CULTURA.SUL 93 - 3 JUN 2016

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D.R.

Missão Cultura: d.r.

Carlos Campaniço regressa à escrita com ‘As Viúvas de Dom Rufia’ p. 11

Parameologia afirma património imaterial fora de portas

p. 2

Espaço AGECAL: d.r.

Profissões na cultura e a sua formação

p. 3

Artes Visuais: d.r.

d.r.

FOrA mostra património oral em Portimão

O espetador pode ser criador/artista na arte interativa? p. 6

p. 10

Espaço ALFA:

d.r.

JUNHO 2016 n.º 93

Marrocos aqui tão perto

Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO 7.699 EXEMPLARES

p. 7

www.issuu.com/postaldoalgarve


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03.06.2016

Cultura.Sul

Editorial

Missão Cultura

Da importância da cultura, da ditadura e de Manuel Madeira

A afirmação do património (imaterial) do Algarve fora de portas Direção Regional de Cultura do Algarve

Ricardo Claro

Editor ricardoc.postal@gmail.com

AGENDAR

Quando pensei neste editorial a ideia era a de fazer notar, relembrar, a importânia da cultura e dos agentes culturais, muito em particular os artistas, na resistência à ditadura do estado novo (tudo em minúscula propositadamente, que naquela e neste não há quaisquer grandezas). Quando há dias (a 28 de Maio), se assinalam 90 anos (1926 - 2016) do golpe que viria a ditar a implantação da ditadura no país, cumpre realçar a importância dos artistas e dos movimentos culturais que durante as décadas de jugo mantiveram a reserva da consciência da liberdade e o objctivo desta como tábua rasa onde se escreveria o futuro que hoje conhecemos, livre. Não sabia então que Manuel Madeira, o poeta algarvio de São Bartolomeu de Messines, nos deixaria no plano da matéria, e faria deste Algarve cultural um pouco mais pobre. Nem a propósito, Manuel Madeira é tido como um dos impulsionadores do MUD Juvenil de Bela Mandil, a 28 de Março de 1947. Não se perde assim o intuito inicial do editorial e, simultaneamente, aqui se presta a primeira homenagem póstuma do Cultura. Sul ao poeta intemporal. Na próxima edição Manuel Madeira será motivo de destaque no Cultura.Sul pela mão de Adriana Nogueira. A todos os que como ele deram um contributo indelével na área cultural para a resistência e deposição da ditadura em Portugal cabe pois aqui o nosso agradecimento, singela demonstração do respeito que todos lhes deveriam ter e do reconhecimento pelo tanto que nos deram. Esta nossa liberdade.

Ao longo de 2016 o património imaterial no Algarve tem sido objecto de esforços e atenções especiais, por diferentes entidades, mas também pela comunidade académica e pela sociedade civil. Em pouco mais de dois meses assistimos a várias manifestações de reconhecimento do património cultural imaterial com base na transmissão oral no Algarve. Nomeadamente: o projecto de investigação romanceiro.pt, coordenado pelo Professor Doutor Pere Ferré da Universidade do Algarve, que com uma equipa de investigadores e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian desenvolveu, em parceria com a Fundação Manuel Viegas Guerreiro, uma plataforma acessível on line com várias centenas de registos deste género poético de expressão portuguesa; o catálogo de contos tradicionais editado recentemente pelos investigadores e professores da Universidade do Algarve, Isabel Cardigos e Paulo Correia, do Centro de Estudos Ataíde de Oliveira, que ao longo de cerca de 20 anos desenvolveram uma das obras mais completas de todo o

mundo sobre contos e lendas tradicionais portuguesas1; e a recente designação da Associação Internacional de Paremiologia (AIP) com sede em Tavira, como clube UNESCO, num reconhecimento pelo trabalho de estudo, de recolha e de transmissão do provérbio, como elemento de tradição oral. Outras iniciativas têm acontecido no domínio da inventariação e registo de manifestações de Património Cultural Imaterial (PCI), no âmbito dos municípios do Algarve e da sua rede regional de museus, mas também através da Direção Regional de Cultura do Algarve pelo apoio e incentivo do movimento associativo à recolha, à difusão e à valorização e pelas suas comunidades locais, das suas manifestações e tradições. O património intangível é uma componente principal do capital cultural das comunidades, da sua identidade local e da sua diversidade cultural. Este património, tal como o de natureza palpável, necessita de salvaguarda e de proteção2. As tradições orais são uma das suas componentes e incluem uma enorme diversidade de géneros. As histórias orais das pessoas possuem, por vezes, um carácter quase universal pois têm semelhanças entre diferentes países. No entanto, com frequência os

mónica monteiro

Assinatura do protocolo entre a AIP e a UNESCO lugares onde são recolhidas fazem reflectir as suas especificidades na linguagem, nos objectos, nos significados que transmitem. A gestão das formas de património imaterial tem singularidades que não devem ser inibidoras de um trabalho e esforço conjunto de documentação, de estudo, de registo, de prática e de transmissão deste património, onde a comunidade, no seu sentido mais lato, assume grande responsabilidade na sua vitalidade. Neste ano em que o Município de Tavira, comunidade representativa da Dieta Mediterrânica em Portugal (PCI reconhecido pela UNESCO), assume a presidência da coordenação da candidatura da DM, a con-

sagração da AIP como Clube UNESCO é mais um elemento de reconhecimento e de internacionalização da cultura portuguesa através do Algarve. Um clube UNESCO pode ser apresentado como uma extensão da Comissão Nacional da UNESCO e no caso concreto da AIP terá uma responsabilidade principal na preservação e transmissão dos provérbios como manifestações vivas de um legado cultural3: “Os Centros ou Clubes UNESCO são grupos de pessoas (associações sem fins lucrativos, ONG, escolas, universidades, fundações, círculos culturais, sociais e administrativos da comunidade), de todas as idades, todos os horizontes, de todas as

nos visita. Junho promete não ficar atrás. A Semana da Criança e do Ambiente abrem o mês que conta ainda com a Taça Nacional de Sub 18 de basquetebol, a Feira do Livro (de volta à nossa terra), as Festas da Cidade - quatro noites com oferta da melhor música que por cá se faz, com O LUDO, Olhão ao Vivo, teatro, pela Gorda e Campeonato Nacional de Street Workout.

Dizer que Olhão está na moda é pouco. As modas aparecem de repente e desaparecem ainda mais depressa. Mais do que uma moda, assistimos hoje a um concelho que não pára de nos surpreender e apresentar novidades, talento e qualidade. Não se trata de algo repentino nem fugaz. É o resultado da estratégia da Câmara de Olhão e do empenho

condições, que acreditam nos ideais da UNESCO e desejam apoiar a Organização na sua missão. Estas estruturas têm como objetivo promover a UNESCO e os seus Programas, propagar os seus ideais através de atividades inspiradas nas atividades da Organização, contribuir para a formação cívica e democrática dos seus membros, apoiar os Direitos Humanos, favorecer a compreensão internacional e o diálogo entre os povos, difundir informação relativa à UNESCO junto do público, a nível local (…). O primeiro Clube UNESCO surgiu no Japão em 1947, como um movimento espontâneo da sociedade civil.” Em Portugal o primeiro centro UNESCO nasceu a Norte, em 1989, no Porto. No Algarve, o primeiro nasce assim em Tavira por iniciativa da Associação Internacional de Paremiologia e assume-se como símbolo de cultura viva principal na região. 1

Ver também http://www.lendarium.

org/, arquivo português de lendas on line do Centro de Estudos Ataíde de Oliveira da Universidade do Algarve. 2

Enquadramento legal do PCI: Dec.

Lei n.º139/2009 de 15 de Junho, alterado pelo Dec. Lei nº 149/2015 de 4 de Agosto; Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da UNESCO, de 2003. 3

https://www.unescoportugal.mne.pt

Juventude, artes e ideias

Olhão não pára

Jady Batista Coordenadora Editorial do J

Em maio, Olhão voltou a mostrar-se em grande!

Durante 31 dias, Olhão não parou, com atividades variadas, que envolveram centenas de jovens (e menos jovens) com um alcance de vários milhares, quer a nível de presenças, quer a nível das redes sociais. Difícil foi escolher! Impossível foi ficar em casa! Nada de espantar, para quem cá mora e vive a nossa cidade, ou para quem, cada vez mais,

“FANDANGO” 11 JUN | 21.30 | Centro Cultural de Lagos Projecto nasce de uma mistura entre música electrónica e instrumentos acústicos (acordeão e guitarra portuguesa), pelas mãos de Gabriel Gomes e Luís Varatojo

de uma população, dos seus jovens e das entidades que, dia após dia, trabalham para que Olhão seja cada vez mais um concelho de referência nas áreas da cultura, do desporto, mas também a nível social, a nível das infraestruturas e de tudo aquilo que leva a população a motivar-se e os de fora a visitarem-nos, com muitos a optarem por investir e viver cá.

