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Para que o fruto permaneça, viver o batismo na criação

Pastor emérito Werner Fuchs

Assim brilhe também a luz de vocês diante dos outros, para que vejam as boas obras que vocês fazem e glorifiquem o Pai de vocês, que está nos céus (Mateus 5.16). A gente não aprendeu a respeitar os princípios da natureza. A impressão que dá é que a gente age como se, para a gente viver, a gente tem que matar a terra. E a agrofloresta é bem o contrário. Para você realmente viver, você precisa deixar o ambiente melhor do que estava quando você chegou. Isso para mim é o princípio da sustentabilidade [...].

Tem muitas pessoas que dizem que o mundo está acabando. Eu compreendi que ele não está acabando, porque ele não é feito uma foto. O mundo é um filme. O mundo está rodando sempre. Às vezes aquilo que está acabando para um está começando para outro, em outro nível. E a gente, ser humano, a gente tem condição de passar nossa vida também mudando, morrendo e nascendo um ser humano melhor a cada dia (Pedro Oliveira, nascido na Bahia, é agricultor ecológico líder da Cooperafloresta em Barra do Turvo/SP).

I – Subs ídio te órico Flores vivas sobre o altar e crescendo no pátio do templo revelam que, conscientemente ou não, amamos aquilo que Deus ama: sua bela criação. Iniciativas como substituir copos plásticos por reutilizáveis no cafezinho e trocar lâmpadas convencionais por luminárias LED são fruto de preocupação ambiental, ainda que pequena. Instalar placas fotovoltaicas nos prédios da igreja visa não apenas economizar na conta de luz, mas também passar para uma cultura mais sustentável. Retirar investimentos de empresas poluidoras pode ser um gesto profético e eficaz. Mas não é comum estabelecer uma ligação entre o “lavar regenerador e renovador no Espírito Santo” (Tito 3.5) e nossa coexistência responsável com a natureza feita por Deus. O elemento da água poderia ser uma porta de entrada nesse tema, pois a maioria de nós gosta de brincar na água e nosso corpo é formado majoritariamente por líquidos.

A Bíblia nos diz que batismo não é “coisa”, mas “coisa com sentido”, ou melhor, é acontecimento – dramático e transformador (Gálatas 3.27-29). Pois o termo grego baptízein significa mergulhar, submergir algo ou alguém – sempre subentendido: na água. A voz passiva também expressa esse agir externo sobre a pessoa, resgatando-a do afogamento. O “fui batizado” que Martim Lutero brandia contra tentações e dúvidas é síntese do evangelho: não eu, não a minha justiça, mas ação de Deus. Graça imerecida.

Se alguém me dá um carrão importado (de preferência elétrico) que eu jamais conseguiria comprar, posso apenas aceitá-lo, alegrar-me e ser agradecido. Mas não serei coerente com a intenção do amigo doador se deixar o carro

fechado na garagem e me sentar dentro dele por uma hora aos domingos para ouvir boa música. Muito menos se eu andar como louco no trânsito, atropelando pessoas e batendo contra um muro. O doador confia que saberei ser motorista responsável e cuidadoso, não apenas para com o veículo, mas também para com meu semelhante e o mundo em redor.

Quando “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo [...] e nos confiando a palavra da reconciliação” (2 Coríntios 5.19), seu objetivo foi redimir ao mesmo tempo a pessoa, a sociedade e a criação (o “mundo”), pois, “por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos para a justificação que dá vida” (Romanos 5.18). Trata-se de uma reconciliação unilateral outorgada por Deus para pecadores (nós) e inocentes (o restante da criação). Logo, o batismo é um sinal da justificação gratuita por Deus, e viver o batismo é viver a liberdade evangélica em todas as dimensões, inclusive em relação à criação. Justiça ambiental é decorrência do evangelho: “Aceitos por graça, somos chamados a andar em novidade de vida, oferecendo-nos a Deus como instrumentos de justiça” (Nossa Fé – Nossa Vida). Cabe-nos refletir sobre como estamos concretizando a reconciliação com a natureza criada.

