Precisa-se Público _ Bienal Sesc de Dança 2015

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Precisa-­‐se público é uma ação ar*s,ca na qual os espectadores performam, dando concretude às suas reflexões e afetos no contato com esse outro que se apresenta sob a forma de trabalho ar*s,co. Aqui, público não é apenas uma parte integrante do circuito que envolve o trabalho de arte, mas público é, literalmente, agente colaborador que produz a obra. Precisa-­‐se Público lança este convite ao público e ao mesmo tempo devolve uma pergunta para os próprios ar,stas, curadores e ins,tuição: Somos capazes de criar relações e não apenas invocar espectadores como forma de alimentarmos apenas a nós mesmos? Nossa proposição busca instaurar um lugar de potência para a reflexão crí,ca dos espectadores, remexendo a hierarquia frequentemente definida pelo discurso especializado: quem fala, quem pode falar, quem é autorizado a escrever com e sobre trabalhos ar*s,cos. A crí,ca que nos interessa nesse projeto não é a profissional, nem necessariamente a especializada, mas a que parte do espectador ins,gado a ar,cular em palavras, sons ou imagens um posicionamento diante, com e a par,r de um trabalho de arte. Interessa-­‐nos pensar como propor uma relação mais horizontal entre aquele que olha e aquele que é olhado. Ao ser o público de uma ação ar*s,ca, acreditamos que não é mais possível posicionar-­‐se fora dela, nem realizar análises ditas neutras. Acreditamos que um trabalho de arte não é aquele que resolve problemas, mas aquele que cria novas questões. Como então criamos um lugar duplo de aprofundamento ou criação de novas interrogações? Como ação ar*s,ca e público podem juntos propor novos modos de habitar uma questão, de ocupar um problema. Ao receber mais de 100 crí,cas após a instalação do projeto na Bienal Sesc de Dança, em setembro de 2015, muitas questões nos tomaram. Nem todas as crí,cas recebidas são adquiridas e nossas escolhas aproximam-­‐se da curadoria, dando visibilidade a um determinado recorte que, no entanto, está aberto ao posicionamento crí,co do leitor desta publicação. Nossas escolhas não intentaram portanto, legi,mar pontos de vistas ou opiniões acerca de uma ação ar*s,ca. Elegemos visões diferentes diante de uma mesma obra, visões desenvolvidas em discursos elaborados ou em relatos singelos, desde que, de alguma forma, apontassem para uma tomada de posição, alinhavando um pensamento coerente. As nossas escolhas deram-­‐se também em um âmbito tanto micro quanto macroscópico, isto é, as crí,cas selecionadas podem ser acessadas separadamente, mas o conjunto, organização e ar,culação proposta entre todas elas, sugere um diálogo que vai para além de cada crí,ca isolada. O projeto dá ainda seus primeiros passos e, a cada versão, vai se construindo, descobrindo seus limites e suas possibilidades. E então surgem novas perguntas: Basta dar voz, publicando o que recebemos? Como as crí,cas reverberam nos ar,stas? Como o público toma para si essa responsabilidade? Não seria importante uma interlocução posterior com os par,cipantes para contextualizar suas contribuições e dar con,nuidade ao diálogo iniciado? Precisa-­‐se Público teria outro alcance caso se ins,tuísse como uma ação em médio e longo prazo?


Imersas nessa experiência ainda recente, apostamos na potência da reverberação dessas dúvidas, rascunhando uma (auto) crí,ca. Sem nenhuma pretensão de equipararmos nossa proposição ao exercício profissional da crí,ca, desejamos explorar o delicado campo entre ar,sta e público sem incorrer na falsa democra,zação do acesso ou na indução de uma maneira de perceber a arte. Acreditando em outros modos de conversa entre ar,sta, obra e público, queremos ouvir as vozes e as infinitas construções de sen,do que ecoam nos corredores dos espaços culturais, nos foyers dos teatros ou diante das páginas dessa publicação. Seguimos. Cláudia Müller e Clarissa Sacchelli


Cláudia Müller e Clarissa Sacchelli colaboram desde 2012. A relação entre produção, produto e recepção é interesse recorrente na trajetória das duas. Precisa-­‐se Público nasceu de um comissionamento para criação de uma ação ar*s,ca para o evento Semanas de Dança 2014, realizado pelo Centro Cultural São Paulo. Para a Bienal Sesc de Dança 2015, Precisa-­‐se Público amplia suas dimensões e aponta para novas questões que aqui se colocam.

| contato@precisa-­‐sepublico.com.br


Hoje fui com os meus filhos assis,r o espetáculo Cair. Cair. Eles têm 7 e 3 anos. Ao término da a,vidade, perguntei o que acharam: a mais nova respondeu que ,nha achado lindo e leve (rsrsrs), mas, não gostou porque não ,nha dança... No que o mais velho respondeu: mas, você viu os movimentos? Dançar não é somente o que vemos na TV; a gente dança o tempo todo através do movimento do nosso corpo, não é mamãe? E eu que ainda não ,nha uma opinião formada, já que dança contemporânea é novidade para mim também, fiquei sem resposta. Assim, percebi que o espetáculo está nos olhos de quem vê e no coração de quem sente. Por Samara Rosa Com Cair


Samara Rosa é a feliz e apaixonada mãe do Junior (7 anos) e da Ayra (3 anos) que fizeram esta crí,ca logo após o espetáculo Cair.

| samarrosa@ig.com.br


Aqui é Major Tom para o Controle de Solo. Meu circuito pifou. Não posso mais ouvi-­‐los Controle de Solo, por isso escrevo uma carta para talvez jogá-­‐la no espaço como costumavam fazer aqueles que atravessavam mares em lugar de céus. Ou talvez a deixe por aqui mesmo... Talvez a achem e ela vire dado arqueológico. Talvez minha vida já seja fóssil quando a encontrarem. Talvez ela possa ser uma pista de um modo de viver que nesse futuro já não existe mais. Cheguei ao lugar onde sempre quis estar. Assim suponho. Assim que deixei minha cápsula não havia mais nada que eu pudesse fazer. Aonde vim parar? Sim, sim: o “espaço”. Mas daqui não tem volta, não há como voltar para aí... Mesmo se viessem em resgate. Mesmo se um esquadrão pousasse e abrisse com urgência a porta de sua cápsula e corresse me buscando o mais rápido que a gravidade caduca permi,sse. Eu não estaria mais tentando permanecer sentado numa lata para olhar a manchinha azul lá no fundo que é a Terra. Eu nem estaria mais aqui. Já teria perecido no brilho das estrelas. Brilho que não serve de muita coisa não, além de ser um lugar pra olhar enquanto o Fim – esse com efe maiúsculo – não chega... Aqui não existo como exis,a aí... Aqui é tão outra história. Aqui só existo meio diluído, só existo no reflexo de regras que nunca vou conhecer totalmente. Luz nenhuma mostraria meu semblante, meu rosto inteiro. Acho que aqui só existem os contornos das coisas. As coisas mesmo, inteiras e em si – como tanto dizia eu antes dessa decolagem – não tem não... Ou tem, mas tá em falta. O que tem bastante é falta. Falta tempo e falta espaço. Desde que tudo pifou não dá pra saber se passou um dia ou uma semana. O tempo aqui dura, acontece, mas não passa. Aqui é lugar nenhum e qualquer lugar. Poderia ser cenário de um episódio dos Power Rangers! Essa gravidade enlouquecedora daqui ajudaria até a fazer todos os slowmoAons narrados pelo Zordon. Mas não. É um grande desastre. O futuro veio, mas não era aquele que deveria ter vindo. Veio um qualquer... Porque o qualquer não me deixou tão feliz, mas tão feliz a ponto de me fazer esquecer que não vou ter como voltar? Porque não pude me embriagar deste qualquer? Porque, Controle de Solo? Mesmo que não tenha sido o Controle de Solo a achar essa carta: por que o qualquer não serviu? Nunca vou ter essa resposta, né? Será que alguém vai achar essa carta? Será que nesse futuro eu brinquei de ser herói até o Fim com efe maiúsculo chegar? Agora desapareço e na penumbra da memória con,nuo a exis,r. Campinas, 21 de setembro de 2015 – o sol está entrando em libra. Por Anderson do Carmo Com Desastro


Anderson do Carmo é ar,sta e pesquisador da dança, bailarino do Grupo Cena 11 Cia. de Dança, mestrado no PPGT-­‐UDESC e escreve mensalmente para o Jornal No*cias do Dia de Florianópolis.

| ander_lc5@hotmail.com


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Por Beatriz Sano Com Futuros PrimiAvos


Beatriz Sano é bailarina, se arrisca no desenho, e ul,mamente anda se aventurando nos cortes de cabelo. Ponto, Linha e Movimento são os princípios que leva pra vida. Formou-­‐se na Unicamp em 2008, e desde 2010 faz parte da Key Zeua e Cia. Paralelamente, desenvolve seu primeiro trabalho individual "Solo". | bia_sano@hotmail.com


Futuro Primi<vo (Procura-­‐se a dança!) Objetos sendo jogados no palco de maneira aleatória criam uma sensação de curiosidade, espanto e expecta,va. Em algum momento veremos alguma forma de dança se manifestar dentro desse ambiente curioso, imprevisível e ca,vante. Pois não é que surgem os dançarinos e, depois de terminado o espetáculo percebemos que o primordial nâo havia se cumprido. Fiz uma auto-­‐análise tentando fugir da minha culpa pois deveria ter sido eu quem não conseguiu enxergar a arte naquilo tudo. Busquei no Aurélio a definição da palavra "dança" eis que reforçou a minha inquietação pois não houveram passos sincronizados acompanhados de música/rítmica. Vimos pessoas criando interações enfadonhas sobre os materiais dispostos em palco. Por isso termino perguntando, Onde estava a Dança? Onde estava a Arte? E a dúvida que mais me consumiu é a incerteza de que se pessoas a esmo fossem escolhidas na rua poderíamos ter ,do um resultado igual ou melhor. Afinal, onde está a dança? Por Aldo Guzman Com Futuros PrimiAvos


Especialista na área de TI com 17 anos de experiência. MBA em gestão de TI pela FGV e bacharel em Análise de Sistemas pela PUC em Campinas.

| aldojfguzman@gmail.com


Esses corpos não nos dizem respeito + não é possível que estejamos tão pasteurizados pela lady gaga monstra do pop rainha do capitalismo tardio e denso que antes de se produzir produz nossos gostos de modo que achemos que há crí,ca em lugares completamente apá,cos e fe,chizados leis rouanets que desviam milhares milhões talvez bilhões não sei de reais onde já se viu ultrapassarmos isso por rei leão miss saigon peça com pipoca efeitos extraordinários o espetáculo em sua pior forma posto diante de nós o espetáculo dos corpos do faustão das coreografias fora dilma dos corpos organizados que não podem tropeçar dos corpos burgueses que querem ser crí,cos mas querem muito mais do que isso querem se entreter e se sen,r crí,cos que crí,ca é possível na catarse de um jogo de futebol onde as pessoas gritam urram não pensam apenas amam que cri,ca é possível no show da madonna me,culosamente pensado após tantos e tantos shows e tanto e tanto pop e comerciais rápidos que nos entretêm pois não podemos mais ficar cansados pois não podemos mais ser cansados apenas podemos rir e gostar e achar as coisas belas e não só rir e não só entretenimento não somos alienados nós somos massa ar*s,ca e crí,ca que pensa e reflete não vamos no stand-­‐up comedy temos asco ao baixo pensamento que não leu não fez referências não se solidificou mas ficamos extasiados com a virtuose por que a virtuose corpos que se movem lindamente e expressam agonia e nos apresentam a dramaturgia mais pasteurizada possível e até mesmo um tanto machista moralista que tragédia os corpos transarem e se diver,rem que perspec,va é essa que nos faz crer que somos inteligentes e crí,cos e que amamos tanto pois saímos amaciados e crí,cos mas que cri,ca se faz quando não há possibilidade senão não ser amar que jogo se realiza quando não se há espaço além da disposição de tudo que nos entretêm corpos nus movimentos belos matemá,ca aplicada história basilar uma pitada de drama delacroix não inves,do porque pena só três minutos de um possível náufrago da medusa não the show must go on a produção de sen,do não pode parar o entendimento não pode parar não é possível que eu precise entender tanto do mundo me deem um pouco de dissenso de briga de caos de coisa errada de ideias falhas de ataque ao show bussiness me deem manteigas pedras um pouco de pó álcool cantos vazios corredores luminosos que não apontam para nada não apontem para esses corpos que só querem se mexer belamente e falar que arte boa é arte bela não podemos passamos por isso con,nuamos passando sempre passaremos talvez não estou num showprecisamos ajustar nossas sensibilidades não é possível con,nuarmos aqui que falsidade é essa de corpos treinados ajustados comportados padronizados que respeitam e codificam que loucura é essa na contagem sete oito que gestos são possíveis dentro de uma máquina que não nos deixa espaço porque o cansaço não pode ter espaço porque senão inves,mos nas coisas inves,r não é mais possível apenas assis,r com intervalos comerciais breves e bem feitos nossa avignon não tem ruínas nossa avignon foi sedimentada acinzentada show de pop spice girls backstreet passamos por tanta coisa e voltamos para cá não é possível na verdade é uma questão de ajuste não há olho sem pensamento não há pensamento sem ideia de mundo não há ideia de mundo sem um mundo que vamos cons,tuindo sem coisas que olhamos sem espaços que se abrem mas para que esses espaços se abram aos meus olhos é preciso que espaços se abram para quem promove espaços por isso a crí,ca meu deus é por isso que


