Gazeta Russa #8

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Bolsas RTS e MICEX se fundem

PHOTOXPRESS

Página 04 GETTY IMAGES/FOTOBANK(2)

Vaidade é lucro certo na capital

RTS resistiu a ofertas internacionais

Gasto em salão de beleza chega a R$ 800 por mês Página 05

O adeus do Último Imperador

Emeliánenko fala sobre sua vida depois das lutas Página 08

SEGUNDA-FEIRA, 29 DE AGOSTO DE 2011

Publicado e distribuído com The New York Times (EUA), The Washington Post (EUA), The Daily Telegraph (Reino Unido), Le Figaro (França), La Repubblica (Itália), El País (Espanha), Folha de S.Paulo (Brasil), The Economic Times (Índia), Clarín (Argentina), Süddeutsche Zeitung (Alemanha), The Yomiuri Shimbun (Japão) e outros grandes diários internacionais

20 anos de golpe frustrado

De olho na Rússia Instituto ligado ao governo brasileiro mostra interesse por país do leste europeu

Ipea identifica semelhanças com Brasil Braço de pesquisa e análise brasileiro, instituto lançou três publicações sobre a Rússia nos últimos dois anos. O motivo do interesse: os paralelos identificados entre os dois países. JOÃO PEDRO NETTO ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

AP

Apesar das diferenças culturais e históricas, Brasil e Rússia têm muita coisa em comum, especialmente em relação ao desempenho econômico das últimas duas décadas. Essa é a avaliação de um grupo de pesquisadores e de técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão ligado ao governo federal que voltou os olhos para o país do leste europeu há dois anos. O interesse cresceu na medi-

da em que foram sendo identificadas semelhanças na economia das duas nações, nos últimos 20 anos. O resultado foi o lançamento de três publicações sobre o país nos últimos três meses. A Rússia começou a ser estudada pelos técnicos do instituto por fazer parte, junto com Brasil, Índia, China e África do Sul, dos Brics - bloco de que se destaca pelo forte crescimento econômico. “Começamos com dois estudos de aspectos que poderiam ajudar o Brasil no futuro: gestão do petróleo, uma vez que o país é um grande produtor, e políticas de apoio à internacionalização de empresas”, diz André Pineli Alves, pesquisador que estuda a Rússia dentro do Ipea. Com o avanço dos estudos, os

Publicações oficiais abordam liberalização comercial e privatização

pesquisadores observaram uma série de semelhanças. “Vários problemas e experiências que a Rússia enfrentou também ocorreram no Brasil”, assinala Pineli Alves.

Os dois países, acrescenta, passaram por processos de liberalização comercial, privatização de empresas e serviços, políticas de combate à inflação, crises financeiras e

aumento da participação do Estado na economia ao longo dos últimos 20 anos. Esses são alguns dos aspectos abordados no livro “Uma Longa Transição: Vinte Anos de Transformações na Rússia”, no comunicado “Ameaça ou oportunidade? Desdobramentos da crise financeira global para as empresas transnacionais russas”, e no boletim “Os condicionantes políticos de uma nova estratégia de desenvolvimento da Rússia”. As publicações abordam ainda a transição política na Rússia, estratégias de desenvolvimento no período pós-crise, a internacionalização de empresas russas, o sistema bancário e a conjuntura políticoeconômica do país. CONTINUA NA PÁGINA 5

EXCLUSIVO SERGUÊI LAVROV

A Russian Helicopters e o grupo brasileiro de investimentos Qualy Grupo Brasil assinaram um acordo de cooperação para promover o helicóptero Mi-34S1 no Brasil com base em contratos de concessão. O documento prevê também a possibilidade de fornecimento e comercialização de aeronaves. As companhias planejam criar um centro de serviço técnico, logístico e de estudos para a manutenção da frota brasileira do Mi-34S1. Segundo comunicado da Russian Helicopters, o Mi-34S1 poderia ser adquirido por empreiteiras e empresas públicas na preparação e realização da Copa do Mundo 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil. Por enquanto, o fornecimento de 150 helicópteros ainda está sendo negociado. A apresentação do novo modelo de helicóptero foi realizada no dia 5 de agosto no Salão Aeroespacial Internacional MAKS-2011, na cidade de Tomílino, nos arredores de Moscou. Orújie Rossii

NESTA EDIÇÃO ENTREVISTA

KOMMERSANT

PÁGINA 6

Qualy Grupo negocia 150 aeronaves com Russian Helicopters

FOTOSOYUZ

Também conhecida como Putsch de Moscou ou Golpe de Agosto, a tentativa fracassada de tomada do poder por um grupo linha dura do Partido Comunista da União Soviética, 20 anos atrás, foi fundamental para o fim do regime soviético. Durante os três dias em que durou o golpe, entre 19 e 21 de agosto de 1991, o então presidente Mikhail Gorbatchov foi deposto por conservadores que rejeitavam a glasnost e a perestroika do líder reformista e acreditavam que o novo Tratado da União delegava poderes demasiados às repúblicas da URSS. Gorbatchov retomou o poder, com apoio do então presidente da República Russa, Boris Iéltsin, que enfrentou os comunistas proferindo discursos sobre um tanque em frente ao Parlamento do país. Iéltsin tornou-se extremamente popular com o feito e os acontecimentos, que prejudicaram a legitimidade do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) – e contribuíram também para o colapso final da URSS, em dezembro daquele ano.

NOTAS

Káshin sem medo

Epancado há um ano, jornalista fala sobre superação e coragem à Gazeta Russa. PÁGINA 3

OPINIÃO

Olhares sobre o Oriente

Ian Pryde e Delther Wermuth analisam os modelos econômicos russo e o chinês. PÁGINA 7

MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DA RÚSSIA

Nova fase para velhas relações

AFP/EAST NEWS

“Distância geográfica não é obstáculo nas relações com a Rússia”, diz ministro

As relações da Rússia com a América Latina e o Caribe (ALC) têm raízes profundas e que existem há séculos. Ao longo de sua extensa trajetória, esse intercâmbio passou por altos e baixos – incluindo, algumas vezes, um duro confronto ideológico. Apesar

de todas as vicissitudes históricas, estes povos nunca deixaram de ter interesse um pelo outro. A distância geográfica não se tornou um obstáculo ao respeito mútuo, à amizade e à cooperação em vários setores. Esses países são civilizações únicas, com rico patrimônio histórico e cultural, além de um potencial econômico significativo. De acordo com o conceito de política externa da Federação Russa aprovado

pelo presidente Dmítri Medvedev, desenvolver uma política de cooperação com os governos desses países é uma das prioridades das atividades internacionais da Rússia. A estratégia da Rússia para reforçar a multifacetada parceria tem objetivos de longo prazo e é baseada no pragmatismo e no desejo de se materializar em negócios concretos a atração mútua e a simpatia existente entre nossos povos.

Objetivos comuns

Russos e latinos estão unidos pela proximidade de pontos de vista sobre questões-chave da política e da economia mundial. Isto é importante, já que a ALC tem conquistado cada vez mais peso nos assuntos internacionais, tornando-se um dos centros e me rge nt e s d a orde m mundial. CONTINUA NA PÁGINA 2

LEGION MEDIA

Em artigo exclusivo, ministro escreve para a Gazeta Russa sobre as relações do país com a América Latina e o Caribe.

URBANISMO

Moscou quer sua Brasília Capital prevê satélite como sede administrativa.. PÁGINA 2


Política e Sociedade

Gazeta Russa

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Renovação Iniciativas individuais contra os desmandos de autoridades formam lideranças fora dos grupos políticos tradicionais

Sem pretensões políticas, Evguênia Tchirikova (centro) tornou-se ativista para proteger a floresta onde seu avô lutou durante a Segunda Guerra

Focados em questões práticas, figuras como Evguênia Tchirikova e Aleksêi Naválni podem se consolidar como vozes dissidentes. VLADÍMIR RUVINSKI gazeta russa

Há cinco anos, Evguênia Tchirikova, moradora da cidade de Khímki, nos arredores de Moscou, não possuía uma legião de fãs - exceto os amigos e a própria família. Era uma típica mulher russa de 30 e poucos anos, focada nos filhos e na carreira, e desinteressada por política. “Eu não imaginava que fosse possível mudar algo, então a política me parecia um esforço sem sentido”, diz. Tchirikova, 34, tem uma voz suave. Vestindo jeans e camiseta, poderia facilmente se passar por estudante. A princípio, não parece ser o alvo da atenção de diversos partidos e movimentos da oposição, autora de críticas ferrenhas ao primeiro-ministro Vladímir Pútin e ao partido governista Rússia Unida. Sua transmutação de mãe trabalhadora a uma das mais co-

nhecidas ativistas do país aconteceu quando o governo da cidade de Moscou decidiu derrubar parte da floresta local para construir uma rodovia ligando a capital a São Petersburgo.

prosseguimento impedido por causa de uma floresta. “O governo de Khímki não entendia o que nós queríamos. Eles nos disseram que se queríamos viver no meio do mato, que então nos mudássemos para a Sibéria”, conta.

Temendo trocar slogans por ações concretas, opositores tradicionais perdem popularidade

“Medo é derrota”

“Os burocratas me transformaram em líder da oposição. Tornei-me cidadã muito tarde, aos 30” Tchirikova reuniu os moradores da região e se engajou na luta pela alteração da rota da estrada. Os burocratas não reagiram bem a essa iniciativa, e muitos moradores pareciam desconfiar da validade de seus esforços. Na Rússia, um projeto internacional envolvendo milhões de dólares nunca teve seu

Com a movimentação que gerou, Evguênia Tchirikova descobriu uma nova identidade para si mesma – e para milhões como ela. “Eu era muito ingênua no começo, achava que a rota dessa estrada não passava de um ledo engano, e que vivíamos em um Estado no qual se respeitavam as leis”, diz Tchirikova. Durante os conflitos gerados no local, dez ativistas foram mutilados por criminosos não identificados. Tchirikova também recebeu ameaças anônimas, mas se recu sou a desistir. “Todas as vezes que algum de nós era espancado, dizia para mim mesma: ‘Na próxima vez, largo tudo.’ Mas não se pode passar a vida inteira fugindo. Se existe medo, a batalha já está perdida”, afirma.

exclusivo serguêi lavrov ministro das relações exteriores da rússia

Relações russolatino americanas Continuação da página 1

Os países da região participam cada vez mais ativamente na formação da agenda global. Brasil, México e Argentina entraram no seleto grupo das vinte maiores economias do mundo. Com o Brasil, a Rússia também está trabalhando em cooperação, junto com China, Índia e África do Sul, no formato dos Brics. Os latino-americanos são nossos aliados naturais em questões como a necessidade de apoio às regras do direito internacional, o fortalecimento de mecanismos multilaterais para a resolução de problemas internacionais, o papel central da ONU e a busca de respostas coletivas aos desafios contemporâneos e aos problemas ambientais globais. Na prática, nossos pontos de vista coincidem em vários outros pontos: na reforma da arquitetura financeira global, nas regras do comércio internacional e na importância do r e s pe it o à d ive r sid ade cultural. Nossos países têm demonstrado foco no alinhamento de cooperação intensiva com base na igualdade e nos benefícios mútuos relativos a uma ampla gama de questões. Nos últimos três anos, foram

realizadas 22 cúpulas e mais de 60 reuniões de alto nível, além de terem sido assinados mais de 70 documentos bilaterais – quase a metade dos 150 assinados dos anos 1990 para cá. Os encontros se tornaram regulares no que diz respeito a estruturas governamentais, diálogos interparlamentares e consultas entre os ministérios das relações exteriores. Minha visita recente a El Salvador, Peru e Venezuela deve dar um novo impulso no fortalecimento da nossa cooperação.

Aproximação comercial

Hoje, nossa tarefa fundamental é reforçar o diálogo político desenvolvido pelo sistema de relações comerciais e econômicas. É preciso dizer que o ritmo de desenvolvimento econômico da região é bastante elevado. O volume de negócios, que diminuiu no período da crise em quase um terço, chegando a US$ 12,4 bilhões no ano passado, atingiu US$ 7,4 bilhões nos cinco primeiros meses deste ano, dando a impressão de que o futuro será mais favorável. É urgente não apenas elevar o volume de comércio, mas também expandir suas matizes, em primeiro lugar, intro-

números

70

documentos bilaterais foram assinados entre a Rússia e países da América Latina e do Caribe nos últimos três anos.

12,4 bi de dólares foi o volume de crescimento do comércio no ano passado.