“VIDA VIVA NO MAR” Até 28 JUN | Galeria Pintor Samora Barros - Albufeira Beth Sales remete as suas emoções e afectos para a tela, construindo personagens fictícias, animais e pessoas, relacionando-os com momentos que testemunhou


Cultura.Sul

03.06.2016

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Grande ecrã Cineclube de Faro

Junho ‘condensado’ no Cineclube de Faro

IPDJ | 21.30 HORAS 18 JUN: A CASA DA MAGIA, Jeremy Degruson, Ben Stassen, Bélgica, 2014, 92’ (sessão especial)

A programação de Junho do Cineclube de Faro é, por assim dizer, uma programação condensada. O cheiro a verão já paira no ar e, nesse sentido, as baterias estão apontadas para o que se seguirá nos meses seguintes, congregando uma ampla oferta de propostas que aliam o bom cinema, o espírito livre e leve do cinema ao ar livre e a oportunidade de conhecer e visitar alguns espaços inéditos que serão uma absoluta novidade no panorama das mostras de cinema em Faro e que constituirão certamente uma enorme e agradável surpresa para o público Farense e não só. Nesse sentido, dizíamos, as propostas para junho assumem um formato, por um lado, um pouco mais condensado do que o habitual, mas por outro, já com a leveza e o espírito livre das Mostras de Verão. O pátio do IPDJ abre-se para um cheirinho a cinema ao Ar Livre e as propostas são, a 21 de

Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

21 JUN | PORTUGAL, UM DIA DE CADA VEZ, João Canijo, Portugal, 2015, 155’ 28 JUN | DEUS EXISTE E VIVE EM BRUXELAS, Jaco Van Dormael, LUX/BEL/FRA, 2015, 113’

CINEMA EM VRSA, 21.30 HORAS, CINEMA GLÓRIA: 17 JUN | PORTUGAL, UM DIA DE CADA VEZ, João Canijo, Portugal, 2015, 155’

Cineclube de Tavira fotos: d.r.

Programação: www.cineclubetavira.com 281 971 546 | cinetavira@gmail.com SESSÕES REGULARES | CINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO | 21 HORAS 09 JUN | EL ABRAZO DE LA SERPIENTE (O ABRAÇO DA SERPENTE), Ciro Guerra, Colombia/Venezuela/Argentina, 2015, M/14, 125 min 16 JUN | AXILAS (AXILAS) José Fonseca e Costa, Portugal 2016, M/16, sem legendas, 88 min

Em destaque o filme de João Canijo Junho (dia 17, 21h30, em Vila Real de Santo António), a viagem de Anabela Moreira/João Canijo pelos fantasmas dos sonhos desfeitos do desenvolvimento e da prosperidade, pela resignação dos sobreviventes e dos resistentes, pelos retratos de um país triste e da estranha esperança dos que aspiram a que pelo menos se cumpra a vida, dos que vivem “Portugal,

Um dia de Cada Vez”, e a 28 de Junho, a leveza e originalidade do divertidíssimo e exuberante “Deus Existe e Vive em Bruxelas”, assinado por Jaco Van Dormael. Pelo meio, a 18, a animação dedicada aos mais novos (e aos menos novos também!!) traz-nos “A Casa da Magia”, de Jeremy Degruson e Ben Stassen.

23 JUN | L’ATTESA (A ESPERA), Piero Messina, Itália/França, 2015, M/12, 100 min 30 JUN | LA LOI DU MARCHÉ (A LEI DO MERCADO), Stéphane Brisé, França, 2015, M/12, 93 min

Cineclube de Faro

Espaço AGECAL

Profissões na cultura e a sua formação d.r.

Jorge Queiroz Sociólogo – membro da Direção da AGECAL

No pós-II Guerra Mundial na Europa e em Portugal, sobretudo nas décadas de 80 e 90 do séc. XX, desenvolveram-se políticas culturais do Estado e nas autarquias a par da emergência de influentes indústrias culturais. Com a contemporaneidade surgiram novas infraestruturas, programas, projectos culturais e artísticos, consequentemente profissões que se somaram às tradicionais relacionadas com o livro, a documentação antiga, o património monumental e os museus, as artes eruditas e populares. Ainda na ditadura surgiu em Portugal a Fundação Gulbenkian e já no final do século XX , com a democratização, o CCB (1992), Culturgest (1993), Fundação Serralves (1989), novos museus, bibliotecas, centros culturais e de arte, por todo o continente e nas ilhas. Surgiram projectos multidisciplinares como a Europália, Lisboa-94, Expo-98, as ca-

pitais europeias (Porto e Guimarães) e nacionais (Coimbra e Faro) da Cultura, festivais de teatro, dança, cinema, música, literatura, transdisciplinares,… Com a democracia a gestão cultural e a formação dos quadros passaram a ser problemas centrais face à necessidade de gerir eficazmente um sector com elevada complexidade técnico-científica, envolvendo áreas como a administração de recursos humanos e financeiros, direitos culturais e de autor, diplomacia cultural, investigação e estudos, contratação e comercialização, programação das artes, edição, produção de espectáculos e exposições, públicos e educação, comunicação e promoção, segurança de

equipamentos e colecções, transportes especializados… Na gestão dos recursos culturais colectivos estruturaram-se organizações no Estado e nas autarquias, ministérios, direções, departamentos, empresas públicas e serviços especializados na conservação e dinamização de monumentos e sítios arqueológicos, redes de museus, de bibliotecas, arquivos e cineteatros, programas regionais e de cidade,.. O sector privado ocupou-se da oferta e comercialização dos bens e serviços, da edição e produção cultural, foram criadas feiras, festivais, galerias de arte, distribuidoras, revistas, lojas… A formação dos gestores culturais

tornou-se premente, as licenciaturas tradicionais não correspondiam às novas dinâmicas. Na ausência de licenciaturas em Gestão Cultural, as organizações e os quadros recorreram a cursos complementares de curta duração, pós-graduações/mestrados (a UAlg organizou mestrado em GC), mas a resposta possível com evidentes limitações foi sobretudo a formação em contexto de trabalho. A investigação, apesar da influência económica do sector, continuou pouco relevante. Escassos são os estudos de economia aplicada ao campo cultural ou sobre os impactos dos projectos na geração de riqueza e na atracção turística. Criou-se também o falso mito da

“cultura despesista e sem retorno”, um estereótipo que fragiliza o sector e o País. Na última década o desinvestimento do Estado na cultura foi evidente. Entre 2001 e 2011 o peso relativo do sector cultural no OGE passou de 0,59% para 0,31%. Entre 2011 e 2015, a pretexto da “crise”, foi extinto o Ministério da Cultura, reduziram-se ou fecharam estruturas, perderam-se milhares de empregos... Independente há mais de oito séculos, Portugal possui um imenso património cultural e tem no turismo um dos seus principais vectores estratégicos. Sabemos que nas opções de viagem e de visita crescem exponencialmente as pessoas que procuram a história, o património, os monumentos e museus, as cidades culturais, as pequenas aldeias identitárias, os lugares de acontecimentos históricos, as festividades, as paisagens com produções locais, a gastronomia, os festivais, os parques naturais com fauna e flora preservadas,… O desenvolvimento cultural não pode ser encarado de forma subsidiária ou amadora, como assunto de “animação”, necessitamos de profissionais que saibam fazer diagnósticos, planeamento inclusivo, gerir recursos e infraestruturas culturais, construir projectos sólidos e sustentáveis onde territórios, empresas e comunidades possam ir buscar valor acrescentado.


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Cultura.Sul

Letras e Leituras

O velho oeste segundo John Williams em Butcher’s Crossing

Paulo Serra

Investigador da UAlg associado ao CLEPUL

Butcher’s Crossing, de John Williams, foi publicado em 1960, portanto cinco anos antes de Stoner, romance considerado a sua obra-prima e uma das revelações literárias do ano passado. Butcher’s Crossing antecipa o mesmo registo linear de Stoner, numa prosa cuidada, meticulosamente descritiva, onde todas as palavras são pesadas e pensadamente escolhidas, numa obra ainda mais complexa e envolvente do que Stoner. John Williams (19221994), relembre-se, escreveu apenas quatro romances, deixou um quinto romance inacabado à data da sua morte, e os seus romances passaram cerca de meio século completamente desapercebidos até que um coro de autores e críticos e tradutores o resgatou originando uma pequena “febre”. Cormac McCarthy é um dos autores que admirou John Williams e foi por ele influenciado neste romance que é considerado um anti-western. Will Anders é um jovem com formação em Harvard, de boas famílias e algumas posses que em 1870 chega à remota povoação de Butcher’s Crossing. Este lugarejo é certamente um lugar esquecido no tempo, mas que ainda parece resistir às agruras do Oeste selvagem: «Butcher’s Crossing podia abarcar-se inteira quase num só relance. Um grupo de seis edíficios toscos era dividido por uma rua estreita de terra; de um e outro lado havia uma pequena porção de tendas para lá dos edifícios.» (pág. 12). E um dos grandes atributos deste romance é a forma como o narrador se perde por vezes em digressões quase metafísicas, à medida que se tenta desvendar as motivações insondáveis do protagonista, uma marcada diferença em relação a Stoner, se bem que possa encontrar paralelo naquele momento sublime em que o jo-