precisamos pensar após ver para depois ver de novo e para sempre para ajustar as possibilidades como cabos de antenas ou cordas de violão não para que as coisas se acertem mas para que con,nuem ou para que deixem de ser desculpa lady gaga não era você o problema talvez seja mas não agora pelo menos há alguma sinceridade nesse exagero todo o problema é o cinismo é o espetáculo é a ideologia por trás dele é o cirque de soleil o fe,che do mercado sim que lindo o teatro jamais veríamos isso mas precisamos mesmo ver isso o que disso é nosso não falar que a tragédia é universal é um equívoco o capitalismo é universal o mercado é universal o mercado precisa estar muito bem entendido afinal de contas saímos pagamos pegamos nossos carros estacionamos tomamos um café um pão de queijo sentamos com binóculos linda classe arrogante e culta que sabe das mazelas do mundo mas tropeça nas suas próprias mazelas isso sim é arte boa arte de verdade meu filho jamais faria minha filha talvez fará depois de dez anos torcendo os ossos numa sala de aula aí sim ela me dará orgulho ar,sta de verdade que se expressa que emociona as pessoas arte é isso emoção expressão e sen,mento arte jamais será pensamento porque não devemos pensar em nada que não mude as coisas pra já pra hoje pra agora não devemos acreditar num mundo possível e futuro onde não haja casa ballet ins,tuição agencia a gente prédios urubus fotografias guerra o pão de queijo que estava duro que bosta a chuva as manteigas os ar,stas a música que toca lá fora um mundo sem nada disso um mundo sem a gente não não podemos imaginar tais coisas só podemos nos emocionar e nos expressar pois somos humanos e fazemos isso desde sempre lembra das cavernas mas lá não ,nha ingresso meia entrada entrada inteira pra ver as pinturas agora estrobo os corpos estão suados são muitos jamais produziríamos isso quem teria essa grana e que empresa pagaria por isso não precisamos fingir que somos crí,cos estamos em são paulo eixo rio a europa tá do lado estados unidos tá em cima todo mundo vem pólo cultural estudamos fora e voltamos lotados de referências mas não sabemos o que fazer com elas não fazemos nada ficamos quietos e con,nuamos pois nos gostamos demais para falar qualquer coisa e gostamos demais de tudo para falar qualquer coisa apenas gostamos nos expressamos sen,mos e comemos pão de queijo e vamos para casa e dormimos felizes mas não consigo me reviro fico mal pensando que aqueles corpos não nos dizem respeito e no café de novo o pão de queijo ,ro a remela e con,nuo enquanto de repente uma linha se traça e é obvio porque não pensei nisso antes nossos corpos não nos dizem mais respeito. Por Rosa Maria de Oliveira Albuquerque Com Tragédia


















1 "Diagramas" : sobre o "Tragédia" de Olivier Dubois

Por Filipe dos Santos Barrocas Com Tragédia

1 Sessão fotográfica “Diagramas” realizada no dia 10 de Janeiro de 2010 em Lisboa por André

Alves, Filipe dos Santos Barrocas, Isabel Correia e Maria João Soares. Mais informações: hqp://perpetuummmobile.blogspot.com.br/search/label/DIAGRAMAS


Filipe M. dos Santos Barrocas nasceu em Lisboa no dia 21 de Julho de 1982 e vive em São Paulo desde 2010. Integra desde 2013 o mestrado em Artes Visuais na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, na área de Poé:cas Visuais, sob orientação de Mário Celso Ramiro de Andrade. Desafio que permi:u-­‐lhe aprofundar a inves:gação na área da fotografia que vem sendo desenvolvida através da interseção das disciplinas de sua formação com a dança, o teatro e a performance. É formado em arquitetura e fotografia.

| filbarrocas@gmail.com


O corpo como imagem, e depois sensação No final de uma semana assis,ndo espetáculos de dança, acho que assis,mos dez ao todo, guardávamos na memória as imagens que aqueles corpos formaram na nossa frente. A vontade era experimentar todas elas, caminhar por aqueles movimentos que nossos olhos acompanharam maravilhados. Sim, porque a compreensão dos olhos parece não caber em si e nos convida a um passo além. O que será que estavam fazendo aqueles dançarinos? Dançar no final daquela semana era como responder, com graça, a tudo aquilo que havia chegado a nós por meio de tanta gente diferente. Era como poder tocar o mistério... E de fato, ali, de pé, podíamos reconhecê-­‐lo muito próximo de nós mesmos. Sen,r todo seu peso, aqui. Corpo. Imagine tudo isso acontecendo num pequeno ambiente preparado para o convívio, com música e almofadas para sentar e conversar. Um espaço de convite. Todos se viam muito parecidos ali: plateia e dançarinos fora do espetáculo. Um dos bailarinos, que vimos se apresentando lindamente naquela mesma tarde, veio girando incluir os corpos dos convidados, os "não-­‐dançarinos" um pouco "desaquecidos", que foram se juntando por ali. Os que trabalham com a dança mostravam que já andaram por lugares que nós, aqueles que não se dedicam aos movimentos, não conhecem ainda. Era possível perceber isso em suas simples interações descontraídas com a música que tocava naquela noite de reencontros e descanso. Seus movimentos eram daqueles que carregam em si memórias do tempo que passaram com o próprio corpo. Mas, para o olhar atento as diferenças diminuem... Foi possível perceber, em meio a tantos pensamentos, aquilo que é comum a todos. Somos feitos da mesma matéria. Assim, se ouviu claramente um convite, nenhuma outra ferramenta é necessária. A nudez tão presente em várias apresentações de dança não é só aparente, a nudez é então o reconhecimento do que somos sem exceção. Naquela noite meu corpo me levou para dançar. Minha luz e minha sombra costumam arrastar meu corpo por aí, mas a novidade foi ser embalada pelo meu ventre. Embalada por um corpo que me acolhe sem necessidade de conquista. Sen, algo me envolver. De repente, aquela enxurrada de imagens que me fez sonhar durante toda semana, revelou-­‐se em sensações. Elas já estavam todas guardadas aqui, o corpo carrega mais do que imaginamos, silencioso queria transbordar. Ampliou-­‐se. Quanto prazer na descoberta de Habitar! Somos! Por Isabelle Cedo} Com Bienal Sesc de Dança 2015


Isabelle Cedo} nasceu em 1991, na cidade de São Paulo. É graduanda do curso de Artes Visuais da Unicamp e tem se dedicado ao trabalho de gravura, desenho e pintura. O mistério das imagens que essas prá,cas produzem tem a ajudado a procurar no corpo a fonte de uma beleza que se revela na matéria. Tem se interessado pelo estudo do corpo e do movimento como busca por entender as imagens que forma no ambiente a sua volta com essa que reconhece ser sua matéria permanente. | isabellecedo<@gmail.com


Nossos corpos em encontros múl<plos Mul,tude _ Dezessete de Setembro de 2015. Não podíamos imaginar que com todo aquele frio recheado de chuvas, raios e trovões a Primavera anunciaria sua chegada em plena quinta-­‐feira ensolarada. Amolecidos pelo calor e preenchidos da pesada comida do restaurante universitário da UNICAMP nos reunimos ao meio dia no Marco Zero para, desconfiados mas cheios de expecta,vas, ver chegar de todos os cantos bailarinos par,cipantes da Bienal SESC de Dança 2015. Quente.. quente.. quente.. “Será que conseguirei encontrar um pedacinho de sombra para confortavelmente assis,r o que esses corpos nos vieram dançar?” “Com ou sem guarda-­‐chuva?” “Na grama ou nas pranchas oferecidas pela produção?” “ops.. mais um bailarino de ténis, calças grossas e blusa de frio acaba de passar. Ele deve estar com calor.. como eu a pessoa ao lado.” De um segundo a outros nos deparamos com corpos que não paravam mesmo de chegar e ali se colocavam, ao sol a pino, carregando diversidades de tamanhos, formas, texturas, histórias, penteados, cores de pele, nacionalidades(?!). O som, como os corpos ganha o espaço. Antes um marco zero e logo um marco cheio. O que os números preenchem? Será que a gravidade age de modo diferenciado quando faz tanto calor? Carregar-­‐se, manter-­‐ se de pé se revelava di•cil. Por que não ceder? Cederam... são humanos! São humanos? Não sorriem.. têm olhos vidrados. Respiram e “pla€”. Cedem. Cedem braços, cabeça, quadril... caem. E levantam-­‐se. Agora o um é o todo. O corpo é cole,vo. Enquanto uns caem, outros se levantam. Enquanto aqueles cedem... outros resistem. E finalmente se revelam gente... (como as gentes sentadas à assis,r) que cede e resiste. Os olhares se cruzam e permitem pequenas permanências de encontro tencionados. Por calor, pelas diferenças, pela regra coreográfica, pelo afeto, ou o momento único daquele encontro de dois, três ou mais indivíduos-­‐grupo. As linhas no espaço vão se desenhando no aglomerado de corpos em movimento. Ih... mais um cedeu! Espere. Alguém sabia que este cederia e o segurou. Coisa de gente que está junta. Quando um cede... alguém apoia?! Por que olham sempre para o céu antes de cair? Seria um suspiro? Um espaçamento na coluna? Quem pega, apoia, cuida... o faz com agressividade... doçura... técnica... se tornam um? São todos por todos? A velocidade cresce. Os acasos se estabelecem. O círculo se forma e sem prévio aviso teremos uma nuvem de corpos-­‐insetos ruidosos. Esse furacão, pelo segundo de suspensão, move o vento nos espaços entre-­‐corpos. Nos esquecemos por um segundo do calor. Parece bonito... prazeroso ser parte desse todo. Mas do que abrimos mão para nos integrar? Ferimo-­‐nos? Nos olham abertos... sedentos, enquanto com nossos olhares dizemos: Estava lindo e delicioso vê-­‐los assim... seguindo o fluxo! Dói? Se dói?!


Veja só o que esse todo amoroso faz um o corpo pequeno e frágil daquela menina. Segura-­‐lhe pela pela... roupa(?) e joga-­‐a aos ares... muitas mão, muitas forças em função de uma solidão. Ferida. Ardida. Rasgada. Humilhada. Nua. Escancarada. Mas, o corpo resiste. E cai. Sustenta e cede. Aparenta o que queremos ver (resistência) e chora. No entanto, como é um dia quente, e já estamos todos rasgados, espaçados... o que mais temer? Revelemo-­‐nos. Deixemos transparecer o suor, as formas, as camadas que desfazem... deixemos voar tudo pelos ares do an,go Marco Zero. Aglomerados e unificados por nossas feridas abertas, prontos para mais uma vez ser pisoteados e logo em seguida pisotear. Porque ao fim de tudo somos aquele monte de corpos, jogados uns sobre os outros que se revelam únicos por suas dores na mul,dão. Por Renata Sanchez Com MulAtude

Renata Sanchez é atriz, professora e pesquisadora de Teatro. Graduada pela Universidade Federal de Uberlândia. Integrante do Grupo Giz de Teatro.

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INTERVENÇÃO (Gráfico planificado da violência) X REALIDADE (andarilho viaduto) Chegando para trabalhar me deparo com vários corpos marcados na rua, cena assustadora... logo vem a relação com assassinato, crime, violência. A curiosidade me cutucou e fui buscar na programação da Bienal de Dança o que teria acontecido ali... uma intervenção. Não pude assis,r a intervenção Gráfico planificado a violência no momento em que ocorreu na frente das dependências do Sesc Campinas, mas passando diariamente por ela, vendo as silhuetas marcadas na rua fui me sen,ndo, não só expectadora tardia, mas também parte dela. A ação foi criada para chamar à reflexão sobre mortes violentas, crimes, assassinatos... essa reflexão é de suma relevância e o combate a violência armada extremamente necessário. Porém, lembrando que a morte não tem um único significado, a morte não é apenas “fim da vida animal ou vegetal” 1, mas também significa “destruição, perdição” 1 e não são poucos os seres humanos que se destroem, se perdem em meio as drogas, lícitas e ilícitas, se abandonam e agonizantes morrem não para a vida, mas para a sociedade. Aqui se mostra mais uma face da morte, a “Morte civil: perda de todos os direitos e regalias civis” 1 e esta morte antecede a outra, a morte do homem antecede a morte do corpo. Frequentemente pela manhã ao chegar ao trabalho me deparo com um andarilho que dorme debaixo de um viaduto por onde passo, mas naquela manhã foi diferente, naquela manhã foi mais triste, naquela manhã foi mais chocante... ele dormia sobre uma silhueta de alguém que parece ter morrido dormindo... Passo apressada como de costume, mas paro, volto com o celular na mão. Por que? Não sei.

