14ª edição

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Directora: Beatriz Isaac | Directores-adjuntos: Emanuel Monteiro | Joana Portugal

Edição Especial: 40 anos da Revolução dos Cravos

© Jean-Philippe Ksiazek/AFP/Getty Images

Reportagem Fotográfica: Portugueses pelo Mundo | Memórias de um 25 de Abril Relatos de vivências da Revolução nas Colónias

Grande Entrevista: Jorge Fazenda Loureço e Jorge Vaz de Carvalho contam-nos como foi o seu 25 de Abril

Págs. 12-18

Págs. 19-25

O 25 de Abril e o Cinema Português:

A Revolução também de faz a rir:

Que mudanças trouxe a liberdade à produção cinematográfica

Um desabafo que relembra a importância do humor na revolução social

Págs. 29-30

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A inquietação em busca de mudança:

Uma cuidada análise da actualidade venezuelana

Págs. 7-11


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Edição de Março

EDITORIAL

As Revoluções e a Mudança Beatriz Isaac possível, a objectividade, sendo que procuraremos sempre apresentar todos os lados da questao. O Pontivírgula dinamizou tambem a sua pagina de Facébook onde partilha diariamente com os seus leitores notícias de varios meios de comunicaçao. Para estar sempre informado basta aceder a este link e colocar gosto, no canto superior direito. Deixando a nossa mudança de parte, e agora tempo de falar sobre a Revoluçao de 25 de Abril de 1974 que celebra hoje 40 anos. Como nao podia deixar de ser, e este o grande tema da presente ediçao onde estao presentes relatos pessoais de quem a viveu, reflexoes sobre as mudanças que trouxe e as promessas faltam cumprir. De facto, a Revoluçao de 25 de Abril e um dos mais importantes marcos da Historia de Portugal que trouxe, indubitavelmente, o nascer de uma nova aurora. Com algumas pedras pelo caminho, e certo, mas as suas conquistas sao bem maiores que as suas derrotas. Creio que, para nos, re-

dactores do Pontivírgula, bem como para todos os outros jornalistas, esta revoluçao se mostra especialmente admiravel contanto sem Liberdade nao existe Democracia, e sem Democracia nao existe Jornalismo, mas apenas publicidade. Termino, enfim, saudando todos aqueles que lutaram, e lutam, aqui ou por esse mundo fora, pela justiça e liberdade, e esperando que este projecto venha tambem a ser um contributo nesta luta sem fim pois, como disse um dia N.H. Kleinbaum “No matter what people tell you, words and ideas can change the world”.

Pontivígula | Nº14 Ficha Técnica

Naquela que e a sua 14ª ediçao, o jornal O Académico, talvez por influencia do ambiente revolucionario das comemoraçoes de Abril, deu uma volta de 360 graus. Ressurge hoje com imagem e nome renovados, que esperemos que passem pelo crivo dos nossos leitores. Assim, Pontivígula sera, daqui em diante, o nome deste nosso jornal. Perguntar-se-ao, certamente, de onde surgiu esta invulgar designaçao, ao que respondo, dos valores a que associamos este meio de comunicaçao. Pontivírgula é, então, além de um trocadilho que se pretende que seja sonante, um símbolo de ponderaçao e reflexao, porquanto se encontra a meio caminho entre o ponto final e a vírgula. Alem do mais, procura-se tambem que represente a vontade de transmitir informaçao precisa e clara que nao impeça, contudo, a livre interpretaçao do leitor, assumindo-se como um espaço publico. Por ultimo, Pontivírgula simboliza a atenção particular a imparcialidade, e a aproximaçao, tanto quanto

Directora: Beatriz Isaac

Directores-Adjuntos: Emanuel Monteiro Joana Portugal

Redacção: Ana Claudia Rodrigues

Ana Machado Dario Moreira Ines Correia Joao Gonçalo Simoes Jose Paiva Mariana Rodrigues Patrícia Fernandes Sara Placido


Décima Quarta Edição

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MUNDO UNIVERSITÁRIO Inês em dose dupla

Quem está por trás do Gabinete de Comunicação da FCH Miriam Andrade Todos nos sabemos que a FCH anda a par e passo do “Valor para Sempre”. Mas ja paraste para pensar em quem esta por tras desta nossa marca? De todos os eventos, actividades, Facebook, site… tanta coisa que nao da para enumerar. Elas sao homonimas e e com um sorriso que as vemos todos os dias. A Dr.ª Ines Romba e a Dr.ª Ines Carrao sao as responsaveis pelo Gabinete de Marketing e Comunicaçao da Faculdade de Ciencias Humanas. Raramente estao paradas, e quando estao os seus dedos estao ocupados ou no computador, ou ao telefone, sempre com simpatia e boa disposiçao, tratando de assuntos da faculdade. Para que serve este gabinete? – perguntas. E facil de perceber e difícil de executar: o Gabinete de Marketing e Comunicaçao e o serviço que tem a responsabilidade sobre a comunicaçao e imagem da instituiçao – quer interna quer externamente. O principal objectivo da actuaçao do Gabinete e o reforço da visibilidade e do prestígio da Faculdade atraves

Para que serve este gabinete? – perguntas. É fácil de perceber e difícil de executar: o Gabinete de Marketing e Comunicação é o serviço que tem a responsabilidade sobre a comunicação e imagem da instituição da definiçao de uma estrategia concertada de comunicaçao. A utilizaçao de uma linha grafica coerente e a sua correcta aplicaçao em todos os suportes nos quais se pretenda veicular a imagem, interna e externamente, e decisiva para o reconhecimento da Faculdade, cuja actividade denuncia responsabilidade e modernidade. Assim, entre outras competencias, o Gabinete de Marketing e Comunicaçao apoia a organizaçao e da a conhecer a sociedade as atividades e os assuntos de caracter publico, valorizando o seu papel no

meio em que se insere e a postura da sua intervençao social. As “Ineses”, como muitas vezes ouvimos, sao um excelente exemplo de um trabalho arduo que muitas vezes nao recebe o seu credito no meio estudantil. Tambem a elas devemos agradecer o valor para sempre que transportamos e que a Faculdade transmite. Se ficaste interessado no seu trabalho, acompanha alguns dos projectos que desenvolvem acede a sua pagina de Facébook, clicando aqui.

