A alma dos calungas do Mestre Zé Doido

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A Alma dos Calungas

do Mestre Zé Doido

Lucelena Honorato



A ALMA DOS CALUNGAS do Mestre Zé Doido © 2021 Copyright by LUCELENA HONORATO Impresso no Brasil / Printed in Brazil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Diagramação eletrônica Izaquiel Rodrigues Ravelle Gadelha

Revisão Soraia Colaço Flávio Marcelo

Fotografia Ravena Lima Omar Rocha Randal Andrade Arquivo pessoal

Contato (85) 996290944 - lucelenahonorato@gmail.com Impressão e acabamento Expressão Gráfica e Editora Rua João Cordeiro, 1285 - Aldeota - Fortaleza - Ceará CEP: 60110-300 - Tel.: (085) 3464-2222 E-mail: arte@expressaografica.com.br

Ilustrações Flávio Marcelo Pinto Apoio de pesquisa Evandro Vieira Omar Rocha

Ficha Catalográfica Bibliotecária: Perpétua Socorro Tavares Guimarães CRB 3/801-98 H 774 a Honorato, Lucelena A alma dos calungas do mestre Zé Doido / Lucelena Honorato .- Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2021. 24 p. ISBN: 978-65-5556-341-2 1. Literatura de cordel

I. Título CDD: 869.0


Apresentação Lucelena Multicor, permitam-me adjetivá-la ou mesmo sobrenomeá-la dessa forma, por todo o trabalho que vem desenvolvendo no combate ao preconceito e ao racismo, constituindo uma força entusiasta junto aos afrodescendentes e indígenas, com atenção para uma educação antirracista, por intermédio da arte e da educação. E é com este olhar, desprovido de preconceitos e apoiado na arte, que nossa escritora rebusca a história do Mestre José Mauro, para mostrar aos que não tiveram a oportunidade de desfrutar de sua adorável companhia, um pouco da sua vida. É por meio dos versos incipientes do cordel que a autora escolheu sua narrativa para, de forma leve, saborosa e descontraída, apresentar as memórias desse homem simples e muito sábio, cuja vida dedicou a transformar a dura realidade de seu tempo e de seu povo, mediante a alegria e a brincadeira com os calungas e da sua capacidade de improvisar versos, com a destreza de quem domina a magia da poesia. Sua prosa era instantânea! Para o Mestre José Mauro não havia tempo ruim, onde ele estava não tinha espaço para tristeza. Ele era um mago e, com sua alquimia do riso, transformava a realidade e, talvez por isso, por ser tão alegre e contagiante em tempos tão duros, seus pares o batizaram com o epíteto de “Zé Doido”, porque somente um doido seria capaz de tanta genialidade. Viva ao Mestre José Mauro! Viva Zé Doido! Omar Rocha Diretor do Circo Tupiniquim - Teatro de Bonecos Fortaleza, 27 de setembro de 2021.

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Brincar com boneco é uma arte Das mais antigas que há, Surgiu pros lados do oriente Recriou-se nos lados de cá. É patrimônio cultural imaterial, Tradição que não pode acabar! Em cada lugar tem um nome E um jeito de brincar, No Pernambuco é mamulengo, Cassimiro Coco: sertão do Ceará, No litoral cearense, Calunga, Na Paraíba, de Babau denominar.

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À oralidade o brincante se apega A arte de improvisar, Brincar, criar, fazer críticas... Histórias por onde passar, Denunciar e combater preconceitos, Costumes sociais abordar. Na mão do bonequeiro O boneco se personifica, Ganha alma, ganha vida, Já dizia mestre Boca Rica, “O bonequeiro se vai E o boneco fica”!

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A alma dos calungas Da qual venho tratar, Traz a história de um mestre Que quero homenagear, Valorizar seus saberes, Sua cultura popular. José Mauro Ferreira da Silva, Pescador, humorista e calungueiro, Fez do seu encanto maior A arte de ser bonequeiro. Nativo aracatiense, Beberibe, seu canteiro.