Por Marina Hanzawa Com Gráfico Planificado da Violência

1 Dicionário Michaelis Online:

hTp://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-­‐portugues&palavra=morte


| marinaselingardi@gmail.com


carcaça na praça (ou “que diabo é isso?”)

notas fragmentadas sobre a performance carcaça, grupo strodum (uberlândia-­‐ mg), realizada na praça rui barbosa, dias 21 e 22/09, na bienal sesc de dança 2015

“já vejo violência todo dia, o dia inteiro, não preciso de arte pra isso” e o estrondo de uma marretada, ao lado. cabelos recém lavados cheirando a fumaça, ora roxa, ora preta. non habemos papam. “é protesto ou teatro?” um mosaico es,lhaçado disso. fragmentos do muito que se vê, mas sobretudo do que se ouve. “só ensina violência pras criança” e com um movimento brusco puxou o braço da menina que olhava maravilhada a ruína rolando, destroços construídos. a sociedade fundida no ferro. vigilambulismos desses que olham. “só tem maluco”, mas não malucos mansos, sim manos manicomiais minas massas movendo máquinas. “tem até mulher” e se brincar, elas te pisam, esmagam, espancam uma de suas nove vidas. cabelo azul-­‐raspado, flanco aberto, não te olham. pulam sobre, se jogam sob, voltam a super•cie, as minas massas. tem mulher sim e elas protagonizam a destruição, kali e seus pares de mãos arrancando maçanetas, netas calçando botas de sua ascendente guerreira. “jovem só quer baderna” e não está aí pra deixar o co,diano intacto, ro,nas guinchadas e grafites invisíveis. tem mais é que gritar numa trilha sonora sombria, coro dos descontentes que resolveu emparedar. “ó os roqueiros”, punks sem bateria. três acordes e pé na porta. “quero ver destruir uma ferrari”, se correr atrás, até alcançam, mas basta de vermelho que a gente se ar,cula no cinza do capital. é seco aqui sim. sendo que “marretar numa pedreira eles não vão” mas é na pedrada que a carcaça se faz ver. nem “vão arrumar um emprego”. nem fixar a “falta do que fazer”. nem “trabalhar que é bom... nada”. trabalhar não é nada bom. campinas, 2015. Por Eder Asa Com Carcaça


Eder Asa, natural de Ituiutaba-­‐MG, é ator e atualmente cursa Artes Cênicas na Unicamp. Já colaborou em periódicos como Vida Secreta – revista de literatura e ideias e Mallamargens – revista de poesia e arte contemporânea.

| ederasa94@hotmail.com


Mordedores Em um palco comum, sem cenário e com o centro vazio, preenchido apenas por cadeiras e espectadores em volta das paredes, Mordedores rompe, como outros inúmeros espetáculos contemporâneos a barreira de contato entre o ar,sta e o público, dando maior visibilidade e tato, para aqueles que buscam conhecimento sobre a essência do ser, não apenas do homem em geral, mas também, da singularidade do homem. Com uma proposta de expressões pavorosas e seus movimentos de repe,ção, Mordedores apresenta a violência como uma experiência puramente sensorial, onde é possível captar as fragilidades de uma sociedade doen,a, em que, tais sintomas tem feito parte do co,diano da humanidade desde os seus primórdios. Por fim, ao final de uma série de movimentos com conotações perversas e desumanas, Mordedores termina com uma música agradável e uma dança leve e descontraída entre seus de ar,stas. Mas, talvez, esse final lírico não tenha unicamente uma mensagem român,ca como nas ficções de novela e sim um ques,onamento ao público, se a violência não é inata à condição humana. Simplesmente perturbador!!! Por Ivo Sousa de Sá Com Mordedores


Ivo Sousa de Sá, formado em Ciências Contábeis pela PUC-­‐SP. Atualmente, atua como auditor contábil na PwC.

| ivosousadesa@hotmail.com


Invasão Alienígena Todos de camiseta branca, algo como uma cueca também branca, tênis branco e as 2 moças sem sou,en. São 6 dançarinos que vão perambulando pela plateia, que está em cadeiras minuciosamente separadas em grupos de 4, 3, 2 e às vezes apenas uma. Vão perambulando entre a gente e testando apoios corporais, fazendo movimentos como se fosse um aquecimento de dança e nada mais. Nada mais mesmo, porque olham para o chão e não interagem conosco. A música é forte, pesada, quase fúnebre. Penso cá comigo, depois dos primeiros 10 longos minutos em que eu sinceramente não via quase nada acontecer: caramba, vim pra ver o ensaio deles... não gosto de espetáculo assim, porque não vejo poesia nisso. Só exibição de técnica e os integrantes do grupo experimentando sensações e emoções hermé,cas para o público. A plateia fica de voyeur de algo que não é poé,co. Aí, eu reparo que o figurino não é tão imaculado quanto eu vi de longe. De perto, percebo que as camisetas tem a aparência de puídas, com pequenos furos e algumas até meio sujas. Os tênis também -­‐ em alguns dançarinos eles estão pintados de branco e são gastos. Nisso, começo a ver poesia. Quando o suor dos corpos começa a fazer desenhos nas camisetas fica mais bonito ainda. Isso então me remete mesmo ao o•cio do dançarino, talvez uma metáfora de trabalho, repe,ção, cansaço, exaustão e criação a par,r disso. Ok, vamos ver aonde vai dar. Metáforas do ar,sta criando arte me interessam. Sou atriz. Levei meu filho de 5 anos e levei também amendoim, jujubas e um pirulito. Quando chegou num momento do espetáculo em que os dançarinos finalmente começaram a nos encarar com seriedade e algum ar de desafio, mais da metade do elenco que passou pelo meu filho o encarou e se interessou, talvez, pela reação dele. E ele querendo ir embora. Já ,nha perguntado duas vezes “se o espetáculo não iria terminar nunca”. Então ele começou a se cansar, querer falar, sair do lugar, brincar de dar bala pra minha amiga... e eu fazendo psiu! e pedindo pra ele fazer o favor de ficar quie,nho. Queria observar melhor o espetáculo e queria que ele “se comportasse”. Bem , isso é sempre um erro...


Os dançarinos já ,nham acentuado a cara séria e já faziam caretas quase de maldade. Exibiam seus movimentos sem poesia quase em cima das pessoas. Aí resolvi interagir com meu filho pra ele interagir melhor com o espetáculo. Falei a primeira coisa que me veio à cabeça, imbuída que estava daquelas caras desafiadoras, da música ameaçadora e do fato de uma dançarina ter aberto a garrafinha de água de uma pessoa da plateia e ter derrubado a água no chão, colhendo o espanto acanhado de seu dono: “Filho, você acha que eles são alienígenas?”. Sim, recorri ao repertório de filmes e desenho que ele vê. “Olha pra cara brava deles... a moça abriu a garrafa de água do rapaz e derrubou no chão... tô com medo que ela roube o seu pirulito!” Ele ficou alerta. Agora os dançarinos eram alienígenas, pronto. E fiquei com essa intepretação pra mim, de verdade! Reparem comigo, se não tenho razão: com que então esse grupo de pessoas que olha estranho pra gente, se movimenta no meio da gente, quase atropela a gente, mostra sua quase nudez nada envergonhada pra gente, abre uma garrafa de água e derrama a mais que preciosa água no chão, sem se importar com o valor da água pra este planeta, no primeiro dia da Primavera, com este calor insuportável em Campinas???? Quer ato mais simbólico que esse pra indicar uma invasão alienígena de alienígenas em par,cular que não tão nem aí pra gente??? E a música corroborando com essa interpretação. E o cara que opera o som, com sua coreografia par,cular, dando vazão, embasamento e clima pra tudo. Que descaramento! E não parou por aí. A movimentação dos dançarinos fica mais intensa, eles já correm às vezes, cada vez mais bravos. Vi uns 3 comendo maçãs: a maçã não simboliza o fruto proibido para a humanidade? Pois é!!!! Esses aliens estão passando mensagens diretas, sem meias palavras – O QUE UM DIA FOI PROIBIDO PRA VOCÊS A GENTE SEMPRE FEZ, NADA É PROIBIDO PRA GENTE!!! Que insulto, meu Deus! Que opressão está por vir! Vão nos subjugar, nos exterminar! Pergunto ao meu filho, vendo que algumas luzes se apagaram, se ele acha que o disco voador vai pousar. Sim, porque agora só falta mesmo o anúncio formal de LEVE-­‐ME AO SEU LIDER!!! Ele olha de lado e me mostra umas luzes meio acesas não muito longe.


Aí, do nada, eles aparecem limpando as mãos com um monte de álcool gel. Que que é?? Não tão querendo se sujar de humanidade quando forem nos exterminar com as próprias mãos? Depois do gel as mãos voltaram cheias de gliter brilhante prata, como luvas do Michael Jackson. Fiquei pensando... o brilho do espetáculo, da arte, das estrelas, da lua... fiquei tentando fazer uma conexão, que não veio. Será que eles vão salvar só as artes? Será que vão levar as artes embora pras estrelas? Meu filho a essa altura já ,nha perguntado mais uma vez se isso não iria acabar nunca. De qualquer forma, escondeu o pirulito atrás da minha bolsa. No final, 5 dos 6 dançarinos rolaram no chão, bateram seus corpos nas pernas da plateia e lá ficaram. Uma dançarina fez um solo com uma dança diferente. E acabou. Queria declarar o seguinte: podem ir parando por aí com essa tenta,va de invasão, porque aqui não tem ninguém cordato não! Reagiremos com crianças, amendoins, jujubas e pirulitos! E tem outra coisa que vocês não sabem: ,rei uma das cadeiras do lugar porque eu não iria ficar separada do meu filho SÓ PORQUE VOCÊS QUERIAM ASSIM... Por Silvana Di Blásio Com Biomashup


Silvana Di Blásio é socióloga. Mestre em Educação pela Unicamp (Faculdade de Educação -­‐ Grupo OLHO). Atriz. Especialista em Arteterapia. Funcionária da Unicamp desde 2006, lotada no CIS Guanabara.

| silvanablasio@gmail.com


Como o futuro torna-­‐se primi<vo? Quando resolvemos nos a,rar da escuridão em direção à luz, o processo não gerará consenso cole,vo, acordo, sossego, tampouco opinião homogênea. Assim nasce deste caos a explosão sonora de colisões. Não haverá resistência às gravidades. Pesa leve Pisa leve Pesa pesado Pisa pesado O impacto igualmente abalante. O ritmo ,c, O ritmo tac. Esta. É. A. hora. De. Desacelerar. Manter um ritmo acelerado é uma tarefa de resistência e compromisso com sua permanência. Uma permanência garan,da enquanto espalha um desconhecimento eminente da sua u,lidade. No presente não se transita pela velocidade máxima, se a,nge e se supera. E no futuro? No futuro, o comprome,mento com o estar em transição pelo caminho exige entrega à presença de um agora como nunca. Por Makeda Smenkh-­‐ka-­‐Ra Com Futuros Primi,vos


Makeda Smenkh-­‐ka-­‐Ra é vivente de um espaço-­‐tempo que exige a sensibilidade de contagiar-­‐se de afeto, coragem e destreza. Os caminhos pela dança, agroecologia, pedagogia e o precioso ócio criaAvo experimentam a arte e natureza como ela mesma. | makeda.dyese@gmail.com


Notas com BIOMASHUP: o corpo como buraco da fechadura Se eu pudesse uma interrogação como os corpos podem janelas: Onde vocês estão? -­‐-­‐ Depois da bilhetagem o público cruza um portão de ferro e se depara com um e s p a ç o amplo e híbrido. Espécie de galpão avarandado: quando entramos vemos a nossa frente as costas de uma casa longa que tem as janelas cerradas por ,jolos acimentados. Nas periferias do espaço, uns pedaços de estruturas férreas e mato. Se olhamos para a direita, lá no fundo o espaço se abre ainda mais num terreno que é um estacionamento, pr’além dos poucos veículos parados um muro que deixa aparecer ves*gios da cidade: cabeças de prédios e de árvores. Toda essa estrutura, responde à alguma distância dos olhos e denuncia o alargado vazio que é a construção. As cadeiras que elaboram o lugar do público estão organizadas ora sozinhas, ora aos pares ou trincas ao longo de toda a extensão coberta do galpão e há grandes espaçamentos entre elas. Em frente à mul,dão de cadeiras e espaços vazios um grupo de 7 pessoas ves,ndo camisetas brancas está organizado de pé em uma pequena roda. Entramos. Sentamos. Esperamos. E é curioso como, ainda que a disposição dos assentos sugira que a dança não virá em um formato para palco italiano, boa parte do público procura as cadeiras "da frente" -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ -­‐ quanto tempo dura um paradigma? -­‐ -­‐ -­‐ Um som de gosto grave espalha os bailarinos afastando-­‐os e redimensionando a roda, movimento que faz com que o theremin e o músico sejam descobertos. O theremin é um instrumento eletrônico de vanguarda criado por Léon Theremin... Mas eu não sabia disso enquanto assis,a BIOMASHUP. De onde via a dança o instrumento aparecia como um pedestal com membros metálicos, e é com alguma surpresa que me dou conta de que os sons surgem dos movimentos realizados pelo músico sem que ele encoste no instrumento. Os bailarinos começam grada,vamente a tracejar o espaço por entre os gordos sons metálicos que ressoam. Os movimentos têm força concêntrica – a energia gerada na dança é toda catalisada no corpo mesmo; o movimento não se extende, não sobra nada. Toda intensidade produzida pelos movimentos alimenta o próprio movimento, retorna a força para o motor que a produz, não explode. É magne,zante.