300 mil russos moram nos países da América Latina e do Caribe.

duzindo produtos de alta tecnologia. É bem sabido que muitos países latino-americanos estão desenvolvendo alta tecnologia, incluindo a nuclear. Esforços conjuntos estão sendo promovidos em vários projetos promissores na área aeroespacial. O interesse dos

Algumas pessoas pensaram que aquela jovem mãe estava louca; outras, que ela tinha aspirações políticas e buscava uma forma de se tor nar con hecida. Teve ainda quem afirmasse haver interesses comerciais envolvidos. “Foram os burocratas que me transformaram em líder da oposição”, acredita Tchirikova. “Tornei-me cidadã muito tarde, aos 30 anos.” Nas constantes conversas com as autoridades, diziam-lhe que a estrada era um projeto federal e que, por isso, não estava sujeito a alterações. Mas isso não contribuiu em nada para que a confiança de Evguênia nos poderes constituídos aumentasse. “A multidão de pessoas que apoiam Tchirikova mostra que a sociedade russa tem muitos problemas específicos para resolver”, afirma o diretor do Centro de Informações Políticas, Aleksêi Múkhin. “É por isso que os movimentos de oposição tradicionais, com receio de trocar seus slogans por ações concretas, têm perdido popularidade”, completa. círculos de negócios russos na região é cada vez maior. Grandes empresas locais, como a Lukoil, a Gazprom, a UES RAO e a Russal, estão trabalhando no México, na Venezuela, na Bolívia, na Colômbia, nas Guianas, em Cuba. Além disso, negociações para aprofundar a cooperação com a Argentina, o Brasil, o Peru e o Chile estão em curso e estratégias para conectar pequenas e médias empresas estão sendo estudadas.

Valores a mais

A criação de ramificações das relações interbancárias é um fator de aprofundamento da cooperação mútua entre a Rússia e os países da ALC. Já está em funcionamento o banco russo-venezuelano e foram assinados acordos de cooperação com o russo Vnesheconombank e com a Corporação Andina de Fomento e com a Associação Latino-Americana de Instituições Financeiras de Desenvolvimento. A possibilidade de a Rússia aderir ao Banco Interamericano de Desenvolvimento também está sendo considerada. Nos países da região, temos cerca de 300 mil compatriotas, que atuam como peça fundamental para o lançamento de ações conjuntas humanitárias. Também são desenvolvidos trabalhos em educação, com a criação da Confederação Latino-Americana de Graduados em Russo. A entrada de latinos sem visto na Rússia cresce gradualmente, o que contribui para a expansão das relações de negócios e do contato entre os povos. Há tratados de livre circulação com a Argentina, o Brasil, a Venezuela, a Colômbia, Cuba, a Nicarágua, o Peru e o Chile. Um acordo semelhante foi assinado com o Equador e outros estão em

O conflito em torno da floresta de Khímki terminou com a decisão de estreitar a rodovia de 600 para 100 metros de largura, e proibir construções comerciais em ambos os lados da estrada.

Envolver-se para quê?

Um dos que duvidaram da vitória de Tchirikova foi o advogado Aleksêi Naválni, ativista e blogueiro famoso por

ENQUETE

Maioria defende minorias A maioria dos russos (55%) acredita que defender minorias políticas, étnicas, religiosas e sexuais é uma prioridade. Uma pesquisa do site Gayrussia.eu, entretanto, revela que 66% dos russos não acreditam na aplicação de padrões ocidentais em sua própria sociedade, e que boa parte dos contrários às manifestações homossexuais são a favor de que se respeite a vontade das maiorias.

fase de desenvolvimento com a Guatemala, o Panamá e o Uruguai. Como resultado, aumentamos a cooperação com todas as organizações políticas regionais, incluindo a OMC (Organização Mundial de Comércio). Conduzimos um diálogo político com o Grupo do Rio e promovemos contatos com o Mercosul, a Aliança Bolivariana para os Povos das Américas, o Sistema de Integração Centro-Americano e a Comunidade do Caribe. Observamos com interesse as atividades da União dos Estados Sul-Americanos e a formação da Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe, que têm todas as chances de consolidar os processos de integração na região para dar-lhes um denominador comum. Ressaltamos a importância de que Cuba esteja plenamente integrada na comunidade latino-americana.

Sem clichês ideológicos

Novas perspectivas motivam a cooperação multilateral no âmbito da APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico). Em 2012, pretendemos reforçar iniciativas conjuntas, incluindo o desenvolvimento da infraestrutura comercial e econômica e a políticas de cooperação para a modernização das nossas economias e para a garantia de segurança energética. Estamos convencidos de que o aumento da colaboração entre as duas regiões, que queremos construir em cima de princípios pautados no pragmatismo, sem nos apoiarmos em quaisquer ideologias, mas sim na igualdade e no benefício mútuo, responderá aos nossos interesses comuns. Mais em: www.gazetarussa.com.br

raio-x

itar-tass

Aleksêi Naválni

IDADE: 35 CIDADE NATAL: ButIn formação: advogado

Casado e pai de duas crianças, Aleksêi Naválni formou-se em Direito em 2003 na Universidade Russa da Amizade dos Povos, em Moscou. Tornou-se conhecido pela luta contra a corrupção. Depois de comprar pequenas ações de estatais e não receber informações financeira solicitadas, como é direito dos acionistas, denunciou arbitrariedades em seu blog.

Evguênia Tchirikova

ria novosti

photoshot/vostock-photo

Nova oposição russa nasce da floresta

sua luta contra a corrupção em empresas estatais. Há muitos anos, ele foi membro do partido liberal Iábloko e trabalhou em um comitê de proteção aos moscovitas. “Algumas pessoas chegaram a mim se queixando da construção da rodovia em Khímki. Naquele momento, respondi que não fazia sentido se envolver nessa questão. Ainda que se organizasse, o grupo sofreria retaliações”, conta Naváli. Entre os que o procuraram, estava Tchirikova. “Agora vejo o quão errado eu estava”, afirma o advogado. Atualmente, Naválni apoia ativamente o movimento de Khímki e está ajudando os membros do grupo a entender os fatores por trás da construção da rodovia. De acordo com sua aliada Elena Panfilova, diretora da filial russa do grupo Transparência Internacional, “a corrupção é um grande componente” da obra. Assim como Tchirikova, Naválni se tornou popular graças a suas ações - e não a meras palavras - em defesa dos direitos dos acionistas minoritários nas grandes estatais russas. “Eles representam um novo tipo de oposição na Rússia, comprometida com a resolução de problemas reais”, acredita Nikolai Petrov, acadêmico do Centro Carnegie de Moscou. “Enquanto Evguênia emergiu de uma posição civil, ao contestar uma iniciativa isolada, Aleksêi tinha o objetivo de participar da atividade política desde o início”, afirma Petrov. Tchirikova não tinha intenção de entrar na política, mas foi empurrada pelas “autoridades locais”, explica Múkhin, acrescentando que tanto Naválni quanto Tchirikova “têm a imagem de líderes populares correspondente ao desespero social”.

idade: 34 cidade natal: Moscou formação: engenheira e economista

Casada e mãe de duas meninas, Evguênia Tchirikova formou-se em Engenharia e Economia pelo Instituto de Aviação de Moscou. No fim dos anos 1990, mudou-se para Khímki para criar as filhas mais perto da natureza. Administra, com o marido, duas pequenas empresas no mercado de equipamentos eletromagnéticos.

números

US$250 mil Foi a soma que Naválni arrecadou por meio de seu blog para apoiar a batalha travada contra a corrupção em estatais.

Urbanismo Nova sede administrativa

Moscou também quer sua Brasília Diante dos constantes engarrafamentos e dos altos preços imobiliários, governo propõe ampliar os limites atuais da capital. Dmítri Súrin, Nina Vajdáieva itógui

Um ambicioso projeto quer transformar uma grande área periférica de Moscou numa espécie de Brasília russa, para onde ministérios e prédios do governo seriam deslocados. O título provisório do projeto é “Moscou-2”. O local favorito para a construção é um terreno de 144 mil hectares entre as rodovias Varschavskoie e Kievskoie, a sudoeste da capital. Novos imóveis ainda poderiam ser construídos em uma área de mais de 100 milhões de metros quadrados, que abrigaria 2 milhões de pessoas. Mas ainda não se especificou se a área será um município, um distrito ou parte de Moscou. “Construir a cidade-satélite será uma injeção de ânimo para o desenvolvimento dos distritos vizinhos da região de Moscou”, diz Vladímir Avdêiev, sócio da empresa de imóveis comerciais S.A. Ricci. “Ainda que a atividade empresarial fique concentrada no centro administrativo, os moradores vão gastar seu tempo de lazer nos municípios vizi-

nhos, onde haverá casas e condomínios para os funcionários”, completa. Moscou-2 também contará com lojas e restaurantes luxuosos, além de uma vida noturna bastante agitada. A dificu ldade de combi na r escritórios administrativos e centros empresariais com o desenvolvimento residencial e infraestrutura social vai exigir muito planejamento. “O projeto deve ser implementado em um período que vai de 25 a 50 anos; caso contrário, a nova cidade vai crescer descontroladamente”, diz o arquiteto e diretor do instituto de design Mosproekt-2, Pável Andrêiev. Alguns arquitetos sugerem a construção de Moscou-2 de forma simétrica. Astana, a nova e exuberante capital do Cazaquistão, foi construída assim: vias partindo de um centro que se ramificam e culminam em áreas administrativas e residenciais. Na atual região de Moscou, o objetivo principal é criar redes de transporte a fim de evitar que a nova área se torne um problema para as já sobrecarregadas vias locais. Com a realização do projeto, os preços dos imóveis na nova área devem aumentar em 20% a 30%, já que muitos preferem viver perto do trabalho.


Política e Sociedade

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notas

Empreendedorismo Novos projetos na internet permitem que elas tenham liberdade para trabalhar e criar os filhos

Mulheres dominam “startups” elena novikova gazeta russa

Tatiana Smolova, 30 anos, nunca planejou abrir o próprio negócio. Graduada em letras, ela trabalhou alguns anos como assistente em uma pequena empresa privada. Mais tarde, conseguiu um salário melhor em outra companhia, mas após um mês descobriu que estava grávida. Depois disso, nunca mais encontrou trabalho. Voltar para o emprego antigo não era opção. Onde trabalhar e continuar cuidando do filho? Então, teve a ideia de abrir um negócio na internet. Meses atrás, Tatiana inaugurou uma loja on-line de roupas para gestantes. Ainda não tem lucros fabulosos, mas a loja gera uma boa renda , que permite a ela dedicar mais tempo ao filho pequeno. Nos últimos três anos, apareceram na internet russa dezenas de companhias “startup” - empresas de tecnologia que saíram do papel há menos de um ano - iniciadas por mulheres. A maioria delas opta claramente por marcas femininas: lojas on-line para mães que estão amamentando, vendas de roupas, calçados infantis, fraldas e brinquedos, centros de contratação de babás, entre outras iniciativas.

Investimento baixo

Montar o próprio negócio online não sai tão caro como abrir uma loja física, e a principal vantagem para muitas mulheres - especialmente para jovens mães -, está na ausência de uma programação rígida: o trabalho pode ser feito em casa, a qualquer momento. Aliona Popova, 29 anos, é jornalista. Depois de terminar a universidade, foi contratada por um dos maiores canais de televisão do país, que resol-

veu abandonar em troca do negócio próprio na internet. Agora, Popova tem 12 novos projetos. O mais famoso, Start-up Women, existe há três meses e é uma escola online para mulheres empreendedoras, onde elas podem receber todas as informações necessárias e ajuda - inclusive financeira - para abrir o próprio negócio.

Donas do próprio nariz

Segundo Popova, a ideia do projeto surgiu durante a crise de 2008, quando a maioria de suas conhecidas ficou sem emprego. “As companhias logo começaram a demitir as pessoas que desempenhavam funções duplicadas, especialmente o pessoal de relações públicas e marketing. Na Rússia, 70% dos empregados nesses segmento são mulheres, por isso várias amigas minhas

arquivo pessoal

Iniciativas seriam resposta às demissões massivas que atingiram sobretudo as mulheres após a crise econômica de 2008.

Aliona Popova (esq.) reúne-se com participantes de sua escola feminina Start-up Women

foram demitidas”, conta. De acordo com a empresária, encontrar um emprego é mais difícil para mulheres do que para os homens, especialmente para as que tem filhos e os cria sem ajuda do marido. No entanto, as próprias mulheres ainda têm certo preconceito com os empreendimentos femininos. Aliona Vladimirskaia, 38, dona de um dos maiores sucessos do setor na internet russa, a agência de empregos Pruffi, afirma que ainda são raras as mulheres que fazem um trabalho sério e independente. “Como nos velhos tempos existiam grupos de interesse e mulheres se encontravam para costurarem ou lerem juntas, hoje se tornou moda marcar reuniões para discutir sobre como nós abriremos nossa ‘lojinha de chocolates’”, ironiza Vladimirskaia.

