REAPCBH

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Vendendo cocada e acarajé Tem mandinga no morro Revolta no mar & samba na casa da Tia Ciata Pelo telefone é anunciado O nascimento da alma musical Do Brasil Ao fundo um choro Carinhosamente Pixinguim (Ô Abre-Alas!) ... nos Quilombos que, rei, inVENTO A justiça é tocha e reLUZ (DIAS, 1990, p. 22)

O texto sustenta-se em temas históricos e sociais, “narrando ações” do povo brasileiro no contínuo do século XX. Cada secção rememora sucintamente parte do conteúdo do período que demarca e os versos finais intertextualizam-se com vozes da Tradição. A primeira parte do poema, 1900, por exemplo, traz ao leitor o contexto de transição da Monarquia para a República. Embora o sistema político brasileiro tivesse sido modificado com o fim do Império, a lógica do antigo regime ainda assombrava a ordem recém instaurada. Surgia nesse momento um questionável conceito de cidadania, amparado pela obtenção de direitos e deveres. No entanto, a população afro-descendente não se viu como sujeito de seu tempo. Enquanto isso, o chamado “progresso” vagarosamente chegava ao Brasil e com ele os imigrantes europeus, as teorias higienistas, a famigerada democracia racial e a ideologia do branqueamento: “república é nova/ & a velha escravidão”. Observase também a denúncia com relação à apropriação da musicalidade afro-brasileira e sua ressignificação. De semba para samba, passando depois ao choro, uma de suas ramificações. O eu-poético ainda aponta a alienação a que eram submetidos os negros naquele momento. A absorção de Pixinguinha pelo sistema instituído poderia em certo sentido diasporizar a esperança de ascenção social por meio do talento e do esforço. O conjunto dos textos de Marcos Dias, como reitera Maria de Lourdes Reis, no comentário contido em Estudos sobre a cidade (& exercícios de sobrevivência) representa um “grito de revolta denunciando seu inconformismo diante da nação injusta. Trabalha as palavras como que brincando e busca encontrar o referencial do negro no cenário atual”. Tratamos, indubitavelmente, de um poeta que trilha não só os caminhos da afro-descendência, pois em seus escritos cabem outras alteridades, na medida em que aborda questões sócio-históricoculturais de grande parte do Ocidente.

REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, número 1, maio de 2014 - ISSN: 2357-8513

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