DOBRAR – DOBRAR – ESTENDER – ARRASTAR – DOBRAR – ESTENDER – ARRASTAR Na medida em que a dança se desenvolve, a dimensão de espaço e tempo vai tomando uma textura sem contornos, sem borda. Como se es*vessemos em um buraco. Penso no filme HER . . . Penso nos silêncios da música “A vida é um passo”1. . . Lembro dos meninos do “Bô”2. . . Em BIOMASHUP há um cuidado com o vazio que desafia a percepção e permite a construção de uma experiência entre público e bailarinos que é móvel, flutuante. A dança e o ver a dança obedecem às linhas ciné,cas geradas no encontro entre o movimento do som, o movimento dos corpos que dançam e o movimento dos corpos que vêem a dança. Não é uma equação simples. Para acontecer o trabalho exige do público dedicação -­‐ assim como exige dos bailarinos, que manipulam mais diretamente as forças em jogo na cena. . . . A dança se excita e se alarga geograficamente na medida em que se desdobram as ações iniciais DOBRAR – ELEVAR – ARRASTAR – PULAR – DOBRAR – GIRAR Os bailarinos se deslocam pelo chão do galpão cortando-­‐o de fora a fora e, enquanto eles voam obje,vamente surfando espaços vazios, o músico permanece de pé até o fim no lugar que está desde o princípio . . . O trabalho é uma longa viagem e ques,ona a materialidade do tempo e do corpo . Melhor: ques,ona suas funcionalidades . . . A dança em BIOMASHUP atravessa o corpo amenizando os seus contornos humanos (?) Um mergulho em um túnel do tempo de ordem não cronológica

1 Faixa nº5 do EP Fregata Magnificiens, do cantor carioca Lício. 2 Trabalho de 2014 da Cia R.E.C (RJ), dirigida por Alice Ripoll.


A pele que dança aparece como um buraco de fechadura: lugar para ver através . Assim como não podemos encostar nos buracos, os movimentos dos bailarinos aparecem como se fossem criados sem encostar no corpo, mas olhando através dele -­‐-­‐ BIOMASHUP cria um corpo ao elaborar uma experiência que se constrói não somente pelo que se vê, ou pelo movimento que se executa; interessa o que se re-­‐vela através do corpo: o que ao se mostrar em formas, se subtrai em silêncio e aparece sob uma textura não obje,va mas criadora de percepções e afecções concretas. . Um convite sofis,cado a uma outra possibilidade de ver dança.


Laura Vainer é massoterapeuta e estudante de Licenciatura em Dança na UFRJ, onde trabalha como bolsista/monitora no Laboratório de Arte Educação e pesquisa a transa dos processos ar*s,cos com as prá,cas de ensino-­‐ aprendizagem. Atua também como estudante-­‐pesquisadora no Núcleo de Pesquisa, Estudos e Encontros em Dança/UFRJ, com o qual vem construindo uma cartografia afe,va da Zona Portuária do Rio de Janeiro a par,r da inves,gação de modos possíveis da dança exis,r com as pessoas e os lugares. Como pesquisa pessoal mantém o blog vasculhandoamor.wordpress.com que se move na elaboração de materiais ar*s,cos a par,r da interrogação o que é uma transa?

| laauravainer@gmail.com


DESLOCAMENTO Uma informação importante: O espetáculo aconteceu no MIS – Museu da Imagem e do Som. A escolha desse espaço desenhava o trabalho. Expecta,va! A relação corpo-­‐espaço fez presente e potente. Alívio! Primeiro Ato: Estruturas corporais apareciam espalhadas nos cômodos do museu. Um corpo, formado por duas pessoas, escorado na parede da sala a esquerda, outro corpo, também formado por duas pessoas, na sala à direita e mais um desses, na sala ao lado. Corpos, estruturas ou esculturas? Se movimentavam entre um retrato e outro, pausa e pose. Três corpos e um estranho transeunte que circulava do lado de fora do museu, escolho ver, quando saio para fora do museu. E o vejo de surpresa, de dentro do museu pela janela. Retrato. O espaço se ocupava pelo tempo dilatado das ações. Pausa e pose instauravam a presença de um corpo (formado por dois), que me atravessava. Os movimentos cuidadosos e os encaixes minuciosos instauravam a presença desse corpo e me mostrava um trabalho de corpo. Prome,do e cumprido. Prome,do, pela primeira impressão de figurino, que pra mim logo se reconfigurou como corpo (estrutura ou escultura). Cumprido pois são corpos, estruturas ou esculturas, que se apropriam do figurino, do espaço e do corpo do outro que está no mesmo corpo. Segundo Ato: Os corpos se despedem de si e revela quem os habitam. Uma nova estrutura é proposta. É manipulada cuidadosamente por dois seres humanos, que se conectavam pelo olhar e pela parceria na ação de manipular a nova estrutura proposta. O público era o Deslocamento, sem receber nenhuma orientação, pois o trabalho, por si só, conversava e conectava o público a proposta de circular. Terceiro Ato: Os corpos voltaram a habitar seus respec,vos corpos: seis corpos se transformaram em três e esses três se transformaram em um. Um ninho de pernas, pés, braços e mãos que configurou um único corpo. De novo movimentos entre um retrato e outro, mas ainda, um único corpo, formado agora por seis corpos. Um corpo, uma estrutura ou uma escultura?


Gran Finale: A grande massa se divide em três; A música acaba, os corpos, estruturas ou esculturas permanecem em pausa; As pessoas aplaudem e deixam o espaço; No hall, um susto; Não escolho ver aquele que permanece nas escadas; Risos de inconformidade; Permanência de inconformidade. Fim, ali. Por Paula Poltronieri Com Deslocamentos

Paula Poltronieri é estudante do curso de bacharelado em Dança pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Trabalha com criação na área da Dança, performance e produção cultural.

| ps.poltronieri@outlook.com


Onde o Horizonte me Move Ao chegarmos para assis,r a intervenção Onde o Horizonte se Move de Gustavo Ciríaco e grupo aguardamos em frente a tradicional padaria campineira Nico, na espera é possível tomar um café e observar o fluxo circular em torno do Balão do Castelo e mapear brevemente a paisagem. Quando é dada a hora, somos conduzidos até o Centro da praça, um largo balão rodeado de avenidas nos recebe, embora exista um generoso calçadão em torno da torre de observação, há poucos pedestres transitando, em contraponto um caudaloso fluxo de carros circunscrevem órbitas em torno do balão e se esgueiram por suas já determinadas rotas, avenidas que desaguam em diversos pontos de Campinas. O calor da cidade a esta altura do ano queima, somos recebidos na única sombra gerada pela torre, os performers andam de um lado para o outro do balão, traçando trajetórias, passam a se aproximar de nós, o público, ali nos assemelhando a um bando de turistas -­‐ afinal, é raro ver um grupo de pessoas paradas no local, só podia se tratar de uma ação estrangeira. Já a nossa espera os performers dão início a uma série de falas que atuam como guias coreográficos, geradores de imagens. Os textos falados são uma mistura fér,l de informações reais e ficcionais que constroem paisagens, imagens e sensações ao longo da peça. Na cena seguinte, todos nós agora em cima da torre, após a ver,gionosa subida nos mais de cem degraus, assis,mos a Campinas, somos rodeados pela sua vista em 360 graus. A escada em espiral, além de seu uso primeiro que é o de levar as alturas é usada como concha de emissão, dela escutamos os performers chegando, canções por eles entoadas, mitos e verdades sobre a paisagem, horizonte de possibilidade, recortados pela voz e pelos corpos em ação de dança. Se na altura da praça e dos carros a temperatura é elevada, no topo da torre o vento bate forte, refresca, movimenta e nos faz dançar também. Os cabelos voam de lado pra outro, somos também corpos em movimento que compõe esta dança. Equanto brisamos nas belas construções que a paisagem do alto de Campinas pode configurar, somos acome,dos pela possibilidade de assis,r a dança na cidade, que não nos aprisiona às expecta,vas de ser arrebatado e conduzido unicamente por uma só frente. A luz do sol transmi,da através do uso de grandes espelhos nos convida a olhar para baixo e acompanhar o fluxo da cidade. Na dança que ali se propõe, há uma organização do corpos dos performers junto ao movimento já presente na cidade, por horas atravessam as ruas, se confundem com a paisagem local e de sua organização coreográfica abre-­‐se para nós a possibilidade de vermos o fluxo da cidade como dança. Os carros solam, rodopiam em torno da torre, os passantes tornam-­‐se personagens, ganham papéis, são engrandecidos na sua pequenez co,diana.


Como público, num dia tão quente às vésperas da Primavera é um deleite passear e assis,r a esta dança. É um respiro estar fora da sala de apresentações, nos envolvendo com as temperaturas do espaço. Deste modo não estamos condicionados já de imediato a estarmos sentados e em silêncio, já a vontade o público aponta e comenta um com o outro sobre o que ali acontece, do alto da torre somos cúmplices das ações que acontecem no entorno. Quem passa de carro, alheio ao nosso segredo ri-­‐se, o que fazem ali pessoas fantasiadas de prédios e das insistentes farmácias que se alocam no Balão do Castelo? Nós do alto, somos privilegiados desta ação, rimos juntos deste horizonte deslocado, móvel, enxergamos dança neste delírio ver,ginoso que encontra seu habitat no calor do deserto urbano. Por Maitê Lacerda Com Onde o horizonte se move

Maitê Lacerda é arAsta da dança dedicando-­‐se as áreas de coreografia, pesquisa e direção arpsAca. Possui graduação em Dança e cursa mestrado em Artes da Cena na UNICAMP.

| maitelacerda@hotmail.com


E depois, ontem, eu aprendi a criar um novo mundo! Onde o horizonte se move é uma obra de dança do ar,sta Gustavo Ciriaco que acontece em relação a um espaço especifico, isto é, sua narra,va se desenrola a par,r da apropriação e resignificação do espaço em que ocupa. Tive a oportunidade de assis,r a obra no contexto da Bienal SESC de Dança 2015, que aconteceu em uma torre localizada em uma praça publica. Para escrever esta cri,ca, uso experiencias internas que vivenciei durante minha fruição como ponto de par,da. Eu não cheguei ao local sozinha, mas sim com um grupo de cerca de 25 pessoas que tambem iriam par,cipar da experiencia. Deslocavamos-­‐nos pela praça como um grupo, quando percebi que uma pessoa estranha ao nosso bando cruzava nosso espaço. Essa pessoa me pareceu estranha, não por sua forma de se ves,r, mas pela forma como ocupava o espaço. Enquanto nós, espectadores, cruzavamos a praça em uma linha reta e num tempo lento, esta pessoa caminhava ziguezagueando o grupo, no sen,do contrario a nossa direção, em uma velocidade mais rápida do que a pra,cavamos. Voltei meu olhar para a pessoa, quando percebi que ela tambem não estava sozinha. Como ela haviam outros corpos se deslocando em contraponto ao nosso grupo, e estes corpos por sua vez criavam um outro grupo com dinamica propria. Eram, de fato, os ar,stas em ação. Percebi neste momento o que considero a principal questão nesta obra de Ciriaco: para o publico não está claro quem dança e onde está a dança. Enquanto espectadores, ao longo da obra, buscamos a todo momento encontrar onde está a ação dos ar,stas que surge, desaparece se confunde com a paisagem circundante. Precisamos ser curiosos, nos mover no espaço, buscar no horizonte as ações dos ar,stas. Enquanto publico, passamos de uma fruição passiva, onde ficamos em um ponto esta,co, recebendo a informação que vem da obra para para uma fruição a,va, onde nossa atenção é convocada a todo instante para localizar o ar,sta em ação. E esta questão, de não saber claramente quem dança e onde está a dança, é reforçada ao longo da ação, com a a,vação do imaginario individual do publico. Os ar,stas usam ar,ficios infan,s, de imaginar diferentes tempos e espaços, diferentes realizadas possiveis do espaço ocupado. Como numa brincadeira de crianças, o publico é convidado a imaginar dinossauros, lagos, pacus, asteroides e até o fim do mundo. Em um jogo ludico, a percepçao do publico é a,vada e rea,vada tanto internamente, no proprio universo image,co, bem como no espaço externo, por meio da observação e resignificação do espaço publico. Este universo ludico tambem aparece nos jogos coreograficos protagonizados pelos ar,stas no espaço urbano: brincam de esconde-­‐esconde, usam mascaras e figurinos sa,ricos e realizam coreografias que, em sua essencia, parece ao publico uma grande brincadeira. Mas esta brincadeira não é ingenua. Ela nos revela o condicionamento que sofremos enquanto publico e enquanto sujeito urbano. Nos mostra a fragilidade de nossos corpos em um ambiente que não para para exis,rmos. Revela o ritmo urbano e a coreografia con,nua dos corpos na cidade, e denuncia o impercep,vel: vivemos em um mundo já coreografado.