Iguais, mas só na superfície A lei garante que homens e mulheres são iguais, mas há funções que elas não podem exercer, como conduzir os trens do metrô. marina darmaros gazeta russa

Desde os tempos da URSS o número de mulheres com ensino superior na Rússia ultrapassa o de homens. Sua remuneração e posição no mercado de trabalho, entretanto, ficam bem abaixo das do sexo oposto, segundo o relatório de pesquisas de gênero do serviço federal de estatísticas Rosstat de 2010. De acordo com o documento, em 1989 as mulheres com formação superior completa no país, incluindo pós-graduação, eram 6,73 milhões, contra 6 milhões de homens. Em 2002, as diferenças se acentuaram ainda mais: no ano havia mais de 2 milhões de mulheres diplomadas do que

homens na mesma situação. “É um círculo vicioso: sem completar o colégio, os homens recebem salários mais altos que os das mulheres que têm formação superior e por isso eles não têm estímulo para estudar. Enquanto isso, as mulheres, que já entenderam estar em desvantagem, correm para se especializar cada vez mais”, explica Zoia Khotkina, especialista em estudos relacionados à colocação profissional feminina do Centro de Pesquisas de Gênero de Moscou. Segundo ela, as russas recebem em média um salário equivalente a 40% da remuneração masculina.

Tendência ocidentalizada

Para a socióloga brasileira Marília Moschkovich, pesquisadora de questões de gênero na educação pela Unicamp (Universidade de Campinas), as disparidades são uma tendência generalizada em paí-

ses ocidentais como Brasil, Estados Unidos, França e Alemanha. “Como diz o sociólogo francês Christian Baudelot, é como se a escola tivesse criado um ambiente de

Elas têm nível de escolarização mais alto, mas amargam salários e posições mais baixas oportunidades mais igualitárias - então as mulheres conseguem ir bem na escola e obter sucesso lá -, mas a sociedade não tivesse apoiado essa igualdade fora da academia”, explica. “São dois eventos concomitantes: a concentração horizontal das mulheres em áreas de especialização superior, porém, menos prestigiosas e remuneradas, e a vertical, em que, dentro de cada área,

quando se tem cargos mais altos e mais baixos, as mulheres costumam ocupar os últimos, mesmo se tiverem escolarização superior à dos homens”, completa. Com a crise econômica mundial, o tratamento desigual dado às mulheres no mercado de trabalho russo ficou ainda mais evidente. Se em 2008 o número de mulheres em cargos de comando era de 416,8 mil (39,2%), contra 645,64 mil homens (60,8%), em 2009, apenas 33,7% dessas posições eram ocupadas por mulheres, enquanto o sexo oposto ficava com os 66,3% restantes, de acordo com dados do Rosstat. No mesmo período, a porcentagem de prof issionais independentes da parcela feminina da população economicamente ativa foi de 93,7% a 94,1%, enquanto o correspondente masculino manteve-se - de 92,2% a

92,1%. A variação pode ser um indício de como as mulheres tiveram que se virar depois da crise. Na Rússia, a igualdade entre homens e mulheres é garantida pela Constituição. O artigo 253 do Código de Leis do Trabalho do país, entretanto, inclui um rol de cerca de 600 “trabalhos aos quais se proíbe o uso de mão-de-obra feminina”. “Isso dá possibilidade de restrições a posições que não oferecem nenhum perigo. Como resultado, as mulheres não podem ser maquinistas do metrô, mas faxineiras, sim”, explica Khotkina. Em 2009, a estudante Anna Klevets, então com 22 anos, abriu um processo em São Petersburgo contra a proibição de mulheres no cargo de maquinista do metrô , depois de ser rejeitada no ano anterior pela companhia estatal. Ela perdeu a ação.

entrevista Oleg Káshin

veronika dorman gazeta russa

Para o chefe do comitê ministerial de direitos humanos da

“O número de pessoas mortas na Rússia é, em geral, 40 vezes maior que na Europa” Sou um tanto cético. Pessoalmente não falaria em melhoria. Por exemplo a floresta Khímki, cuja defesa tornouse motivo para ataques a jornalistas. A violência continua, inclusive contra os ambientalistas. As pessoas não estão respirando mais aliviadas. Como você vive e trabalha desde o ataque? Minha vida mudou. E, às vezes, as pessoas se recusam

a me dar entrevistas porque pensam: “Ele foi espancado, deve ser porque escreveu alguma coisa que não devia; vai acontecer a mesma coisa comigo.” E o medo? Esse ataque é apenas um em um longo histórico de provocações e ameaças. Ficar pensando sobre isso o tempo todo seria insuportável. Você vai deixar de escrever sobre algum assunto? Não, e acho que agora estou mais afiado e tenho uma posição mais dura em relação aos inimigos do que é certo. Você acha que se tornou um símbolo? Esse era um risco, mas felizmente consegui evitá-lo e trabalho normalmente. Meu último texto, as memórias imaginárias de Konstantin Ernst [um olhar satírico sobre o diretor da TV estatal Canal 1] é mais importante para mim que os acontecimentos de novembro, porque está gerando

debat e sobre temas atua is. A lém disso, tem o julgamento de Vassíli Iakemenko [criador do movimento juvenil governista Nashi], continuação de um processo de dez anos. Agora ele me acusa de comprometer sua honra, porque eu disse acreditar que ele esteja envolvido na agressão.

Káshin: “As pessoas não estão respirando mais aliviadas”

biografia

Káshin, de marinheiro a jornalista Oleg Káshin nasceu em junho de 1980, na cidade de Kaliningrado, quase 1,3 mil quilômetros a oeste de Moscou. Formado em Navegação Marítima, passou a exercer a função de jornalista em 2001, como correspondente especial do jornal “Komsomólskaia Pravda” em Kaliningrado. Trabalhou em grandes jornais do país, mas se

Vassíli Krilov

Cerveja é álcool também na Rússia e terá venda limitada O presidente russo Dmítri Medvedev assinou uma lei que qualifica a cerveja como bebida alcoólica. Até então, toda bebida que contivesse menos de 10% de álcool era considerada “produto alimentício” no país, e a venda de cerveja não era limitada a maiores de idade ou aos horários aplicados a outras bebidas. “Nos últimos 15 anos, o consumo de cerveja na Rússia quadruplicou” , afirma o presidente do Sindicato de Produtores de Bebidas Alcóolicas, Dmítri Dobrov. O valor de uma garrafa no país para o consumidor final é de cerca de R$1,50, o que colabora significativamente para o alto consumo. Com a nova medida a venda de cerveja deve ser banida de quiosques e lojas no período noturno.

Seguindo outras sedes, Rússia ganha marca “Team”

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Qual é a atual situação dos jornalistas na Rússia? Nunca acreditei que exista um problema específico para o jornalismo. A Rússia é um país perigoso para todos. O número de pessoas mortas aqui é, em geral, 40 vezes maior que na Europa. Por isso, as mortes de jornalistas aqui são 40 vezes mais frequentes que em outros lugares. O jornal “Káshin”, criado em homenagem a mim no período em que estive hospitalizado, fez uma lista dos jornalistas assassinados. Eu fiquei com vergonha da tal lista, porque ela incluía pessoas que obviamente tinham morrido por outras razões que não o trabalho.

Rússia, Mikhail Fedotov, a situação, em geral, melhorou nos últimos três anos. Ele também declarou: “O caso Káshin está praticamente resolvido.” Quase resolvido é o mesmo que estar quase grávida: não existe. Meses se passaram e duvido seriamente que a verdade venha à tona.

A cidade de Tomsk, na Rússia central, recebe neste mês microcirurgiões brasileiros para o simpósio russo-brasileiro “Microcirurgia de Nervos Periféricos e Cirurgia da Mão”. O evento, que será realizado de 31 de agosto a 4 de setembro, terá transmissão ao vivo da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Entre os médicos convidados estão Jaime Augusto Bertelli (professor de neurocirurgia da Unisul) e Cristiano Tacca (especialista do departamento de ortopedia do Hospital Governador Celso Ramos - SC). “O simpósio proporciona uma oportunidade única para a troca de conhecimentos entre especialistas da Rússia e do Brasil sobre a cirurgia moderna em geral”, disse um dos cirurgiões do Instituto de Microcirurgia de Tomsk. Os brasileiros chegaram à cidade, localizada a mais de 3,5 mil quilômetros de Moscou, no dia 10 de agosto.

Vladímir Ruvínski

Superação, coragem e ceticismo Quase nove meses após ter sido espancado por defender a floresta de Khímki, jornalista não vê melhora quanto à violência e não quer se tornar um símbolo.

Médicos da Rússia e do Brasil trocam experiências

tornou conhecido mundo afora quando foi espancado, em 6 de novembro do ano passado. Naquela noite, dois homens não identificados – um deles carregando um buquê de flores que continha um bastão de ferro dentro – o atacaram perto de sua casa em Moscou. Quebraram suas pernas, os maxilares e os dedos das

mãos. O jornalista teve uma concussão cerebral e traumatismo craniano. Essa não foi a primeira agressão física sofrida por Káshin relacionada ao jornalismo, mas foi a mais cruel e pode ter sido um recado de ultranacionalistas. Os criminosos não foram encontrados até hoje. Marina Darmaros

O Comitê Olímpico Russo criou uma nova marca esportiva, a Team Russia. O símbolo, que pretende unir atletas e torcedores no país, já é uma estratégia conhecida em outros países, como os Estados Unidos, com seu US Team, a Itália, com o Ital Team e a Grã-Bretanha com o GB Team. Até então, seu desenvolvimento já custou o equivalente a R$ 270 mil e calcula-se que os custos com publicidade cheguem a até R$ 8 milhões. A expectativa dos organizadores é que os gastos sejam recuperados em breve e gerem receita para o orçamento público de esportes russo. Anton Makhrov

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Economia e Mercado

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Mercado financeiro RTS resiste a ofertas estrangeiras e vende controle de suas ações para a Moscow Interbank Currency Exchange

Bolsas russas se fundem Depois de a alemã Deutsche Börse mostrar interesse de fusão, RTS dá preferência à Micex (Moscow Interbank Currency Exchange). Nikita Dulnev Anton Makhrov gazeta russa

A fusão entre as bolsas de valores RTS (Russian Trading System) e Micex (Moscow Interbank Currency Exchange) une sob a mesma empresa os dois mercados de ações do país. A operação foi concretizada depois da negativa por parte da RTS às intenções de fusão com a bolsa alemã Deutsche Börse. Os alemães então voltaram-se para a NYSE Euronext - gigante que reúne a bolsa de Nova York e de diversos países eu-

ropeus -, onde é negociado u m t e rço das açõe s do mundo. E a RTS fechou o acordo com a Micex. Ambas as fusões criarão enormes volumes de negócios para os mercados de ações. No caso russo, as duas instituições até então eram complementares e de certa forma concorrentes. Elas viviam em uma espécie de guerra fria: não entravam no mesmo espaço financeiro e usavam instrumentos diferentes, mas lutavam por clientes da mesma área. A RTS foi originalmente projetada para os players estrangeiros, que fazem aplicações em dólares. Para o mercado russo, a RTS sempre foi um indicador da relação entre a economia inter na e os i nvestidores

e s trangeiros. Como ela negociava ações de um nicho específico da empresa, os volumes de negociações ali sempre foram infer iores aos da Micex, onde os principais investidores eram russos. Em 2010, a RTS negociou 1,5 trilhão de dólares, e o Micex, 2,1 trilhões. Investidores estrangeiros, de acordo com especialistas de mercado, não estão interessados em títulos de terceiro escalão e títulos de dívida. Assim, a RTS tem uma menor variedade de valores em circulação.

Por isso a RTS é uma empresa extremamente conservadora: ações lucrativas, leis rígidas, transparência máxima, risco mínimo. A Micex, na busca por uma base mais ampla de clien-

tes, desenvolveu uma tática muito mais agressiva e dinâmica. Por isso ela constantemente traz novos produtos e ferramentas, abrindo mercado para títulos e derivativos. “A fusão

da RTS com a MICEX, que criará uma estrutura única, elevando os padrões de gestão corporativa e realizando um IPO de qualidade, vai contribuir para aumentar a capitalização da

Eliminadas por Stálin, bolsas só voltaram em 1989

Acionista russo é homem, jovem e usa mediador

A primeira Bolsa de Valores surgiu na Rússia em 1831. Até meados do século 19, a Bolsa de Valores de Moscou foi uma das organizações mais influentes do país. Naquele mesmo século o país já tinha cerca de 100 praças de comércio. Mas a própria ideia de bolsa de valores contrariava a ideologia comunista e, por isso, nos primeiros anos do poder soviético todo o setor foi suspenso. No entanto, nos início dos anos 20, o governo enten-

O perfil do investidor russo é, na esmagadora maioria, composto por homens (cerca de 90%) na faixa etária de 20 a 40 anos. A geração mais velha é mais cautelosa no mercado de ações desde os anos 90, quando as “pirâmides financeiras” invadiram o país e levaram à falência muitos pequenos investidores. Por esse motivo, o investidor clássico russo em mercado de ações geralmente não aplica diretamente. Na maioria das

deu que sua existência era imprescindível. Durante dez anos, afloraram de novo quase cem praças de comércio - todas estatais ou cooperativadas, negociando exclusivamente commodities. Com a ascensão de Josef Stálin ao poder, porém, a União Soviética mais uma vez abriu mão das bolsas, já que a economia entrou no modelo de planejamento pré-definido de venda e de consumo. Até o colapso do sistema soviético

no país, a Rússia não contava com nenhuma bolsa. Apenas em 1989 surgiu a “Alissa”, criada pelo milionário German Sterligov para comercializar exclusivamente ouro. Pouco tempo depois, nasceram a Micex, e, logo depois, a RTS. Hoje a Rússia tem 11 mercados apenas de comércio de câmbio, a maioria em Moscou e em São Petersburgo. Além disso, as bolsas de commodities são em número consideravelmente maior: cerca de 300.

