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revolução ligado a uma ideia de cultura autenticamente nacional, radicalreativa, pseudo-proletária, e os tropicalistas, que eram internacionalistas, simbioticistas, geléio-generalistas, tecno-primitivistas, que saíam por cima (ou por fora) e por baixo (ou por dentro) da mediocridade visada pelo projeto nacional-popular. Esse debate reencenava a grande discussão anterior, a da Semana de Arte Moderna. Ele penetrava completamente na academia, que estava organicamente ligada ao assunto, até porque vários teóricos faziam parte dela, sobretudo no lado do nacional-popular. Depois o debate de alguma maneira se perdeu. Hoje a academia não discute mais esses temas, com exceção dos que estudam os movimentos culturais brasileiros. Mesmo para as pessoas que fazem do tema um objeto de estudo, é apenas uma especialidade exótica, que não é mais tratada como uma questão existencial, como era na época. QUANDO VOCÊ ACHA QUE ESSE ASSUNTO SE PERDEU? Ele foi se perdendo aos poucos. Depois do tropicalismo, que foi de fato um movimento cultural de alcance nacional, de repercussão vertical, que ia da academia até a juventude, que era teorizado pelos críticos literários ao mesmo tempo que seus discos eram comprados pela garotada que tomava ácido no píer de Ipanema, não houve nada na mesma escala. Houve movimentos locais, mas com menor fôlego e repercussão. O pessoal da poesia marginal aqui do Rio, o Nuvem Cigana, por exemplo, que foi desembocar no BRock, no Asdrúbal Trouxe o Trombone. Havia uma vitalidade nestes movimentos posteriores, mas não havia a radicalidade original do tropicalismo. O tropicalismo unia finalmente Vicente Celestino e John Cage, a cultura popular e a cultura erudita, passando estrategicamente pela cultura pop, que foi a grande bandeira deles. Tudo isso veio evidentemente da antropofagia oswaldiana, a reflexão metacultural mais original produzida na América Latina até hoje. A antropofagia foi a única contribuição realmente anticolonialista que geramos, contribuição que anacronizou completa e antecipadamente o célebre clichê uspiano-marxista sobre as “ideias fora do lugar”. Ela jogava os índios para o futuro e para o ecúmeno; não era uma teoria do nacionalismo, da volta às raízes, do indianismo. Era e é uma teoria realmente revolucionária... E QUE NUNCA FOI BEM ABSORVIDA NO BRASIL. 81


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