vem William Stoner se sente convocado para o seio de um mistério e o leitor se apercebe que é a poesia (que é como quem diz a literatura) que o chama, naquele instante em que a sua vocação como professor se começa a definir. Numa demanda incerta, pois Will Anders nunca mostra saber muito bem aquilo que o traz àquelas paragens, mas com uma confiança quase cega nas pessoas que encontra, financia e lança-se numa expedição até umas paragens longínquas que o caçador Miller lhe promete ter encontrado uns anos antes onde ainda havia búfalos em abundância, numa espécie de vale perdido e isolado do mundo. O que parece claro desde o início é que Will Anders não persegue o desejo de aventura como acontece com outros exploradores e caçadores, nem é motivado por uma ambição desmedida como Miller, sendo antes impelido por uma sede de conhecimento da natureza, do mundo autêntico e virginal que resiste para lá da civilização e da acção humana. Podemos perceber melhor a natureza da sua demanda no momento em que Will Anders confidencia a Charley Hoge, um dos homens que o irá acompanhar na sua expedição e que tem como principais motores o whisky que consome despudoradamente e a Bíblia que o acompanha permanentemente, que o seu pai era ministro leigo da Igreja Unitária: «Escutando Charley Hoge e pensando na King’s Chapel, apercebeu-se repentinamente de que fora alguma ironia como esta que o arrancara do Harvard College, e de Boston, para vir enfiar-se neste estranho mundo onde se sentia inexplicavelmente em casa. Uma ou outra vez, depois de ouvir as monótonas vozes na capela e nas salas de aula, evadira-se dos confins de Cambridge até aos campos e bosques que ficavam para sudoeste. Ali, numa pequena solidão, de pé sobre a terra nua, sentia a fronte banhada pelo ar puro e alcandorada até o espaço infinito; a pequenez e o constrangimento que sentira eram dissipados pela terra bravia que o rodeava. Vinha-lhe à memória uma frase de uma palestra de Mr. Emerson a que

fotos: d.r.

Butcher's Crossing foi publicado em 1960 assistira: transformo-me num globo ocular transparente. Cercado de campo e arvoredo, não era nada; via tudo; circulava por ele a corrente de alguma força indefínivel. E de uma maneira que não lograva sentir na King’s Chapel, nas salas de aula ou nas ruas de Cambridge, era parte integrante de Deus, livre e incontido. Por entre as árvores e ao longo da ondulada paisagem, conseguira vislumbrar o horizonte longínquo a oeste; e ali, por um instante, contemplara algo tão belo como a sua própria natureza desconhecida.» (pág. 52). A expedição formada por quatro homens parte em busca de um destino que (conforme

os dias passam e à medida que a convivência entre o grupo se torna cada vez mais aguçada, à medida das fraquezas, inseguranças e naturezas de cada um, quando as primeiras dificuldades como a falta de água se impõem) se torna cada vez mais uma miragem, pois Miller confessa que afinal já se passaram cerca de onze anos desde que viu esse vale remoto, como que um paraíso perdido para os caçadores, com milhares de búfalos (erroneamente designado assim, pois na verdade trata-se de bisontes). Quando finalmente encontram o vale aquilo que se desenrola perante os nossos olhos, mediante o testemunho

John Williams escreveu apenas quatro romances

de Will Anders, é uma carnificina em que o número de búfalos abatidos simplesmente pela sua pele, sendo a carcaça abandonada onde o animal foi morto a decompor-se lentamente, é muito superior ao que o grupo conseguirá de facto transportar numa só viagem. A epígrafe de Ralph Waldo Emerson (retirada de Natureza), provavelmente o mesmo Emerson que Will Anders terá ouvido numa palestra, sobre a natureza vai assim sendo desmontada ao longo da segunda parte do romance: «O dia, incomensuravelmente longo, dorme sobre as amplas colinas e os extensos campos mornos. Ter vivido durante todas as suas horas soalheiras dá-nos uma agradável sensação de longevidade. (...) No limiar da floresta, o homem do mundo, surpreso, é obrigado a abandonar as suas avaliações citadinas do grande e do pequeno, do sensato e do disparatado. A mochila do costume abate-se sobre as suas costas ao primeiro passo que dá nesses limites. Ali reside a santidade que envergonha as nossas religiões, que desacredita os nossos heróis. Ali descobrimos que a natureza é a circunstância que amesquinha todas as outras circunstâncias,

e julga como um deus todos os homens que vêm até ela.». Outro texto citado em epígrafe é uma passagem de Herman Melville que nos remete por conseguinte para a questão da natureza vs. Homem retratada em Moby Dick. A ambição de Miller, que se torna cada vez mais inumano e mais animal, enquanto persiste na sua matança injustificada, vai mesmo provocar um desfecho inesperado em que o grupo irá procurar sobreviver nas mais desumanas condições. E, no final, quando tudo aquilo que fizeram se revela em vão, como um feito infrutífero face à vontade divina e à impiedade da natureza, embrenhada no seu fluxo irreversível de dias que se sucedem aos dias e trazem novas estações, e à própria inexorabilidade da passagem do tempo e das modas do Homem que se vão sucedendo de forma igualmente imparável, percebemos como este romance pode constituir ainda uma fabulosa alegoria para as batalhas vãs e as guerras inúteis em que o Homem se perde, já não contra a Natureza, mas contra si próprio, como no incêndio final que é várias vezes designado de Holocausto.


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Panorâmica

Festival MED: um verdadeiro 'must' musical d.r.

Ricardo Claro

Jornalista / Editor ricardoc.postal@gmail.com

Há coisasa que se tornam um ‘must have’, há sítios que são um ‘must go’, e há experiências que são um ‘must feel’ e é exactamente isso que o MED é, um verdadeiro ‘must’ no universo das experiências musicais. A world music continua a dar cartas mundo fora com a descoberta de valores escondidos, verdadeiros tesouros da identidade cultural de todos os povos e culturas do mundo e o que o MED traz ao Algarve é isso mesmo, a riqueza da cultura pancontinental. Nesta que é a décima terceira edição do MED, Loulé acolhe artistas de 16 nacionalidades, numa panóplia de oferta musical que promete rechear de cores a paleta e projectar-se na tela da assistência de forma indelével e entusiasmante. Há mundos por descobrir por terras de Loulé entre os dias 30 de Junho e 2 de Julho, a que acresce um open day (gratuito) a 3 de Julho, domingo. Há sonoridades que cheiram a terras distantes e vêm envoltas em turbantes sonoros recheados de transparências e opacidades memoráveis, desafiando o ouvinte a despertar para outros

Dona Onete chega ao MED vinda do interior do Pará, no Brasil percursos tão distantes daqueles a que normalmente nos habituámos e, ainda assim, tão próximos de nós nesta cultura humana e universal a que pertencemos.

São quatro dias em que se promete um programa à medida de todos e cada um, desde os pequenotes aos mais crescidos, e que incluem artesanato, exposições, workshops, gastronomia

e muita animação de rua. É que durante o MED há tempo para tudo menos para o enfado, que por Loulé, nestes quatro dias, a música é outra!

30 Junho (quinta)

1 Julho (sexta)

2 Julho ( sábado)

Palco Matriz

Palco Matriz

Palco Matriz

António Zambujo (Portugal) 22.15 horas

Palco Cerca

Danakil (França) | 00.15 horas

Sem contar com a abertura, em estilo open day e, pois, grátis, o Festival MED vai custar 25 euros para ter acesso aos três dias do evento, mas pode optar pelo bilhete diário familiar (dois adultos e duas crianças até aos 16 anos) por 25 euros. Quanto ao bilhete diário vai ter um preço de 10 euros, sendo que as crianças de idade até 12 anos têm entrada franca no certame. Estes preços verificam-se até 26 de Junho. A compra pode ser realizada no Cine-Teatro Louletano, nos locais habituais, na BOL - Bilheteira Online e no local (nos dias do festival). A partir do dia 27 o bilhete diário custa 12 euros e para os três dias 30. Com performances originais, o MED volta a apresentar-se para marcar o estilo do Verão em terras algarvias e trazer à região muitos que querem estar num dos maiores eventos nacionais do género e hoje absolutamente incontornável na cena da world music nacional. Momentos únicos e prazerosos é o que se espera de um festival que voltará decerto a tomar de assalto ruas e vielas, travessas e largos do centro de loulé, convertendo a cidade num pólo electrizante para os melómanos. Agora que já lhe adoçámos o paladar com esta proposta irrecusável, adiante-se ao esquecimento e marque na agenda os dias deste MED de 2016. Venha sentir o pulsar único das sonoridades raras deste e doutros mundos.