As “Ineses”, como muitas vezes ouvimos, são um excelente exemplo de um trabalho árduo que muitas vezes não recebe o seu crédito no meio estudantil. Também a elas devemos agradecer o valor para sempre que transportamos e que a Faculdade transmite.


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Edição de Março

ACTUALIDADE

Um só dia, 40 anos de História Ana Machado E de conhecimento geral que no presente ano se celebram os 40 anos daquilo que foi a Revoluçao dos Cravos e e, ainda hoje, símbolo de uma independencia (tardiamente) conquistada. O que talvez nao seja do conhecimento dos alunos, funcionarios e docentes da Faculdade de Ciencias Humanas, e a panoplia de festejos ao nosso dispor. O Jornal Pontivírgula propoe assim 25 maneiras de celebrar este marco historico. 1. Museu Nacional da Imprensa A decorrer entre 28 de Abril e 31 de Maio, no Porto, o Museu contara com a presença do corpo gerente da Associaçao 25 de Abril, Vasco Lourenço, na sessao de abertura e com a exposiçao temporaria de peças jornalísticas censuradas por Oliveira Salazar. 2. Abril Esperanças Mil Dia 30 de Abril as 21 horas na Sala do Senado da Assembleia da Republica, em Lisboa, sera apresentada a peça de teatro Abril Esperanças Mil pela companhia A Barraca.

3. Ciclo de Conferencias “Revoluçao e Democracia” A Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa esta a promover, durante todo o ano 2014, um ciclo de conferencias com tematicas variadas com base na “Revoluçao e Democracia: 40 anos do 25 de Abril”. Para saber datas, oradores e tematicas de cada mes, pode clique aqui. 4. Congresso “A Revolução de Abril” Entre 21 e 24 de Abril, pode inscrever-se gratuitamente no congresso internacional a decorrer no Teatro Nacional D. Maria II em Lisboa. Tambem aqui irao decorrer varias conferencias, as quais irao abordar tematicas sob a perspectiva historia e política de Portugal.

5. Manifestação em Coimbra Coimbra celebra os 40 anos atraves de uma manifestaçao popular a decorrer na Praça da Republica com o tema “E com Abril, por Abril, sempre! 40 anos”. Contara com a parti-

cipaçao de Pedro Mendonça, concertos, peças de teatro e o lançamento do livro “25 de Abril em Coimbra” no Auditorio da Reitoria da Universidade de Coimbra. 6. Livros proibidos no regime fascista De 14 de Abril a 15 de Maio, a Biblioteca Municipal de Estremoz contara com uma mostra de livros censurados por Oliveira Salazar. Alem disso, serao feitas comemoraçoes populares ao Regime de Cavalaria 3 (RC3) atraves duma sessao de poesia, um desfile e outras actividades, as quais pode consultar aqui. 7. Concerto Ja a Camara Municipal de Santiago do Cacem vai festejar a Revoluçao dos Cravos com um concerto da famosa banda portuguesa Amor Electro, a decorrer durante a noite de 24 de Abril no Parque Verde da Quinta do Chafariz. 8. Comemorações no Terreiro do Paço Na noite de 24 de Abril podera assistir a concertos de duas dezenas de artistas por-


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ACTUALIDADE

© 40 anos 40 Murais

tugueses, entre eles, Linda Martini, Camane e JP Simoes, os quais irao terminar com fogo-de-artifício e acordes da musica Grandola, Vila Morena de Zeca Afonso. Tambem neste espaço decorrera durante toda a noite a projecçao de vídeos alusivos ao 25 de Abril, em toda a fachada do Terreiro. 9. 40 anos, 40 Murais Projecto desenvolvido pela Associaçao Portuguesa de Arte Urbana, o qual celebra os 40 anos pintando murais políticos sobre a Revoluçao por todo o país. O primeiro encontra -se ja em Lisboa, na zona de Alcantara. 10. Jantar Comemorativo do 25 de Abril A Associaçao 25 de Abril esta a organizar um jantar comemorativo da Revoluçao na Estuda Fria, no Parque Eduardo VII em Lisboa, a 24 de Abril. Para quem se queira inscrever, pode faze-lo no evento

de Facebook criado pela Associaçao, atraves deste link. 11. Capitãs de Abril Para aqueles que prefiram ficar por casa, mas querem, contudo, celebrar ou usufruir desta data para conhecer mais sobre a historia e cultura portuguesas, aconselhamos a leitura da nova obra de Ana Sofia Fonseca. Jornalista e escritora portuguesa, recolheu o testemunho de dez mulheres de capitaes de Abril, contando o que foi a Revoluçao aos olhos do feminino. Para mais informaçoes sobre o livro clique aqui. 12. 37ª Corrida da Liberdade Pela 37ª vez consecutiva, a Camara Municipal de Lisboa esta a organizar uma corrida dia 25 de abril, a começar as 10:30 na Praça dos Restauradores. 13. Militares de Abril

