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2º Domingo da Páscoa - Atos 2.14a,22-32
from Proclamar Libertação 41 - 2016-2017
by Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
2º DOMINGO DA PÁSCOA
23 ABR 2017
PRÉDICA: ATOS 2.14a,22-32
SALMO 16 JOÃO 20.19-25
Eloir Enio Weber
A cruz de Cristo está e deve permanecer no centro 1 Introdução
O tempo da Páscoa é recheado de imagens, sons, sentimentos e lembranças. Há uma espiritualidade própria que gira em torno dessa data festiva. Mal o Domingo da Páscoa fi cou para trás, olhamos para frente e temos um longo caminho a seguir. É hora de olhar para o 2º Domingo da Páscoa. Os textos bíblicos previstos para este domingo reúnem uma boa harmonia e sequência temática lógica. O texto de pregação é uma antecipação dos acontecimentos posteriores à Páscoa. Trata-se de um recorte da narrativa do dia de Pentecostes. O texto está recortado de tal forma que traz uma parte da pregação de Pedro no dia em que os discípulos receberam o Espírito Santo. O tema que fi ca evidente nesse texto é a centralidade da pregação na pessoa de Jesus Cristo e no agir de Deus no evento da Páscoa. O texto do salmista tem sua importância temática à medida que recebe, no texto de Atos, um destaque. Pedro cita, em sua pregação, alguns versículos desse salmo. Os v. 25 a 28 do texto de pregação são uma citação do Salmo 16.8-11. A temática que o perpassa é a confi ança em Deus, a alegria que isso representa na vida do salmista e a esperança/certeza da vida eterna. O texto do evangelho reporta-nos ao Domingo da Páscoa. Retrata o aparecimento de Jesus aos discípulos e a difi culdade de Tomé em crer na ressurreição. De fato, crer na ressurreição é crer em algo que não cabe dentro da lógica humana, no entanto é vida e paz para as pessoas que creem. Temos, portanto, esse conjunto de textos que nos guiarão nesse culto.
2 Exegese
O livro de Atos dos Apóstolos, cuja autoria é atribuída a Lucas, traz uma narrativa muito rica e documental dos primeiros passos do cristianismo. Inicia com o relato da ascensão de Jesus Cristo, a vinda do Espírito Santo e traz ricos detalhes da atuação dos discípulos na criação de comunidades e do testemunho de cristãos. A atuação dos discípulos Pedro e Paulo merece, por parte do autor, um olhar e um enfoque especial. Em relação ao texto específi co de pregação, é necessário dizer que se trata da primeira pregação na igreja cristã. Isso se aceitarmos a ideia de que a igreja teve
seu início, sua data inaugural, no dia de Pentecostes. Se essa é, de fato, a primeira pregação, então Pedro já nos dá a letra sobre quais devem ser os rumos de todas as pregações cristãs: tudo precisa passar pelo crivo do evangelho de Jesus Cristo. Como luteranos, logo somos lembrados de que Lutero alicerçou todo o seu pensar teológico sobre esta base: Jesus Cristo, sua morte na cruz (teologia da cruz) e a ressurreição. A Bíblia explica a si mesma a partir do seu centro Jesus Cristo, tendo a cruz como evento central e fundante. A escolha desse texto como perícope para o 2º Domingo da Páscoa tem um signifi cado bonito. Aproxima a festa da Páscoa e de Pentecostes. Aquele que morreu e ressuscitou, que havia prometido que não deixaria os discípulos sós, mas que enviaria o Auxiliador, cumpre a promessa na festa de Pentecostes. Celebrar, no contexto pascal, a primeira pregação da igreja cristã tem um sentido especial: aproximar e perpassar a história cristã (das próprias pessoas cristãs) com a mensagem da centralidade e do sentido da morte e ressurreição de Jesus Cristo. O texto não pode ser lido de forma separada, sem fazer relação com os acontecimentos dos dias que o antecedem e o próprio dia de Pentecostes. Os discípulos, que na Páscoa haviam passado por todo o drama da morte e foram confrontados com a ressurreição, tiveram que “reinventar” seu jeito de olhar para a própria vida e ressignifi car seu papel como seguidores de um mestre que estava prestes a sair, de forma visível e palpável, de sua convivência diária. O texto do evangelho auxilia a perceber o quão difícil foi para eles assimilarem o acontecido. Quarenta dias depois acontece a ascensão. Para os discípulos, representa uma nova ruptura, mas esse período também mostra um amadurecimento para assumir a missão do mestre neste mundo, que não queria sua presença e cuja mensagem atrapalhava e questionava o jogo de poder da época. Há uma expressão popular que diz: “Quem te viu, quem te vê!”