vezes, ele confia seu dinheiro a um intermediário para gerenciá-lo - empresas de investimento, fundos ou casas de corretagem. Esse mediador é quem decide onde e quanto dinheiro investir, quando deixar os ativos, e assim por diante. O russo médio não compra na bolsa ações escolhidas de sua própria empresa, para depois receber os dividendos, certo de que a empresa de investimento pode fazer rendimen-

tos muito melhores com seu capital. No todo, o envolvimento da sociedade nos mercados de ações no país é significativamente menor do que costuma ser na Europa e nos Estados Unidos. Mesmo assim, existem exceções. Um dos exemplos mais brilhantes e conhecidos é o de Aleksêi Naválni, advogado que é acionista minoritário de grandes estatais e luta pelo direito a informação financeira das companhias, defendido por lei.

organização e elevar a liquidez do mercado russo”, acredita Aleksêi Uliukaev, primeiro vice-presidente do Banco Central do país. Apesar das diferenças na maioria dos parâmetroschave, a fusão da RTS e da Micex é um fato e deve estar completa até o final desse ano, quando ocorrerá uma oferta pública inicial de ações da nova empresa, avaliada e m pe lo me no s US$ 1 bilhão. Apesar de a decisão ter sido anunciada, o formato da união e o futuro dos trabalhos da empresa unificadas não estão claros. Enquanto o governo acredita que a fusão poderá tornar Moscou um verdadeiro hub do mercado mundial de capitais, os críticos veem o movimento com certa desconfiança. Eles temem que, ao unificar o mercado, a nova bolsa fique livre para criar as reg ras e ta xas que bem entender.

Índices e capitais russos Os principais índices de ações na Rússia são dois: RTS-1 e Micex. Estrangeiros, em geral, fazem negócios com a RTS, uma vez que lá as transações são feitas em dólares. No entanto, é possível comprar ações das principais companhias russas em qualquer grande bolsa de valores do mundo. Eles negociam na forma conhecida como recibos de depósito, ADR (recibo de depósito americano) e GDR (recibo de depósito global) na Alemanha, na Grã-Bretanha, na França, nos Estados Unidos e em outros países.

Direitos autorais Partido não registrado busca ajuda política para derrubar a Sociedade dos Autores Russos e instituir concorrência na web

Liderança jovem luta para estabelecer licenças como a Creative Commons no país e incentivar pagamento voluntário por obras. Aleksandr VostroV

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Certa vez, o fundador do Google, Serguêi Brin, chamou a Rússia de “Nigéria com neve”, referindo-se a seu elevado nível de corrupção. No entanto, quando se trata de propriedade intelectual, os ocidentais a associam a outro país africano: a Somália. Diferentemente da região ao sul do Saara, porém, os piratas russos não tomam navios como reféns – mas, de acordo com os detentores dos direitos autorais de músicas, filmes e softwares baixados ilegalmente, o dano que causam é igualmente significativo. Acredita-se que a pirataria seja o motivo pelo qual muitos dos produtos de mídia produzidos no Ocidente não chegam ao país em suas versões licenciadas.

No entanto um grupo de jovens conhecidos como piratas - afinal, eles são membros do Partido Pirata da Rússia acha que os usuários devem pagar pelo conteúdo acessado, desde que tenham dinheiro para fazê-lo. “Eu e muitos dos meus amigos pagaríamos com prazer para acessar sites de filmes ou de programas via pay-perview ou por qualquer outro sistema, desde que fosse simples, conveniente, e por um preço razoável”, diz o líder da a g r e m i aç ão, St a n i s l av Schakirov. Enquanto isso não acontece, o número de usuários de sites com conteúdo ilegal está em constante crescimento. Para Schakirov, essa atitude é a raiz de todos os problemas. “Culturalmente, não estamos acostumados a pagar pelas coisas. Ao baixar um jogo por meio de um torrent do Ocidente, a descrição do produto virá acompanhada da seguinte frase: se você ficar satisfeito, faça uma contribuição para

o criador do produto. Os russos, porém, sequer pensariam nessa possibilidade. Afinal, por que pagar se você já obteve aquilo que desejava?”, explica. Os piratas russos não defendem a ausência total de conteúdo pago, mas sim a revisão do atual sistema de distribuição do dinheiro, de forma a satisfazer a todos. Segundo

“Sociedade de autores russos é uma máquina de lobistas que só passa 45% de lucros para artistas” eles, os usuários que desejam obter seus direitos autorais seriam protegidos e os autores ganhariam até mais do que recebem hoje. A Sociedade dos Autores Russos (SAR), contudo, estaria emperrando o processo. “A SAR é uma máquina gigante com lobistas no governo, que faz pressão por leis equivoca-

das, como a ideia de cobrar impostos sobre cada disco virgem importado”, afirma Schakirov. Além disso, segundo ele, os autores recebem apen a s 4 5% d o s v a l o r e s adquiridos. “A geração mais antiga de músicos e cineastas está acostumada a pensar em propinas, então está absolutamente satisfeita com o esquema proposto pela SAR. Jovens artistas, é claro, podem disponibilizar na rede um álbum como fez o Radiohead, ou seja, ‘baixe as músicas e pague o quanto puder’. Mas, mesmo assim, eles sairão perdendo”, diz o representante do Partido Pirata Internacional, Boris Túrovski.

Novas opções

Os piratas russos acreditam que há uma alternativa ao falho sistema atual: o estímulo à concorrência. “O mundo está mudando, os detentores de direitos autorais entendem que devem olhar para novos modelos de negócios, que não

kommersant

Partido pirata quer legalizar downloads

Presidente do Partido Pirata Pável Rassudov (esq.) e vice-presidente Stanislav Scharikov (dir.)

atrapalhem a vida dos usuários e garantam uma vida tranquila aos autores”, diz Schakirov. A Mosfilm, por exemplo, mais antigo estúdio da Rússia, abriu um canal licenciado no YouTube, obtendo lucro com publicidade. “Mas este exemplo positivo é anulado por centenas de ações movidas pela SAR por execuções supostamente ilegais de músicas em restaurantes”, conta o líder do partido. O apoio do Estado, então, seria crucial para a resolução do problema, em particular no

que diz respeito ao fim da perseguição criminal por violação de direitos autorais. “A que tipo de direitos autorais eles se referem?”, pergunta Túrovski. “As autoridades russas ignoram as licenças internacionais gratuitas.” Segundo o Partido Pirata Internacional, a Constituição russa deveria respeitar licenças como a Creative Commons e outras, além de ajudar em sua implantação. Caso isso não aconteça, um duplo padrão será estabelecido, garante ele. Só assim o monopólio da SAR

será abalado: outros modelos competitivos de negócio emergirão e os usuários vão finalmente entender o que eles devem pagar e a quem. O governo russo, contudo, está cético diante de tais iniciativas. Além disso, está claro que as autoridades não entendem o que esses jovens querem. Há pouco tempo, o Ministério da Justiça negou registro oficial ao Partido Pirata da Rússia. O motivo? O Artigo 227 do Código Criminal, que trata e especifica a responsabilidade de ataques contra navios ou barcos.

Rússia e Brasil: mais próximos do que parece continuação da página 1

O Ipea conseguiu articular uma rede de pesquisas com especialistas de outras instituições para viabilizar as publicações. Entre os estudos sobre países emergentes, as pesquisas sobre Rússia e China foram as que mais prosperaram na Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais. A expectativa do órgão é lançar um segundo livro sobre o país europeu, abordando as-

pectos como a modernização tecnológica, política industrial e desindustrialização. “Dessa forma, estaremos cobrindo praticamente todas as áreas de interesse”, aponta Pineli. “O governo brasileiro tem intensificado os contatos com a Rússia. Procura-se conhecer a forma de pensamento do povo e dos dirigentes russos, o funcionamento de sua sociedade e dos sistemas político e econômico para saber como melhor se relacionar com esse país”, afirma Ange-

lo Segrillo, coordenador do laboratório de estudos da Ásia no departamento de história da Universidade de São Paulo. Ele contribuiu para o livro do Ipea com um texto sobre os dois últimos presidentes russos, Vladímir Pútin, hoje primeiro-ministro, e Dmítri Medvedev. De acordo com Segrillo, os levantamentos do instituto oferecem uma “visão brasileira” sobre a Rússia e fornecem subsídios não apenas ao governo, mas também às empresas e

organizações do país. “O estudo da experiência econômica russa pode ser muito proveitoso para o Brasil, tanto em aspectos bem-sucedidos quanto no sentido de aproveitar lições das políticas malsucedidas”, afirma Segrillo. A avaliação é reforçada pelo coordenador do centro de estudos russos da Universidade de Brasília, Paulo Afonso de Carvalho. “Como não estudar um país que, assim como o Brasil, é continental, apresenta um mercado interno dinâ-

mico, depende de exportações de produtos primários, passou por experiências neoliberais depois fracassadas e por um processo de aumento da participação do Estado?”

Modelo diferente

Contudo, o parecer não é unânime. “A economia russa é própria. O modelo deles é diferente de qualquer outro”, afirma o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil–Rússia, Antonio Carlos Rosset. “A forma como

Rússia superou problemas foi completamente diferente daquilo que o Brasil enfrentou. Não dá para o Brasil aprender com os russos. São realidades totalmente distintas”, completa. Mesmo no setor do petróleo o Brasil teria pouco a aprender. “As grandes jazidas na Rússia são controladas pelo governo, assim como no Brasil, mas a forma de explorar os poços e de administrar a extração é diferente. Além disso, lá a extração é feita no conti-

nente, em condições climáticas inóspitas. Já aqui, ocorre em alto mar.” Mesmo assim, defende Rosset, o Brasil deve apostar na aproximação comercial com o país europeu e na troca de tecnologias. “É importante conhecer para explorar o mercado russo, seja na exportação ou na importação.” De acordo com Rosset, o Brasil engatinha em tecnologias dominadas pelos russos, como nas áreas ferroviária e de semicondutores.


Economia e Mercado

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NOTAS

PERFIL KIRILL DMÍTRIEV

Sodrujestvo adquire 100% das ações da Líder Armazéns

PRESIDENTE DO FIDR (FUNDO DE INVESTIMENTO DIRETO DA RÚSSIA)

“Objetivo é dar retorno a investidores” BEN ARIS

GAZETA RUSSA

O presidente russo Dmítri Medvedev lançou uma campanha para melhorar o clima de investimento na Rússia. O governo irá aplicar US$ 10 bilhões em dinheiro público no FIDR (Fundo de Investimento Direto da Rússia), que será responsável por atrair os principais fundos mundiais para coinvestimento em grandes projetos no país. A intenção é que ele aumente significativamente a participação de capital privado, reduzindo a percepção de risco em fazer negócios na Rússia. A nomeação de Kirill Dmítriev para a gestão do fundo é uma prova da natureza comercial do projeto. “Não sou político, sou gestor de fundos, e o objetivo primordial do FIDR é obter retorno para os investidores”, disse Dmítriev à Gazeta Russa, sentado em um café na Praça Vermelha. Um dos principais nomes da nova geração de empresários da Rússia, Dmítriev começou

como gestor no Delta Private Equity Partners, fundo de investimento que recebe dinheiro do governo norte-americano e financia o desenvolvimento de negócios independentes na Rússia com o intuito de promover o capitalismo no país. Depois disso, criou o bem sucedido Icon Private Equity, fundo de US$ 1 bilhão que investia em projetos dos membros da CEI (Comunidade dos Estados Independentes). Paralelamente, fundou a Associação Russa para Capitalistas de Risco e aconselhou o governo a criar a Compa-

lítica. Os objetivos do governo, quando atingidos por meio desses investimentos, serão um produto secundário”. Dmítriev está atualmente contratando profissionais de mercado, em sua maioria russos, e os primeiros US$ 2 bilhões serão liberados pelo governo em setembro. “O primeiro investimento é esperado até o fim deste ano”, calcula. Depois disso, a agência de dívida pública e o banco para desenvolvimento Vnescheconombank (VEB) irão liberar outros US$ 2 bilhões anualmente ao longo dos próximos

FIDR quer atrair os principais fundos mundiais e desfazer imagem do país de lugar de risco

“As pessoas, até certo ponto, perderam a noção do que o país tem a oferecer”

nhia de Especulação da Rússia, fundo para alavancar o setor de capital de risco do país que conta com apoio financeiro do governo russo promovido pelo primeiro-ministro Vladímir Pútin. “O financiamento estatal será limitado a não mais que 50% de cada projeto. Não vejo o FIDR como uma iniciativa po-

quatro anos. A esperança do Kremlin é que o fundo também atraia US$ 90 bilhões de investidores privados. “A Rússia é um destino de investimentos bastante atrativo e as pessoas, até certo ponto, perderam a noção do que o país tem a oferecer”, afirma Dmítriev. “É a sexta maior economia do mundo – mesmo

Kirill Dmítriev foi gestor do Delta Private Equity Partners, fundo que tem apoio financeiro do governo dos EUA

BEN ARIS

Kirill Dmítriev garante que a prioridade é investir em negócios rentáveis, e não fazer política com os recursos de US$ 10 bilhões.

os russos se esquecem desse fato –, e o número de pessoas que ganham mais de US$ 10 mil por ano triplicou nos últimos seis anos. Não estou dizendo que tudo é uma maravilha, mas o aumento da renda tem levado a uma incrível quantidade de mudanças em um período extremamente curto”, completa. A estrutura do FIDR foi projetada para reduzir os temores dos investidores estrangeiros e estimular aplicações financeiras no mercado russo, com o Estado limitado a uma participação minoritária. Um comitê de investimento poderá aprovar acordos de até US$ 250 milhões e contará com investidores profissionais do mundo todo. O conselho supervisor vai determinar as estratégias e aprovar acordos de até US$ 500 milhões. Funcionários do governo também vão integrar esse conselho, mas a maioria dos participantes será com-

NÚMEROS

10 bilhões

6º lugar

40 bilhões

de dólares é o valor do recém-criado fundo de investimentos. A instituição pode oferecer mais segurança a empresários estrangeiros ao coinvestir nos projetos e partilhar riscos.

