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7º Domingo após Epifania - Mateus 5.38-48

7º DOMINGO APÓS EPIFANIA

19 FEV 2017

Ramona Weissheimer

PRÉDICA: MATEUS 5.38-48

LEVÍTICO 19.1-2,9-18 1 CORÍNTIOS 3.10-11,16-23

Entre vocês não pode ser assim!

Pois eu afi rmo a vocês que só entrarão no Reino do Céu se forem mais fi éis em fazer a vontade de Deus do que os mestres da Lei e os fariseus. Mateus 5.20

1 Introdução

O texto proposto já foi trabalhado outras três vezes no PL em tempos litúrgicos diferentes. Trindade: Ulrico Sperb, PL II e Otto Porzel Filho, PL X; Epifania: Gerson Correia de Lacerda, PL 35. Levítico 19.2 diz: “Sejam santos, pois eu, o Senhor Deus de vocês, sou santo”. A partir disso, os versículos indicados para a leitura deste dia mandam que não se retorne para colher o que caiu na beira da estrada nem se faça segunda colheita nas plantações de uva, pois o que fi ca para trás é para os pobres e estrangeiros. Não roube, não minta, não explore, não retenha o salário, não julgue com falsidade, não use o nome de Deus em vão, não se vingue nem guarde ódio de alguém do seu povo. Mas ame, como a si mesmo, pois “Eu sou o Senhor seu Deus”. 1 Coríntios 3.11 lembra que Deus já pôs Jesus Cristo como único alicerce a ser colocado. Nenhum outro é necessário. Que ninguém se julgue sábio aos próprios olhos. Tudo nos pertence, nós a Cristo, Cristo a Deus. O texto da Carta aos Coríntios parece destoar dos demais, mas talvez não, se buscarmos os v. 2 e 3, onde um Paulo decepcionado diz que os alimentou com leite, pois ainda não podiam receber mais e ainda não estão prontos, pois continuam fazendo aquilo que todo mundo faz: brigas e ciumeiras. Entre os que creem tem que ser diferente!

2 Exegese

2.1 – O Evangelho de Mateus Uma das particularidades do Evangelho de Mateus são os grandes sermões: sermão do monte (cap. 5-7); sermão missionário (cap. 10); sermão parabólico (cap. 13); sermão sobre a conduta da comunidade (cap. 18); sermão polêmico (cap. 23) em conexão com o sermão escatológico (cap. 24-25). Eles concluem com uma fórmula mais ou menos assim: “Quando Jesus acabou de falar; de dar essas ordens; de contar; de ensinar...”. Que Mateus igualmente dá uma importância muito grande ao cumprimento dos anúncios do AT na história de Jesus é sabido. Conforme Brakemeier: 1. “Ma-