Dia 24 de Abril tera lugar na Capela do Rato, em Lisboa, uma missa pelo sufragio dos militares, celebrada por D. Januario Torgal Ferreira, Bispo Emerito das Forças Armadas e Segurança. 14. À Descoberta da Revolução A Antena2, juntamente com o Teatro A Barraca, vao dinamizar um “Teatro de Rua” dedicado ao tema da Revoluçao. 15. Comemorações Populares Dia 25 de Abril seremos todos testemunhas (e alguns, participantes) da manifestaçao que ira do Marques de Pombal ate ao Rossio, como gesto comemorativo da Revoluçao dos Cravos. Terminara com a intervençao de um “militar de abril”, no Rossio. 16. Inauguração da instalação de 8 Girândolas de Luz No Largo do Carmo, em Lisboa, serao instaladas 8 giran-


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Edição de Março

ACTUALIDADE

dolas em honra das 8 reunioes do “Movimento dos Capitaes”.

famoso declamador da língua portuguesa.

17. O 25 de Abril 40 anos depois A Fundaçao Calouste Gulbenkian esta a organizar uma conferencia para o proximo dia 14, com a apresentaçao de varias sessoes sobre o 25 de abril, abordando diferentes tematicas. A entrada e livre e o programa pode ser encontrado aqui.

20. Democracy and Revolutions, 84 Anos de 69 de Abril Exposiçao inserida no projecto internacional Démocracy and Révolutions. Terá início em Abril e sera uma actividade permanente da Junta de Freguesia de Carnide, no Centro Cultural.

18. Cinemateca Portuguesa Usufruindo de filmes documentais e ficcionais sobre o Fascismo em Portugal, a Cinemateca Portuguesa procurou reunir as melhores peças a exibir a alunos de 3º ciclo e ensino secundario. A programaçao pode ser consultada aqui. 19. 40 anos, 40 Histórias do 25 de Abril Peça de teatro sobre a Historia de Portugal, promovida pela Embaixada do Conhecimento, em Lisboa, a estrear ja em Abril. Alem desta iniciativa, a Embaixada do Conhecimento esta a fazer uma selecçao de poetas contemporaneos de forma a realizar um Audio-Livro com 40 poemas. A interpretaçao desses textos sera realizada por Nuno Miguel Henriques,

21. 40 anos a construir Abril - Seixal, terra de futuro Para funcionarios, alunos e docentes que habitem no Seixal, ou que considerem pertinente o Programa organizado pela Camara Municipal, terao oportunidade de assistir ao concerto de Xutos&Pontapes, famosa banda portuguesa, bem como presenciar espetaculos em varios Media, de celebraçao aos 40 anos. 22. 40 anos. 25 de Abril uma aventura para a democracia Tambem na area do cinema vemos explorado este tema, atraves de 7 filmes e 3 curtasmetragens a serem exibidos no Auditorio Carlos Paredes em Lisboa. Segue a programaçao neste link. 23. 40 Anos do 25 de Abril na Fundação José Saramago Entre os meses de Abril e

Maio, a Fundaçao Jose Saramago preparou uma agenda recheada de actividades culturais a serem realizadas no teor da revoluçao. Para poder consultar quais as actividades e respectivas datas consulte o seguinte link. 24. IndieLisboa Durante a 11ª ediçao do IndieLisboa, a iniciar a 24 de Abril, a Revoluçao sera celebrada com tres filmes, sendo eles «Les grandes ondes a l'Ouest», de Lionel Baier, os documentarios «Outra forma de luta», de Joao Pinto Nogueira, e «Mudar de vida», de Pedro Fidalgo e Nelson Guerreiro, com a participaçao do musico Jose Mario Branco. 25. Conferências na UCP Como nao poderia deixar de ser, a Universidade Catolica Portuguesa esta a organizar conferencias de teor cultural e historico dentro do Campus Palma de Cima. Estas irao decorrer durante o mes de Maio, ainda com data a definir.


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ACTUALIDADE Venezuela

A inquietação em busca de mudança Irina Shev Com a crise da Ucrania do outro lado do globo, os Venezuelanos queixam-se da falta de apoio dos media internacionais, naquilo que tem sido o maior desassossego do país nos ultimos 12 anos. O que afinal se passa na tao longínqua Venezuela? Uma tentativa de violaçao de uma estudante universitaria na cidade venezuelana de San Cristobal foi a gota de agua para o início dos protestos estudantis. No dia 4 de Fevereiro do presente ano, os estudantes reuniram-se para exigir ao governo um maior controlo da segurança no país. Como consequencia dos protestos em San Cristobal, varios estudantes foram presos, o que provocou uma onda de revolta em Caracas, a 12 de Fevereiro. Terminado o primeiro dia de manifestaçao na capital Venezuelana, podiam contar-se ja 3 mortes. As exigencias de Caracas começaram por dirigir-se a libertaçao dos jovens encarcerados, mas rapidamente se disseminaram para outros descontentamentos da populaçao, sobretudo da classe me-