é a classificação da Rússia entre as maiores economias do mundo. Nos últimos seis anos, triplicaram as pessoas que ganham mais de US$ 10 mil/ano. Classe média é a mais rica dos Brics.

de dólares entraram no país em investimento estrangeiro direto em 2010, segundo maior volume entre emergentes. Só a venda dos laticínios Wimm-BillDann gerou US$ 3,8 bilhões.

posta de profissionais e invest id o r e s i n s t it u c io n a i s internacionais. O nível final de supervisão será um comitê consultivo internacional composto por representantes dos principais fundos globais, que se reunirão uma vez por ano. “Haverá alguns investimentos óbvios, já que o principal objetivo do fundo é produzir

retornos, mas também queremos aproveitar a experiência dos nossos parceiros”, diz Dmítriev. Entre os investidores internacionais que já manifestaram interesse em participar do fundo estão Goldman Sachs, Blackstone, Corporações de Investimento de Abu Dhabi, do Kuwait e da China, Permira e Caisses des Depots.

De acordo com comunicado do Grupo Sodrujetsvo, a companhia russa adquiriu 100% das ações da brasileira Líder Armazéns Gerais S.A., que trabalha com o armazenamento e o transporte de grãos e possui 15 depósitos de cereais em zonas agrícolas do Brasil, alugados para grandes companhias agroindustriais. A área de atuação do grupo russo concentra-se no processamento de soja e canola, na fabricação de farinha de peixe e mistura de proteínas animais, na importação de glúten de milho e lisina e na distribuição de produtos. InterFax

Novidades marcam a edição 2011 do MAKS Entre 16 e 21 de agosto realizou-se o Maks, maior salão aeroespacial do mundo, na cidade de Jukóvski, próxima a Moscou. Neste ano, a principal novidade do evento foi o lançamento da quinta geração do avião de combat e T- 50 ( F GFA), d a Sukhôi. As maiores companhias de aviação civil participaram da última edição do evento, com o Airbus-380 e o Boeing787 Dreamliner, bem como com veículos de transporte militar das forças aéreas dos E s t a d o s Un id o s e d a Rússia. O MAKS 2011 tem ainda novidades relativas à indústria russa de helicópteros, com os leves Mi-34S1, Ka-226T e ao Mi-38. Aleksandr Korolkov

Salões de beleza Setor não para de crescer na capital russa, mas investimentos são altos e retorno é lento

Mercado da vaidade gera lucros em Moscou Alta competição e investimentos astronômicos são compensados pelo alto gasto dos moscovitas todos os meses: R$ 800.

NÚMEROS

6 mil.

EKATERINA FROLOVA

ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

Mercado de luxo

“As pessoas não estão mais satisfeitas com apenas boa técnica e cosméticos da moda. Agora o proprietário precisa investir nos melhores decoradores, e os spas inaugurados na capital nos últimos anos lembram mais palácios orientais, ornamentados com ouro e mármore”, diz Iana Koma-

é o número atual de salões de beleza em Moscou, segundo a ferramenta de buscas russa Yandex.ru

2% a 5% Mais em: www.gazetarussa.com.br

Um dos filões explorados é o de espaços de beleza ao lado ou anexos a academias

O aluguel de um salão de beleza no centro de Moscou pode chegar a US$ 10,5 mil por mês rova, sócia de uma rede de salões de beleza de luxo em Moscou. Em julho do ano passado, ela decidiu expandir seus negócios para mais dois pontos comerciais, exclusivamente no centro da cidade. “Se você tem salões de luxo, simplesmente não faz sentido procurar instalações fora do centro: seus

Brasileiros deixam cada vez mais dinheiro nos salões O mercado de beleza e cosméticos no Brasil é expressivo e, atualmente, só fica atrás do Japão e dos EUA. A maior preocupação da brasileira é o cabelo. Com a economia em crescimento, artigos e tratamentos para os fios deixaram de ser itens supérfluos e entraram no orçamento mensal das famílias no país. Estudo recen-

PHOTOXPRESS

Segundo a mais famosa ferramenta de buscas da Rússia, o site Yandex.ru, Moscou tem hoje mais de 6 mil salões de beleza. Se a cifra é mais ou menos constante, a rotatividade do mercado é grande: na cidade, todos os meses até dez novos salões de beleza são abertos e aproximadamente o mesmo número fecha. Segundo estimativas do jornal Moskóvski Komsomolets, antes da crise de 2008 os moradores da capital russa gastavam em média até R$ 800 por mês em salões de beleza. Os norte-americanos, segundo o relatório anual de 2008 da organização americana de direitos humanos YWCA, gastam na sua aparência uma média mensal cinco vezes menor, de R$ 160.

te divulgado pela Fecomercio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) aponta que os salões de cabeleireiros movimentaram R$ 1 bilhão por mês em 2008. Os gastos mensais feitos com profissionais da beleza cresceram 44% entre 2002 e 2008. Nessa lista, entram o corte de cabelo, tintura,

É o retorno médio do investimento em um spa de luxo após cinco anos - dependendo também de fatores como localização. O baixo retorno torna o investimento pouco atraente para leigos.

clientes não irão até lá”, explica. O custo deste capricho gira em torno de US$ 10,5 mil mensais por 140 metros quadrados. Komarova também convidou um designer moscovita, investiu em equipamentos europeus e cosméticos tops de linha. “Cada salão nos custou 16 milhões de rublos [R$ 900 mil]”. E o valor não inclui a publicidade necessária - em revistas, outdoors, festas, permutas etc. Dos dois pontos abertos por Iana há um ano, apenas um atingiu o ponto de autossuficiência: o salão arrecada US$

1,5 mil por dia, suficientes apenas para pagar o aluguel, os salários dos funcionários e compra de cosméticos. Para pagar os investimentos e começar a lucrar com o negócio, segundo os cálculos de Iana Komarova, são necessários pelo menos mais dois anos. Mas ganhar dinheiro na indústria da beleza e mesmo assim não estar na vanguarda de um mercado movimentado é possível – para quem abrir um salão de beleza próximo a academias de grande porte. Geralmente, os spas são

abertos pelos próprios donos das academias, ou em espaços alugados por eles. Formalmente, esses salões de beleza são regidos por leis de mercado e não abusam do sucesso do negócio vizinho para cobrir suas próprias despesas. O que eles têm como enorme vantagem sobre os concorrentes é o fluxo garantido de clientes. “Ficar sem trabalhar em um salão de beleza próximo a uma academia é simplesmente impossível porque, assim que você abre, os clientes surgem instantaneamente de dentro da academia”, diz a diretora

lavagem, escova e serviços de manicure e pedicure – os dois últimos, considerados absolutamente necessários pelas brasileiras. “O que surpreende nos dados é que, com o crescimento econômico, o aumento de renda não gerou apenas gastos com itens essenciais”, diz Altamiro Carvalho, economista da Fecomercio. “O gasto mensal com estética é equivalente, por exemplo, ao que as famílias gastam comprando frango,”, compara o economista.

As famílias de classe B são as que mais gastam, R$ 281 milhões por mês. As classes D e C aparecem em seguida, e gastam, respectivamente, R$ 236 e R$ 208 milhões mensais. As classes A e E ficam por último, com R$ 143,3 e R$ 138,3 milhões por mês. A classe A pode não figurar entre as que mais gastam com serviços de beleza, mas, certamente, é a que conta com mais mordomias e serviços variados. “Os salões de beleza dire-

cionados para a classe alta são sofisticadíssimos no Brasil”, garante Carvalho. Os espaços de luxo localizados em São Paulo oferecem cada vez mais serviços. No M.G. Hair, comandado por Marco Antonio di Biaggi – considerado o cabeleireiro das celebridades brasileiras – é possível agendar massagens, sessões de acupuntura, banhos especiais e até os serviços de um quiroprata. Localizado no Jardim Paulis-

De corpo e alma

de um desses espaços, Tatiana Savalova. “As pessoas tendem não só a deixar de lado os músculos, mas a passar por alguns tipos de procedimentos que deixem a pele ainda mais elástica e bela, para se tornarem ainda mais atraentes”, completa. O principal é não se confundir na interpretação das necessidades dos clientes. Oferecer nesses lugares serviços de stylling, cosmetologia ou tentar impressionar com tratamentos exóticos não faz sentido. A coisa mais importante é criar uma equipe para beleza do corpo: massagens, banhos, procedimentos de dren a g e m e a n t i c e lu l it e , juntamente com depilação e duchas. Estes são os serviços mais populares entre os visitantes de spas próximos a academias. “Quando cheguei a este salão de beleza, a primeira coisa que fiz foi baixar todos os preços em 20%. Meu segundo passo foi remover procedimentos desnecessários, tais como pedicure, que não tinham demanda, e comprar aparelhos modernos para o cuidado do corpo. Agora nós contamos com uma receita mensal de de US$ 110 mil no salão de 300 metros quadrados”, orgulha-se.

Seja bem-vindo

Para investidores casuais e entusiastas, o mundo da beleza

ta, bairro nobre da capital paulista, o endereço tem apenas quatro anos. Antes, o salão ficava no mesmo bairro, mas era cinco vezes menor. “Mudei porque precisava de mais espaço”, diz di Biaggi. “Contamos com três andares e dois mil metros quadrados agora.” A construção do novo prédio foi pensada nos mínimos detalhes para agradar as clientes mais exigentes: luz natural em todo o ambiente “para que as loiras tenham noção real

pode exigir muita paciência. “Investir ou não na indústria da beleza moscovita depende da taxa de rentabilidade, de retorno e da ambição de cada investidor. Quem tem recursos para aplicar em fundos, no mercado financeiro ou na abertura de spas constantemente considera os spas uma opção pior. Isso porque para recuperar os investimentos é preciso, pelo menos, quatro, cinco, ou até seis anos”, explica Vadim Juk, proprietário de uma grande construtora que decidiu investir em um centro de estética há um ano. “O retorno médio para um bom spa é em torno de 2% a 5%, mas esses valores, naturalmente, dependem da localização e da relação custo-benefício de seus serviços. Em outras palavras, para o investidor que procura ganhar dinheiro rápido, este mercado é de pouco i nt e r e s s e”, completa. Mas um dos principais ingredientes de um negócio bem sucedido no setor, segundo Juk, está em deixar a fantasia rolar. Serviços de beleza exclusivos para crianças e adolescentes, complicadas tranças africanas, bem como centros de estética para a parcela masculina da sociedade são algumas das novidades pós-soviéticas que fazem dos moscovitas os recordistas em gastos nos salões.

da cor” e móveis do designer Phillipe Starck. Nas prateleiras, produtos de marcas como Kérastase, além de boutiques com perfumes e acessórios. “Tudo escolhido a dedo para a nossa clientela”, diz ele. Por lá, um corte de cabelo com di Biaggi custa R$ 480. A hidratação pode valer até R$ 550. Pé e mão saem por R$ 100. Vânia Goy Especial para Gazeta Russa


Especial

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20º Aniversário do golpe Tentativa de tomada do poder por comunistas linha-dura colaborou para a queda da URSS e de seu presidente 24 de agosto de 1991: uma multidão ergue a bandeira russa no funeral de três mortos durante o golpe em Moscou

Mais em gazetarussa.com.br/12520 GETTY IMAGES/FOTOBANK

O agosto que mudou a Rússia ALEKSANDR EMELIÁNENKOV ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