teus faz questão de mostrar que o AT se cumpriu na história de Jesus e que, por essa razão, a igreja cristã é a herdeira legítima do antigo povo de Israel. Jesus é o Messias de Israel, profetizado no AT, enviado às ovelhas perdidas desse povo, mas rejeitado pelos judeus. A igreja cristã é o novo Israel, que obedece ao Filho de Deus e por isso não nega os devidos frutos a Deus (Mt 21.33ss)”. 2. “Historização”, i. e., Mateus distingue claramente dois períodos: o da profecia, AT, e o do cumprimento da profecia. “Do particularismo judaico a história da salvação passa ao universalismo do evangelho, tendo a história de Jesus por centro. O AT conduz a ele e a igreja cristã dele se deduz” (BRAKEMEIER, 1983, p. 182). Tasker é ainda mais incisivo: “A meta apologética do autor pode ser resumida na sentença: “Jesus é o Messias e nele a profecia judaica foi cumprida. Portanto a religião chamada ‘cristã’ (‘Cristo’ sendo a forma grega da palavra ‘Messias’), longe de ser a invenção fantasiosa de um grupo de fanáticos, é de fato a verdadeira consumação da religião de Israel, tal como está contida nos registros sagrados da revelação específi ca de Deus a seu povo, conhecida como AT. A velha Lei do judaísmo, posto que não tinha sido derrubada, foi recheada com novo signifi cado e suplementada com o ensino de Jesus” (TASKER, 1980, p. 14). Importante na teologia de Mateus é a compreensão de lei, em cuja validade Mateus insiste. A lei do AT é a codifi cação da vontade de Deus. Quem dissolve a lei e deixa de cumpri-la deverá ouvir a maldição do juiz escatológico: “Apartai-vos de mim, os que praticastes a iniquidade” (7.23). Mas Mateus também critica com vigor a hipocrisia de escribas e fariseus, cegos e incapazes de descobrir o que há de mais importante na lei, i. e., a justiça, a misericórdia, a fé. “Em Mateus, a compreensão da lei ou da vontade de Deus é genuinamente cristã, superando o legalismo judaico, e isto apesar da forte insistência no agir e no cumprimento da vontade de Deus em termos da lei. Dos discípulos, isto é, dos cristãos, é exigida a justiça (5.20; 6.33), que excede a dos fariseus e dos escribas, não quantitativamente, mas qualitativamente” (BRAKEMEIER, 1983, p. 184). Jesus requer a transformação do coração – nada menos do que isso, pois onde o ódio for substituído pelo amor, ali não mais pode acontecer assassínio (cf. 5.21ss); os ritos destinados a proteger o homem da contaminação com coisas impuras tornam-se irrelevantes, se a fonte da impureza humana, a saber, o coração, for renovada (15.16ss)” (BRAKEMEIER, 1983, p. 185).

2.2 – O texto Dito isso sobre o Evangelho de Mateus, seus longos sermões e uso do AT, voltemo-nos ao texto propriamente dito. Mateus 5.38-48 faz parte do sermão do monte (cap. 5-7), mas tem sua introdução em 5.17-20 (... Não pensem que vim para acabar... mas para dar o seu sentido completo...). Com a fórmula “ouviram o que foi dito... eu, porém, lhes digo” seguem-se leis do AT referentes ao ódio, ao adultério, ao divórcio, aos juramentos, à vingança, ao amor aos inimigos. Mateus 5.38-48 trata destas duas últimas antíteses: da vingança e do amor aos inimigos. Na comparação das três versões da Bíblia (NTLH, BJ, Almeida RC) não há nada que mude grandemente o signifi cado. Principais questões fi cam com o

v. 39 (não se vinguem dos que fazem mal a vocês – resistais ao mal – cf. Tasker, “ao que te fere”, por causa do artigo defi nido); v. 41 (“se algum dos soldados estrangeiros forçá-lo a carregar uma carga”); o grego hostis, “que, qual”, geralmente indefi nido, não fala nada sobre quem está obrigando a carregar; porém aggareuō refere-se a constranger, obrigar ao serviço público. W. C. Taylor aponta para 27.32 (os soldados obrigam Simão Cirineu a carregar a cruz); v. 43 (amigos – próximo); v. 45 (bons e maus, NTLH – justos e injustos, BJ). Otto Porzel Filho (PL X) apresenta uma tradução quase poética de Carlos Mesters. O v. 38, após o “vocês ouviram o que foi dito”, apresenta a lei penal básica: olho por olho, dente por dente (Êx 21.24; Lv 24.20; Dt 19.21). E com o “mas eu lhes digo” vai desfi ando situações críticas que devem ser tratadas de forma diferente da usual. Vai num decrescendo da agressão física – um tapa na cara – ao processo injusto – tirar a túnica – constrangimento/coerção – carregar uma carga ou acompanhar forçadamente – ao simples emprestar a quem pedir. Não se vingar ou não resistir aos que lhe fazem mal, mas dar o outro lado, oferecer também a capa, andar mais um quilômetro, não se desviar de quem pede. Agir de forma diferente. A próxima antítese refere-se ao “amar os seus amigos e odiar seus inimigos”. Levítico 19.18 manda que “não se vingue nem guarde ódio de alguém do seu povo, mas ame os outros como você ama a você mesmo. Eu sou o Senhor”. Mas não fala de odiar os outros. Mas essa, conforme alguns autores, parece ter sido a interpretação corrente e ensinada na época: quem não é do povo, o outro, não precisa ser amado, pode ou deve ser odiado. Jesus convida a agir de forma diferente: amar os inimigos e orar pelos que os perseguem – é preciso amar também, o que não se pode fazer só com palavras. Deus não faz distinção e manda a chuva para bons e maus – ou cf. Almeida e a BJ, para justos e injustos. Se só amam aqueles que os amam, o que fazem de mais? Isso até mesmo os publicanos (!) fazem. Se só saúdam os amigos (Almeida e BJ “irmãos”) – e a saudação israelita era “paz seja convosco” –, o que fazem de mais? Até os pagãos, ou os gentios, fazem isso. Sejam perfeitos como o Pai de vocês é perfeito. Outra forma de agir. “[...] Em três destas aparentes antíteses Jesus está claramente ressaltando o que está implícito nos mandamentos mosaicos em oposição às interpretações literais ou legalistas dos mesmos escribas (v. 21-26; 27-30; 43-48) [...] ele não está investindo nem de leve contra a validade permanente do 6º e 7º (5º e 6º) mandamentos, nem contra a ordenança levítica para amar o próximo. O que ele está dizendo é que as exigências de Deus nessas questões são muito mais amplas, inclusivas e rigorosas do que pareciam sugerir as interpretações correntes dadas pelos escribas. O assassino, insiste o Mestre, tem seu nascedouro na ira fomentada por um descontrolado espírito de vingança, sendo tal ira só por si a quebra do 6º mandamento” (TASKER, 1980, p. 52).