No entanto, para além de seu poder de denuncia, Onde o horizonte se move, foi para mim enquanto publico, um convite a criação. No papel de publico, me sen, co-­‐criadora da obra, e no meu papel social percebi que posso, sim, realizar coreografias em contraponto a um ritmo determinado pelo entorno. Assim como os ar,stas que entrecruzaram nosso deslocamento em grupo pela praça, eu posso criar contrapontos a massa social. Posso resgatar minha liberdade infan,l e criar novos mundos e novas realidades. Por Cynthia Domenico Com Onde o horizonte se move

Cynthia Domenico é ar,sta mul,midia. Em 2010 ganhou o Prêmio Mostra de Ar,stas no Exterior da Fundação Bienal de São Paulo com a performance "Como nascem as estrelas?". Desde 2007 pesquisa a transmidialidade na dança e cria coreografias por meio de diferentes suportes.

| somarealizacoes@gmail.com


A OLHO NU Olhos gen,s e nobres. Corpos resistentes, enérgicos e belos. Convite ao público para uma elaboração em conjunto. Espaço duvidosamente, talvez propositalmente, tacanho para a experiência a ser compar,lhada. “Essa é a minha session”, entoado por cada singularidade do grupo, corpos que se movimentam dis,ntamente, como que compondo sua melodia ímpar, como pássaros raros que se apresentam para seu público... graça, vivacidade, encanto, robustez, olhos nos olhos... De súbito, som pesado, amedrontador e os corpos se juntam, com gestos sincronizados, cadenciados, que, em conjunto e lentamente, se avolumam, se expandem, captam vigor de cada tronco, de cada contração muscular, crescem e, perante um público estupefato, uma fortaleza negra magnífica eclode e todos nós sen,mos seu triunfo em nossos corpos, lágrimas que desejam brotar de meus olhos na presença de tamanha potência. Par*culas sonoras corpulentas que mantêm toda a robustez construída fisicamente por corpos diligentes... suor, respiração ofegante... Pôr do sol, raios cin,lantes iluminam formas em constante construção ... Fortaleza se remodela em es,lo de brincadeira, pega-­‐pega, um correndo do outro, sorrisos de crianças, desenvoltura... Combates, tensões, desafios, “o melhor vence”... Tamanha destreza em tal espaço insinua uma aplicação e treinamento obs,nados, dores, prantos de agonia e de superação, coragem inigualável... “Essa pode ser uma session”, brada um deles, e todos se detêm para contemplar uma perspec,va que desponta... o imprevisto que irrompe... incessantemente ... No final, corpos extenuados a,rados ao chão, público em êxtase, vigor e energia que pairam no ambiente, experiência de resistência e beleza formidáveis, de uma nação que me compõe e me fortalece, que robustece meu coração, minhas veias, meu respirar, meu clamor, meu viver... Por Mary Fujimori Com Olho nu


Mary Yassue Fujimori é formada em Tradução (Unesp – São José do Rio Preto). Faz do escrever uma experiência catár,ca, onde aquilo que atormenta finalmente ganha talhe e concretude.

| fujimori.mary@gmail.com


A par<r de um olhar verdadeiro. O silêncio, as duas baterias ao fundo intocáveis sem produzir som algum. Logo entra um homem a caminhar. Ele para e re,ra os seus sapatos para mostrar que aquele solo que irá pisar é sagrado. Seu corpo passa a se movimentar de uma forma em que reverbera no espaço, trazendo outros homens um a um a compor aquele mesmo espaço. Encaixam-­‐se, completam-­‐se, conversam entre si apenas com a linguagem do movimento. Movimentos sincronizados e uníssonos deixam bem claro que eles fazem parte do mesmo habitat, que compar,lham da mesma cultura, da mesma fé, da mesma arte. Os corpos caminham pelo palco numa naturalidade sem estranhamentos. O solo que eles estão pisando é de domínio próprio. O espaço e o corpo já se tornaram um só, não há dis,nção. Entre suspensões, apoios e descansos, ainda com o silêncio predominando, eu me perguntei: -­‐ Só existe dança se houver música? On the Drums, os bateristas tomam seus lugares e começam a tocar su,lmente, com grande espaço de tempo entre uma ba,da e outra. As ondas sonoras produzidas ali reverberam nos corpos que se transformam a cada ba,da. O ritmo se intensifica e assim também os movimentos. Eles se juntam em rodas vivas, carregam uns aos outros, trocam energia através dos toques e logo se isolam cada qual em sua maneira natural de se movimentar, de viver. Que lugar é esse em que estão? Uma aldeia? Uma tribo? O que está acontecendo ali? Um ritual? Uma festa? Uma cerimônia? Eles se abraçam, dão as mãos, os corpos trocam olhares o tempo todo, e de repente uma voz ecoa e tudo volta a silenciar outra vez. É o comando do mestre da tribo.


Após o silencio a música volta com mais intensidade, marcando território. Daí em diante a tendência é fazer com que esses corpos não parem mais, apesar de um homem estar estendido no chão já há algum tempo. Parece que houve um conflito e que possivelmente terminou em morte. Os intérpretes balançam seus corpos su,lmente ao ritmo da bateria que os envolve. De repente todos estão marchando. Percebe-­‐se que há uma matriz de movimento a ser seguida. Os braços também vão tomando lugar nesta dança forte, de pés que deixam pegadas bem profundas e que marcam território. Cada vez mais esses movimentos se tornam fortes como num ritual, parece que eles estão entrando em contato com o divino. Entrelaçados e de mãos dadas, a impressão que ,ve é de que estavam presos uns nos outros, acorrentados. Essa cena me fez lembrar a escravidão. E nesse grupo sempre ,nha algum homem querendo escapar. Um a um se deitam, e sobram apenas dois corpos que não querem se calar. Cada qual deixa o espaço carregando um objeto consigo. Um par de sapatos, uma cadeira, a samambaia, um livro. O palco se esvazia. Que objetos eram estes presentes desde o início do espetáculo? Inspiração para cada um deles no processo de montagem que estavam alí de uma certa forma emi,ndo informações aos corpos que dançavam. A iluminação fez minha imaginação ir além e pensar que naquele céu havia pássaros sobrevoando aquela terra, avisando sobre a chuva que estava por vir. Agora a base são os giros, as danças circulares. Existe nesse ,po de dança uma força que os move. Há uma comunhão. Traz consigo uma história, uma iden,dade de quem é este povo. Já não sei se brigam ou se ajudam, mas várias são as formas de contato •sico entre eles. Contatos que caracterizam algo fora do co,diano de um ser humano normal. Normal aos olhos de uma sociedade desprovida da sensibilidade de entender ou compreender o que acontece ali naquele bando. Ora se encaixam, ora estão em oposição. Um corpo enfraquece, se estende na terra, mas seus companheiros o levantam e os ajudam a se tornarem fortes novamente. Alguns conseguem voltar a caminhar normalmente, outros não têm forças suficientes para o fazer sozinho e são carregados, em suspensão, sem tocar o solo, pois estão bem feridos, quase mortos.


É percep*vel em cena a grande sensibilidade dos intérpretes em saber o que o corpo do outro irá propor. A música faz o ambiente tensionar-­‐se cada vez mais, eles formam um grande círculo no centro do palco, há vozes uníssonas, a luz vai acompanhando o ritmo de uma roda viva que não para. Fim da música, as luzes se apagam no mesmo instante e o que estava se tornando intenso agora chegou ao fim. O grand finale não deixou a desejar, a não ser o desejo de assis,r outra vez. Por Nikolas Granado Com A parAr de uma história verdadeira


Nikolas Granado é estudante de Dança da Escola Augusto Boal de Hortolândia. | nikolas.fgranado@gmail.com


\\\\\\\MORDEDORES\\\\\\\ En completo silencio, sin modificaciones en la luz que nos recibe, nos disponemos (el público) formando un cuadrado de asientos .... dónde todos podemos mirarnos, donde esperamos que la escena acontezca al centro y sorpresivamente comienza la escena entre nosotros... son como uno mas...el sonido se amplifica como si la goma de mascar fuese nuestra necesidad inmediata. Son aquellos globitos de plás,co que descubrimos alguna vez... y apretamos y apretamos... con un sonido par,cular y que se apodera de las mandíbulas de los intérpretes. Ritmos, expresiones y corporalidades que no nos dejan indiferente... sin razón, ni mas información que 4 acciones que cons,tuyen la obra. Nos hacen entrar en el estado del cual el cuerpo se apodera... dejamos de ver los rostros: Cuando se comen entre ellos, cuando también comen todos de lo mismo, comen plás,co como cuales gallinas al maiz.... la obra nos presenta ciclos en forma de vicio, que empiezan y pueden perderse en lo mismo, una y otra vez.... ese lugar vicioso de la acción ins,n,va, que se comunica desde la boca como nuestro primer contacto con el otro, con el mundo.... y que a veces muchos de nosotros quizas no lo tuvimos.... tenemos la oportunidad como espectadores de seguir un recorrido que ocurre frente a otros, frente a mis ojos, desde lejos y desde cerca.... Me pregunto si he observado tan detenidamente las AVES. Su comportamiento me causó rechazo en la infancia, o simplemente no acaparó mi atención... Aves que nos muestran que también ,enen piel, que ridiculizan la piel cuando pasa a ser un juego para mi. Un juego porque me transporta a los indicios de todo, como si comenzara una exploración sin pretenciones ni tanta información... Es así como emerge la voz de lo que no sabemos, de lo que está en el cuerpo por abordar cuando se posiciona en la danza... con sus preguntas que se resuelven en la prác,ca y terminan siendo el conocimiento de lo que se estaba buscando... aparecen las exclamaciones que nos hacen ridículos, a los ojos de otros; las que no dejamos salir a flote por pertenecer a una cultura... que nos desbordan cuando no sabemos que estamos en el límite de habitar un estado... uno más de los cuántos nos facilita la inves,gación corporal... Ese estado que se sale del cuerpo, que quiere gritar y expandirse sin razón.... y es danza igualmente... y entonces, me pregunto si la forma o la técnica es aquella que no nos deja ridiculizar el cuerpo, entendiendo de que cuidamos algunas veces tanto lo que se ve y no.... Por María Jesús Pavez Hernández Com Mordedores