As exigências de Caracas começaram por dirigir-se à libertação dos jovens encarcerados, mas rapidamente se disseminaram para outros descontentamentos da população dia, segundo varios observadores. Para alem do aumento de segurança, os protestos focaram a escassez de bens de primeira necessidade, desemprego elevado, aumento descontrolado da inflaçao, baixos ordenados, falta de liberdade de expressao, corrupçao, e um sentimento por parte da classe media da existencia de um regime ditatorial. A Venezuela regista uma das taxas mais altas de homicídios anuais. Em 1999, ano em que Hugo Chavez chegou ao poder, registavam-se 5 mil mortes por ano, relacionadas com violencia e falta de segurança. No ultimo ano de vida de Chavez, os valores subiram para os 16 mil homicídios, o

que equivale a 43 indivíduos mortos por dia. Apos um ano de governo de Nicolas Maduro, em 2013 registou-se um aumento para 67 homicídios por dia, num total de 24 700 homicídios anuais, de acordo com dados da organizaçao nao -governamental Observatorio Venezuelano de Violencia. Nos ultimos 12 meses o país registou 57% de inflaçao, segundo o Banco Central da Venezuela (BCV). Produtos como leite, farinha, açucar, frango, azeite e papel higienico sao de difícil obtençao em varios pontos do país. Com a ultima desvalorizaçao do bolívar (moeda venezuelana), um cidadao recebe em media um ordenado de 63 dolares americanos, ou 45.70 euros mensais, tornando a Venezuela o país com o salario mais baixo da America-Latina. Os meios de comunicaçao sao controlados quase exclusivamente pelo governo. Tendo sido criados de raiz 25 canais televisivos, 146 estaçoes de radio regionais e 17 jornais, todos financiados pelo governo outrora de Chavez, hoje de Maduro. O acesso a canais por


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© Reuters

cabo e muito limitado, e a internet carece de qualidade de recepçao. Oscar Apablaza, jovem Venezuelano de 29 anos licenciado em Gestao Industrial e Telecomunicaçoes, em entrevista ao Pontivírgula, afirmou que “para alem de nao haver meios de comunicaçao privados, o serviço de internet e pessimo, os hospitais nao tem material necessario para tratar dos doentes, os supermercados estao vazios. Estes protestos realizam-se porque o povo esta cansado de tantas mentiras. Somos um país rico em petroleo, minerais e turismo, nao temos razoes para viver assim tao mal. Desde que entrou Hugo Chavez ha uma ma administraçao na Venezuela”. Contudo, e de realçar que Chavez diminuiu a mal-

nutriçao da populaçao venezuelana de 15% para 5%, com as suas políticas sociais, segundo a Organizaçao das Naçoes Unidas para Alimentaçao e Agricultura (FAO). Um círculo fechado desde a morte de Chavez tem trabalhado para consolidar a sua posiçao no governo – Presidente da Republica Nicolas Maduro, Presidente da Assembleia Nacional Diosdado Cabello e o Presidente da companhia de petroleo estatal, Rafael Ramírez. No entanto, numa luta pelo poder, este círculo aparentemente solido e unido tem demonstrado fraquezas e inseguranças. O mesmo se passa na oposiçao. Desde o início dos protestos de Fevereiro que os líderes da oposiçao tem saído a rua para apoi-

ar os manifestantes, mas nao de uma forma unida. De um lado encontra-se Enrique Capriles, que perdeu as eleiçoes de Abril de 2013 para Maduro, por 1% eleitoral. Capriles defende uma negociaçao pacífica, apostando em tentativas de chegar a um acordo entre ambas as partes sem recorrer a violencia. Este político, todavia, foi ridicularizado por outros líderes da oposiçao por ter apertado a mao do presidente Venezuelano, numa reuniao relativa ao incremento de segurança no país. O líder do partido socialdemocrata Vontade Popular, Leopoldo Lopez, foi conhecido internacionalmente por dar a cara nas maiores manifestaçoes do país. Apoiou os jovens e espalhou a sua ideologia en-


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tre eles, reivindicando uma mudança radical na Venezuela, a renuncia do presidente e a revisao constitucional. Segundo as palavras de Lopez, numa entrevista ao canal internacional de notícias com sede na Colombia, NTN24: “(…) nos nao temos armas, mas sim gente nas ruas. O nosso terreno de luta e a rua. Nos so conseguiremos mudar algo no nosso país com um movimento de força popular em todo o territorio nacional”. No passado dia 18 de Fevereiro Leopoldo Lopez entregou-se a polícia, tendo sido considerado responsavel pela perturbaçao da paz na Venezuela, isto e, pela violencia das manifestaçoes contra o regime. Apos a prisao de Lopez, uma outra personalidade política ganhou terreno – María Corina, deputada independente da oposiçao que tambem tem apoiado os manifestantes na sua jornada pela mudança. Com a sua recente viagem ao estrangeiro, Diosdado Cabello destituiu Corina das suas funçoes de deputada na Assembleia Nacional, por motivos relacionados com traiçao a patria. Tudo se deveu ao facto da deputada ter aceitado o cargo de representante alternativa pelo Panama na Organizaçao dos Estados Americanos. Os Estados Unidos da America ponderam sançoes contra este

Durante os meses passados de Fevereiro e Março também houve demonstrações de apoio ao actual presidente da República Venezuelana, Nicólas Maduro. Muitos jovens dizem-se indignados pelas queixas dos opositores acontecimento, mas Cabello avisa que a deputada María Corina pode ser presa a qualquer momento. Durante os meses passados de Fevereiro e Março tambem houve demonstraçoes de apoio ao actual presidente da Republica Venezuelana, Nicolas Maduro. Muitos jovens dizem-se indignados pelas queixas dos opositores ao governo, alegando que nao concordam nem com a falta de segurança no país, nem com a falta de liberdade de expressao. Segundo um estudo realizado pelo Serviço Internacional de Consultadoria (ICS), onde foram inquiridas 1400 famílias, 52,3% dos indivíduos dizem que a liberdade de expressao se encontra garantida. Uma percentagem de 54,8% dos inquiridos defende que a de-

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mocracia venezuelana e inquestionavel juntamente com 65,2 % segundo os quais a força usada pela polícia e justificada pela lei. O ICS possui uma margem de erro de 2,7%, e um nível de confiança que se encontra nos 95%. O que o Serviço Internacional de Consultadoria nao informa e a classe social dos indivíduos inquiridos que, como se tem vindo a saber, influencia muito a opiniao dos venezuelanos. Do lado governo esta ainda a coléctivo militia – mecanismo de segurança sem uma fonte de controlo certa, a maioria da classe baixa venezuelana e cubana.