Dubioza Kolektiv (Bósnia e Herzegovina) 00:15 horas

Palco Cerca Aldina Duarte (Portugal) 21.15 horas

Palco Cerca

Moh! Kouyaté (Guiné-Conacri) | 23.15 horas

Alo Wala (Dinamarca/Noruega/EUA) | 01.15 horas

Palco Castelo

Palco Castelo Otava Yo (Rússia) 23.45 horas

Palco Jardim

Palco Castelo Chico Correa (Brasil) | 01.45 horas

Palco Jardim

Capicua (Portugal) | 23.45 Horas

Alturaz Al Andalusí (Síria) 21.30 horas

Muhsilwan (Sudão/Marrocos/Guiné Conacri) | 21.30 horas

AGENDAR

Os preços

“O CONTINERALISMO POÉTICO - ACHADOS” Até 28 AGO | Museu Municipal Dr. José Formosinho - Lagos Projecto que se materializa em três séries distintas com temáticas próprias (Achados, Musas e Todos os Santos), criado para apresentar as últimas criações de Timo Dillner

Palco Jardim Sharq Wa Garb (Marrocos) | 21.30 Horas

“CONCERTO COM OS DEOLINDA” 4 JUN (21.30) e 5 JUN (18h30 | Cine-Teatro Louletano A banda composto por Ana Bacalhau, Luís José Martins, Pedro da Silva Martins e Zé Pedro Leitão vem a Loulé apresentar o seu novo álbum “Outras Histórias”, editado este ano


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03.06.2016

Cultura.Sul

Artes visuais

O espetador pode ser criador/artista na arte interativa?

Saul Neves de Jesus

Professor catedrático da UAlg; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

No início, a arte baseada em computadores era um campo marginal, mas com o potencial das novas tecnologias, tem vindo a aumentar consideravelmente o interesse de artistas plásticos pelos computadores e pela utilização de programas informáticos na produção de arte visual, sobretudo na nova geração de artistas, permitindo a realização de arte visual de forma mais criativa e menos dispendiosa. A media arte continua a ter cada vez mais adeptos e alguns consideram que este é um dos movimentos atuais que mais vai marcar o futuro da arte (Tribe & Jana, 2010). Conforme refere Santaella (2009), muitos artistas “reivindicam que a arte nas novas mídias digitais, inclusive no seu aspeto avançado de interface com a ciência de ponta, biotecnológica e mesmo nanotecnológica, e com a robótica e inteligência artificial, é a verdadeira arte do nosso tempo”. Embora não concordemos com esta posição radical, parece-nos ter sentido que a arte aproveite os desenvolvimentos que têm ocorrido ao nível das novas tecnologias, tal como tem sabido aproveitar outros desenvolvimentos tecnológicos ocorridos no passado. A artista Diana Domingues (2000), que coordenou o Grupo de Pesquisa de Novas Tecnologias nas Artes Visuais, da Universidade de Caxias do Sul (Brasil), considera que a relação entre ciência, tecnologia e arte traduz um novo conceito de arte: “É a noção da arte não mais como objeto, mas como sistema complexo, que permite a interação. As pessoas que vão ver uma obra não apenas contemplam, mas interagem”. Um exemplo do trabalho coordenado por esta artista é a obra denominada INS(H)NAK(R)ES, em cuja concretização participou uma equipa transdisciplinar que inclui artistas, biólogos

e informáticos. Nesse trabalho, um robô, de nome Ângela, “vive” dentro de um serpentário, com cobras vivas, mas pode ser movimentado pelas pessoas através da Internet. A web câmera do robô transmite as imagens de dentro do serpentário, de forma, que o robô simula o corpo e a visão da pessoa, como se ela estivesse em seu lugar. Segundo a artista, o título da obra significa in snakes e, ao mesmo tempo, as letras entre parênteses podem formar a palavra share, que traz a ideia de partilhar o corpo humano com o corpo do robô. Um outro exemplo de arte interativa foi o trabalho “Cronofia”, apresentado na 25ª Bienal de São Paulo (2001), por Goifman e Müller. Era apresentada uma página da internet, podendo os participantes intervir clicando no botão do rato. Não acontecia nada, até que, após alguns cliques, aparecia uma nova imagem da internet. Com este trabalho, os autores queriam criticar a excessiva utilização atual da internet e o excesso de imagens não duradouras. Ainda em termos de arte interativa, já em 1997, o artista americano Peter Halley havia criado uma instalação em que os espetadores usavam computadores para alterar as imagens e as cores que o artista tinha escolhido, levantando-se a questão sobre se o espetador também seria artista neste trabalho. A arte interativa também pode ter uma componente pedagógica, permitindo a compreensão e a aprendizagem do “espetador”, na perspetiva de que a melhor forma de aprender é permitir uma atitude ativa e participativa por parte de quem aprende. Nesse sentido, em 2012, criámos uma sequência de imagens digitais que podem ajudar a compreender o que é o stresse e outros conceitos próximos deste, em particular os concei-

tos de coping e de resiliência, bem como distinguir entre a vertente negativa do stresse (distress) e a vertente positiva do stresse (eustress), pois esta não é conhecida pelo público em geral. Em termos de software informático, para a realização deste trabalho foram utilizados os programas on-line Prezi (Somlai-Fischer, 2012) e Wordle (Feinberg, 2011). Aproveitando as potencialidades destes programas informáticos, procurámos criar um ambiente digital que integra as imagens das telas “Eustress e Distress”, que havíamos produzido anteriormente (Jesus & Bidarra, 2011), colocando no meio a questão “What is stress?” Desta forma, procuramos expressar que o stresse é algo que se situa entre estes dois conceitos mais específicos, representando também que se trata de duas possibilidades alternativas de desenvolvimento quando o sujeito é confrontado com exigências que constituem fatores de stress. Integrámos na imagem diversos termos-chave que permitem responder à questão colocada e compreender como é que as situações de distress e de eustress podem ocorrer e desenvolver-se. Esses termos-chave são os seguintes e apresentados nesta sequência: stress, factors, distress, symptoms, coping, resilience e eustress. A imagem que destaca a questão colocada constitui o primeiro de vinte passos apresentados neste trabalho. A sequência de passos foi organizada de forma a que primeiro surjam imagens de cada uma das telas com a respetiva designação de distress ou eustress, consoante o caso, para fomentar a curiosidade no espetador e para que este se possa aperceber das duas possibilidades deste termo. Depois a sequência segue com a apresentação de cada um dos termos-chave, encontrando-se num ponto de

fotos: d.r.

Obra em técnica mista “Distress e Eustress (síntese)” (Jesus, 2011) cada um deles um conjunto de palavras que ajuda a compreender o seu sentido. As palavras relativas a cada termo-chave foram selecionadas a partir de uma revisão da literatura da especialidade sobre cada um dos termos, permitindo um conjunto de palavras para cada termo. Estes conjuntos de palavras foram organizados no Wordle e transpostos para o Prezi, possibilitando este a sua observação através do efeito zoom que permite efetuar. A sequência dos termos foi a referida atrás porque o desenvolvimento do distress numa situação de stresse (termo 1) depende dos fatores (termo 2) presentes nessa situação. Do distress (termo 3) resultam vários sintomas (termo 4). A resolução de situações de

distress depende das estratégias de coping (termo 5) e das competências de resiliência (termo 6) do sujeito, possibilitando o desenvolvimento do eustress (termo 7). A apresentação termina com um afastamento da imagem, possibilitando uma visão panorâmica das telas e dos termos-chave distribuídos nestas. Este trabalho encontra-se disponível no youtube, através do link http://www.youtube. com/watch?v=uwK8ih4FPFs O Prezi permite que o ritmo de passagem entre cada passo da sequência seja decidido pelo espetador, no momento em que está a apreciar o trabalho. Assim, neste trabalho também procuramos aproveitar a vertente de interatividade permitida pela arte digital (Lieser,

Imagem inicial do trabalho em arte digital “What is stress?” (Jesus & Bidarra, 2012)

2009), pois o espectador pode gerir o tempo que demora em cada passo da sequência de imagens. Desta forma, o ritmo da aprendizagem do conceito de stresse pode ser personalizada, indo ao encontro das indicações da maioria das teorias de educação atuais (Jesus, 2004). No entanto, a gestão do ritmo de aprendizagem pelo próprio aprendiz, permite uma nova abordagem do ensino personalizado, pois tradicionalmente seria o professor a gerir o ritmo do ensino, procurando adaptá-lo aos conhecimentos iniciais e às capacidades reveladas pelo sujeito que aprende. Assim, a participação ativa do espetador e a interação permitida pela arte que recorre ao potencial das novas tecnologias tem também esta vantagem de permitir ambientes de apreciação artística ou de aprendizagem através da arte mais atrativos e cujo ritmo é gerido pelo próprio sujeito que aprecia ou aprende. Desta forma, este trabalho procurou explorar as relações de convergência entre a arte, a ciência e a tecnologia, encontrando-se a relevância da sua componente pedagógica patente na necessidade da participação ativa do espetador, pois este terá de fazer um percurso de vinte passos que pode gerir segundo o seu próprio ritmo de aprendizagem em torno do conceito de stresse. A concepção do espetador como ativo já existe há bastante tempo, não sendo um mero contemplador passivo dos produtos artísticos e, além disso, já havia formas anteriores de tornar o espetador participante em certos trabalhos artísticos instalativos, mesmo que não fossem utilizadas novas tecnologias. No entanto, estas vieram ampliar ainda mais as hipóteses de fomentar uma cada vez maior participação do público na “finalização” do produto artístico, constituindo o aproveitamento das novas tecnologias um dos principais desafios para o desenvolvimento futuro no plano das artes visuais. Nota: Algumas das reflexões apresentadas neste artigo encontram-se no livro “Construção de um percurso multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes Visuais”, de Saul Neves de Jesus (snjesus@ualg.pt)