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Mestre da brincadeira! Cheio de entusiasmo e alegria! Sua vida era o calunga, Com maestria, conduzia, Grande artista do improviso! Explorava o que sentia. A luz de um grande amor Em sessenta e três nasceu, Filho de Rosa e Raimundo Ensinamentos recebeu, No Córrego dos Fernandes, Chão onde José cresceu.

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Na meninice conheceu Essa arte de brincar, Vendo outros brincantes Do teatro popular, Aos vinte dois anos Começou a se apresentar. Ainda no seu povoado, Paródias ele cantava. Com rimas de improviso Nas quais se destacava, Tirando risos do público, Das histórias que criava.

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Mas foi nas pescarias Que inventou de “Calungar”, Com humor e criatividade, Personagens a recriar, O PM, Cassimiro Coco, Quitéria, E o pai dela para inteirar. Levava os bonecos em viagem, Cada ancorada uma apresentação. Tornou-se o genial “Zé Doido”! Talento da transformação! Da tristeza à alegria, Da arte e criação.

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Foram diversas regiões Nas quais ele passou, Rio grande do Norte, Pará... Até na Bahia chegou. De lá foi para o Cumbe, Onde Valdenira encontrou. Com três meses se casaram Por ordem de sua sogra: - Homem aqui não alisa banco! Se não quiser vá simbora! Sem lamento, ele disse: - Minha vida muda agora!

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Ela, de Uberaba-Beberibe, Cujo lugar vieram morar, Zé, nas viagens deu um tempo... Arranjou meios de se virar, De pescador, de vigilante, Nas folgas, ia brincar. Ao ficar desempregado, Em supermercado, dívida arranjou, A solução: teatro de calungas! A escola do Onofre registrou, O sucesso foi tamanho! Pagou a conta e não mais parou. 11


Possuía um repertório Bastante diversificado! Músicas, melós, cantigas... Piadas, versos bem rimados, Emboladas e motes de improviso, Dessa riqueza, fez seu reinado. Armava sua empanada Onde era convidado. Nas casas, praças e quintais, Casamento, velório dramatizado... Genialidade o tempo todo! Até na venda do pescado.

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Apesar de pouca oportunidade De ter sido alfabetizado, Costurava o espetáculo Todo memorizado! Vozes variadas, prosa e rima, artisticamente encenado! Suas brincadeiras passaram a ser Conhecidas em todo terreiro, Praia das Fontes, Morro Branco... Do Barro Vermelho ao Juazeiro! Sua chegada era uma festa! - Lá vem Zé Doido, calungueiro! Uma hora é para as piadas, A outra, para o boneco botar. A última para passar a bolsa, - Contribua se desejar! Pois não cobrava cachê, Só queria ao povo agradar.

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No entanto, Zé Doido, Momentos difíceis vivia, Ainda desempregado E sem ter a pescaria, Só o boneco não dava Pro sustento da família. Dez anos passados E em noventa e sete o ano, Dois filhos já crescidos, Francisco José e José Leandro, Motivaram o nosso mestre A buscar um outro canto.

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Vende a casa e resolve Convite de um amigo aceitar, Mudar para o Parajuru Por lá, decidiu ficar. Por ser perto de um rio, Lugar bom para pescar! A vida em Parajuru Oportunidades lhe deu. Terreno e moradia, O amigo Leleu ofereceu. Seguindo sempre com os calungas, O bom humor nunca perdeu.

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Continuou suas andanças Com seus bonecos brincantes Em bares, residências, hotéis, Em eventos relevantes, Como o “Povos do Mar” Do qual foi participante. O personagem artista, Criador de tantos outros: O Cassimiro, rei da empanada Muito valente, interage com todos, Capitão Balbino o chorão O Conquista, embolador de coco. Novelinha da mamãe, O boi, Maria Lapsaia-um dengo, A Cobra enfrenta o Cassimiro - Valei-me meu são bento! “Alma” dos bonecos, uii! Emoção a cada momento.

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“A alma dos calungas” Não estava apenas na fala De um de seus personagens, Porém, na alma que não cala, Do calungueiro denunciante, Das injustiças em sua ala. - Seu presidente se não for pedir muito, pois lhe mostro o que você me fez! você mexeu na minha casa minha vida e o pobre agora se lascou de vez! também mexeu no bolsa família ainda disseram que era necessário, pois se mexe em tudo que é de pobre só nunca mexe nesse seu salário!