. Fazer uma relação entre os textos do evangelho e de Atos confronta-nos com os mesmos discípulos, no entanto muito diferentes. No texto de João, eles aparecem amedrontados, trancados em casa, refugiados e assustados. No texto de Atos, são outras pessoas. O período de “estágio” de quarenta dias foi mais valioso do que toda a caminhada de três anos? Creio que não! No entanto, levou-os a perceber de forma diferente os seus potenciais e encorajou-os a viver os princípios, valores e a mensagem do mestre de forma fi dedigna, sem a “sombra” do mesmo. Teologicamente, acentuamos a mudança de postura dos discípulos na vinda do Espírito Santo. Esse acento é feito pelo próprio Cristo no contexto da última noite com eles, quando, depois da ceia, ele tomou um precioso tempo para o diálogo e para fazer a promessa da vinda do Espírito Santo. O contexto do recorte de hoje está exatamente posto nesse episódio. O recorte proposto para este domingo, num olhar superfi cial, poderia ser apresentado com uma introdução, três blocos temáticos, mais um versículo de escopo do que havia sido falado. a) Introdução – v. 14: está posto no recorte para localizar o ouvinte e dar autoria para a pregação que está por vir. b) V. 22-24 – Essa parte inicia com o endereço da mensagem: “homens – pessoas – de Israel”. Nesta parte, Pedro quer mostrar a seu público aquilo que
Jesus fez (ações de Jesus – Ele é o verbo encarnado. Ele fez “maravilhas, prodígios e sinais”). Ele realizou isso “no meio de vós”: vocês viram e sentiram. Pedro não está inventando uma história; fala de experiência vivida no meio da vida cotidiana do povo. A morte de Jesus não aconteceu fora do horizonte de Deus (v. 23). A salvação dos seres humanos teve um alto preço, foi decisão e vontade de Deus. Não foi obra do acaso ou ato acidental fora dos planos amorosos de Deus. Nada foge aos cuidados dele. “Vocês o mataram”: mesmo que o evento estivesse no horizonte de Deus, há culpados, sim: “vocês (nós)”. A morte vicária de Jesus não nos isenta de culpa, aliás coloca nossa culpa no centro do evento e sempre de novo nos lembra que “foi pela nossa culpa e foi por nós”. Na teologia, culpa e perdão devem andar de mãos dadas. Nunca sozinhas: a culpa sem o perdão não faz jus ao amor de Deus e não aponta para a graça, enquanto o perdão sem a culpa não aponta nosso erro, nosso pecado, nossa condição humana. A morte e o sofrimento real de Jesus não podem ser retirados da teologia sob o risco de perdermos a essência do evangelho da graça. A teologia da cruz precisa estar no centro de nosso agir, refl etir e ensinar. A partir da teologia da cruz, a temática da pregação é conduzida para o tema do agir máximo de Deus por nós, que ressuscitou Jesus diante da morte de cruz (v. 24). A morte de Jesus na cruz só tem sentido a partir da ressurreição. Vale a mesma máxima. Não dá para falar de uma e deixar a outra de lado. A cruz/morte sem a ressurreição relata mais uma morte igual a muitas outras, já a ressurreição sem a cruz/morte é glória sem sofrimento. Pedro aponta para o cerne da teologia cristã, o ponto a partir do qual a vinda do Espírito Santo ganha sentido e lugar existencial. c) V. 25-28 – Pedro dá um destaque ao Salmo 16, citando parte dele nessa pregação. Para exemplifi car, ele faz uma relação da palavra do salmista (atribuída a Davi) com a pessoa de Jesus. Assim ele resgata a fé do Antigo Testamento e dá um novo signifi cado à palavra da Escritura. O Salmo fala, inicialmente, da