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Cultura.Sul 0 4.11. 2011
Quotidianos poéticos
António Aleixo
Algures num espaço e tempo do Algarve, a vida e a ficção intrometeram-se na poesia de António Aleixo
Pedro Jubilot
pjubilot@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt
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António disse um certo dia sobre uma amizade sua: «Não há nenhum milionário /que seja feliz como eu:/tenho como secretário/um professor do liceu». Falava do seu amigo Joaquim Magalhães, editor e transcritor desse livro que Aleixo nos deixou, e que no prefacio escreve que… ‘o poeta está, afinal, mais vivo hoje, do que enquanto andou pelo mundo’. (V.R.S.António, 1899 - Loulé, 1949). «O homem sonha acordado/Sonhando a vida percorre/E desse sonho dourado/Só acorda, quando morre!» É hoje reconhecido como o maior dos poetas populares, pela jactância dos seus versos que denotavam uma capacidade de improviso fora do comum, aliada a uma visão crítica da natureza humana, sem tempo nem lugar. Actual, pois: «Tu, que tanto prometeste/Enquanto nada podias,/Hoje que podes esqueceste/Tudo quanto prometias…» Mas devia parecer estranho aos seus contemporâneos e conterrâneos ver um homem pobre e com um trabalho, ainda que precário, a debitar quadras soltas de versos irreverentes sobre o comportamento de homens de diversas classes sociais, um pouco à semelhança do que fazem hoje das rimas os jovens poetas orais urbanos. Soa forçado dizer, mas ele era já quase como que um rapper, muito antes do tempo da comunicação livre: «Uma mosca sem valor/Poisa c’o a mesma alegria/na careca de um doutor/como em qualquer porcaria». Era poeta andante porque era um trabalhador itinerante. Ora porque pastando rebanhos ou por ser cauteleiro. «De vender a sorte grande,/confesso, não tenho pena;/que a roda ande ou desande/eu tenho sempre
Estátua de António Aleixo em Loulé a pequena». Deslocava-se por feiras e mercados ou pelas festas das aldeias do concelho de Loulé, cantando não só os números que se queriam que fossem da sorte, mas as palavras do coração repletas de dor, ironia e sobretudo duma verdade dita de forma simples mas por vezes acutilante. «Quem nada tem, nada come;/ E ao pé de quem tem comer,/Se alguém disser que tem fome,/Comete um crime, sem querer». E assim foi levando uma vida de sofrimento e dificuldades para sustentar a família com os seus míseros ganhos. «Sei que pareço um ladrão.../mas há muitos que eu conheço/que, sem parecer o que são,/são aquilo que eu pareço». Desabafava na sua poesia improvisada a cantar para o povo os seus
sentimentos face à injustiça social. Mesmo falando dos ricos e poderosos, as suas palavras não os afectaram directamente. Talvez porque o seu público, ocasional, não era assim tão vasto e importante. Aleixo era doente, pobre e considerado pouco qualificado para que isso pudesse provocar algum tipo de problema ao estado e às instituições. «Sem que o discurso eu pedisse,/ Ele falou; e eu escutei./ Gostei do que ele não disse;/Do que disse não gostei». Tudo isso mudou, quando a força das suas quadras se transformou em palavras impressas, a circular de mão em mão, aquando do lançamento do seu primeiro livro ‘Quando Começo a Cantar’, começado a vender no dia 25 de Abril de 1943, domingo de Páscoa, por iniciativa do Circulo Cultural do Algarve. A
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páginas tantas lê-se assim: «Vós que lá do vosso império/prometeis um mundo novo,/calai-vos, que pode o povo/qu’rer um mundo novo a sério». Hoje passa os dias sentado e calado numa estátua da autoria do Mestre Lagoa Henriques (também fez o Pessoa da Brasileira), ali à porta do Café Calcinha (fundado em 1929), que frequentou em Loulé. «Vai-se uma luz, outra existe,/nova aurora nos seduz;/deve ser muito mais triste/a gente deixar a luz». Provavelmente, já que se diz que a história se faz de ciclos, talvez os versos de Aleixo se voltem a colocar nas bocas deste mundo, em crise de dinheiro e valores. Peguemos então nas suas palavras. «O mundo só pode ser/melhor do que até aqui,/-quando consigas fazer/ mais p’los outros que por ti».
António Aleixo Bibliografia: António Aleixo Quando começo a cantar ‒ 2ª Edição, Coimbra, 1948
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