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Espaço ALFA

Marrocos aqui tão perto

Marco Pedro

Tesoureiro da ALFA

Para os amantes de fotografia de viagem, o Reino de Marrocos é sem dúvida um país que tem muito para dar aos fotógrafos. O país vive de contrastes, o que o torna único na esfera global, em que o norte é um misto de cultura árabe e ocidental e o sul, abaixo das montanhas da Cordilheira do Atlas, oferece a magia do deserto com a sua cultura berbere. Nas cidades, as suas medinas com centenas de ruas estreitas, em que apenas uma rua principal tem entrada e saída, fazendo a ligação de todas as outras ruas, é um palco de luz e cores, que em conjunto com os transeuntes proporciona imagens de rara beleza

e exotismo. Além disso, sendo um país de fácil acesso, dotado de uma excelente rede de auto-estradas, é possível viajar no seu interior com facilidade e comodidade, sendo uma opção a incluir em projetos de férias. Na senda de captar a magia de Marrocos, a ALFA está a organizar uma viagem fotográfica a realizar entre os dias 9 e 12 de junho, aberta a sócios e não sócios, existindo aindapoucas inscrições. Esta viagem, espera-se ser uma de muitas que se irão realizar a este extraordinário país. Nesta primeira viagem, o local estrela a visitar será a famosa “Cidade Azul”, na sua denominação oficial Chefchaouen, a principal cidade das montanhas do Rife, cuja arquitetura dos edifícios se assemelha à andaluza, mas a típica cor branca dá lugar ao azul-turquesa, oferecendo aos fotógrafos um agradável desafio de composição. Durante a estadia, os viajantes ALFA também pode-

rão visitar a grande cidade de Tânger, a cidade costeira de Arzila, onde podem ser vistas

fortificações construídas pelos portugueses, de 1471 a 1550 e entre 1577 a 1589, bem como

a enorme e mágica medina de Tetuão. Viajar é uma forma de aprendizagem e a ALFA quer

proporcionar isso e muito mais aos seus viajantes. Venha daí, venha connosco!

em dia não só sabemos que a felicidade não está fora de nós, mas é algo que podemos treinar! Momentos pontuais de felicidade não bastam. Procuramos uma felicidade estabilizada. Como consegui-la?

servá-lo com curiosidade, não se identificar imediatamente com ele, distanciar-se, criar espaço. Se não resultar, fazer algo agradável: ouvir música, dar um passeio, etc. Quando a calma regressar reflectir, então, sobre o assunto com paciência e tolerância.

os desejos a serem satisfeitos, porque os há legítimos e vitais e também os há inúteis e prejudiciais.

Filosofia dia-a-dia

A arte da felicidade

Maria João Neves Ph.D Consultora Filosófica

É feliz? Quem se atreve a responder um SIM, sem hesitações, a esta pergunta? Mormente oscilamos: “hoje tenho um mau dia” ou “hoje estou bem disposta”. A maioria de nós padece um certo grau de descontentamento omnipresente. Se a felicidade é algo que todos, sem excepção, desejamos por que será tão difícil de alcançar? Três formas infalíveis de transformar a vida num inferno 1. Cultivar a insatisfação Sempre esta sensação/ de que estou a perder/ só estou bem onde não estou/só quero ir aonde não vou António Variações

Compare-se constantemente com os outros. Este é um modo extraordinariamente eficaz de se tornar infeliz. Como demonstra a canção, quando chegar lá, verá que é apenas outro aqui e quererá partir de novo. 2. Alimentar o sofrimento Alguns tipos de sofrimento são inevitáveis mas outros somos nós que os criamos. Dalai Lama

Pense constantemente em desgraças e ache injusto tudo o que lhe acontece. Enumere as várias ocasiões em que foi maltratado. Desta forma reforçará o ódio e intensificará a raiva. Personalize a dor: seja susceptível, reaja excessivamente a toda e qualquer pequena coisa, perca a noção das proporções. Sobretudo, vitimize-se e dramatize! 3. Ser um camaleão Se seguimos as vicissitudes da vida

tão depressa chamaremos ao mesmo homem feliz como desgraçado, uma espécie de camaleão sem fundamentos sólidos. Aristóteles

Faça depender o seu estado de espírito não só daquilo que lhe acontece, mas também de tudo o que se passa à sua volta. Perca o seu centro e deixe-se levar pela montanha russa da vida. Alterne entre a euforia e o desespero. Fuja da introspecção. Não se conceda um só momento de sossego. A Felicidade treina-se! Boas notícias: a felicidade depende mais de nós do que das circunstâncias exteriores. No grego antigo a palavra para felicidade é Eudaimonia que literalmente significa “o estado de ser habitado por um bom daemon, um bom génio”. Já nessa altura se entendia que felicidade não é algo que se alcança, mas antes um estado de espírito. Hoje

1. Erradicar as emoções negativas e incentivar as emoções positivas A única protecção contra os efeitos destrutivos da cólera e do ódio, é a prática da paciência e da tolerância. Dalai Lama

Algumas correntes psicológicas defendem a realização de exercícios catárticos para evacuar o sofrimento ou soltar a raiva. Fundamentam-se num princípio hidráulico: quando a pressão aumenta tem de ser libertada. Contudo, a mente não é uma panela de pressão. Melhor seria tratar a alma como um jardim: regar as emoções positivas e arrancar as negativas como se fossem ervas daninhas. Sempre que um estado de espírito negativo se instalar ob-

2. Distinguir e seleccionar os desejos O conhecimento seguro dos desejos leva a direccionar toda a escolha para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito; esta é a finalidade da vida feliz. Epicuro

Cálicles, personagem do Górgias de Platão (428-348 a.C), defende que para se ser feliz é preciso ceder a todos os desejos. O seu suplício é comparado ao das Danaides condenadas a encher uma jarra com furos, não conseguindo nunca concretizar os seus propósitos. Em contrapartida, Epicuro (341270 a.C) sustenta que para ser feliz é preciso seleccionar bem

3. Cultivar a serenidade O ideal da vida deve ser acima de tudo a serenidade. Agostinho da Silva

Não se deve confundir a calma com insensibilidade ou apatia. Um estado de espírito amorfo não é, seguramente, feliz. O desassossego mental leva à frustração e à discórdia. Precisamos de cultivar a disciplina interior que conduz à serenidade. Ela constitui a chave para uma vida alegre e feliz mesmo em condições adversas. Transformar a dificuldade num desafio é esculpir a alma. Nisto consiste a arte da felicidade. As reflexões sobre os textos da rubrica Filosofia dia-a-dia continuam nos Cafés Filosóficos que se realizam em Tavira e Faro em Português e Inglês. Para mais informações contacte: filosofiamjn@gmail.com


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Sala de leitura

Amadores de dança (ou a arte como inclusão)

Paulo Pires

Programador cultural no Município de Loulé http://escrytos.blogspot.pt

Folheando um qualquer dicionário de língua portuguesa, surgem três acepções para a palavra “amador”, que deriva do latim “amatore”: o que ama, namorado, amante; o que exerce qualquer arte, desporto ou ofício por gosto e não por profissão; ou o que é inexperiente (sentido pejorativo). Se o primeiro significado é, sem dúvida, e curiosamente, o mais esquecido e em desuso nos dias que correm, já o último parece ter adquirido, de alguma forma, uma certa preponderância face aos restantes e até contaminado a segunda acepção (a antinomia amador/profissional), continuando a persistir amiúde na opinião pública uma conotação negativa, redutora/superficial ou pelo menos céptica, ora mais notória ora mais velada, sobre o que se entende por “amador” – facto a que o mundo da cultura e das artes também não é alheio. Num tempo em que a palavra “especialização” ainda é, para o bem e para o mal, muito valorizada social, simbólica e financeiramente, e em que a apologia do expert como alguém que, mais do que qualquer outro, tem a capacidade de compreender dado problema/necessidade e de encontrar soluções para o mesmo – e não esquecendo, ainda assim, a utilidade e relevância inequívocas de um aprofundamento de conhecimentos e práticas numa dada área (artística, científica ou outra) –, as artes podem ter um papel especialmente estimulante, porque questionador e desconstrutor, no que concerne, por exemplo, à participação activa de elementos não profissionais/não especializados em actividades e projectos performativos visando propósitos socialmente inclusivos. Não havendo gradação ou hierarquização desses participantes, e juntando-os com profissionais, nomeadamente em contextos de espectáculo, a tónica passa a ser a do respeito pela diversidade social, sublinhando a individualidade e singularidade de cada um dos membros da comunidade

