaio Filho Luciano Maia Paulo Ximenes Reginaldo Vasconcelos Rui Martinho Rodrigues Totonho Laprovitera Vianney Mesquita

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ACADÊMICOS TITULARES Cid Carvalho Vianney Campos Mesquita

Fernando Cesar Mesquita

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ACADÊMICOS HONORÁRIOS

Adísia Sá Amaro Penna Ana Miranda Antônio Alves Araújo Ayrton Vasconcelos Denise Sampaio Dilson Pinheiro Dmytri Sidorenko Durval Aires Filho Edmilson Nascimento Ednilo Soares Fátima Veras Fausto Nilo Fernando Dantas Geraldo Gadelha Germana Moraes

Hugo de Brito Machado José Gusmão Bastos José Lindival de Freitas Jr Marcos Maia Gurgel Mônica Silveira Moreira Brito Narcélio Limaverde Nilton Almeida Poty Fontenelle Ricardo Guilherme Roberto Cláudio Rosemberg Cariry Schubert Machado Silvio Ribeiro Valdetário Monteiro

MEMBROS BENEMÉRITOS 1ª Descartes Gadelha 2º Miguel Dias 3º Wanda Palhano 4ª Lúcio Alcântara 5º Raimundo Fagner 6º Yolanda Queiroz 7º Airton Queiroz 8º Ivens Dias Branco 9º Deusmar Queiroz 10º Beto Studart 11º Evaldo Gouveia

12º Igor Queiroz Barroso 13º Maria das Graças Dias Branco da Escóssia 14º Hermínio Castelo Branco (Mino) 15º José Augusto Bezerra 16º Ubiratan Aguiar 17º Paula Queiroz Frota 18º Edson Queiroz Neto

MEMBROS CORRESPONDENTES Dennis Clark – Luiz Rego Filho – Márcio Catunda

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