Como tantos outros dias, naquela inesquecível manhã cinzenta e chuvosa, fui acordado por um telefonema. “Ligue o rádio”, disse, em tom agitado, um amigo do outro lado do telefone. “Golpe de Estado!”, completou. Corri para o aparelho. O locutor, com a voz inalterável, lia: “Guiado pelos interesses fundamentais dos povos da nossa pátria mãe, o governo declarou estado de emergência em algumas regiões da União Soviética por um pe-

ríodo de seis meses a partir das 4h, horário de Moscou, do d ia 19 de agosto de 1991.” Aumentei o volume. “Um Comitê Estatal para Situações de Emergência (GKChP) vai governar o país e administra r a situação com eficácia.” Naquela manhã de agosto, ouvi uma conversa enquanto estava a caminho do trabalho. “Não é ruim. Pelo menos haverá ordem...” Eles tinham 30 e poucos anos, assim como eu. Eram filhos do degelo de Khruschov que tinham vivido no máximo a perestroika de Gorbatchov e, no entanto, já desejavam uma mão fi rme. A redação da editora Pravda – pela qual minha revista,

“Sobesednik”, era publicada – recebeu uma intimação do Comitê Estatal de Emergência para suspender “até segunda ordem” a impressão de todos os jornais e revistas, exceto o “Pravda”, a “Krásnaia Zvezdá” (ou “Estrela Vermelha”, órgão das Forças Armadas soviéticas) e outras sete publicações controladas pelo governo. Descarregamos nossa raiva convertendo os jornais em cartazes e folhetos. Enquanto isso, fi leiras de tanques, veículos blindados e caminhões com soldados circulavam pela capital. Até então, não havia informações confiáveis sobre o paradeiro do presidente da União Soviética. A última informação que se tinha era

de que ele estava em Foros, casa de veraneio dos governantes do país localizada na Crimeia. O vice, Guennádi Ianáiev anunciou que o estado de saúde de Mikhail Gorbatchov era delicado, mas o tom ner voso e pouco si ncero de sua declaração era claramente perceptível. Durante o golpe, o ministro da Defesa, Dmítri Iazov, não abandonou seu gabinete. Assim como o resto do país, o Exército se encontrava dividido e o marechal fazia o que podia para impedir que as Forças Armadas se envolvessem diretamente no impasse. Havia também as unidades especiais de combate controladas por Vladímir Kriu-

tchkov, chefe do KGB (Comitê de Segurança do Estado). Iázov sabia que essas unidades tinham recebido ordens para avançar sobre Moscou e tinha colocado em alerta todas as tropas que estavam na cidade. Nesses três dias tensos, ninguém conseguiu prever o desenrolar dos acontecimentos. Duas divisões do KGB que avançavam sobre Moscou foram detidas e tiveram que recuar. Mas Iéltsin e os seus seguidores permaneceram nos tanques, cercando o Parlamento. Os motoristas dos blindados faziam a guarda e abraçavam os cidadãos nas barricadas. Aleksandr Emeliánenkov foi vicediretor da “Sobesédnik”.

Quanto valem esses copeques? Salário de 548 rublos na URSS era equivalente a 72 centavos de dólar, mas ainda assim dava saúde, alimentação e descanso. Hoje, porém, russos têm mais posses. BEN ARIS

GAZETA RUSSA

dia, educação, serviços, assistência médica, creches, férias e casas de repouso. Embora nada disso fosse particularmente de boa qualidade, o acesso a tais benefícios era universal e gratuito. Com o salário mínimo padrão, era possível comprar 74 pacotes de pão de forma ou escolher entre: 6,2 kg de carne, 6,5 kg de linguiça, 13,5 litros

Dinâmica do Consumo ESTUDO DA ESCOLA SUPERIOR DE ECONOMIA

Nos meses seguintes à queda da União Soviética, os produtos ocidentais, antes proibidos pelo Partido Comunista, inundaram o país. Vendedores de rua abasteceram suas barracas com papel higiênico macio, jeans da Levi’s, sapatos de qualidade e cigarros de marcas estrangeiras. Mas qual a vantagem dos produtos de qualidade se não há dinheiro para consumi-los? “Muitas pessoas anseiam pelo passado, época em que a vodca custava 3,62 rublos, a salsinha saía por 2,20 rublos, e o pão, apenas 13 copeques. Hoje, não se compra nada com um rublo”, diz Margarita Vodiánova em uma reportagem do jornal Óbschaia Gazeta. O salário mínimo de um russo

logo após a queda da União Soviética, em 1991, era de 548 rublos por mês – o equivalente a 72 centavos de dólar americano, considerando a taxa de câmbio – de acordo com Evguêni Gavrilenkov, economista-chefe do banco de invesimento Troika Dialog. Mas isso ainda era suficiente para ter uma vida decente, já que o Estado fornecia mora-

de óleo vegetal, 163 litros de leite, 6 kg de queijo, 160 ovos, 28 kg de açúcar ou 3,5 litros de vodca. Um estudo recente da Escola Superior de Economia em parceira com a revista Ekspert sobre as mudanças do padrão de vida dos russos entre 1990 e 2009 constatou que a renda per capita aumentou em 45%. Enquanto isso, o volume de consumo per capita mais do que dobrou, de acordo com os índices de consumo baseados no PIB. Medindo a qualidade de vida em posses, os russos estão vivendo muito melhor hoje em dia que há 20 anos. Em 2008, um consumidor podia comprar 70% mais bens duráveis, 25% mais comida, e duas a três vezes mais cigarros, vodca, carros e roupas, do que na era soviética. Ao mesmo tempo, porém, as despesas familiares com educação e cuidados médicos aumentaram substancialmente. A pesquisa aponta que, segundo a OMS (Organização Mun-

dial de Saúde), as despesas com planos privados representam, hoje, 40% dos gastos totais dos russos na área da saúde – um nível bem acima da méd ia na Un ião Europeia. A média de espaço vital cresceu cerca de 40% ao longo das últimas duas décadas, atingindo o nível atual de 22 metros quadrados per capita embora ainda se esteja bem atrás de países como a Finlândia, onde esse índice em 2009 correspondia a 39 metros quadrados per capita. O aumento de 45% da renda é baixo para um período de 20 anos, especialmente porque as receitas caíram durante a maior parte dos anos 90 e só começaram a crescer após a crise financeira de 1998. E, embora a maioria das pessoas goze de rendas mais altas hoje que há 20 anos, a pesquisa mostrou que um em cada cinco russos vive atualmente abaixo de linha da pobreza, em condições piores do que na época dos comunistas.

Uma época de medo e expectativas Diferentes gerações de russos relembram os acontecimentos turbulentos de agosto de 1991 com uma misturam de incerteza e de esperança. VLADÍMIR RUVINSKI, ANASTASSIA GORÓKHOVA GAZETA RUSSA

Há 20 anos, um grupo da linha dura do Partido Comunista da União Soviética tentou derrubar o presidente soviético Mikhail Gorbatchov e, assim, interromper seu programa de reformas econômicas e políticas. Mas a tentativa de golpe fracassou, e os moscovitas se reuniram a Boris Iéltsin, presidente da República Russa, que liderava as massas de

cima de um tanque de guerra em frente à Casa Branca, a sede do governo russo. Assim como muitas crianças russas, o estilista lliá Poliveev, 26, presenciou em agosto de 1991 os momentos dramáticos do fracassado golpe contra Gorbatchov na expressão de choque de sua mãe, enquanto a família assistia aos noticiários pela televisão e seu s pa is su ssu r rava m inquietamente. “Ainda consigo me lembrar de muitas imagens dos noticiários: a sede do governo russo com marcas pretas das chamas e o olhar no rosto de Gorbatchov, que era basicamente o mesmo da minha mãe”, recorda Poliveev, que então vivia

na cidade de Magadan, no extremo norte da Rússia. Gorbatchov, que tinha ficado em prisão domiciliar na Crimeia, retornou a Moscou depois do fracasso do golpe, mas já estava fatalmente enfraquecido como líder, e a dissolução da União Soviética começou quase imediatamente. A promotora de shows Vera Grant, 26, lembra-se de estar colhendo batatas na casa de veraneio dos avós, perto de Moscou, enquanto os adultos ouviam o rádio. “A tensão era grande”, conta Grant. Apenas 8% dos russos veem os acontecimentos de agosto de 1991 como uma revolução democrática, de acordo com o Centro Levada. Ecoando os

sentimentos do primeiro-ministro Vladímir Pútin, 36% dos russos consideram a queda da URSS uma tragédia, e 43% acreditam que o golpe foi nada mais que uma disputa de poder entre burocratas. “Foi uma ilusão de liberdade e de mudanças”, diz o diretor de arte Filip Botchkov, 25. Ele lembra de sua família engatinhando pelo apartamento, próximo à sede do governo em Moscou. Havia rumores na vizinhança de que atiradores se postavam nos telhados dos prédios escolhendo aleatoriamente suas vítimas. “Hoje ninguém luta por nada, mas todo mundo está sempre contra alguma coisa”, diz Grant.

A publicitária Natalia Moschkina, 34, levada pela mãe e pela avó às comemorações em frente à Casa Branca, lembra-se da alegria das multidões com o fracasso do golpe. “Havia um espírito de democracia, excitação e fomento social”, diz Moschkina. “Hoje, a maioria dos russos vê a década de 1990 sob uma perspectiva negativa, associando-a ao colapso econômico, ao caos, à degradação cultural, enquanto uma parcela minúscula das pessoas mais socialmente ativas falam sobre a recuperação das liberdades básicas da época”, explica Boris Dubin, chefe do Departamento de Estudos Sociais e Políticos do Centro Levada.

A LEMBRANÇA DOS POLÍTICOS

Onde você estava quando aconteceu o golpe? Vladímir Pútin 2011: PRIMEIRO-MINISTRO DA FEDERAÇÃO RUSSA 1991: DIRETOR DO COMITÊ PARA RELAÇÕES EXTERNAS DA PREFEITURA DE LENINGRADO (ATUAL CIDADE DE SÃO PETERSBURGO)

REUTERS/VOSTOCK PHOTO

Também conhecida como “Putsch de Moscou”, a tentativa de golpe durou três dias, durante os quais Gorbatchov foi deposto.

Eu estava de férias. E quando tudo começou, fiquei realmente chateado por estar sabe-se lá onde naquele momento tão importante. Mudei diversas vezes de carro e cheguei a Leningrado no dia 20. [Anátoli] Sobtchak e eu praticamente nos instalamos no prédio da prefeitura de Leningrado. Ha-

via muita gente lá. Era perigoso deixar o prédio, mas saímos. Chegamos até a entregar armas para algumas pessoas, embora eu mantivesse a minha em um cofre. As pessoas nos apoiavam em todos os lugares. Era claro que, se alguém quisesse reverter a situação, haveria muitas vítimas.

Aleksandr Livchits 2011: VICE-DIRETOR GERAL DA RUSAL (ALUMÍNIO DA RÚSSIA) 1991: PROFESSOR NO INSTITUTO DE MAQUINARIA DE MOSCOU

Eu estava em um retiro perto de Moscou. Depois de ouvir sobre o golpe, eu e um amigo pegamos uma garrafa de vodca, fomos para a floresta e bebemos em silêncio. Sentados no meio do mato, escutamos o ronco dos motores dos veícu-

los militares em direção a Moscou. Mais tarde, um homem nos irritou, gritando no dia 19 que nem a forca seria punição suficiente para nós. Dois dias depois, esse mesmo homem começou a nos intimar a enforcar os comunistas.

Boris Nemtsov 2011: PRESIDENTE DO PARTIDO DA LIBERDADE DO POVO, OPOSICIONISTA E NÃO REGISTRADO 1991: : DEPUTADO DO SOVIETE SUPREMO DA REPÚBLICA RUSSA

Na noite do dia 18 para 19 de agosto, vim para Moscou com minha esposa e dei entrada no Hotel Ucrânia. Logo pela manhã, ouvi falar sobre o golpe e corri para sede do governo. Lá encontrei [Boris] Iéltsin, que me mandou pegar uma arma.

Recebi um fuzil Kaláchnikov e uma máscara de gás, e me enviaram para as unidades militares dos distritos de Kantemírovski e Dzerjínski a fim de convencer os militares a não apoiarem o Comitê Estatal para Estado de Emergência.

Aleksandr Korjakov 2011: DEPUTADO DA DUMA FILIADO AO PARTIDO GOVERNISTA RÚSSIA UNIDA 1991: GENERAL DO SERVIÇO SECRETO (KGB) E CHEFE DO SERVIÇO DE SEGURANÇA DE BORIS IÉLTSIN

No dia 18 de agosto, eu estava no Cazaquistão com Iéltsin em uma reunião com [o presidente cazaque Nursulatan] Nazarbaiev. Voltamos para Moscou a uma da manhã e fomos para

Arkhanguelskoie. Pela manhã, um funcionário do Kremlin que estava de plantão nos contou sobre o golpe. Logo procurei Iéltsin. Depois disso, teve início um trabalho incessante.