O batismo nos integra ao reino de Deus, que envolve a todas as pessoas, pois Deus exerce sua justiça fazendo “o seu sol nascer sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mateus 5.45). Quando Lutero explicou o quarto pedido da oração do Pai-Nosso, ele afirmou que o pão de cada dia inclui a economia, a ecologia e a política: “Tudo o que se refere ao sustento e às necessidades da vida, como [...] bom governo, bom tempo (clima), paz, saúde [...] bons vizinhos e coisas semelhantes” (Catecismo Menor). Se formos sinceros nessa oração, como não nos importaríamos com o meio ambiente? Como desprezaríamos a política, cuja tarefa é construir bemestar, saúde, paz e justiça?

A realidade de nosso planeta é cada vez mais dramática. Quatro exemplos mostram a gravidade do flagelo: 1. O planeta está com febre. As mudanças climáticas são cada vez mais intensas devido aos gases de efeito estufa (GEE), oriundos sobretudo dos combustíveis fósseis e do desmatamento. Diariamente surgem notícias de catástrofes, enchentes, secas, refugiados climáticos. 2. Solo, água e ar estão poluídos, envenenados com metais pesados (veja os crimes ambientais de Mariana/MG, Brumadinho/MG e Barcarena/PA), com hormônios e com muitos agrotóxicos. Somente no Brasil, campeão com 17% do consumo mundial, os venenos passam de 1 bilhão de litros por ano. 3. A Terra vem sendo esgotada de forma irracional: Em 2016 o PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente publicou que, na década de 1970, eram extraídos cada ano 22 bilhões de toneladas de recursos naturais (petróleo, gás, carvão, minérios, madeira). Na década de 2010, já foram 70 bilhões de toneladas por ano. Nem a população nem a economia cresceram tanto. Ou seja, estamos fazendo menos com mais, quando ser ecológica e economicamente inteligente é fazer mais gastando menos matérias-primas, menos energia e menos dinheiro. Nesse ritmo chegaremos em 2050 retirando 180 bilhões de toneladas por ano! A ONU diz que então precisaremos de três planetas. 4. A destruição de inúmeras espécies da fauna e da flora afeta dramaticamente nossa saúde, segurança alimentar e sobrevivência. Por exemplo, sem os insetos que

polinizam as flores, teremos somente batatas e mandioca para comer. As pessoas pobres são as primeiras vítimas dessa destruição insustentável, mas, no final, todas as pessoas serão atingidas. E não só as pessoas; estamos destruindo ou colocando em risco a vida de outros seres vivos.

Para agir precisamos de informação, tanto sobre as causas da crise planetária quanto sobre as lutas atuais de enfrentamento dos problemas. Há muita informação disponível, que nos convencerá de que aquilo que a humanidade fizer nos próximos 30 anos decidirá sobre os próximos 10 mil anos. Não temos um planeta B. Mas, graças a Deus, existem soluções simples e tecnologias alternativas e cada vez mais pessoas engajadas.

Além de buscar informação, precisamos mudar de atitude: Não agir de forma eventual, mas permanente. Atuar localmente e apoiar ações de alcance regional, nacional e internacional. Realizar gestos eficazes e defender políticas públicas adequadas e transformadoras do atual modelo de produzir e consumir.

Interferir menos na natureza, permitindo que ela se regenere e possa cuidar mais bem de nós do que nós dela.

Todas as pessoas podem fazer sua parte, fazer a diferença. A solução não é investir somente nas crianças e nos jovens. Pessoas adultas também podem e estão mudando seus pensamentos e comportamentos. Por exemplo: o consumo de alimentos orgânicos cresce 20% ao ano no Brasil. Ora, não são crianças que os compram. Pessoas adultas também ouvem notícias diárias sobre o caos climático, poluição, perda de biodiversidade. Basta descobrir como motivá-las para um engajamento concreto. Certa vez um senhor idoso me falou: – Essa conversa de meio ambiente é pura bobagem. Não leva a nada. Vocês são uns “ecochatos”. Perguntei: – O que o senhor prefere ver quando olha pela janela da sala: um jardim florido ou um esgoto fedido? – Sabem o que ele respondeu? Nada! Deu as costas e foi embora. Porque sabia que minha réplica seria: – Então ajude para que o planeta não vire um esgoto fedido!