52,3% dos indivíduos dizem que a liberdade de expressão se encontra garantida. Uma percentagem de 54,8% dos inquiridos defende que a democracia venezuelana é inquestionável juntamente com 65,2 % segundo os quais a força usada pela polícia é justificada pela lei.


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As relaçoes entre Cuba e Venezuela ganharam força durante a presidencia de Chavez, que assentou uma serie de acordos entre estes dois países. Em 1999 Hugo Chavez chamou irmao a Fidel Castro e proferiu: “Aqui estamos nos, tao alertas como nunca Fidel e Hugo, a lutar com dignidade e coragem para defender os interesses dos nossos povos”. Um dos acordos, em original o Convenio Integral de Cooperacion, estipulou que ate 2020, a Venezuela exportara para Cuba entre 20.000 e 26.000 barris de petroleo por dia. Cada barril compreende cerca de 160 litros de volume, o que da um total entre 3.200.000 litros e 4.160.000 litros por dia. Em retorno, Cuba fornecera entre 30 000 a 50 000 tecnicos em

varias areas, como por exemplo físicos, desportistas, artistas, medicos, entre outros, assim como disponibiliza o tratamento de doentes graves, sendo a unica despesa venezuelana o seu transporte para Cuba. Jovem venezuelana de 33 anos, désignér grafica e psicopedagoga, Lydia Solymar declarou ao Pontivírgula, a proposito da relaçao entre os dois países latino-americanos, que “Cuba vive da Venezuela e sempre quis transmitir a sua ideologia política a Venezuela. Isto seria o pior que poderia acontecer ao meu país, pois isto significaria um total fecho da economia e, por consequencia, um extremo nível de pobreza e ignorancia”. Oscar Apablaza a proposito da mes-

ma questao defende que a Venezuela nao necessita de Cuba pois tem os melhores tecnicos em todas as areas enumeradas. Em 2002, o regime de Hugo Chavez sofreu um breve golpe de estado e Nicolas Maduro traça um paralelismo entre o que sucedeu a Chavez e o que esta a acontecer, neste momento, ao seu governo. Maduro culpa a oposiçao pela tentativa de golpe de estado com o apoio dos Estados Unidos da America, alegando que os EUA estao a tentar criar conflitos num país rico em petroleo. Elías Jaua, o Ministro de Negocios Estrangeiros, afirmou que varios diplomatas norteamericanos se reuniram com

“Cuba vive da Venezuela e sempre quis transmitir a sua ideologia política à Venezuela. Isto seria o pior que poderia acontecer ao meu país, pois isto significaria um total fecho da economia e, por consequência, um extremo nível de pobreza e ignorância”. Lydia Solymár


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os jovens universitarios para treino, financiamento e organizaçao de manifestaçoes violentas. O governo dos EUA nega esta acusaçao. Maduro apelidou recentemente os manifestantes de “fascistas”, contudo, “Chukies” e o nome comumente usado pelos líderes políticos para se referirem aos protestantes violentos, aludindo ao boneco de uma serie de filmes de terror. Apos varias tentativas de dialogo com a oposiçao, por parte do governo venezuelano, a resposta foi constantemente negativa. Nao obstante, vai iniciar-se um conjunto de reunioes entre os dois lados do conflito, apos dois meses de protestos sangrentos. O secretario de estado do Vaticano, Cardinal Pietro Parolin, estara presente, na sequencia

de ter sido escolhido como embaixador do Papa Francisco, cuja nacionalidade e argentina. Muitos observadores dizem-se incredulos de uma conciliaçao pacífica e breve, visto que os opositores extremistas continuam a negar a possibilidade de dialogo. O sentimento geral apos a morte de Hugo Chavez e de que sera muito difícil, se nao impossível, arranjar um candidato a altura do ex-presidente. Com dados oficiais de 39 mortos e centenas de feridos, muitos nao vem o fim dos desacordos para breve. Num país como a Venezuela, que e o numero um em reservas de petroleo do mundo, e o legado historico do seu heroi independentista Simon Bolívar que acende a alma a qualquer latino-americano. Tal como o por-

tugues Dom Sebastiao, Bolívar e esperado para vir e guiar o povo venezuelano com fe, esperança e dedicaçao, em direcçao a um futuro prospero e justo.

Maduro apelidou recentemente os manifestantes de “fascistas”, contudo, “Chukies” é o nome comumente usado pelos líderes políticos para se referirem aos protestantes violentos , aludindo ao boneco de uma série de filmes de terror.