presença constante de Deus “diante de mim” e “à minha direita” (v. 25). Se quisermos vincular isso a Pentecostes, podemos lembrar a promessa de Jesus: “Não vou deixá-los sós, enviarei o Espírito da Verdade” (Jo 14) ou “Estarei com vocês até a consumação do século” (Mt 28). A presença constante de Deus traz alegria e louvor. Mas o mais importante é: “a minha carne há de repousar em esperança”. É a esperança de vida eterna, especialmente relacionada ao evento pascal e a Pentecostes. Esse Deus que foi adorado pelos antepassados, que é louvado pelo salmista, é o mesmo que agiu na morte e ressurreição de Jesus Cristo e que agora está agindo novamente ao enviar o Espírito Santo. Esse é, sem dúvida, o motivo da alegria e do júbilo do qual fala o salmista. Essa mesma alegria precisa permear as relações entre as pessoas que creem em Jesus. d) V. 29-31 – O tema segue na mesma linha, fazendo a vinculação da fé do AT com o novo (Jesus). Ao citar a vida, a fé, a morte e sepultura de Davi, Pedro está falando diretamente de um assunto que interessa a seus patrícios. A fi gura de destaque (Davi), cujo sucessor era esperado na fi gura de um rei guerreiro, mostra
que a pregação precisa também falar para dentro da realidade e dos assuntos importantes da comunidade reunida. Mas Pedro não concorda simplesmente com a esperança popular. Ele dá um novo sentido ao citar a realidade da morte concreta de Davi, que não teve/tem poder de ressuscitar. Jesus, sim, ressuscitou. Jesus não é Davi. Ele é o Deus encarnado que venceu a morte. e) V. 32 – Chamo essa parte de escopo. Penso que o escopo não se comenta, ele é claro e autossufi ciente para a compreensão: “Deus ressuscitou a este Jesus, do que todos nós somos testemunhas” (v. 32).
3 Meditação
Cristo – o centro de tudo! Uma afi rmação teológica fundamental. Defendi amplamente esse aspecto teológico na exegese, trazendo elementos dos três textos em destaque para este domingo. Fico, no entanto, um tanto quanto inquieto com essa afi rmação. Como está sendo isso no dia a dia. Nas igrejas cristãs? Em nossa IECLB? Na sociedade, no dia a dia das pessoas, tanto daquelas que são cristãs, das que dizem ser e daquelas que se autodenominam ateias? Aliás, de forma assustadora está crescendo o número de pessoas fora da igreja. Por opção pessoal, por alguma mágoa no convívio comunitário, por entrar na onda, por não ver sentido, por simplesmente nunca ter tido a experiência comunitária. Enfi m, motivos há muitos, nem sempre plausíveis. Há um fi lme chamado “Dogma”, que faz uma sátira/paródia a partir do desespero de ministros de igrejas históricas para manter o rebanho ou para ampliá-lo e para tornar a pregação mais simpática aos olhos do povo. No fi lme, um padre contrata uma empresa especializada em marketing para tornar a fi gura do Cristo morto na cruz, cheio de sangue, com expressão de sofrimento e dor, em uma fi gura mais simpática e leve. A empresa apresenta uma nova estátua com um novo Cristo: “Jesus Buddy” (Jesus amigo, parceiro, camarada – que permite, aprova e curte tudo). Trata-se de uma estátua na qual Jesus aparece sorrindo e piscando um olho, enquanto aponta para os fi éis com o dedo indicador de uma mão e mostra o polegar para cima com a outra mão (sinal de positivo – curtir). Talvez em muitos aspectos nós também nos identifi camos com esse padre. Estamos sempre em busca de uma forma agradável de apresentar o evangelho e não “vender” uma imagem muito sofredora de Jesus. Desde 2015, tenho a oportunidade de atuar no pastorado escolar. Uma experiência incrível! A convivência com os alunos tem sido um aprendizado diário. Tenho encontros celebrativos semanais com todos os 1.700 alunos nas duas unidades do Colégio Sinodal. Esses momentos de celebração são muito desejados pela escola e pelos alunos. Percebo uma necessidade muito grande em relação à espiritualidade, mas não sinto a mesma busca por Jesus, o centro da teologia cristã – luterana. Essa percepção não é minha; já foi detectada como uma tendência na sociedade atual. No momento em que escrevo este estudo, estou em Córdoba/Argentina, acompanhando um grupo de estudantes brasileiros em intercâmbio. Estão sendo