Opinião

Gazeta Russa

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QUE MODELO SEGUIR? emergentes ainda não são desenvolvidos Ian Pryde

cientista político e historiador

N

a abertura do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, a ministra do Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Rússia, Elvira Nabiúllina, falou sobre a transferência da liderança global para os mercados emergentes, em virtude dos seus altos índices de crescimento e das economias debilitadas e com imensas dívidas dos países desenvolvidos do Ocidente. Muitos investidores ocidentais também concordam com essa lógica. Jim O’Neill, economista da Goldman Sachs que inventou a sigla BRIC em 2001, disse, por exemplo, que o termo “mercados emergentes” já está ultrapassado devido ao atual e potencial crescimento desses países e ao deslocamento do poder econômico do Ocidente para o Oriente. Nos últimos anos, e em especial desde a crise econômica e financeira mundial, “o resto”, portanto, não só afirmou seu desenvolvimento econômico, mas também a sua superioridade moral sobre “o Ocidente”. E, no entanto, apesar do êxito da China ao longo dos últimos 30 anos, esse país permanece longe de corresponder aos níveis ocidentais de desenvolvimento, padrão de vida e tecnologia. Não importa o quão rápido possam estar se desenvolvendo, os mercados emergentes permanecem décadas e até mesmo séculos atrás das nações mais avançadas. Por definição, não são desenvolvidos e continuam fracos no que diz respeito à democracia, ao estado de Direito e à governança corporativa, enquanto a corrupção e a degradação do meio ambiente imperam sobre seus territórios. Analisando a renda per capita, alguns continuam pobres ou extremamente pobres, e todos enfrent a m e nor me s de sa f ios de desenvolvimento. Portanto, embora certamente haja um forte investimento e estímulo aos negócios nos mercados emergentes, os padrões ocidentais não serão facilmente atingidos pelos Brics, pelos Próximos Onze, pelos CIVETS ou por qualquer outra sigla de estimação

dos banquei ros focados em investimentos. A Rússia é um desses casos. A arrogância e o analfabetismo econômico do país durante o período de expansão, entre os anos 2000 e 2008, levaram as autoridades a cometer grandes erros políticos pelos quais o país ainda padece. Quando os primeiros sinais da crise econômica global apareceram, Pútin cometeu exatamente o mesmo erro do ministro das Finanças da Alemanha Peer Steinbrück. Cheios de schadenfreude (palavra alemã usada para designar o sentimento

Com arrogância, Rússia se gabou de a crise ser um problema distante e perdeu tempo precioso com sua reação lenta de prazer pelo sofrimento alheio), ambos os políticos se gabaram de que a crise era um problema distante e meramente anglo-saxão que não afetaria seus países. Ambos não foram capazes de entender que a recessão norte-americana afetaria as exportações europeias, que, por sua vez, atingiriam os setores

de energia e de metal da Rússia, sem falar do setor financeiro mundial. Como resultado desse pensamento, a Rússia teve uma lenta reação à crise e perdeu um tempo valioso. Pútin e a Rússia agora reivindicam o crédito por evitar os tumultos de rua em países como Grécia e Espanha, mas a solução para o próprio país, assim como para a China, era puramente ocidental, isto é, o corte de despesas deficitárias. Muito antes da crise, a Rússia ignorou completamente as advertências sobre a sua economia de alto risco, continuou com seu capitalismo de Estado e não conseguiu governar em meio à crescente burocracia e corrupção. Moscou, portanto, perdeu sua melhor chance em décadas de diversificar a economia durante os anos de glória até 2008 e, agora, enfrenta um desafio de desenvolvimento e crescimento ainda maior em um cenário mais crítico e cheio de riscos. Medvedev agora recebe alguns elogios dos investidores por suas iniciativas de reforma, mas, na verdade, muitos dos seus esforços, como o avanço das privatizações ou a retirada de ministros governamentais dos conselhos das empresas estatais, apenas revertem políticas que jamais deveriam ter sido criadas. Quem está de fora geralmente acredita que o Estado russo é uma forte instituição, mas a verdade é que, na maioria das vezes, não consegue realizar grandes feitos. A resistência burocrática, a apatia e a mera incompetência minam diversas políticas governamentais e impedem o crescimento da nação. Ian Pryde é presidente do Eurasia Strategy and Communication.

rússia deve copiar o SUCESSO CHINÊS Deiter Wermuth

The Moscow Times

A

velha teoria perpetuada por economias desenvolvidas de que o livre comércio e o livre fluxo de capitais são sempre bons está cada vez mais sob ameaça. Os mercados geralmente produzem os resultados desejados, mas não o tempo todo. No caso da Rússia, tenho cada vez mais me perguntado se algumas restrições ao comércio e os controles de capital são, de fato, convenientes para a população e o país. Poderia a grande diferença das taxas de crescimento a médio prazo no PIB (produto interno bruto) da China e da Rússia ter alguma relação com o controle chinês sobre sua taxa cambial, bem como sobre os fluxos de capital no geral? A economia chinesa se expande a um índice de quase 10%, enquanto a Rússia se arrasta com uma taxa inferior a 5%. A história do sucesso chinês se deve principalmente aos resultados obtidos por meio de altos investimentos. Com investimentos sobre cerca de 45% do PIB, a taxa da China é pelo menos duas vezes maior que a da Rússia. Isso significa que o

estoque de capital se eleva com mais rapidez e que quase não há pontos de estrangulamento no sistema de produção. Este, por sua vez, mantém a inflação em baixa, permite políticas monetárias simples e o crescimento econômico aumenta. Com base nas tendências atuais de 9% de crescimento real, 4% de inflação e 5% de valorização anual da moeda chinesa em relação ao dólar, o PIB da China vai superar o dos Estados Unidos em apenas sete ou oito anos, quando já será 10 vezes maior do que o da Rússia.

Administração deveria adotar modelo chinês de taxa de câmbio desvalorizada em relação às moedas estrangeiras Em 2011, tanto os excedentes chineses quanto os russos representarão cerca de 5% do PIB. A diferença é que o Banco Popular da China realiza exportação de capital na forma de acúmulo de reservas em moeda estrangeira, principalmente em dólar, enquanto o Banco Central da Rússia se abs-

niyaz karim

tém de intervir em mercados cambiais. Suas reservas são mais ou menos constantes, por volta de 500 bilhões de dólares. A implicação disso é que o setor privado da Rússia vai ser um exportador líquido de capital de mais de US$ 70 bilhões neste ano. Devido ao estado precário do estoque de capital do país, não seria melhor manter uma parte do dinheiro em casa? Desse modo, a oferta de capital monetário aumenta e as taxas de juros reais caem. O estoque de capital e o PIB irão, assim, crescer a um ritmo mais rápido do que nos últimos anos. É evidentemente mais fácil restringir as entradas de capital que as saídas. A China mantém com êxito as entradas indesejadas de capital externo, enquanto a Rússia enfrenta o problema oposto: deve trabalhar para atrair investimento estrangeiro e, paralelamente, agir contra a fuga de capitais. Existem muitas formas para burlar os controles de exportação de capitais. Um método é exportar mercadorias a preços abaixo do mercado. Outro é importar a preços acima do mercado. Essas diferenças podem então ser aplicadas em contas estrangeiras. O esforço administrativo para acompanhar o fluxo monetário é considerável e vai funcionar apenas parcialmente. A longo prazo, é evidente que se trata da melhor estratégia para melhorar o clima dos negócios internos. A estabilização da taxa de câmbio do rublo também ajudaria, já que as altas e baixas confundem os participantes do mercado, e os investidores hesitam em investir na Rúss i a, ou , ao me no s, e x i ge m recompensas mais altas pelos riscos assumidos. Ambos os efeitos redu zem o crescimento econômico. Uma vez que o valor externo do rublo tem frequentemente variado de forma brusca em resposta às também drásticas variações nos preços das commodities, a administração deveria considerar a adoção do modelo chinês – uma taxa de câmbio estruturalmente desvalorizada e relativamente estável em relação às moedas estrangeiras. Uma grande valorização do rublo na esteira do novo boom de commodities iria inevitavelmente levar a um grande aumento das importações e, assim, destruir uma parte do sistema de produção doméstica da Rússia. A esse efeito se dá o nome de “doença holandesa”. Se o inevitável acontecer e o rublo ceder novamente, as empresas que poderiam se beneficiar com a melhoria da competitividade internacional simplesmente não existirão mais. Dieter Wermuth é sócio da Wermuth Asset Management.

o empresariado e a dobradinha do poder Gueôrgi Bovt

historiador

A

s empresas russas sempre foram extremamente dependentes do governo e das boas relações com as autoridades. Esse inter-relacionamento entre as corporações e o Estado existe desde a Rússia imperial, quando os negócios privados não se desenvolviam tanto pela iniciativa e capacidade pessoal, mas sim pela permissão do tsar. As empresas russas tanto temem o Estado e as autoridades governamentais quanto dependem deles. No mundo todo, empresários evitam prejudicar o Estado, mas com a certeza de serem protegidos de abusos de poder por sistemas jurídicos eficientes. Essa proteção não existe na Rússia. Se um empresário tenta levar um prefeito ou governador à justiça, sabe que pode perder o negócio e até

mesmo acabar atrás das grades. Aqui, qualquer empresa de tamanho considerável não busca proteção nos tribunais ou no governo, mas na fiel obediência às instruções dos governantes. Hoje, entretanto, o país tem dois chefes: o presidente Dmítri Medvedev e o primeiro-ministro Vladímir Pútin. Aparentemente, Medvedev seria a preferência mais óbvia dos proprietários de negócios para as próximas eleições presidenciais. Afinal, foi ele quem disse que “liberdade é melhor do que ausência de liberdade”, e pediu às autoridades que parassem de intimidar empresários e assediá-los com auditorias onerosas e duvidosas. Foi também Medvedev quem sugeriu que as sentenças para crimes econômicos fossem atenuadas e quem colocou a luta contra a corrupção como uma das prioridades do governo. Além disso, ele jamais direcionou um ataque pessoal contra qualquer oligarca.

Recentemente, contudo, a administração presidencial discordou da decisão do governo Pútin de aumentar as contribuições sociais de 26% para 34%. O Kremlin acredita que essa mudança irá sufocar as empresas e exigiu que o governo encontrasse um meio de reduzir o imposto. O governo, por sua vez, ignorou completamente o pedido. As partes também não con-

Apesar das declarações, nem Pútin nem Medvedev avançaram na proteção ao setor seguem chegar a um consenso no aumento de 4% do imposto sobre o lucro, em troca da redução das contribuições sociais para 26%. Enquanto isso, Pútin tem assumido uma posição bastan-

te ativa com a categoria nos últimos meses, promovendo reuniões com pequenos e médios empresários e participando de fóruns do setor. Considerando seus discursos nessas ocasiões, Pútin soa como um liberal defensor da economia de mercado. Além disso, ele criou uma comissão de economistas liberais de destaque, liderada por Vladímir Mau e pelo presidente da Escola Superior de Economia, Iaroslav Kuzminov. Parece que os dois políticos estão promovendo campanhas e tentando emplacar a imagem de candidatos solidários às empresas. Então, qual deles seria a melhor aposta para essas instituições? Provavelmente nenhum. Isso porque nem Pútin - tanto no cargo de presidente, como no de primeiro-ministro -, nem Medvedev conseguiram conter a corrupção. Os dois se mostraram incapazes de derrotar – ou até mesmo de domar – o monstro da buro-

DMITRY DIvin

cracia e da corrupção que, na maioria das vezes, simplesmente ignora as recomendações que vêm de cima, incluindo as ordens diretas do presidente e do primeiroministro. Nem Medvedev nem Pútin podem mudar o cenário atual sem promover uma reforma e uma reestruturação radical de todo sistema do governo, introduzindo mais concorrência e estabelecendo um Judiciário independente. Nenhum deles tem vontade política – ou as ferramentas

necessárias – para implantar tais reformas. O setor privado talvez se desse melhor se a atual estrutura política ficasse intacta. Afinal, a disputa entre presidente e primeiro-ministro dá aos negócios o gostinho de liberdade que nenhum dos dois poderia oferecer individualmente. Mesmo quando se trata de encenação, a concorrência estimula os membros do governo a superarem um ao outro na tentativa de obter maior apoio dos eleitores. Na verdade, essa dupla não

irá sobreviver após as eleições para a Duma (câmara dos deputadas na Rússia), em dezembro, muito menos à eleição presidencial em março. Em breve, descobriremos quem cairá fora do jogo e quem permanecerá como candidato à presidência. A comunidade empresarial, infelizmente, deve desempenhar papel muito pequeno na escol ha do candidato. Gueôrgui Bovt integra o partido Causa Justa.