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GRANDE ENTREVISTA

Professor Jorge Fazenda Lourenço Patrícia Fernandes O 25 de Abril de 1974 teve um impacto inegavel em todos os que o viveram. O Professor Doutor Jorge Fazenda Lourenço fala-nos da sua experiencia pessoal, numa altura em que o proprio, com 18 anos de idade, se viu confrontado como uma realidade muito diferente. Pontivírgula (1): Lembrase do que estava a fazer nesse dia? Jorge Fazenda Lourenço (JFL): Estava em Lisboa, a estudar na Faculdade de Medicina e a viver na Rua das Laranjeiras. Acordei de manha com o radio a dar a notícia de que as pessoas nao deviam sair de casa, pois algo estava acontecer. Pontivírgula (2): Como viveu o dia? Teve algum impacto no seu dia-a-dia? Jorge Fazenda Lourenço (JFL): O dia foi vivido com alguma perplexidade. Durante as primeiras horas nao se sabia se o golpe de estado iria ser bem-sucedido ou ate se este era por parte da direita ou da esquerda, ja a direita do proprio regime de Marcello

Caetano estava descontente com este. Quando começaram a aparecer na radio cançoes proibidas e mensagens, as pessoas começaram a aperceber-se do que estava realmente a acontecer. Este acontecimento transformou completamente o meu dia-a-dia, como o de todas pessoas, imagino. Eramos um país muito silencioso – dentro dos cafes e das proprias casas havia um medo interiorizado, sempre o receio de que alguem estivesse a escutar. De um dia para o outro, passamos a ser um país alegremente ruidoso.

Éramos um país muito silencioso – dentro dos cafés e das próprias casas havia um medo interiorizado, sempre o receio de que alguém estivesse a escutar. De um dia para o outro, passámos a ser um país alegremente ruidoso

Houve uma grande vontade de participação das pessoas em todo o tipo de decisões, até para aquelas que não estavam preparadas. Toda a gente passou a querer decidir tudo sobre tudo, tanto nas Universidades como nos empregos Pontivírgula (3): Quais foram, na sua opiniao, as mudanças sociais e políticas mais importantes, nos dias que se seguiram? Jorge Fazenda Lourenço (JFL): A ideia que tínhamos na epoca e que havia mudanças todos os dias e, nos primeiros dias, deixou de haver censura nos jornais e outros meios de comunicaçao. Ate censuras simples como pisar a relva ou namorar na rua. A associaçao das pessoas de forma livre, o que tambem foi sensível. Por exemplo, nas


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Universidades, as associaçoes de estudantes puderam organizar-se de uma forma que nao era clandestina. Houve uma grande vontade de participaçao das pessoas em todo o tipo de decisoes, ate para aquelas que nao estavam preparadas. Toda a gente passou a querer decidir tudo sobre tudo, tanto nas Universidades como nos empregos. Os alunos passaram a decidir as materias que queriam estudar e os professores que os ensinavam. A pouco e pouco a Democracia foi-se organizando e acalmando, mas houve claramente um período de desregramento, que se sucede a todos os períodos onde predomina a falta de liberdade. Pontivírgula (4): O dia 25 de Abril teve algum impacto relevante no resto da sua vida? Jorge Fazenda Lourenço (JFL): Sim. Eu era uma pessoa que ja tinha alguns interesses em intervençao social e isso acentuou-se mais no período imediatamente anterior, com a sensaçao de que todos podíamos participar no destino Portugal. A longo prazo, esse período de grande tumulto fez com que eu deixasse a Faculdade de Medicina, entre outras razoes. Deixei de me

Eu era uma pessoa que já tinha alguns interesses em intervenção social e isso acentuou-se mais no período imediatamente anterior [ao 25 de Abril], com a sensação de que todos podíamos participar no destino Portugal preocupar em ter de ir para a tropa, tive a oportunidade de me integrar nas campanhas de alfabetizaçao. Era o tempo de intervir e nao de me preocupar com os estudos. Tive a oportunidade, portanto, de ter experiencias novas, de conhecer melhor o meu país e de alagar os meus horizontes – descobri novas areas, tirei uma licenciatura em Jornalismo, mas logo descobri que nao era exatamente o jornalismo que me interessava. Depois fiz entao o Mestrado e o Doutoramento em Literatura, nos Estados Unidos. Descobri entao a profissao de professor, quando me inscrevi para dar aulas em Sao Tome e Príncipe, em 1977.

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GRANDE ENTREVISTA Senti-me bem ali.

Pontivírgula (5): Acha que, hoje em dia, e necessario um movimento como o que aconteceu em 1974? Jorge Fazenda Lourenço (JFL): Acho que hoje em dia e necessario outro movimento, mas que nao seja igual ao de 1974. O que e necessario e que haja um movimento contínuo de renovaçao de ideias, mentalidades e atitudes, e esse movimento nao tem que ser so feito pelas geraçoes mais novas, mas impulsionado por estas, ja que as mais velhas vao ficando mais instaladas e confortaveis. O que e preocupante e ver geraçoes mais novas mais acomodadas do que geraçoes mais velhas.

O que é necessário é que haja um movimento contínuo de renovação de ideias, mentalidades e atitudes, e esse movimento não tem que ser só feito pelas gerações mais novas, mas impulsionado por estas


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Edição de Março

GRANDE ENTREVISTA

Professor Jorge Vaz de Carvalho Emanuel Monteiro e Joana Portugal Professor, investigador, ensaísta, tradutor, escritor, cantor de opera, encenador e ate director de uma orquestra. Muitas sao as vivencias de Jorge Vaz de Carvalho nas mais diferentes areas. E em relaçao ao 25 de Abril, o tema que preenche esta ediçao especial do Pontivírgula, nao poderia ser diferente. Enquanto aluno universitario, o professor da Faculdade de Ciencias Humanas viveu a revoluçao, com apenas 19 anos, e coleccionou historias e aprendizagens que partilha, hoje, connosco, numa grande entrevista onde, para alem de falar do dia 25 de Abril de 1974, avalia as consequencias da revoluçao para si, para os estudantes e para o país em geral. Espaço tambem para fazer um balanço das expectativas cumpridas e das nao cumpridas e dos passos a percorrer para concretizar aquilo que ainda esta por fazer, uma missao que cabe, sobretudo, a jovens e estudantes universitarios. Pontivírgula (1): Professor, pertenceu a algum movi-