3 Meditação

“Radicalidade do discurso de Jesus.” Lembro-me que, quando cursava o segundo grau – hoje Ensino Médio – tradutor intérprete/pré-teológico – TIPT em Ivoti, esse foi o título de um trabalho que devíamos fazer. E nós, como alunos, bem pouco entendíamos do que nos estava sendo pedido. O que Jesus pede de nós e com que intensidade! Os autores consultados interpretam o texto de maneira distinta: da não violência mais clássica à resistência não violenta. Conforme essa, Jesus não estaria ordenando submissão irrestrita ao perverso, mas o não bater de volta deixaria claro que não se deixou intimidar por quem se julga superior; entregar também a túnica exporia a injustiça do processo; carregar a carga voluntariamente seria mostrar ao soldado que ele não tem o controle da situação; emprestar exporia o sistema econômico que defende o egoísmo e a avareza. Não o simples cruzar de braços, mas o renunciar à vingança (Lacerda). Sem fechar os olhos para a realidade, o ensino de Jesus anuncia a chegada de um novo reino, onde prevalece a vontade de Deus. Numa progressão, da ordem negativa “não se vinguem dos que fazem mal a vocês / não resistais ao perverso” para uma positiva “amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês”. O fundamento e o objetivo do anúncio de Jesus estariam no v. 48: a perfeição (misericórdia) de Deus que visa à perfeição (misericórdia) das pessoas. Leandro Karnal, professor da Unicamp, em entrevista à revista Planeta, fala sobre “tolerância ativa”. Diferente da intolerância, que deve ser combatida, e da tolerância passiva, que seria o “sofrer resignado”, a tolerância ativa seria a utopia a ser perseguida: justamente porque domino minha cabeça, posso baixá-la, ou pelo menos não deixá-la se abater. Não seria diferente do renunciar à vingança, proposto anteriormente. Mas, enfi m, o que nós fazemos com quem nos faz mal? Pagamos na mesma moeda? Calamos por medo, costume ou comodismo – para não nos indispor mais, não criar problemas ou parecer santos aos olhos dos outros? Guardamos rancor, baixando a cabeça, mas rangendo os dentes? Gostei da frase de Agostinho citada por Sperb (PL II): “Muitos têm aprendido a oferecer a outra face, mas não sabem como amar a pessoa que os esbofeteou” (p. 103). Recebi um texto pelo WhatsApp que falava de forma diferente do famoso círculo do ódio: a espiral vai descendo do dono da empresa ao farmacêutico, mas é quebrada pela esposa desse que não se deixa abater pelas palavras rudes do marido, mas oferece consolo, carinho. Não precisava ser justamente a esposa, é uma história, poderia ser qualquer um que se dispusesse a simplesmente quebrar o círculo. Agir diferente, não se deixar levar pela torrente. “Entre vocês não pode ser assim” (Mt 20.26), pois se agimos como todo mundo age, em que seremos diferentes dos fariseus e publicanos? Jesus propõe uma ética diferente, que transforma a partir de dentro. Como diz Brakemeier: “Jesus requer a transformação do coração – nada menos do que isso, pois onde o ódio for substituído pelo amor, ali não mais pode acontecer