Pessoas cristãs (e também comunidades) produzem lixo todos os dias, desperdiçam água todos os dias, geram poluição do ar todos os dias, passam diante de árvores agonizando todos os dias, etc. Contudo, em geral não se dão conta disso. São parte do problema, mas falta muito para se tornarem parte da solução. Entretanto, toda ação em favor de um ambiente saudável, por menor que seja, é importante e válida. Não apenas a natureza agradece. A sociedade toda se beneficia. É ação ganha-ganha. Não há perdedores, a não ser aqueles que se beneficiam com lucro míope e imediatista, fruto de ações predatórias e destrutivas. Em cada comunidade pode existir um grupo de interesse para ações ambientais, mas o objetivo deve ser envolver a comunidade toda. Como pessoas cristãs, buscaremos sempre iluminação bíblica e orientação do Espírito Santo, também nas causas ambientais.

Saiba mais:

A ELCA, Igreja luterana dos Estados Unidos, foi a primeira igreja que em 2015 aderiu à campanha do desinvestimento, prevendo retirar cerca de 5 bilhões de

dólares de reservas financeiras aplicadas em empresas poluidoras e destiná-las para energias limpas. A campanha mundial já chegou a mais de 8 trilhões de dólares. Já existem em Santa Catarina núcleos e a articulação do “Galo Verde”. Veja em: www.galoverde.org.br.

II - Sugest ões de ativi dades 1. Caminhar no verde Por quê? Problemas ambientais passam despercebidos. Como? Grupinhos. Cada grupo observa um tema: água, lixo, insetos, pássaros, plantas. E responde às perguntas: O que há? O que está errado? O que podemos fazer? Com quem? Crianças, adolescentes e jovens. Objetivo: Contato vivencial com o meio ambiente para construir soluções em conjunto. Observação: Marcar hora e local de encontro dos grupos para escolher a ação a ser praticada.

Assegurar continuidade.

2. Substituir plásticos por louça, vidros, embalagens biodegradáveis Por quê? Plásticos demoram 400 anos para se decompor. PET causa disrupção endócrina. (Como a maioria dos plásticos, o PET, quando aquecido ou cortado, libera benzeno, que não apenas pode causar câncer e outras enfermidades, mas também desregula hormônios e até mesmo altera cromossomas de animais, plantas e humanos. Por isso temos hoje, entre outros males, cada vez mais homens sofrendo de tireoide e câncer de mama.) Como? Além da simples troca, é preciso informar e explicar o porquê. Com quem? A comunidade toda. Objetivo: Conscientizar para reuso, saúde, etc. Despertar criatividade no uso de sacolas de pano, papel, cestos, etc. Observação: Anotar quantos quilos de plástico deixaram de ser usados e quanto dinheiro foi economizado.

3. Coletar óleo de fritura Por quê? Causa entupimento no esgoto. Apodrece a água. É tema de entrada no problema do saneamento básico. Como? Trazer de casa. Reunir e encaminhar para reciclagem ou fazer sabão para arrecadar fundos. Com quem? Jovens, adolescentes e seus vizinhos. Objetivo: Tornar o cuidado com o esgoto uma prática permanente. Observação: Visitar uma ETE (Estação de Tratamento de Esgoto); Pesquisar quantas casas não têm água tratada nem saneamento de esgoto; Estudar os ODS

6 e 14 (ODS = sigla dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, ou Agenda 2030).

4. Reunir esponjas de cozinha Por quê? Na natureza, pássaros as confundem com comida. Como? Caixa de coleta no espaço da igreja com cartaz explicativo. Com quem? Pode ser feito com jovens e crianças, mas também com toda a comunidade. Objetivo: Conscientizar sobre o problema, evitar a poluição e a morte de animais. Observação: Pode ser enviado para: www.terracycle.com.br. Dá crédito para entidades beneficentes.