mento estudantil? Jorge Vaz de Carvalho (JVC): Nunca fui filiado em nenhum grupo, partido ou movimento estudantil. No entanto, participava em manifestaçoes de estudantes que contestavam as condiçoes em que estudavamos, o proprio regime, com o qual nao concordavamos e, sobretudo, a questao premente que era a guerra colonial. Especialmente, porque eu e outros jovens com dezoito ou dezanove anos estaríamos a pouco tempo de ir parar a alguma das frentes de combate. Pontivírgula (2): Como foi o seu dia 25 de Abril de 1974? Jorge Vaz de Carvalho (JVC): Foi um dia muito curioso, ate porque a minha experiencia pessoal reflecte, em parte, o que aconteceu naquela revoluçao. Eu morava no Montijo, o que significa que fiz a travessia de barco ate Lisboa para vir a Faculdade. Logo de manha, cedo, ja no barco, fuime apercebendo daquilo que se estava a passar: estava toda a gente em volta de radios e a comentar que havia um golpe

estava toda a gente em volta de rádios e a comentar que havia um golpe de Estado em Lisboa. Quando o barco atracou, no Terreiro do Paço, precisamente o centro revolucionário, Salgueiro Maia havia já ocupado aquele espaço de Estado em Lisboa. Quando o barco atracou, no Terreiro do Paço, precisamente o centro revolucionario, Salgueiro Maia havia ja ocupado aquele espaço. Presumi logo que alguma coisa importante ali se passaria. Mesmo assim, eu tinha combinado encontrar-me na faculdade com umas amigas. Por isso, fui ate ao Rossio, apanhei o metro, vim ate ao Campo Grande, dirigi-me, a pe, ate a faculdade e encontrei-me com as minhas colegas. O nos-


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© Emanuel Monteiro so dilema, por mais curioso que possa parecer, foi mesmo procurar um sítio para almoçar, uma vez que estava quase tudo fechado, a começar pela cantina. Resolvido este aspecto muito pratico, vim de novo para a baixa. Quando cheguei, deparei-me com todos os acontecimentos do Carmo e arredores e, evidentemente, misturei-me com a multidao que assistia a prisao de Marcello Caetano e dos outros elementos do regime. Depois disso, voltei para o Montijo, tambem de barco, e segui os acontecimentos pela radio e pela televisao. Este cenario que retratei mostra dois aspectos extraordinarios da revoluçao portuguesa. O facto de estar a decorrer uma revoluçao e os transportes publicos funcionarem normalmente, com o povo nas ruas a apoiar os militares,

da-lhe, por um lado, uma dimensao um tanto folclorica; por outro lado, reflecte, a realidade de um regime que ja estava tao corrompido, tao podre, tao decrepito que nao teve grande resistencia. As coisas funcionavam normalmente enquanto o regime caía, um caso raro, senao inedito na historia mundial. Continuo sempre a dizer que o 25 de Abril foi o dia mais feliz da minha vida. Pontivírgula (3): Quais foram as consequencias imediatas que o 25 de Abril teve na sua e na vida do país? Jorge Vaz de Carvalho (JVC): Na minha vida, para alem da questao política de passar a sentir e a viver uma liberdade ate entao desconhecida, as consequencias foram a universidade transformar-se numa coisa completamente diferente daquilo que era: pa-

ra alem das sucessivas restruturaçoes nos cursos, os estudantes passaram a ter mais reunioes gerais de alunos do que aulas, a participar activamente na vida academica. Andava tudo numa grande convulsao, o que e normal depois de uma revoluçao. Estavamos todos certos de que eramos contra o regime derrubado, que nao queríamos nem censura, nem tortura, nem presos políticos e muito menos uma guerra colonial. Todavia, a partir do momento em que se deu a revoluçao, começaram as divergencias, uma vez que cada um queria uma sociedade diferente. Todos tinham um conceito distinto de democracia, de liberdade e do tipo de sociedade que queriam. Mas estas sao ideias suficientemente largas e que permitem uma quantidade de opinioes divergentes. As pessoas nao


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© Emanuel Monteiro estavam preparadas para discutir, de uma forma serena e tranquila, as opinioes divergentes, ate porque a liberdade e um processo que se aprende. Na realidade, a grande questao que se colocava a todos nos era: como e que depois de uma revoluçao se desmantelava todo um sistema de poder – político, social e economico, baseado em monopolios e numa exploraçao desenfreada das pessoas – e como se viria a colocar fim aquilo que mais nos preocupava, a guerra colonial. Portanto, conseguir fazer tudo isso foi uma coisa extraordinaria para um país tao pequeno. Fomos capazes de batalhar em duas frentes: a do desmantelamento de um poder e, ao mesmo tempo, a de colocar fim a

guerra colonial. E conseguimos fizer tudo isso sem perdas de vidas humanas, sem desmantelamentos sociais significativos e fomos habeis ao ponto de transitar para a democracia de uma forma muito serena e tranquila, e de algum modo, tao adulta. Pontivírgula (4): Hoje, quarenta anos depois, considera que as aspiraçoes e as promessas do 25 de Abril se cumpriram? Jorge Vaz de Carvalho (JVC): Eu creio que as principais aspiraçoes do 25 de Abril estao cumpridas: temos um regime democratico, possuímos liberdade de expressao e somos livres na escolha das opçoes políticas e ideologicas que pretendemos. No entanto, o