dias de muito convívio, pois fi camos hospedados em casas de famílias nos 14 dias de estadia. A casa na qual estou hospedado é composta por um multicolorido cultural. O pai é nascido argentino e viveu muitos anos nos EUA e Espanha – escritor e pesquisador. A mãe é de origem armênia, nascida no Líbano, cujos pais eram membros da Igreja Protestante da Armênia no Líbano, formou-se no Canadá, fez carreira como professora, escritora e conferencista nos EUA. A fi lha, nascida nos EUA, veio para a Argentina com sete anos, hoje tem 17. Todas as pessoas da família se dizem descrentes. A convivência com eles tem sido algo maravilhoso. As longas horas de convívio e diálogo são muito enriquecedoras. Perguntei para a mãe o que ela pensava sobre Jesus Cristo e como ela percebia a sua espiritualidade. A resposta dela tem um peso pela quantidade de lugares pelos quais já passou e viveu. Ela nos auxilia a perceber uma tendência da qual falei anteriormente. Vejamos a resposta: “Jesus era uma pessoa muito forte, corajosa e preocupada em auxiliar as pessoas da sua época e do seu povo a viver melhor. A pessoa que mais infl uenciou a história da humanidade. A minha espiritualidade vem daquilo que eu compreendo da vida a partir da forma como penso. Se há algo difícil, penso como posso superar isso da melhor forma, e se percebo que não há como resolver, sei que preciso conviver de forma saudável com a questão. Minha espiritualidade tem a ver com uma forma responsável de viver em relação aos outros. Sei que aquilo que faço infl uencia outras pessoas e por isso faço o melhor; isso é espiritualidade para mim.” Como você percebe essa questão no meio em que você vive? O que pensam as pessoas da sua comunidade, aquelas que vão ouvir sua mensagem no domingo? De que forma abordar a centralidade da teologia da cruz em um mundo no qual se quer evitar olhar para a dor do nosso Salvador? A refl exão traz, para mim, bem mais perguntas do que respostas. Desejo que possamos continuar com o coração, os olhos e os ouvidos abertos.
4 Imagens para a prédica
Para a pregação, penso que não se pode deixar de recapitular a Páscoa, a espiritualidade própria da época e trazer à tona o assunto da centralidade de Cristo. As relações entre os três textos também não se pode deixar de lado. O texto do evangelho, que destaca a difi culdade em crer (de Tomé). A relação que os dois textos estabelecem entre as duas datas importantes do calendário: Páscoa e Pentecostes. Por fi m, o resgate da fé do Antigo Testamento, que é estabelecido pelo pregador Pedro. Mas o tema central, a centralidade da pregação, da vida de fé, na pessoa (vida, morte e ressurreição) de Jesus Cristo precisa perpassar o todo dessa pregação e de todas as outras proferidas na igreja de Cristo. Poder-se-ia experimentar fazer a leitura do texto de Atos logo após a leitura do evangelho, em forma de pregação, sem avisar que se está lendo uma pregação
de Pedro no dia de Pentecostes. Depois de lê-lo em forma de pregação, dizer que essa foi uma parte da primeira pregação feita na igreja cristã e seus refl exos para dentro da nossa realidade hoje. Algumas refl exões, especialmente no texto de exegese, podem ser úteis na prédica. Pode-se também utilizar a fi gura do “Jesus Buddy” (encontra-se essa imagem na internet) para o diálogo com a comunidade, fazendo uma relação com o Cristo da cruz.
5 Subsídios litúrgicos
Que tal preparar o lugar da celebração confeccionando com os jovens da comunidade uma estátua de “Jesus Buddy”? (Pode-se fazer uma bela refl exão anterior na reunião do grupo de jovens.) E, a partir dela, iniciar a fala sobre a centralidade de Cristo, mas ao mesmo tempo a difi culdade que temos em colocar esse Cristo sofredor no centro da vida de fé.