| maria.jesus.pavez@gmail.com


Um inteiro é composto por frações Cadeiras dispostas em fileiras incompletas sob um barracão. Seis bailarinos que não ocupavam um palco, mas faziam do espaço entre as fileiras seu palco. O espaço do barracão era grande, fazendo com que quase nunca dois bailarinos ocupassem o campo de visão do espectador simultaneamente. Víamos um por vez, mas não por muito tempo, dado os revezamentos e movimentações. Não *nhamos um espetáculo à nossa frente: ele era entre nós. Perdíamos e encontrávamos os bailarinos durante toda a performance, “Pra onde ela foi?”, se olhássemos pra trás a encontraríamos: “Ah, está no outro extremo!” Se você tentasse seguir um dos bailarinos com os olhos, perderia de vista seus movimentos pela distância, mas encontraria mais próximo outro bailarino, igualmente curioso em seus gestos mas em um diferente corpo. A con,nuidade se dava justamente pela costura entre os atos dos seis bailarinos realizados separadamente, perto ou longe do espectador. Havia um sé,mo elemento em cena, este não se movimentava por todo o barracão, mas ocupava fixamente uma das extremidades (percebo que considerar uma frente já não faz tanto sen,do). Ele era o responsável pela música que embalava a dança dos bailarinos, e essa música se fazia impressionar. Uma pequena caixa de madeira com uma antena e um conjunto de botões, daqueles caracterís,cos das mesas de som, eram seus únicos instrumentos. A antena era um sensor de movimento, que emi,a ruídos de acordo com a intensidade e direção do que fazia a mão do maestro. A música que cadenciava as movimentações era justamente criada por elas. Os ruídos eram de uma música eletrônica bruta, como se a música-­‐eletrônica-­‐de-­‐boate fosse posterior, lapidada. Lá ouvíamos os ruídos e interferências rus,camente. Se o mashup na música é a fusão de duas canções diferentes em uma, cabia aos espectadores compor –cada um à sua maneira-­‐ a unidade do espetáculo a par,r dos fragmentos apresentados. A iluminação natural deu lugar à ar,ficial, já que passava das 18h. Víamos maçãs sendo mordidas pelos bailarinos sem saber onde as haviam encontrado, os víamos passando com as mãos molhadas sem saber quem as molhou. As mãos molhadas deram lugar às luvas brilhantes que, seguindo um dos bailarinos, foi possível vê-­‐la ser feita após enfia-­‐las em um balde com gliuer. As ações eram inquietantes tanto pra nós quanto pra eles, que con,nuavam a movimentar-­‐se pela extensão do barracão. A luz se apagou. No breu, não havia mais bailarinos, luvas de gliuer, frações de movimentação. A potência da luz nos fez encontrar o gliuer brilhante, os corpos trêmulos por entre as fileiras e os movimentos da mão do maestro que produzia o que era ouvido. Sem a luz, perdemos todos; menos aqueles que se encontravam com um dos bailarinos caídos sob seus pés e pernas. O contato •sico a luz não desfez. Por Marta Barbieri Com Biomashup


Marta Barbieri é estudante de Ciências Sociais. | marta-­‐barbieri@hotmail.com


A tragédia do corpo nu Com uma duração de 90 minutos, recomendação etária de 18 anos, ingressos esgotados, bem como várias pessoas na página do Facebook indagando até minutos antes do início do espetáculo se alguém estava disposto a vender para elas algum ingresso, só posso dizer que este foi espetacular, maravilhoso e hipno,zante. Apesar de demorar a engrenar, afinal, nos primeiros vinte minutos a apresentação foi extremamente cansa,va, visto que eram apenas os bailarinos fazendo caminhadas que formavam desenhos no palco triangulares ou quadriculares, que mais pareciam um desfile de moda, com a diferença que não havia roupas para mostrar, mas apenas os próprios corpos nus expondo frontalmente suas qualidades e defeitos, ou seja, muito diferente do que estamos acostumados a ver em revistas, sendo a grande maioria “corrigidos” programas como o Adobe Photoshop. Neste início em que se observa os corpos nus que apenas se locomovem, sem movimentos além das pernas, parecia que a cons,tuição •sica das mulheres era mais imperfeita que dos homens. Não que haja perfeição absoluta no corpo, pois em cada um há sua própria beleza, mas imperfeito naquilo que hoje acreditamos ser o corpo feminino perfeito, já que cada momento histórico tem o seu próprio estereó,po. Isto me remeteu ao próprio nome do espetáculo, pois a “tragédia” surge quando há o aparecimento do teatro grego, sendo que na Grécia an,ga, uma sociedade machista, o corpo da mulher é considerado deformado em relação ao do homem, uma vez que o corpo masculino era ,do como a perfeição em termos de cons,tuição •sica e principalmente muscular. Ainda no início, a música é apenas uma ba,da para acompanhar esta caminhada, mas aos poucos vai se metamorfoseando, e de uma ba,da quase tribal de tambor vai ficando, bem aos poucos, mais agitada até se transformar em uma música eletrônica que te envolve e hipno,za. Junto a esta transformação, os corpos vão perdendo a andada tão regrada e começam a fazer movimentos estranhos, na qual cada bailarino começa a ter seu próprio movimento singular, destacando-­‐se da mul,dão. Estes pequenos movimentos vão se expandindo ao máximo até se transformarem em deslocamentos do corpo todo, ora conjuntamente, ora individualizados. As luzes acompanham estes movimentos, dando um grande contrate entre luz e sombra sob os corpos, deixando a fotografia do espetáculo fantás,ca, na qual parecia que havia um quadro do Caravaggio sendo recons,tuído ao vivo sobre o palco.


Toda a dinâmica do espetáculo também vai se alterando, e o que se iniciou com cada bailarino bem distante um dos outros, aos poucos, faz com eles se aproximem cada vez mais, e esta união dos corpos acaba por transformá-­‐los em apenas um único corpo. Esta junção também transforma os movimentos, tonando-­‐os cada vez mais sexualizados, sendo que em todo espetáculo a bailarina que mais parecia exalar uma energia sexual impressionante era do corpo mais distante do que consideramos sensual atualmente, pois era de uma gorda, com a pele extremamente pálida e cabelos vermelhos extravagantes. Também era ela que parecia guiar a união de todos os bailarinos. Ao fim do espetáculo, acabo sem ar e tenho que dar uma boa respirada para sair do estado de transe e poder aplaudir em pé, sem parar. Por Lais S. Belini Com Tragédia

Laís S. Belini é campineira de 26 anos, formada em Relações Internacionais, mas que deixou de atuar na área para trabalhar como vendedora numa galeria de arte, ao mesmo tempo em que tenta ser ilustradora e escritora.

| laisbelini@gmail.com


Prender a respiração, implodir: que vitalidade se compra na seção de congelados? A diretora Elisa Ohtake vem realizando peças que se debruçam sobre o que ela denomina como “vitalidade radical” dos intérpretes, busca corpórea que deveria ir de contramão a um suposto esfriamento da arte em tempos contemporâneos. Nessa busca, dois espetáculos já foram realizados: Tira meu fôlego e Let’s just kiss and say goodbye. Tratarei brevemente do primeiro, apesar de ambos se tratarem basicamente da mesma obra1, com a diferença que uma se reporta à dança e outra ao teatro. Em ambos, são convidados cinco intérpretes muito reconhecidos no cenário paulistano, o que leva a crí,ca Helena Katz a chamar um dos elencos de “dream team da dança contemporânea” (KATZ, “Lições de como construir o sublime”, 2014) em crí,ca realizada no Estadão e o crí,co da Folha Nelson de Sá nomear os atores do outro elenco como “entre os melhores dos elencos experimentais de São Paulo” (SÁ, “Let’s just kiss celebra o erro e a brincadeira do ator em cena”, 2014). A esses intérpretes, é proposta uma questão central pela diretora, a ser respondida em forma de solos ou monólogos: em Tira meu fôlego a proposta é “dançar apaixonadamente” e em Let’s just kiss... a pergunta é “Como seria sua despedida do teatro?”. A par,r disso, ambas as peças se desenvolvem da seguinte forma: iniciam-­‐se com um prólogo no qual o elenco apresenta uma letargia absoluta -­‐ comendo pizza deitados em piscinas de bolinhas, ou dormem em um sofá em um clima de pós-­‐balada -­‐ para depois apresentarem e realizarem “vitalmente” a proposta da diretora (em Tira meu fôlego os solos são separados, enquanto em Let´s just kiss... os monólogos se entrecruzam). Além disso, ambos os trabalhos possuem em seus *tulos nomes de músicas an,gas e hoje completamente reificadas dos anos 80 e 60 além de possuírem uma coreografia conjunta composta de gestos aparentemente “tolos” (como levantar a perna para o lado ou dar dois passos para frente). Nessa aparente recusa do capitalismo – assumida nos programas dos espetáculos – a diretora se coloca como crí,ca de um atual cenário da dança e do teatro, tentando resgatar uma presença – ou melhor, “vitalidade” – que ela detecta como perdida e ausente na produção contemporânea. Veremos aqui como esse posicionamento, de uma suposta consciência total da forma da arte contemporânea, aliada a um retorno instrumental em relação aos materiais modernos da linguagem (seja o teatro ou a dança), tornam a peça essencialmente pós-­‐ moderna (qualidade problemá,ca de se apontar em pleno 2015, como veremos a seguir) e dotada de uma precisa razão cínica, como apontado pela crí,ca Flávia Couto, em crí,ca elogiosa da peça Tira meu Fôlego, na qual diz que a arte é um terreno no qual se pode “livremente recorrer ao cinismo, à ironia, ao ridículo” (COUTO, “A paixão de Tira meu fôlego”, 2014). Tentarei mostrar que não, demonstrando como, a par,r dessa operação de uma suposta crí,ca cínica que foi muito vista nos anos 80 e 90, a peça simplesmente reafirma uma lógica comum de produção e consumo de um “certo ,po de” vitalidade através da aglu,nação e horizontalização de todas as referências, colocando acima dela apenas os intérpretes e direção que, profundamente conscientes de tudo, apenas cri,cam. Para tanto, me valerei principalmente de Hal Foster, no capítulo “A arte da razão cínica” de seu livro O retorno do real, além do livro do professor Vladmir Safatle no capítulo “O esgotamento da forma crí,ca como valor esté,co”, em seu livro Cinismo e falência da críAca. Vale apontar que, apesar de Hal Foster se debruçar sobre as Artes Visuais e Safatle sobre música (apesar do livro lidar principalmente com teoria social e polí,ca), a argumentação dos dois a respeito das escolhas mmkk


formais e suas implicações ideológicas parecem se encaixar perfeitamente à obra que aqui comentamos, o que reforça a constatação de que, não só um problema da obra, a razão cínica vem sendo – e ainda é -­‐ um modo hegemônico de organização de pensamento e produção de obras de arte. Porém, antes de olharmos para a peça, façamos um breve comentário sobre a passagem do modernismo para a contemporaneidade e o movimento pós-­‐moderno que se configurou como recusa do período anterior. O modernismo tem sido visto como um período de crenças fundamentadoras, principalmente em uma utopia possível de ser alcançada com a obra de arte que, autônoma e livre das amarras da função (ou do ritual, como nomearia Benjamin), pôde cons,tuir em si – ou ao menos tentar -­‐ um campo de relações de crí,ca e ques,onamento do mundo, através de um programa realizado a par,r da “autonomia de seus próprios processos constru,vos” (SAFATLE, p. 180). As vanguardas, movimentos incessantes de ruptura, tanto em relação à um status quo quanto em relações internas a si próprias, movimentam-­‐se a fim de transformar o mundo. Esse projeto moderno, porém, não se realiza, e o mundo não só con,nua igual como aparenta piorar cada vez mais durante o século XX, com as grandes guerras, o fim do projeto socialista e total hegemonia do capitalismo. É nesse contexto, em torno nos anos 80, que as teorias pós-­‐ modernas surgem como uma série de “reações específicas a formas canônicas da modernidade” (JAMESON, 1985, p. 17) com uma consciência crí,ca da própria crí,ca que se fundou no período. Esse movimento -­‐ como podemos ver com Hal Foster -­‐ tendeu a revelar tanto as imagens históricas da arte como as produzidas pela cultura de massa como fe,ches (FOSTER, 1996, p. 100), o que conduziu a arte a reduzir processos históricos a signos está,cos e convenções, impressos em obras que operavam “cada vez mais como espaços de repe,ção mimé,ca da realidade social fe,chizada” (ibid, p. 192). A par,r desse breve panorama, podemos voltar à obra, que é cons,tuída por uma série de evocações, no caso à história da dança e das imagens que cons,tuem nosso repertório contemporâneo – e estereo,pado – da paixão. A citação constante, assim como a indis,nção entre alta e baixa arte (“o desgaste da velha dis,nção entre cultura erudita e cultura popular”, de acordo com Jameson) apresentam-­‐se como fortes caracterís,cas do chamado pós-­‐ modernismo e da obra Tira meu fôlego. Como cita a crí,ca Flavia Couto sobre a peça: “conhecidas formas de marke,ng da paixão diluídas em cenas ambíguas, exibem padrões de como é estar apaixonado não apenas para afirma-­‐los, mas sim, bagunçá-­‐los em um desnudamento dos significados delimitados pela lógica do consumo” (COUTO, 2014). Agora, precisamos pensar no que implica uma obra se u,lizar desses padrões formais para se produzir, uma vez que Tira meu fôlego parte quase totalmente da imitação de formas já reconhecidas (importante ressaltar que os solos de Eduardo Fukushima e Cris,an Duarte são exceções nesse ponto, pois não só justapõem, mas transformam os materiais que são apropriados), sejam as formas da cultura de massa (formas de marke,ng da paixão) ou as formas da produção acadêmica e pesquisadora de dança. Claramente não há nenhum problema na apropriação de um histórico da linguagem, sua revisitação ou mesmo a cópia completa de obras (grupos como The Wooster group, as releituras e apropriações de Jérome Bel, as situações construídas de Tino Sehgal ou -­‐ se quisermos um exemplo de um grupo do mesmo contexto de Elisa Ohtake -­‐ o grupo paulistano Les Commediens Tropicales, que possuem obras que são reproduções exatas de outras), ou seja, o que está em jogo aqui não é o procedimento escolhido.