envolvidos, sem desvirtuar a sua natureza intrínseca. Tratando-os como iguais, permite-lhes/nos assumir as suas/nossas diferenças, ditadas com naturalidade por percursos de vida, idades, pesos, agilidades, formações, sonhos e entendimentos da arte impossíveis de sincronizar. Daí que esta se possa assumir também, positivamente, como uma “arte sem qualidade”, no sentido de tentativa, possibilidade, (eventual) erro, e não como certeza, idealização ou previsibilidade – no fundo, como lugar que também é de todos, sem tipificações ou imposição de cânones a priori. Sabemos bem que as artes podem revelar-se instrumentos preciosos para o fomento de uma consciência participativa e para a (re)descoberta e (re)construção

democratização da abordagem e a importância do empoderamento das comunidades não deverão passar apenas pela vertente formal (quem participa?), mas também pelos conteúdos: conceitos/ideias-base, motivações, interesses, significados, conflitos e consensos. Vários projectos realizados, entre outros, pela coreógrafa Madalena Victorino em contextos rurais são bons exemplos de intervenção de dança em comunidades, os quais ilustram a extrema relevância de o processo artístico (ao nível do vocabulário de movimento, dos recursos artísticos, das orientações criativas, etc.) brotar a partir daquilo que diz respeito e é valorizado pelas pessoas, ou seja, da sua história e experiência de vida, as quais são

que, ainda segundo Madalena Victorino, se deverá posicionar um trabalho de dança que tenha efectivamente em conta a comunidade. Trata-se de perceber, em estreita articulação com esta, que potencial criativo e artístico os movimentos do quotidiano social (suas riquezas e subtilezas) podem ter, reinventando as suas rotinas no sentido da criação de objectos artísticos que depois são devolvidos a essa mesma realidade comunitária. O espectáculo “Vale”, que a mesma coreógrafa apresentou em finais de 2011 no Algarve no âmbito do Movimenta-te – Trajectórias de programação cultural em rede (Faro, Loulé, Olhão, São Brás de Alportel e Tavira), assentou também neste paradigma inclusivo quer ao nível dos participand.r.

Dança inclusiva de identidades a nível social, dado proporcionarem um sedimentar de sensações relativas à sua existência. Nesta linha, a dança, à imagem de outras expressões artísticas, revela-se um passaporte/mediador útil e profícuo nesse processo de trabalho com as comunidades, o qual se deseja democrático, libertando as subjectividades individuais e colectivas. Mas, de modo a estabelecer uma relação verdadeiramente dialógica e recíproca (e não unívoca, como por vezes se constata) entre arte e educação/intervenção social, o desafio maior de um projecto artístico em contextos comunitários consistirá precisamente na conjugação/balanço entre uma participação que se deseja activa (e inquietadora) dos elementos locais enquanto protagonistas do processo e, simultaneamente, a necessidade de não ignorar a qualidade dos produtos desenvolvidos. Mas essa

naturalmente anti-espectaculares. É aqui que surge uma distinção importante, que a reconhecida coreógrafa não deixa de sublinhar nos seus escritos: o movimento do real e o movimento da dança. Este último existe “para ser fruído ou pelo corpo ou pelos olhos” e está ligado ao lazer, à ocupação de tempos livres, a uma suspensão do quotidiano que passa a ser percepcionado de outra forma. No fundo, “a dança é vista como uma elevação, uma subida em saída do corpo e do movimento que habitualmente fazemos”. Por outro lado, o movimento do real, do dia-a-dia, “é pesado, feito com esforço, porque se liga ao trabalho, às obrigações, às dificuldades que o corpo vai encontrando ao longo do desenrolar do tempo”. Será nesse limbo entre os movimentos do real e da dança, explorando corpo, comunidade, composição e contexto,

tes (um grupo de várias dezenas de pessoas de diferentes idades, perfis e proveniências, que se juntou em palco a bailarinos e músicos profissionais), quer da adequação temática e artística à realidade sociocultural local/ regional. Recorde-se que este formato teve a sua génese num convite que a Artemrede fez a Madalena Victorino para que criasse um projecto de arte comunitária no Vale do Tejo. E na verdade “Vale” reflecte bem essa dupla sensação de vertigem e prazer de se estar em conjunto, captando “tanto a força quase bruta da multidão como a doçura do gesto mais pequeno”. Pensando em propostas mais recentes, e nomeadamente no trabalho que tem sido desenvolvido pelo coreógrafo francês Jérôme Bel, o espectáculo “Gala”, estreado em 2015 (inspirado num seminário com amadores de um bairro dos subúrbios de

Paris) e apresentado no Teatro Maria Matos em Abril deste ano, aposta claramente em formas dançadas de inclusão, na homenagem à diferença e na recusa de práticas institucionais do universo da dança. Bel insiste nas ideias de fragilidade e de “estado desarmado” dos amadores (por contraponto aos profissionais, que se tornam mestres das suas respectivas práticas) como aquilo que mais o cativa e inspira nas suas práticas, as quais, na visão do provocador criador, “assentam no princípio do prazer, do desejo. Cada amador está a revelar-se e nunca se realizará como os profissionais”. É, no fundo, a crença de que a arte pode conduzir-nos a um território comum e democrático, a uma aspiração colectiva de alegria, reinvenção e partilha, onde o percurso, personalidade e bagagem cultural de cada um dos amadores (de origens diversas) iluminam a sua dança. A própria coreógrafa e bailarina Vera Mantero, em parceria com o músico e compositor António Pedro, tem estado envolvida no lançamento de um projecto recente denominado “Dança para músicos”, promovido pela Materiais Diversos e que vem na linha de outras propostas artísticas de envolvimento comunitário desenvolvidas pela dinâmica associação cultural. Neste caso, atendendo à longevidade e vitalidade associativas das bandas filarmónicas e aos papéis aglutinador e formativo que estas desempenham junto das populações, os motes da intervenção passam pelas ideias de trabalho colectivo e voluntário, e de respiração como acto vital e regular do qual depende a própria vida. O ponto de chegada deste projecto passa pela apresentação pública de espectáculos em que os músicos da banda filarmónica são os intérpretes exclusivos de um trabalho coreográfico e musical. Mas há projectos de dança inclusiva que também têm incidido no trabalho com segmentos de amadores à partida mais improváveis e, por isso mesmo, duplamente estimulantes e desafiadores, neste caso pessoas com deficiência (motora ou outra), como sejam o Lab InDança, lançado em final de 2015 em Santa Maria da Feira e coordenado por Clara Andermatt (figura incontornável da dança contemporânea nacional) e Henrique Amoedo (director do Grupo Dançando com a Diferença, existente desde 2001 e sediado

na Madeira). Neste laboratório-residência artística de dança, que tem tido uma adesão surpreendente até para os seus promotores, estimula-se a imaginação, a auto-estima, a consciência corporal, a cooperação, o desbloqueio físico e social, a criatividade, percebendo o que cada indivíduo tem de singular e também como esse substrato pode ser integrado num contexto mais estético-artístico, mesmo que, no fundo, o mais relevante seja, de facto, o processo e não o resultado final. Mas, além da questão de positivar a diferença, este projecto acaba por ter também uma vertente mais “prática”, no sentido em que pode conferir maior autonomia, bem-estar e força muscular aos participantes, o que se afigura essencial para o seu dia-a-dia. Por fim, e não obstante haver outros projectos que incidem no carácter inclusivo da dança, uma palavra para o trabalho que está a ser desenvolvido desde final de 2015 no Algarve, designadamente em Tavira, Olhão e Loulé, por Ana Borges, directora artística da associação corpodehoje, no âmbito do projecto Dream First – Ouvir a Dança. Dirigindo-se sobretudo a crianças em risco, já sinalizadas ou não por entidades da área social, a crianças com deficiência mental e ao público infantil em geral, pretende estimular diálogos criativos e interdisciplinares entre dança, corpo, movimento e som/música, como ferramentas para a auto-consciencialização, desconstrução e libertação físicas e psicossociais dos mais pequenos. O Dream First conta com o apoio da parceria SIC Esperança/ Portugal Masters Golfe, das autarquias de Loulé, Olhão e Tavira, e da Fundação Irene Rolo. Com estes vários exemplos e abordagens como pano de fundo, insisto na ideia da dança contemporânea também como um exercício de igualdade na diferença, em que se dança com o corpo e não “apesar do corpo”. A um nível mais lato, trata-se de encarar a própria arte como veículo que, entre outros fins, permite ao indivíduo encarar as suas limitações/barreiras/erros (físicos ou de outra natureza) sem filtros ou preconceitos, como algo imbuído de uma potencial dimensão e valor criativos que podem ser explorados, experimentados, reinventados, partilhados. Talvez porque sejamos muito mais iguais do que as nossas (evidentes e salutares) diferenças nos possam fazer crer.


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O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

Junho Biblioteca Municipal de Tavira pelas 17 horas

Pedro Jubilot

pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt

Junho fotos: d.r.

Agora que o tempo convida, na associação de Faro (r.António Maria Laboia,nº1), à cidade velha, na muralha de onde a ria se deixa sempre ver, voltam os concertos à tardinha, ali com pôr do sol ao fundo. O primeiro «Concerto ao Entardecer» foi com Marco Luz. O próximo vai ser com os Tribruto já no sábado 4 - às 19h30. Sigam a página para mais eventos.