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Em Foco

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RECEITA

Literatura Casa do escritor que completaria 70 anos em setembro é restaurada e vira memorial

Romancista exilado, Dovlatov ganha museu Admiradores restauram última morada de dissidente para reacender interesse por sua obra, que vive primeiro impulso na Rússia e começa a ser esquecida nos EUA. VLADÍMIR RUVINSKI

Pepinos frescos, embora em conserva Jennifer Eremeeva

ESPECIAL PARA GAZETA RUSSA

A arte da conserva chegou à Rússia a partir da China, por meio dos tártaro-mongóis, no século 13. Hoje, os pepinos em conserva – ou picles – fazem parte da culinária tanto quanto a vodca. Esses dois itens básicos são geralmente usados juntos para estimular o apetite dos convidados à espera do jantar. Os picles também são um acompanhamento tradicional para muitos pratos típicos russos, como o estrogonofe de carne. E, assim como os pepinos em conserva são importantes para o início de um jantar no país, o suco de picles ou “rasol” é a base para o preparo da sopa de legumes da maioria dos russos, bem como um eficaz remédio para curar a ressaca. Até

RAIO-X

Serguêi Dovlatov NASCIMENTO: 3 DE SETEMBRO

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Prestígio estrangeiro

Muita coisa mudou desde que Dovlatov viveu na propriedade. As “multidões de turistas” que tiravam o autor do sério já se foram. “Sumiram junto com a União Soviética”, diz a gerente de um hotel literário local, Svetlana Kovschirko. Quase todas as casas da região foram compradas por desconhecidos e reformadas, mas a em que Dovlatov viveu

DE 1941, UFA - URSS MORTE: 24 DE AGOSTO DE 1990, NOVA YORK - EUA

Reprovado no curso de Letras (finlandês) da então Universidade Estatal de Leningrado - hoje Estatal de São Petersburgo -, Serguêi Dovlatov foi designado ao cargo de agente penitenciário durante o serviço militar. Sua história como escritor só começa de fato com a emigração para os Estados Unidos, em 1979, quando entra para a elite literária local. Até 1989, um ano antes de sua morte, era um desconhecido na terra natal. Mas sua popularidade tem se invertido, e seus livros, antes acessíveis nos EUA, tornaram-se tão raros que hoje são vendidos por mais de US$ 100 no país. Veja slide show em www.gazetarussa.com.br

ARQUIVO PESSOAL

O público do escritor Serguêi Dovlatov pode ter se dissipado desde sua morte, em 1990, em Nova York. Mas agora fãs e amigos mais abastados do soviético exilado reuniramse para transformar em museu seu último lar na Rússia. O objetivo da empreitada é reavivar o interesse dos leitores pelo trabalho de Dovlatov, especialmente as obras de ficção que 25 anos atrás estampavam as páginas da revista The New Yorker. A casinha simples na propriedade da família do aclamado poeta Aleksandr Púchkin foi paradeiro de Dovlatov em 1979. Antes de deixar a União Soviética, o escritor trabalhou como guia turístico na reserva florestal do poeta do século 19, no povoado de Mikhailovskoie (extremo oeste russo), onde alugou um quarto em uma casa de madeira. Profundamente frustrado com as dificuldades em publicar seu trabalho, Dovlatov vivia na pobreza e atormentado por dívidas. Sua experiência pessoal como um intelectual fazendo bico de guia virou a base do romance “Zapovêdnik” (“A Reserva Florestal”, 1983), considerado pela crítica como uma de suas melhores obras.

O romancista posa para foto em frente a um cinema de Tallinn, capital da Estônia, em 1974

é uma das poucas exceções. Sua estrutura foi mantida porque os proprietários não tinham dinheiro para modernizá-la. Quando Dovlatov alugou um dos quartos, a propriedade pertencia ao lenhador Ivan Fiodorovitch e sua mulher, Elizaveta. O cenário é associado à ficção de “Zapovednik” e também aos planos de emigração do escritor. Apenas um ano depois de chegar ali, Dovlatov partiu para encontrar a mulher nos Estados Unidos, onde enfim foi reconhecido. Durante os anos 80, ele publicou histórias na The New Yorker e lançou uma sucessão de livros – tristes, irônicos e imbuídos de compaixão pelos seres humanos. Uma de suas maiores recompensas foi um comentário do poeta russo e Prêmio Nobel Joseph Bro-

dsky, que disse valorizar a “silenciosa harmonia do senso comum” presente no trabalho de Dovlatov.

Descoberto em casa

Mais tarde, Dovlatov gozou de imensa popularidade em sua terra natal e a expressão “uma história de Dovlatov” passou a denotar um acontecimento paradoxal que resiste aos estereótipos. Os textos dele só chegaram ao leitores russos na década de 1990, depois de sua morte. Mas o senso de liberdade presente nas obras encontrou o ambiente certo para ecoar. Há cerca de um ano, um grupo de admiradores adquiriu a propriedade, que se encontrava em estado deplorável. “Cães vira-latas entravam na casa pelos buracos do chão”, já havia descrito Dovlatov. E a

situação pouco mudou desde que ele deixou o local. Nos anos 1990, o proprietário Fiodorovitch morreu em consequência de alcoolismo e Elizaveta vendeu a pequena casa para Vera Khalizeva, uma aposentada de Moscou que mandou cobrir os buracos no chão com madei ra compensada. Hoje o piso está afundando e o teto é sustentado por vigas de madeira. Alguns dos objetos usados pelo escritor ainda estão presentes: uma cama de ferro, um banquinho de madeira e um pedaço de espelho. O papel de parede da década de 1970 continua a revestir o interior da moradia. “Nossa tarefa é preservar tudo que existe ali, substituindo o que está destruído”, explicou à Gazeta Russa um dos envolvidos na restauração que

não quis ser identificado. “Os investidores são pessoas bem sucedidas que não têm nenhum desejo de lucrar”, explicou o representante dos novos proprietários, Ígor Gavriúschkin. Segundo ele, o grupo é motivado “pelo amor e respeito a Dovlatov”. Segundo Gavriúschkin, a ideia é ter a casa ao menos parcialmente reformada até 3 de setembro, data do 70° aniversário do escritor. Os novos proprietários ainda esperam obter objetos pessoais de amigos e parentes do autor. Apesar das boas intenções, o próprio Dovlatov talvez não aprovasse um memorial em sua homenagem. “É sempre assim: primeiro eles acabam com a vida de uma pessoa, e depois começam a ir atrás dos seus pertences”, escreveu ele sobre Púchkin.

Perfil Terror do UFC mostra intimidade de homem religioso depois de abandonar o octógono

O adeus de Emeliánenko, o “Último imperador” Lutador russo, que já foi um dos mais temidos do mundo, diz que quer apenas “ser lembrado como um cara normal”. MAKAR BUTKOV GAZETA RUSSA

cada costurados e equipamentos ultrapassados, ele parece feliz e em casa. O treinamento do lutador, apelidado pelos fãs de “Último imperador”, inclui exercícios como corrida, flexões e – o mais espetacular

GETTY IMAGES/FOTOBANK

Às 6h, coberta de ferrugem e sujeira, a velha estação de trem da pequena cidade de Stári Oskol, de 221 mil habitantes, parece vazia e abandonada. Mas não para Fiódor Emeliánenko, que há muito tempo começa seus dia bem ali, com uma corrida de quase dez quilômetros. “Gosto daqui”, diz Emeliánenko. “Tenho minha família, meus amigos e minha academia. Por que deveria mudar ?” Em sua velha academia, com sacos de pan-

pouco tempo atrás, o suco de picles também era usado como um eficiente tônico para pele. A época de plantio na Rússia é curta, mas intensa, especialmente no verão, durante as “Noites Brancas”, quando a luz do sol toma o céu por quase 20 horas. Essas são as condições ideais para o pepino. Nessa época do ano, eles são baratos e abundantes, e encontram-se a cada esquina. O problema é que, uma vez colhidos, os pepinos apodrecem muito rápido. A conserva é, portanto, uma solução prática para preserválos por mais tempo e resolver esse problema. Para quem acha que o legume é um pouco azedo, a opção russa são os pepinos semi-salgados, da receita abaixo.

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Foram 27 vitórias e quatro derrotas na carreira

de todos – bater em um velho pneu de caminhão com uma pesada marreta. A família de Emeliánenko mudou-se para Stári Oskol dois anos depois de seu nascimento, em 1976, em Rubijne, região da União Soviética que hoje pertence à Ucrânia. Após se graduar com honras em uma faculdade de comércio, o lutador entrou para o exército russo em 1994. Foi lá que tomou a disciplina e o trabalho diário como hábitos. Campeão Europeu de Sambô (arte marcial russa) e vencedor de campeonatos de judô, Emeliánenko partiu em 2010 para o MMA (categoria de artes marciais mistas, na sigla em inglês). Embora seja um lutador versátil, com extrema capacidade de ataque e excelente guard a, e le é r eve r e nciado principalmente por sua técnica “ground-and-pound”, que consiste em golpear continuamente o adversário no

chão. Suas principais técnicas de luta são o sambô e o judô. Nenhum dos dois esportes de combate são comuns nas artes marciais mistas, já que a maioria dos lutadores treinam a vertente brasileira do jiu-jitsu e o muay thai. O início de sua carreira na modalidade ocorreu em uma liga japonesa, e foi marcado por três impressionantes vitórias. Também ali teve sua primeira derrota, ocasionada por uma interrupção médica quando seu adversário, Tsuyoshi Kohsaka, deu-lhe uma cotovelada na cabeça, reabrindo um antigo corte. A primeira luta de Emeliánenko nos Estados Unidos, quando derrotou o bicampeão Tim Sylvia em apenas 36 segundos, deu início a sua própria rede de promoção de lutas. “O cara é um cavalo. Eu não acho nem que ele seja humano”, disse Sylvia depois da derrota. Ao entrar no ringue, Fiódor

parece tranquilo como um monge: sob o som do hino ortodoxo russo e sem expressar emoções, vai direto para o posto. Ele é famoso por sua fé. Quando está em casa, joga xadrez e passa o tempo com as crianças.

Brasileiros no caminho

Há cerca de um ano, Emeliánenko sofreu sua primeira derrota para valer, contra o brasileiro Fabrício Werdum. “Aquele que não cai nunca se levanta”, afirmou o russo depois da luta, causando uma tempestade de aplausos daplateia americana. Mais duas derrotas, para o também brasileiro Antônio “Pezão” Silva, e para americano Dan Henderson na Strikeforce parecem ter colocado um ponto final em sua carreira. Ainda assim, com uma série de 27 vitórias e apenas quatro derrotas, ele é considerado um dos maiores lutadores de artes marciais mistas de todos os tempos. Graças a seu trabalho, treinamento pesado e generosidade, transformou-se em uma estrela internaciona l se m pe rde r a identidade ao longo do caminho. “Não quero ser lembrado como uma lenda, mas como um cara normal”, diz.

STOCKFOOD/FOTODOM

Ingredientes:

• 5 litros de água • 2 ½ a 3 quilos de pepinos (quanto menores forem, melhor) • 2 ramos grandes de dill fresco • 1 xícara de chá de sal grosso (kosher ou sal marinho) • 15 dentes de alho descascados e cortados em pedaços • 5 cravos-da-índia • 1 colher de chá de semente de mostarda • 1 colher de chá de semente de coentro • Folhas frescas de carvalho, de groselha ou de cereja. Se não encontrar, substitua por folhas frescas de estragão ou de coentro. • 5 folhas de louro • 1 /8 de xícara de chá de pimenta do reino Se preferir os picles levemente picantes, adicione raiz-forte ou lascas de pimenta dedo-demoça sem sementes

Modo de preparo:

1. Lave e esterilize todos os utensílios, recipientes e superfícies. Lave e enxágue bem as mãos. 2. Prepare os pepinos: lave-os com cuidado, descarte aqueles que estiverem machucados e corte ambas as pontas. Mergulhe-os em um recipiente grande contendo água gelada.

3. Ferva os 5 litros de água em uma panela limpa e esterilizada, e então dissolva o sal. Está pronta a salmoura. Deixe esfriar até que chegue a uma temperatura um pouco superior à ambiente. 4. Coloque um ramo de dill no fundo do pote e, depois, acomode uma camada de pepinos na vertical. 5. Despeje a solução de água com sal ainda morna sobre os pepinos até que fiquem completamente submersos. Acrescente metade de cada um dos demais ingredientes. Coloque uma segunda camada de pepinos e, em seguida, adicione os temperos que restaram. 6. Despeje o resto da salmoura sobre os pepinos, garantindo que fiquem completamente cobertos pela solução. Darra Goldstein, autora do livro de receitas “A La Russe”, recomenda colocar uma tampa esterilizada sobre os pepinos para que ela exerça pressão sobre a conserva. Isso vai garantir que os pepinos permaneçam submersos durante todo o processo. 7. Cubra o pote com um pano de prato, e coloque-o sobre blocos de madeira ou em uma prateleira de arame, para permitir a circulação de ar sob o recipiente. 8. Os picles ficarão prontos em dois dias.

CALENDÁRIO CULTURAL E EMPRESARIAL ATO SOLENE NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO 30 DE AGOSTO, 19H, NO PALÁCIO 9 DE JULHO, SÃO PAULO

Aberto ao público, o ato vai homenagear figuras de comunidades estrangeiras residentes no país, inclusive a russa. O evento, que conta com um espetáculo do maestro Alexei Lisounenko com trechos de músicas de várias nações, terá ainda barracas de comidas típicas e grupos de música e dança. › www.al.sp.gov.br

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