O que está em questão aqui – e quase sempre é esse o ponto – é a forma como as apropriações são feitas. Primeiramente a obra faz questão de apresentar de forma quase didá,ca sua proposta, incluindo nela a própria impossibilidade que eles detectam de realiza-­‐la (quase todos os intérpretes iniciam seus solos relatando a dificuldade dos processos de ensaio e a frustração em cumprir a tarefa, com exceção de Raul Rachou), em uma extrema racionalização do processo que tenta ser desconstruída quando os solos se iniciam: boa parte dos solos consiste em quedas, jogadas, exageros que visam demonstrar que “a paixão é profundamente desesperada” (COUTO, 2014). Munidos de elementos como chan,lly, mel, purpurina, ,nta vermelha, etc. os solos parecem se des,nar a uma ação “que demonstra a todo momento, seja pela excessiva força, seja pelos cortes e pelas justaposições, tomar distância do seu próprio gestual” (SAFATLE, 2008, p. 197). Em meio às essas ações desesperadas, boa parte dos intérpretes interrompe sua realização para narrar o que está acontecendo com o corpo ou pedir ajuda aos outros bailarinos para realizar algumas ações, em uma demonstração de um processo consciente de criação de sua dança. Vladmir Safatle, ao falar de uma peça de música de 1997, chamada Concerto conciso, se vale de uma descrição que cabe muito bem aqui, pois essa obra também “flerta com o informe sem abandonar a sustentação de um princípio de organização a respeito do qual ela faz questão de enfa,zar sua descrença” (ibid, p. 200). Ou seja, tudo que circunda a realização dos solos faz questão de demonstrar o quanto todo o processo é altamente crí,co em relação a uma certa dança contemporânea, que nunca é de fato colocada, a não ser na forma de paródia, procedimento de mímese que também se opera dentro dos solos. Essa paródia, que como coloca Jameson visa “ridicularizar a natureza privada destes maneirismos es,lís,cos bem como seu exagero e excentricidade”, nunca leva a obra a se colocar diretamente sobre a relação existente entre esses materiais ou sobre as relações possíveis de serem construídas a par,r de outras junções deles, pois todos estão sempre protegidos por uma distancia irônica de sua própria tradição. Assumindo a penetração do signo pelo capital durante a segunda metade do modernismo, ele passa a ser tratado como produto, de forma que os signos virem “assuntos” que estão “afiliados e sorrindo de/para nós” sobre uma “prateleira” (KATZ, “Lições de como construir o sublime”, 2014), algo como o “museu imaginário” de Jameson de onde o pós-­‐moderno emite sua mímese, apresentando tanto a arte quanto o produto como signos para troca, que são diferenciados – e consumidos – como tal (FOSTER, 1996, p. 109). Essa esté,ca “convencionalista” lança mão dessa prateleira, evocando-­‐a a fim de zombá-­‐la como falsa ou forçada. A par,r de Foster, podemos nos perguntar o quanto esse procedimento de unificação, aglu,nação das referências e distanciamento irônico de sua própria tradição já as recebe como reificadas (o que seria um problema unilateral do capitalismo, conforme cri,cado pela peça) ou par,cipam conjuntamente do seu esvaziamento. Claramente nosso caminho aqui opta pelo segundo, uma vez que as formas culturais de significação estão relacionadas diretamente com os modelos-­‐sócio econômicos de produção. Não podemos ser ingênuos a achar que essa massificação das referências e o “convencionalismo pós-­‐histórico” não operam um segundo nível de fe,chismo sobre o próprio conceito de vitalidade “que oculta a historicidade de suas prá,cas” e o traz também como um produto com determinada forma pré-­‐concebida. hgsdŠhasgdŠkgas


Dessa forma, a vitalidade que se apresenta diante de nós nada mais é do que uma produção constantemente reforçada como ambivalente, transitando de forma esquizofrênica entre “demandas contraditórias” e suspendendo assim o paradoxo que opera entre eles. Vemos em Foster que Essa esquizofrenia simulada não era nova. Em 1983 Craig Owens detectou uma postura similar entre os neo-­‐expressionistas, que eram também confrontados com demandas contraditórias de serem vanguarda (“tão inovador e original quanto possível”) e de serem conformistas (“se conformar com normas e convenções estabelecidas”). Nos dois casos essa esquizofrenia simulada servia como defesa miméAca contra esses duplos-­‐cegos; parecia fornecer um meio não só de suspende-­‐los quanto de escapar deles. (FOSTER, 1996, p. 123)

Dessa forma, a ideia de vitalidade, que vai sendo produzida como um gesto desesperado e falseado de aglu,nação e condensação de modos de representar a paixão, só a coloca como promessa de algo impossível de ser verdadeiramente realizado, e por isso nem é tentado de antemão. Essa estrutura cínica – desesperada a falar que “apesar de tudo, está tudo bem” – imuniza o espetáculo a par,r de sua própria proposta, pois como coloca Foster: “o cínico sabe que suas crenças são falsas ou ideológicas, mas ele se atém a elas para sua auto projeção, em uma forma de negociar as demandas contraditórias colocadas sobre ele”. É na suposta consciência de antemão por parte da direção e intérpretes que a proposta é irrealizável (ou que é impossível se encontrar algo de vital em meio ao capitalismo) que a peça se isenta de uma reflexão crí,ca e posicionada sobre a questão, exis,ndo apenas no paradoxo entre uma proposta prévia escrita num programa entregue no começo da peça e uma tenta,va cínica de alcançá-­‐la, que conscientemente se sabota1 por acreditar que há algo ontológico e perdido na arte, como um certo Apo de “vitalidade” ou “paixão”. De acordo com Safatle em seu curso sobre Hegel, o impulso cínico “pode conviver com uma nostalgia da verdade como expressão imanente que se guarda na arte. O cinismo demonstra assim sua nostalgia da imanência como critério de validação dos julgamentos, uma imanência que só seria possível na arte”. O resultado disso, como colocado por Hal Foster, é que a “crí,ca ideológica pode escorrer para o desprezo”, como é possível ver na coreografia do começo do espetáculo, que imita um es,lo e uma proposição para se aquecer sem vitalidade, demarcando um contraste estanque e sem nuances. Ainda com Foster, outro problema é que a “desconstrução pode escorrer para a cumplicidade”. Esse segundo ponto, mais perigoso, nos lembra que a obra de arte é produzida a parAr de e em relação direta a modos socioeconômicos de produção. É mesmo possível pensar que toda a produção histórica e ar*s,ca do mundo está em uma “prateleira”? Caso esse seja mesmo o caso, e não haja mais separação entre obra de arte e commodi,e, nós con,nuaremos a pegá-­‐las como um supermercado? Nessa prateleira, que escolhas são feitas (pois algo está implicado em pegar a Ana Mendieta e não o Bas Jan Ader para falar de paixão)? E porque apenas os melhores intérpretes podem pegá-­‐las? Teriam eles também se tornado produto, objetos passíveis de consumo como Andy Warhol, de quem quiseram “comprar a aura”?

1 Não é a toa que a parodia é o modo de se reportar à essa paixão buscada vitalmente, uma vez que: “a forma paródica realiza

cinicamente o programa que a forma crí,ca, na modernidade, colocou para si: portar em si mesma sua própria negação, já ser, em si mesma, a performance de uma distância correta em relação a sistemas naturalizados de representações. (Safatle, p. 195)


Não cabe aqui responder essas questões, apenas deixa-­‐las no ar para serem respondidas por futuras obras que se disponham a superar o cinismo pós-­‐moderno impregnado em algumas produções, que operam com um “cinismo adequado para a este,zação dos modos contemporâneos de funcionamento da ideologia. Dessa forma, valores que deveriam produzir obras capazes de cri,car materiais e processos de produção reificados acabam por permi,r a conservação desses mesmos materiais e processos através de sua ironização, produzindo com isso uma paradoxal distorção performa,va” (safalte, p. 187). Muito obrigado: Vladmir Safatle (Cinismo e falência da crí,ca), Hal Foster (O retorno do real), Frederic Jameson (Pós modernismo: a lógica cultural do capitalism tardio), Helena Katz, Flávia Couto, Nelson de Sá. Por Renan Marcondes Com Tira meu fôlego


Renan Marcondes é ar,sta plás,co, performer e pesquisador. Mestre em Artes Visuais pela UNICAMP e especialista em história da arte pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Membro fundador do Pérfida Iguana, polo de produção em dança e performance.

| renancevales@gmail.com


Mas<gando a pós-­‐modernidade Eu aguardava impaciente pelo início do espetáculo, já angus,ado pelo tempo que um rapaz gordo, de camiseta vermelha e calça caindo, levava para preparar o palco para o ar,sta entrar. A primeira grande quebra de expecta,va foi no momento em que esse mesmo rapaz começou a tocar uma guitarra, ao perceber que ele era o próprio ar,sta e que o espetáculo já havia sido iniciado há algum tempo. Um sen,mento de desprezo por mim mesmo aflorava, ao perceber como eu havia sido preconceituoso ao esperar uma pessoa dentro dos padrões e mais bem ves,da para apresentar a performance. O espetáculo se desenrola da maneira mais bizarra possível, quando Gustavo Bitencourt segue se despindo, cuspindo no chão e emi,ndo sons estranhos de suspiros pelo microfone. Eu me sen,a extremamente desconfortável e envergonhado pelos gestos experimentais do ar,sta, que dançava de forma abstrata, intercalando notas em sua guitarra por assoadas de nariz em pedaços de papel higiênico, jogados no palco. Es,ve confuso durante toda a mostra performá,ca, sem saber exatamente a hora que o espetáculo havia se iniciado e qual era a pretensão do ar,sta. Defini tudo como “pós-­‐moderno” ao extremo. Após algumas quebras de expecta,va, e uma longa desconstrução dentro de mim, cheguei ao fim do espetáculo rindo da situação cômica em que eu me encontrava (e maravilhado com a bela apresentação do clássico “Crimson & Clover”). Afinal, nunca que eu me imaginaria passando uma quarta à noite vendo uma pessoa de cueca cuspindo no chão de um teatro. De todos os espetáculos já vistos por mim, esse foi o que mais me incomodou, talvez pelo fato da postura do ar,sta ser a que define a mim e toda uma geração criada pelo rock and roll. “Bife” me foi servido exatamente da maneira prome,da pelo ar,sta, sendo usado como forma de ques,onar modelos heteronorma,vos, brancos e ocidentais que nos é imposto. Ainda “mas,go” o espetáculo sem saber definir o que achei, mas sa,sfeito com tudo o que me foi transmi,do. Por Matheus Molina Com Bife


Matheus Molina tem 18 anos e posta suas poesias e desenhos em uma página do Facebook, "Cura,vo Meu". Além de estudar Direito, aspira ser escritor e ar,sta.