Palavra Ibérica

Sábado, 4 de junho, Tavira

AGENDAR

Pedro Jubilot apresenta o seu novo livro, um périplo no sentido anti-horário, que começa e termina no Algarve. Editado em abril pela CanalSonora - «Telegramas do Mediterrâneo», em prosa-poética - para conhecer na

Ser A Eternidade Para Mim»: A Eternidade bem que podia ser para mim uma melosa tomada numa esplanada vazia no momento em que o sol devora o corpo oceânico e repete incansavelmente esse intervalo suspenso no fixidez do tempo.

Telegr. Nº 8 – Bougie – Argélia do convés para sul avista-se um porto industrial, não tão amplo como quando teixeira gomes ali se auto-exilou para lá dos seus sonhos inglórios procuram-se vestígios desse tempo em que zeus, o paquete grego, atracou, deixando-o por um sempre ali, mesmo sabendo como era incomparavelmente bela a sua terra ( junto às rochas de pitoresco recorte de areia fina e doirada emergindo do mar cerúleo ) mas manuel já não acena do cais a sua exagerada sensibilidade aos jovens cheios de tempo perdido em roupas gastas e desbotadas. esses que remam águas paradas nas bolhas de petróleo flutuado

Arquente

É o mês mais importante das nossas vidas. Do solstício, na época do sol-estio-ócio. Os dias que atingirão as noites tão tarde que mal as vemos passar. A temperatura que as amena, quase não desce, e faz-nos cirandar em trajes menores até se vislumbrar um raio nascente…

Escaras / Danças?

Vila Real de Santo António recebe o regresso do encontro «Palavra Ibérica» a Portugal, a 3 e 4 de junho com concertos, comunicações, apresentações de livros e editoras (CA2 e Biblioteca Municipal Vicente Campinas) e recitais de poesia (Salão do Xá), com autores, editores e artistas. Uma série de actividades destinadas a potenciar o intercâmbio e a cooperação cultural entre as localidades e regiões dos países de língua castelhana e portuguesa. “LANZAROTE: A JANELA DE SARAMAGO" Até 9 JUL | Centro Cultural de Lagos A exposição fotográfica de João Francisco Vilhena mostra a relação entre o Nobel da Literatura falecido em 2010 e a ilha que escolheu para viver

Adão Contreiras

Sexta, 17 junho – Vitor Gil Cardeira leva 2 livros - «Escaras» (Lua de Marfim) e «Danças?» (Edições Cativa) para a Biblioteca Vicente Campinas em Vila Real de Santo António para serem apresentados por Pedro Jubilot. Uma feliz coincidência editorial, ou como quem diz: não há fome que não dê em fartura. Servida à hora do lanche - 18 horas - por isso não vai indispor. (…) A outra margem só existe na penumbra Do crepúsculo e mesmo assim Só a acedes enquanto espuma Evanescente. Espuma que encanta Os que nunca se encontraram mesmo Quando habitam vontades semelhantes E percorrem veredas paralelas. Quando Os olhares divergem do que realizas e és, Da esteira difusa que cobre o passado A que não podes voltar, reages Como se a dor fosse uma impossibilidade De regresso aos campos de restolho onde O sexo convoca a inocência nas contendas Do susto e do medo. A ausência transforma-se num colapso de desejo, Numa inusitada falência da vontade em Penetrar o silêncio da realidade sarcástica. O significado do ato envolve o que rejeita A perplexidade, apodrece no tempo, Na perdição que naufraga na escuridão e Responde ao ego ausente. Debaixo das nuvens moram os que não sabem saltar Ao eixo nas noites eternas.

«À Descoberta do Seixe» O que têm a dizer alguns poetas de Odeceixe - vol.I, publicado pela Arandis editora, mostra três poetas de Odeceixe de três gerações, com estilos diferentes, acompanhados pelas pinturas de Almerindo. O mais novo, Paulo Constâncio (1989), escreve em «O Que Poderia

Acaba de publicar através da editora 4Águas, o seu mais recente livro intitulado: «Mostruário de Títulos para POEMAS», com prefácio de Fernando Martins, que nos diz estarmos «perante poesia que se debruça sobre a própria poesia, para se questionar, para avaliar o seu alcance e os seus limites». E para confirmar com Vítor Gil Cardeira, editor desta obra, que a apresentará na Casa Álvaro de campos em Tavira, às 21h30 de 17 de junho. (p.72) para poemas complexos toda a palavra é um cometa nota: poema sobre a palavra constatará o escritor: a palavra nasce de um fundo negro desaparece num horizonte perpétuo é um fluxo colorido como um limão espremendo-a fica a pele sonora as rugas da escrita o sumo da verdade evapora-se quando a palavra sobe ao céu-da-boca

Junho Por ti deixas entrar o Verão, o acalentado desejo de hordas sedentas de cálidas ondas baixas. Grupos de turistas que invadem areais e praças frescas, ruas e lugares dados à tranquilidade. Por ti passavas calmo, displicente, ao lado da festa activa, desenfreada, da passagem de modas, dos desfiles de sotaques e idiomas. Por ti Junho eu….

“CONFIDÊNCIAS” 4 JUN | 21.30 | Teatro das Figuras - Faro Viviane vai apresentar o seu mais recente trabalho, contando com a presença de Mafalda Arnauth, Susana Felix e Luanda Cozetti, entre outros artistas convidados


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Espaço ao Património

FOrA - Festival da Oralidade do Algarve: quando o Património Oral teve palco em Portimão d.r.

Carla Vieira

Associação Teia D’Impulsos

Em 2014, a Associação Teia D’Impulsos criou um espaço de divulgação e de diálogo sobre o património oral algarvio. Assim nasceu o FOrA – Festival da Oralidade do Algarve. Enquadrado no âmbito do Património Cultural Imaterial, definido pela UNESCO como um conjunto de usos, representações, expressões, conhecimentos e técnicas reconhecidas pelas comunidades, grupos e indivíduos como parte integrante do seu património cultural, o Património Oral é constantemente recriado pelas comunidades em função do seu contexto, da sua interacção com a natureza e da sua história. Caracteriza-o um sentimento de identidade e de continuidade entre gerações. A globalização e as transformações na vida das sociedades, em particular nos meios urbanos, ameaçam a sobrevivência desse património e tornam urgente a criação de mecanismos e instrumentos para a sua preservação. Salvaguardá-lo é promover o diálogo entre o global e o local, entre a tradição e a modernidade, é construir os alicerces para uma sociedade futura marcada pela riqueza da diversidade. A ideia original do FOrA foi exactamente essa: a de divulgar o património oral em harmonia com a sua natureza perecível e mutável, inscrevendo-o no momento e no âmbito do performativo, alheio a qualquer esforço de fixação. O património oral é aqui entendido num sentido lato, englobando vários géneros de saberes e costumes transmitidos oralmente entre gerações - dos provérbios ao cancioneiro popular, das lendas ao artesanato, das lengalengas e trava-línguas aos jogos tradicionais. Constituído por sessões interactivas realizadas sucessivamente em espaços diferentes, dentro e fora de portas, o FOrA convida os

Descasca do milho no Castelo de Alvor participantes a circular de sessão em sessão, na descoberta dos tesouros guardados na memória do povo algarvio. A primeira edição decorreu em 2014, entre os dias 26 e 28 de Junho. O festival começou com um debate em torno da definição do património oral e prosseguiu num ambiente de festa, dinamizando o centro da cidade de Portimão, em particular o eixo compreendido entre a Casa Manuel Teixeira Gomes, o Jardim 1º de Dezembro e o Teatro Mu-

nicipal de Portimão. As histórias da vida no mar do Sr. João Pedro de Alvor, as lengalengas e trava-línguas das Moças Nagragadas, as lendas das mouras encantadas do Al-Gharb e a poesia popular, as brincadeiras e danças do Rancho Folclórico de São Bartolomeu de Messines, os jogos tradicionais – a diversidade marcou o programa. Uma diversidade que se quis alargar ainda mais na segunda edição. Em 2015, o FOrA voltou a Portimão entre os

dias 30 de Junho e 4 de Julho. O objectivo foi chegar a mais público e abarcar expressões e formas de comunicação do património oral menos óbvias. A exibição do filme Floripes, de Miguel Gonçalves Mendes, inaugurou a segunda edição do festival que, em 2015, também chegou ao Museu de Portimão e ao Castelo de Alvor. No Museu, o grande enfoque foi dado à história oral e à relação entre o património imaterial e o espaço museológico, atra-