assassínio (cf. 5.21ss); os ritos destinados a proteger o homem da contaminação com coisas impuras tornam-se irrelevantes se a fonte da impureza humana, a saber, o coração, for renovada (15.16ss)” (p. 185). Na explicação do 1º Mandamento no Catecismo Menor, Martim Lutero diz: “Devemos temer e amar a Deus e confi ar nele acima de tudo”. A explicação de todos os demais mandamentos inicia com isso, pois, se tememos (respeitamos) e amamos a Deus, não enganamos o outro, não matamos, não roubamos... Porque nos dizemos cristãos, somos chamados a agir de forma diferente, para além da decoreba e ética farisaica. Mudar seu próprio ser para enxergar no outro não um inimigo a ser combatido e odiado, mas alguém digno de amor. As palavras do sermão do monte são ditas a pessoas que receberam a graça pela fé em Jesus Cristo. Nessa fé, as pessoas são transformadas em novas criaturas. Essa nova vida vale agora ser vivida com uma nova postura diante daquilo que a cerca. As colocações de Jesus, portanto, devem ser entendidas a partir da grandeza da dádiva de Deus. O sermão do monte não é lei; é evangelho. Vivem-se suas palavras quando se vive a fé. Isso acontece no amor a Deus e ao próximo, no agradecimento pelo que Deus fez. Essa é a vida de fi lhos de Deus.

4 Imagens para a prédica

“Retribuir o bem com o mal é demoníaco; retribuir o bem com o bem é humano; retribuir o mal com o bem é divino” (Alfred Plummer apud LACERDA, 2010, p. 102). Penso que uma boa imagem seria a “corrente do ódio” a ser quebrada. Começando pelo dono da empresa que grita com seu gerente, que xinga a esposa que gasta demais, que briga com a empregada, que chuta o cachorro, que morde alguém que passa na rua, que grita com o farmacêutico que lhe aplica a vacina, que reclama com a esposa, que em vez de continuar o círculo de ódio o acolhe, acalma, como muitas vezes as mães fazem com seus fi lhos queridos.

5 Subsídios litúrgicos

Oração de São Francisco Senhor, fazei de mim instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor. Onde houver ofensa, que eu leve o perdão. Onde houver discórdia, que eu leve a união. Onde houver dúvida, que eu leve a fé. Onde houver erro, que eu leve a verdade. Onde houver desespero, que eu leve a esperança. Onde houver tristeza, que eu leve a alegria. Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado; compreender, que ser compreendido; amar, que ser amado. Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado, e é morrendo que se vive para a vida eterna.

Bibliografi a

BRAKEMEIER, Gottfried. Observações introdutórias referentes ao Evangelho de Mateus. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1983. v. II, p. 176-186. LACERDA, Gerson Correia de. 7º Domingo após Epifania. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 2010. v. 35, p. 99-105. LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. 4. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1985. PORZEL FIHO, Otto. 21º Domingo após Trindade. In: Proclamar Libertação.

São Leopoldo: Sinodal, 1984-1985. v. X. SPERB, Ulrico. 18º Domingo após Epifania. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1983. v. II, p. 360-366. TASKER, R. V. G. Mateus – introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1980.

ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA

ÊXODO 24.12-18 MATEUS 17.1-9 2 PEDRO 1.16-21

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