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Zé Doido quando decidia De calunga brincar, Ele mesmo anunciava Que iria se apresentar. Garantia de casa lotada, Nem microfone usava Pra se fazer notar. A imaginação ganhava o mundo, Bailava em histórias engraçadas, Cada apresentação era única, Levava o público às gargalhadas, Conseguia captar a atenção, Pelo encanto da atuação, Dos jovens e meninadas.

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Todo artista é inquieto, Zé disso não se distancia, Dorme e acorda pensando Assim ele dizia. Pensou em um boneco criar Para sentado apresentar, Pois em pé, limitado seria. Escolheu dito formato, Por perda de força na perna, Decorrente de acidente, Deixado como sequela. Todavia se abastecia do dom, O destino mostrava o tom, A inspiração seguia certa.

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A produção do boneco ocorreu De maneira coletiva. O sobrinho fez a cabeça, Marionete exclusiva, Sua irmã: corpo e figurino, A tia, o sapato do menino, Zé brindou com a voz ativa! O boneco logo recebeu O título de “Vai dar Certo”, Que ganhou espaço e destaque Ao positivar o incerto, Quando a Covid 19 chegou E o mundo inteiro parou Ele, se manteve perto.

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Mesmo com essa pandemia, O criador e sua criação Estamparam sua arte, Nos meios de comunicação: WhatsApp, no grupo de bonequeiro, Amigos do mesmo celeiro De quem recebeu motivação. Nos encontros virtuais, Com outros mestres dialogou. Um deles, Augusto de Cheiroso Com quem novela encenou. Depois na Tv Mamulengo, Torcida igual à do flamengo Andreison o entrevistou.

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Alma simples e generosa, Humildade e sorriso, Marcaram a vida de Zé Doido, O qual, no tempo imprevisto, Faz sua última viagem Brincar noutras paragens, De cantos nunca visto. Em vinte e cinco de outubro O brincante se despediu. Dois mil e vinte o ano, A cultura se revestiu De tristeza e comoção, Da terra se vai um grão Pois assim Deus consentiu!

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Os bonecos do mestre Zé Tem por guardiã Dona Bia, Como se fosse uma mãe Protegendo a sua cria, Que nutre a memória, De José Mauro a história, E o amor que recebia. Parajuru és o palco Testemunha de vida sua! Desse artista pescador! Que escritos estes contribua, Visibilizar obra tão rica, A “alma dos calungas” fica E a história continua... Reverencio o mestre Desta narrativa versada! Escrever esse livreto Faz me sentir honrada! Aos saberes adquiridos, JOSÉ MAURO, obrigada! Beberibe-Ceará, 20 de setembro de 2021 23


Zé Doido; Marquinhos; Mestre Chico Bento; Cleomir; Thatyana; Mestre Gilberto Calungueiro (Icapuí); Mestre Cheirim e Alonso (calungas do Cumbe de Aracati-Ce); Ocivan.

José Leandro.

Evandro Vieira e D. Bia na casa de Zé.

Valdenira D. Bia com o boneco Vai dar certo.

Menininha (irmã de Zé), Lucelena, Paulinho(sobrinho) e Milton Carlos.

Francisco José.

Zé com Omar Rocha.

Sou imensamente grata aos colaboradores e colaboradoras: Ravena Lima, Milton Carlos, Izaquiel Rodrigues, Soraia Colaço, Evandro Vieira, Flavio Marcelo. E as fontes orais: Valdenira Dias, Paulinho, Menininha, Sr. Valdeci, Augusto Barreto-Mamulengo de Cheiroso e Omar Rocha. Outras fontes: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=o2IQqh3R8iQ - Acesso em: 07 de julho de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3Ppz70CV_C0 - Acesso em: 02 de agosto de 2021.

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“A minha vida era Calunga, quanto mais faz, mais aprende. Da empanada sai a brincadeira”. Mestre Zé Doido José Mauro Ferreira da Silva

Secretaria de Turismo e Cultura


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