| matheus_molina@outlook.com


Naturalmente Ser e Viver O espetáculo SintéAca IdênAca ao Natural diz muito sem dizer quase nada. No lugar do texto, o silêncio, os olhares, e uma proposta in,mista da personagem Cin,a Sapequara, que cria situações que misturam o real e a ficção, provocando risos, mas também sen,mentos que nos levam a reflexão. O público é convidado para entrar no espaço da encenação e aguarda enquanto Cin,a termina sua produção em cena. Longas madeixas louras, formas voluptuosas e figurino de cores gritantes compõem a personagem que logo no início do espetáculo reúne o público em forma de círculo e serve chá aos seus convidados. O ato provocou certa reflexão em mim sobre algo como generosidade, cumplicidade, acolhimento. Num segundo momento os convidados são levados aos poucos pela personagem, para outro ambiente. No espaço, objetos espalhados transmi,am ideias sobre quem é Cin,a Sapequara, quais são seus sen,mentos, anseios, desejos, medos, lembranças, prazeres, interesses. Os movimentos e situações ao longo do espetáculo sempre traziam de maneira subje,va o que Cin,a queria comunicar ao público, e a compreensão das pessoas, também subje,va, poderia ser as mais diversas. Para mim, quando Cin,a sobe em uma escada – que simboliza o lugar mais alto no cenário – é para ficar onde ela quer estar: no palco, onde pode ser vista. E talvez seja ter visibilidade, o que ela mais quer. Porém, em seguida, ela se junta novamente ao público e con,nua olhando para a escada, agora na igual condição, de espectador, daquele que olha para o ponto mais alto, onde todos querem estar, ou seja, todos são ou podem ser ora protagonista, autor da própria vida, e ora espectador dela. Por úl,mo, a dança, a desconstrução da in,midade, a exposição total do ar,sta que se move ora com sensualidade ora com rapidez. Para mim a mensagem transmi,da é sobre como não nos permi,mos ser, viver, sen,r, e o quanto muitas vezes somos ar,ficiais em nossas escolhas. São tantos medos e ponderações sobre como se viver que não se vive, não se dança quando se quer dançar, não se mostra quando assim o deseja fazer. Mas Cin,a faz, ela se expõe completamente, escancarando toda a sua vida, seus desejos, sen,mentos. Para quem quiser ver e sen,r. Basta olhar, sen,r. E assim como a maior parte do tempo ficou, em silêncio ela vai embora, sem se despedir do público, sem pedir aplausos. Afinal, a arte e a vida ali se fundem, o que foi real e o que não foi já não importa mais, e sim a cumplicidade que ela propõe. Cin,a é apenas ela mesma, igual a você e a mim, porém com uma dose a mais de coragem para ser e viver. Por Samuel Garbuio Com SintéAca IdênAca ao Natural


Samuel Garbuio, 32, estudante e estagiário de jornalismo que trabalha com comunicação desde 2013, quando começou a carreira em uma rádio comunitária, depois de mais de dez anos atuando em outra área.

| samuelgarbuio@gmail.com


UM ARTISTA INDO ALÉM DE SUA DEFICIÊNCIA O trabalho denominado “Duo para dois perdidos” apresentado na Bienal Sesc de Dança de Campinas em 2015 me deixou com algumas questões, dentre estas, qual seria a provocação desejada com o trabalho? Se o intuito está na inclusão, acredito que o trabalho deve ser repensado. Tratar de deficiência é algo que requer uma reflexão crí,ca muito aprofundada devido a fragilidade em que ela se encontra ainda hoje no meio social. Se em um senso comum é um tema singular, nos palcos e propostas cênicas é duplicada sua sensibilidade. Assim, se faz necessário um estudo e um posicionamento que não a marginalize mais. O que se espera é um trabalho que atue direcionado as possibilidades de um deficiente e não que ressalte suas incapacidades. Hoje há uma luta significa,va pela transformação do modo de ver o deficiente, de não o ter como um coitado e sim como uma pessoa capaz. A arte por sua vez é um espaço que pode contribuir para construção desse novo olhar. É possível por ela se compor de inúmeras possibilidades, por ter o poder de inovação, provocação e crí,ca. Estamos em tempos de reflexão, estudos e experimentações de movimentos, corpos, expressões, cenas e cenários para criarmos novos diálogos. No entanto, neste trabalho não percebi um pensamento elaborado neste sen,do, não ouve uma desconstrução do código de incapacidade. Não acredito que a deficiência deve ser escondida ou negada. Porém, é necessário dar atenção ao humano, no caso ao bailarino e ar,sta que existe acima de sua deficiência e valorizar suas capacidades, ou seja, experimentar expressões que o potencializem e criar diálogos que o integre como tal. Movimentações codificadas onde há um obje,vo final para a linha do movimento, como por exemplo, um simples estender de braços, estando este estabelecido na coreografia pode ser elemento descriminante, um fator agravante para expor a incapacidade de um bailarino que não pode realizar o movimento desta forma. Nos tempos atuais, na dança contemporânea o estudo dos movimentos de alguém que possui uma forma própria de se mover pode ser um bom es*mulo para a inves,gação e composição de novas expressões. A obra apresentou momentos mágicos e imagens muito interessantes junto a diálogos entre os interpretes. Porém a intenção não foi bem apresentada, me deixando desconfortável diante a dependência exposta pela dis,nção entre os movimentos dos ar,stas. Um deles responde eficientemente a qualquer provocação, e o outro se apresentou submisso a este primeiro. Tratar de diferenças é um tema interessante, porém trabalhar com temas marginalizados pela sociedade necessita estar muito bem jus,ficado e esta informação não transitou de forma que chegasse a compreensão do expectador da Bienal, ou ao menos a mim. Por Camila Cunha de Paula Com Duo para dois perdidos


Camila Cunha de Paula é bacharel e licenciada em Dança pela UFV, dedica-­‐se a pesquisa, ensino, interpretação e criação em dança. Trabalhou dança com deficientes, dança contemporânea, danças brasileiras, cultura e performance.

| camicunhap@gmail.com


PRECISA-­‐SE DANÇA REDUNDANÇA. Aqui estou. Me conquiste, por favor. Você precisa de mim? Mesmo? Pra quem você faz e diz? Você me parece "individual". Precisa mostrar e falar tanto assim? Eu tenho tempo. Vi no programa: 50 minutos, 60 minutos, 70 minutos, 80 minutos, 90 minutos. Mas você abusa. Fico impaciente. Você me empodera, me empobrece: já sei o que vai acontecer. Penso: vem o x. X se apresenta. Agora y. Olha y aí gente! Estou chateada, não tenho tempo para perder. Com quem você está falando, afinal? Pena não ter olhado pra mim. Você pode fazer a gen,leza de sinte,zar e ir direto ao ponto? SOMOS TODOS AMERICANOS. Andar. Correr. Cair. Gritar. Andar. Andar. Andar. Andar. Chacoalhar. Sambar. Cuspir. Deslocar. Deslocar. Deslocar. Deslocar. Lançar. Transportar. Conduzir. Empurrar. Puxar. Girar. Carregar. Carregar. Carregar. Carregar. 5. 6. 7. 8. Comece seu próprio inventário de ações e tarefas. Dance. Dance. Dance. Dance. Prudência para não inventar a roda. COM QUE CORPO EU VOU. Nu ou mal ves,do. Reflexo da crise econômica ou cria,va? Solução justa, preguiça ou efeito bacaninha? Cuidado, ir na festa com a roupa errada pode ser um desastre. Eu te olho, desejo encontrá-­‐lo. Agora quero caminhar e dançar com você. Não me interessa se você é gordo, magro, alto, baixo, negro, branco, velho, novo, tem cabelo vermelho ou verde. Quero apenas que sua energia esbarre em mim, me tome e inunde. Como ensinar um corpo a explodir? Alguns intérpretes de Tragédia sabem bem como fazê-­‐lo. Palmas. Vão a festa bem ves,dos. AND THE OSCAR GOES TO. Som. Luz. PETISCOS. Alguns rastros de experiências exploradoras de um presente dilatado, de buscas para reinventar a própria noção de dança, para mobilizar o vivo, potencializar o que há. Percepção de estratégias que almejam uma captação diversa do real, para gritá-­‐lo ou perguntá-­‐lo ou dizê-­‐lo. Tempos-­‐espaços que provocam o deslocamento do meu corpo. Par,cipo da criação de novos possíveis. VINHO. Tuca Pinheiro avança na idade, barriga e belezura. Bailarino bom é bailarino maduro. Sempre. Ângelo Madureira também comprova. SELFIE. O bailarino falando com seu próprio umbigo. Movimentos e acrobacias incríveis. Como (des)juntar tais ingredientes para servir uma boa composição? Toc. Toc. Me deixa entrar!? CRIA FAMA E DEITA NO LINÓLEO. Imediatamente em estado de choque. "Problemas de dramaturgia", diz meu colega em seu modo elegante e generoso de falar. Como donos de tantos trabalhos incríveis conseguem fazer isso? Voltem.


CAN YOU HEAR ME MAJOR TOM? Meu nome é público. Pertenço ao anonimato. Lista das minhas assistências: Desastro. Deslocamentos. Estado Imediato. Futuros PrimiAvos. Hyenna – não deforma, não tem cheiro, não solta as Aras. Menu de danças (Do it! + Corpo). MulAtude. Tragédia. Suportar. Direto da Bienal SESC de Dança na cidade de Campinas, setembro de 2015. Por Jussara Xavier Com Desastro + Deslocamentos + Estado Imediato + Futuros PrimiAvos + Menu de danças (Do it! + Corpo) + Hyenna – não deforma, não tem cheiro, não solta as Aras + MulAtude + Tragédia + Suportar

Jussara Xavier mora em Florianópolis, SC. Realiza projetos em parceria, como o Tubo de Ensaio, Múl,pla Dança, Laboratório Corpo e Dança. Organiza livros, o mais recente: "Grupo Cena 11. Dançar é conhecer" (Annablume, 2015). Doutora em teatro, tem um contrato como professora colaboradora na UDESC prestes a expirar. Ui.

| jussarajxavier@gmail.com


Par,cipo de uma coreografia com uma cadeira em cena, onde uma única pessoa escolhida na plateia é convidada a apreciar o trabalho mais de perto. Depois de dançarmos, conversamos com esse espectador especial, e sempre ouvimos coisas maravilhosas. O Precisa-­‐se Público me colocou nessa cadeira, em cima do palco, e já me levou a assis,r os espetáculos de maneira diferente. Grande parte do público era composto de bailarinos, que estão acostumados a usarem o corpo como canal de expressão. Escrever crí,cas ins,ga outros métodos cria,vos para mostrar o que precisam dizer, além de aproximar o público dos bailarinos, criando diálogos. Por Tamires Soares Com Precisa-­‐se Público


Tamires Soares, 19 anos, bailarina em Ribeirão Preto e estudante de Direito. | tamirescrisEnas@hotmail.com


Sobre ver/fazer Carcaça Sou e vejo carcaça. Me olho perto de outros na mesma situação. Sou público de quem conheço.... me assusto quando alguém machuca, componho quando me olham, troco quando percebo que dá... canso junto, bato junto, quero dançar junto. Olho pra quem está me olhando. Percebo e danço, na verdade, crio ação. Algo reverbera em mim e no outro. Olhares de susto, de "quebra mesmo", olhares de dó, olhares de força, olhares de estar junto ali. Penso que não estou só, estou com mais 6 pessoas, mas estou com centenas, milhares. O olhar do outro me modifica, modifica o que vejo. Observo os "bailarinos" dançando... eles são e quebram a carcaça, estão perto, estão longe, estão mais longe de mim, mais perto de outras pessoas que desconheço... em uma mesma ação que me reconheço. Observo o trabalho de longe e de perto, percebo a produção correndo atrás do som, da água, dos nossos corpos. Percebo o cuidado com o outro, com a carcaça, com o dedo que pode se machucar. "Tão violento", eu ouço. Tanto cuidado.... ouço, sinto, ajo. A carcaça entra, os corpos se organizam, alguém grita, as buzinas tocam, os corpos se batem ali, se chocam no chão, causam rebuliço, dançam, quebram mais a carcaça, soltam fumaça, colocam de volta no guincho e vão embora. Depois vem a sede, a vibração, as dores, presencio o que foi feito de outras formas, de outros falares, sede, sede, sensação de terminou, foi, acabou. Por Mariane Araújo Com Carcaça


Mariane Araújo é graduanda do oitavo período em Dança pela Universidade Federal de Uberlândia, integrante do grupo profissional de Dança Contemporânea Grupo Strondum e membro do Grupo de Composição em Tempo Real Conec,vo Nozes.

| marianedanca@gmail.com


Da expansão do detalhe Eu sou uma criatura pequena, que observa o mundo de longe. Não se engane com o meu tamanho, sou pequena, mas também sou ágil. Ocupo os espaços, todos eles. Ocupo onde preciso, onde sinto que sou precisa. Também posso me aproximar, eu tenho calma para tratar dos assuntos que me permeiam. Minhas passadas me levam a toda super•cie. Eu crio a profundidade. Essa ba,da é minha ressonância, esse reflexo é meu estado de ser. Quando você me vir, vou roubar sua atenção. Mas eu devolvo, eu quero mesmo é que você aprenda a olhar os detalhes, as contradições, a su,leza dos sen,dos. Eu tenho todos eles, você pode aprender comigo. Vamos lá, sinta. Aja. Percebe como tudo se expande? Primeiro você olhou pra mim, depois pro espaço. Notou então como eu me relaciono com este espaço. Agora você vê que o espaço se transforma, ele muda de cor. Literalmente. Ele muda de cor e tudo vira um grande detalhe, impossível passar despercebido. Através da minha dança eu te mostro um jeito de conhecer o mundo. Por Jussara Belchior Com Experiência 3


Jussara Belchior é bailarina. Mestranda no PPGT-­‐UDESC, pesquisa repe,ção, automa,smo e autonomia. Dança no Grupo Cena 11 desde 2007.

| jusbelchior@gmail.com



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