penúltima palavra
Os sentidos da dor cimento, pelos órgãos competentes, de que a grande maioria das doenças físicas tem uma causa emocional. A cultura reconhece a dor psíquica, mas atualmente trata dela como se tratasse uma quebradura óssea apenas com “anestesias”, levando a fraturas expostas, pois nesse caso sem a dor não há a possibilidade de proteção. “Anestesiamos” sem tratar a causa,
todos os dispositivos de índole biológica têm um limite de eficiência que, uma vez ultrapassado, determina o seu fracasso. Sigmund Freud por Silvana Henzel
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essa forma Freud abre o tema da dor. Ele diz que o sistema nervoso tem uma propensão a fugir da dor; então, senti-la é o fracasso dos dispositivos orgânicos e psíquicos de fuga. Sentimos dor diante de um excesso que invade. E aí uma reação pode ser protetora. Pensamos em dores físicas. Mas não somos apenas corpo. Somos, além do corpo, um psiquismo que nos diferencia de forma singular. E que é soberano. Para entender isso, basta ver pessoas com graves limitações físicas que conseguem construir autonomia e independência, enquanto outras, de “corpo são”, ficam estagnadas em uma vida desvitalizada, imobilizadas em uma eterna dependência, como um deficiente, mas que sofrem de limitações que não são do corpo. Sofremos todos de dores psíquicas, temos conflitos. Mas isso não pode ultrapassar o nosso limite e nos imobilizar. Sabemos também do reconhe-
sem buscar ver onde está “quebrado” dentro de nós, imobilizando ainda mais o sujeito que sofre. “Anestesias” servem a um momento específico, e devemos questionar situações de uso contínuo. Crianças sempre falam ou expressam a verdade. São sinceras. E o que temos feito com nossas crianças? Estamos medicando a infância. Não queremos que denunciem que estão sofrendo com o déficit de nossa atenção e desrespeito, pois até o fato de colocá-las em um lugar de demasiado poder é tão violento quanto são o desrespeito ou as agressões. A criança agita-se para ser respeitada em sua singularidade, assimetria e em suas necessidades, inclusive de ter limites claros. Assim como deseja qualquer ser humano. Ao “anestesiarmos” desnecessa riamente a dor humana desde a infância com tarjas pretas, excessivamente prescritas por quem tem competência para fazê-lo, fracassamos na possibilidade de tratar devidamente as quebraduras psíquicas. Dessa forma, a causa da dor segue ativa, apesar de amordaçada quimicamente, expondo o indivíduo a seu fracasso enquanto sujeito psíquico. O discurso social é de preocupação com os sintomas, como o abuso de drogas ou o respeito às minorias, mas é preciso dar voz ao sujeito em vez de tentar calá-lo. A psicanálise vai mais uma vez na contramão da cultura quando defende o respeito à singularidade, às diferenças e propõe a construção de recursos que permitam a autonomia do sujeito. A dor sinaliza para que possamos tratá-la, e isso não é possível com mordaças disfarçadas em forma de gotas e comprimidos. A dor pode ser calada ou ouvida. N SILVANA HENZEL é psicóloga psicanalista e diretora administrativa da Sigmund Freud Associação Psicanalítica em São Leopoldo (RS)