5. Compostagem e horta Por quê? Depois da comida, a segunda maior riqueza que o campo nos fornece são as sobras, cascas e folhas. Como? Amontoar em espaço pequeno até 1 metro de altura, cobrir com terra ou palha. Deixar por 100 dias. Pequena horta para aprendizado e demonstração. Com quem? Todas as pessoas podem reunir e trazer matéria orgânica. Objetivo: Difundir agricultura urbana orgânica. Partilhar frutos da terra, p. ex., tomate-cereja. Adubar flores. Observação: Para evitar mau cheiro e moscas, não compostar restos de carne. Não colocar restos com sal.

6. Plantar árvore para cada pessoa batizada Por quê? Hoje são cortadas três árvores para cada árvore reflorestada. Como? Igreja doa a muda, e crianças, pais e padrinhos plantam e cuidam. Colocar uma placa com o nome da espécie e da pessoa. Com quem? Deliberar no presbitério. Envolver a comunidade toda. Objetivo: Ter um memorial vivo da data. Conscientizar sobre benefícios, fidelizar. Se a árvore for frutífera, os frutos serão marcantes. Observação: Paróquia católica romana em Umuarama/PR obteve da prefeitura uma área em loteamento novo e está formando um belo horto aberto ao público. Podemos conseguir algo semelhante?

7. Batizar com água de fonte pura e celebrar a ceia com hóstias e suco orgânicos Por quê? A água tratada de 25% das cidades brasileiras tem um ou mais agrotóxicos dentre os 27 analisados (há mais de 1.200 liberados).

Como? Debater no presbitério, buscar fonte e fornecedores adequados.

Com quem? Comunidade toda. Objetivo: Demonstrar inconformismo, conscientizar constantemente de que vida renovada significa lutar por saúde.

8. Solidarizar-se com as lutas por políticas públicas Por quê? Programas de governo funcionam melhor quando propostos e fiscalizados pela sociedade. Como? Acompanhar temas específicos, como água e esgoto, resíduos, moradia, energias limpas. Com quem? Presbitério seleciona ação mais importante. Como cidadão cada membro apoia o que lhe parece prioritário. Objetivo: Demonstrar relevância na sociedade em que estamos inseridos.

9. Apoiar campanhas por mudanças relevantes Por quê? Hoje não bastam ações locais; precisamos de alcance amplo, planetário. Como? Divulgar abaixo-assinados, manifestações pela mídia social. Com quem? Presbitério seleciona o que será assinado pela comunidade. Adesão individual é livre. Objetivo: Passar da solidariedade eventual em catástrofes para ações permanentes. Observação: Catástrofes ambientais requerem ajuda emergencial, mas também combate às causas estruturais e políticas.

10. Celebrar o “Tempo da Criação” Por quê? Iniciado pela Igreja Ortodoxa, hoje participam católicos romanos, anglicanos, luteranos, Conselho Mundial de Igrejas e a Aliança Evangélica Mundial. Como? Direcionar todas as ações, orações e cultos para um evento culminante, de preferência ecumênico, no primeiro domingo de setembro. Plantar árvore ou fixar um marco, p. ex., na praça da Bíblia. Com quem? Ministros, ministras e lideranças. Convocar o povo cristão. Objetivo: Lembrar que somos responsáveis pela criação de Deus. Tornar mais concreta e significativa nossa adoração ao Criador. Observação: A cada ano tem um tema, p. ex., defesa do clima, da biodiversidade. https://seasonofcreation.org/pt/home-pt/

Sugestão: começar o Tempo da Criação no dia mundial do meio ambiente (5 de junho).

A gente cuida do que ama. Como pessoas cristãs temos algo a mais: cuidamos livre e alegremente daquilo que Deus ama, a saber, de toda a sua bela criação. Que ele nos use, para que os frutos sejam permanentes.

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