vés de uma visita guiada por antigos operários da fábrica e de uma mesa-redonda subordinada a esta temática. No terceiro dia, o FOrA rumou a Alvor e, por via da iniciativa da associação Alvorecer, reacendeu antigas memórias de como se curavam os males do corpo e da alma numa oficina de mezinhas e recriou a prática ancestral da descasca do milho. Visando abranger um largo espectro de público, o festival continuou com acções dedicadas aos mais pequenos, bem como com a actuação de grupos de cantares tradicionais, as “Conversas FOrA” dedicadas à religiosidade popular e à expressão linguística do Algarve, mostras de artes e ofícios, a recriação da apanha e destilação do medronho, os “Bailes FOrA” e, para terminar a noite, as sessões “FOrA de Horas”, dedicadas a expressões alternativas e mais contemporâneas de Oralidade. A organização e concretização de um festival desta natureza só foi possível pela conjugação de várias sinergias e pela cooperação de outras associações, de organismos públicos e privados e de cidadãos que colocaram o seu tempo e capacidades ao serviço desta iniciativa. Um especial enfoque deve ser dado à associação Alvorecer que, desde o primeiro momento, colaborou com a Teia D’Impulsos na dinamização da programação do FOrA. De facto, os apoios do município, das freguesias e do Museu de Portimão, bem como da Direcção Regional da Cultura do Algarve, e, especialmente, as parcerias estabelecidas e o voluntarismo dos participantes revelaram-se elementos essenciais para que o programa tivesse atingido os objectivos de diversidade e de qualidade. Só assim se tornou possível chegar a mais público. E mais público significou mais pessoas sensibilizadas para a necessidade de preservar este património que define aquilo que nós somos e o que transmitiremos às gerações futuras. Em sintonia com este enlevo que nos motivou desde o início, o FOrA continuará e, em 2017, chegará com muitas novidades.

Ficha Técnica: Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Ricardo Claro Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço ao Património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot • Panorâmica: Ricardo Claro • Sala de leitura: Paulo Pires • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Carla Vieira Marco Pedro Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, FNAC Forum Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com on-line em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve

facebook: Cultura.Sul Tiragem: 7.699 exemplares


03.06.2016  11

Cultura.Sul

Da minha biblioteca

As Viúvas de Dom Rufia – de Carlos Campaniço fotos: d.r.

Adriana Nogueira

Classicista Professora da Univ. do Algarve

ram diferentes, com uma capacidade extraordinária, Firmino foi fenómeno por opção: escolheu ser diferente, num mundo de desigualdade, em que as gentes da ceifa tinham o tempo «todo vertido em trabalho, em espigas e depois em bagos de trigo em farinha, em pão. A foice na mão, os canudos de cana na outra, vergando as espinhas, mas não a dignidade».

acompanhassem a patrulha ocasional. Como o carteiro, que trazia a esperança de que melhores tempos, melhores ideias, estariam para chegar, ainda que se lhe notassem já alguns autoritarismos». Dom Rufia, o Ilusionista

adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com

Carlos Campaniço, alentejano que se «algarviou» há mais de 20 anos, publicou agora um novo romance, com a chancela Casa das Letras (Grupo Leya): As Viúvas de Dom Rufia. Num registo diferente dos livros anteriores, pautado pelo humor e a ironia, Campaniço escreve, com graça, a vida multiplicada de Firmino António Pote (mais conhecido por Dom Rufia, entre as gentes da sua terra), que encarnava diversas personagens, fruto da sua fantasia e, até, de alguma ingenuidade. A ficção da ficção

AGENDAR

O narrador apresenta-se numa nota inicial, identificando-se como sobrinho «longínquo» de Dom Rufia, indicando, no final da obra, que a teria escrito em 1980. É este familiar que liga as pontas soltas da história, aquelas de que as outras personagens não tinham conhecimento. A história passa-se em data não muito distante de 1910, visto a República ter sido implantada haveria pouco tempo. As informações temporais são discretas (o que revela a maturidade do escritor, que não cai num tique comum dos menos experientes, que é o explicar tudo com muito pormenor), mas claras, servindo para transmitir uma ideia do ambiente que se vivia e de como a sociedade foi afetada por esse momento da nossa história (aqui, apenas como pano de fundo): «De presenças fugazes, os soldados causavam sempre grande reverência às gentes do campo; era como se a República e os novos tempos

Todos os que já viram espetáculos de magia sabem como a curiosidade fica desperta, ao tentar descobrir o segredo por detrás da ilusão. Os mágicos conseguem fazer-nos acreditar que um coelho se transformou em pomba. Apesar de sabermos que há um truque, que não é verdade, a curiosidade leva-nos a ir assistir às demonstrações, e a vontade de saber mais cresce em nós. Somo iludidos e gostamos da sensação. Neste romance, Dom Rufia é o ilusionista de quem não conseguimos deixar de gostar. Trafulha desde pequeno, tornou-se um adulto trapaceiro. Mas não era má pessoa, se considerarmos que o seu desejo era não ter uma vida de servidão, como a de todos os outros, naquele Alentejo profundo do início do século XX. Este seu desejo vai sendo expresso em vários momentos do livro, mas no final é o tio Homero (com um nome a que faz jus: relembrando o poeta grego que cantou a guerra de Troia e o regresso do seu herói, Ulisses, a casa, é ele que sabe a verdade e a conta a todos, incluindo ao narrador) que o explica muito bem: «Mas a verdade, senhores e senhoras, é que ele nasceu e cresceu nesta família humilde, que não teve hipótese de lhe dar outra vida. Nunca aceitou tal condição. Jurou não se deixar escravizar pelos donos destes campos, que obrigam um homem a trabalhar de sol a sol para ganhar o que mal dá para pagar um pão. Ideias que ninguém lhe meteu na razão. Ele as descobriu, ele as defendia. Ajudou-o a natureza, que lhe pôs muita imaginação na cabeça». À medida que a narrativa

Dom Rufia, o amante

Carlos Campaniço publicou novo romance avança, vamos percebendo que Firmino era, para uns, uma coisa, e para outros, outra: desde um almocreve educado, obrigado a trabalhar por desgraças familiares, a um ourives bem-falante, um médico dedicado, um advogado muito religioso, um rico ganadeiro espanhol, um diplomata… Curiosamente, tal como nós, que queremos presenciar o fim do espetáculo do ilusionista, também todas as que se apresentaram no velório de Dom Rufia, julgando serem a sua viúva, aguentaram o choque quando se aperceberam da sua quase poligamia e ficaram para ouvir o resto da história do homem que «foi sincero nas amizades, nos amores e no prazer de estar

“PERCURSO COLORIDO” Até 1 JUL | 1º andar do edifício da Câmara de Albufeira Nos seus desenhos Fernanda Nogueira privilegia o lápis de cor, potenciando as suas possibilidades no que respeita à cor, à sobreposição e intercepção de imagens

convosco. Chegou mesmo a dizer-me que amava todas as suas mulheres». Dom Rufia, o fenómeno As manigâncias de Dom Rufia eram tão extraordiná-

rias, que atraíram a atenção de um velho chileno, que andava pelo mundo à procura de prodígios, sendo conhecido, por isso, como Juan de los Fenómenos. O livro conta-nos alguns deles, como o do rapaz cujos olhos mudavam de cor em cada estação do ano, ou o da mulher que conseguia identificar todos os cheiros. Todos estes tinham em comum o serem qualidades raras, mas que não serviam para quase nada. As pessoas eram, simplesmente, diferentes das outras, mostrando como Deus improvisou e «agiu sem recurso à memória pra fabricar o mundo. (…) Deus fez o cavalo, mas não se preocupou em fixar a receita. Quando o quis replicar noutras partes do mundo, saiu-lhe um burro, e de outra vez uma zebra, por exemplo». E se uns nasce-

As cenas de amor entre Firmino e as suas amantes e eternas noivas (porque nunca casou com nenhuma) são descritas com mestria. Sem cair no facilitismo de uma linguagem vulgar, o autor apresenta a realidade das mulheres de diferentes idades e condições sociais, que preservavam uma fachada exigida pela sociedade, dando largas ao prazer quando não tinham esse constrangimento. Com muito humor, mas também com sensibilidade, acompanhamos, por exemplo, o prazer que Domitila redescobre quando se entrega a este homem: «era ela que lhe indicava o compasso daquela libertação. Como uma crisálida, transformou-se noutra, sendo inteira no jeito como o quis». Ou o prazer do próprio Firmino ao tocar em Joaquinita, que o tinha cativado: «seria capaz de jurar que ela libertava um perfume próprio, como as mais generosas flores, como os frutos incontaminados. Tocou-lhe na pele que pensava ser como o veludo, mas enganou-se, porque o veludo não chegava a ser tão saboroso ao tacto». Um livro muito bem escrito e muito bem conseguido. Um livro que nos arranca muitos sorrisos e algumas gargalhadas. Um livro que nos deixa a pensar sobre as reflexões que vai plantando. Um livro com uma linguagem muito bem trabalhada, que nos embala na toada alentejana, vagarosa e quente, ora simples e direta, ora mais refinada, sempre com graça, deixando-nos com von-

“QUARTETO DE GUITARRAS CONCORDIS” 3 JUN | 19.00 | Ruinas Romanas de Milreu - Estoi O quarteto constituído por Eudoro Grade, João Venda, Rui Martins e Rui Mourinho apresenta o tema Iberis, um programa de raiz ibérica


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