Aldous huxley - Admiravel Mundo Novo e Regresso Ao Admiravel Mundo Novo

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"Esplêndido!" Manteve suas câmeras telescópicas cuidadosamente focadas no alvo móvel coladas nele; instalou uma objetiva mais poderosa para obter um close-up da fisionomia frenética e contorcida (admirável!); tomou durante meio minuto a vista em câmara lenta (efeito de uma comicidade deliciosa, prometeu a si mesmo); ouviu durante esse tempo, no receptor, os golpes, os gemidos, as palavras ferozes e desvairadas que se gravavam na trilha sonora, à margem da fita; ensaiou o efeito de uma leve ampliação (sim, decididamente era melhor assim); ficou encantado ao ouvir, num silêncio momentâneo, o canto estridente de uma cotovia; desejou que o Selvagem se virasse, para que ele pudesse obter um close-up do sangue que escorria pelas costas - e, quase em seguida (que sorte assombrosa!) o jovem, complacente, virou-se e ele pôde tomar um close-up perfeito. - Sim, senhor! Foi formidável! - disse, quando tudo terminou. – Realmente formidável! Enxugou o rosto. Depois que introduzissem os efeitos do sensível, no estúdio, seria um filme estupendo. Quase tão bom, pensou Darwin Bonaparte, como a Vida Amorosa do Cachalote; e isso, por Ford, não era pouca coisa! Doze dias depois, O Selvagem do Surrey era projetado, e podia ser visto, ouvido e sentido em todas as salas de cinema sensível de primeira ordem da Europa Ocidental. O efeito produzido pelo filme de Darwin Bonaparte foi imediato e enorme. Na tarde que se seguiu à apresentação ao público, a solidão rústica de John foi subitamente violada por um enxame de helicópteros. E!e estava cavando com a pá a sua horta - e cavando igualmente em seu espírito, trazendo laboriosamente à tona a substância dos seus pensamentos. A morte - e enterrava a pá uma vez, e outra, e ainda outra. "E todos os nossos dias passados iluminaram o caminho da morte para os tolos." Ribombava através dessas palavras um trovão convincente. Levantou mais uma pá de terra. Por que morrera Linda? Por que tinham permitido que ela se tornasse gradualmente menos que humana, e por fim... ? Estremeceu. Um cadáver putrefato bom para beijar. Pôs o pé sobre a pá e enterrou-a raivosamente no chão duro. Para os deuses, somos como moscas para as crianças travessas; matam-nos para se divertirem. Outra vez, o ribombar; palavras que se proclamavam verdadeiras - mais verdadeiras, de algum modo, que a própria verdade. E no entanto esse mesmo Gloucester chamara-os de deuses sempre benévolos. Além do mais, o melhor do teu repouso é o sono, e tu mesmo o provocas muitas vezes; no entanto, temes intensamente a morte, que não é mais do que ele. 3 Não mais do que o sono. Dormir. Talvez sonhar... A pá topou numa pedra, ele abaixou-se para tirá-la. E nesse sono da morte, que sonhos... ? Um zumbido sobre sua cabeça tinha-se transformado em rugido; e, de repente, achou-se na sombra, havia algo entre ele e o sol. Sobressaltado, ergueu os olhos de sua pá e de seus pensamentos; ergueu os olhos num aturdimento deslumbrado, o espírito ainda vagando naquele mundo mais verdadeiro que a verdade, ainda concentrado na imensidade da morte e dos deuses; ergueu os olhos e viu, acima de sua cabeça e bem perto, o enxame dos aparelhos planando. Chegavam como gafanhotos, ficavam suspensos, imóveis, desciam em torno dele sobre as urzes. E do ventre desses gafanhotos gigantescos saíam homens em traje de flanela branca de viscose, mulheres (pois fazia calor) em pijama de xantungue de acetato, ou em calções de belbutina e jérsei sem mangas, de fecho ecler semi-aberto - um casal por aparelho. No fim de alguns minutos havia ali dúzias deles, numa vasta cjrcunferência em roda do farol, olhando, rindo, tirando fotografias, atirando-lhes (como a um macaco) amendoim, pacotes de chiclete de hormônio


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