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que nao se cumpriu com o 25 de Abril tem mais que ver com uma mudança de mentalidades. Se olharmos para a sociedade portuguesa de hoje, vemos que nao foi possível desentranhar uma determinada imagem de inferioridade e de atraso em relaçao a Europa. Da mesma forma, nao foi possível acabar com uma mentalidade baseada em habitos de mesquinhez, de inveja, de maledicencia e de intrigas. Mas, sobretudo, nao foi possível, depois do 25 Abril, fazer acreditar aos portugueses que e pelo desenvolvimento intelectual, moral e espiritual, pelo estudo e pela cultura, dando lugar ao saber e ao merito, que e possível desenvolver o país. O exemplo mais evidente relativamente a essa questao foi o facto de grandes personalida-

Fomos capazes de batalhar em duas frentes: a do desmantelamento de um poder e, ao mesmo tempo, a de colocar fim à guerra colonial. E conseguimos fizer tudo isso sem perdas de vidas humanas, sem desmantelamentos sociais significativos


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des portuguesas, logo a seguir a revoluçao, nao terem sido chamadas para as universidades. Sao os casos de Jorge de Sena e de Ruy Belo. As universidades, as instituiçoes do saber, nao foram sensíveis a isto e preferiram dar lugar a pessoas intelectualmente inferiores apenas por questoes de amizade ou opçoes partidarias. Creio que nos falta, ainda, acreditar no valor do merito como motor de desenvolvimento de um país. Mas isso, nao podemos pedir que uma revoluçao conduzida pelas forças armadas resolva. Tem de partir de cada um de nos o desejo e a vontade de reverter a situaçao de pessimismo e passividade da sociedade em geral, e dos jovens em particular. E, de facto, um trabalho de todos nos e de cada um no seu lugar. E os lugares, a começar pelos líderes e dirigentes, tem de ser para os que provam merece-los pelas suas qualidades e o valor do serviço que prestam as instituiçoes e ao país. Pontivírgula (5): No 25 de Abril, os estudantes foram fundamentais na mudança de regime. Considera que hoje esta classe se demite do seu papel activo e da sua responsabilidade social? Jorge Vaz de Carvalho (JVC): Antes do 25 de Abril

os estudantes tinham agendas e preocupaçoes muito definidas: um sistema de ensino em certa medida anacronico, que

Creio que nos falta, ainda, acreditar no valor do mérito como motor de desenvolvimento de um país. Mas (…) Tem de partir de cada um de nós o desejo e a vontade de reverter a situação de pessimismo e passividade da sociedade em geral, e dos jovens em particular. nao fomentava a investigaçao e o desenvolvimento, mas que facilitava o acesso ao emprego. Havia tambem um medo evidente – a guerra colonial –, um problema que afectava nao so os rapazes, como as raparigas, pois elas tinham irmaos, primos, namorados e família. Logo, os estudantes em geral tinham causas muito definidas por que lutar. Hoje, e ainda bem, nao ha causas tao evidentes, tao marcadas e definidas pelas quais os estudantes tenham que batalhar. Por isso, as vezes, a passividade prevalece em vez da solidariedade e da defini-

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çao lucida de objectivos. Apesar disto, e mais do que evidente o problema do desemprego que afecta os jovens, ao ponto absurdo de o país gastar fortunas na educaçao e na preparaçao dos jovens, nomeadamente nas universidades, para depois nao lhes criar oportunidades, fazendo com que estes tenham de emigrar e enriquecer a massa intelectual de outro país que apenas beneficia e nada investiu nessa formaçao. Os jovens de hoje sao uma geraçao extraordinaria, a geraçao com mais ferramentas de investigaçao, com melhores e mais rapidos acessos a informaçao: hoje em dia esta tudo ao alcance de um clique. Esta e uma geraçao nao menos inteligente, talvez bem preparada do ponto de vista tecnico, mas, do meu ponto de vista, com graves deficiencias na instruçao, fruto de modelos e programas de ensino tolos, que dinamitaram o aprofundamento do conhecimento humanista, fomentaram o ludico em prejuízo da disciplina e o facilitismo em prejuízo do rigor. Talvez por isso seja tambem uma geraçao mais passiva e pactuante, que ainda nao percebeu com toda a profundidade a terrível ameaça do desemprego e da estagnaçao, e que, para alcançar os seus interesses e os do país tem de


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agir. Pontivírgula (6): Muitas pessoas dizem que Portugal precisa de um novo 25 de Abril. Precisara mesmo? Jorge Vaz de Carvalho (JVC): Um novo 25 de Abril, conduzido pelas forças armadas, com tanques nas ruas, sera um anacronismo impensavel. E necessario, sim, que as pessoas voltem a ter esperança, uma esperança nao continuamente apregoada e adiada para o futuro, mas ja no presente. E crucial quebrar uma certa mentalidade rural de construir e guardar para o futuro. Temos de começar ja, e

Um novo 25 de Abril, conduzido pelas forças armadas, com tanques nas ruas, será um anacronismo impensável. É necessário, sim, que as pessoas voltem a ter esperança, uma esperança não continuamente apregoada e adiada para o futuro

nao adiar a felicidade quotidiana e o proprio país para um tempo incerto. Nesse sentido, penso que nao se colocam as questoes do 25 de Abril original, isto e, a erosao do prestígio das Forças Armadas, a conquista das liberdades individuais e a implementaçao de uma democracia. No entanto, tenho voltado a sentir algo que nao esperava, francamente, sentir 40 anos depois: o desespero, o medo e a incapacidade de as pessoas viverem as suas vidas, de terem para comer e pagar os estudos dos seus filhos, sobretudo, a impossibilidade de uma vida digna. Isso, a mim, perturba-me em dimensoes colossais, muito mais do que a questao da liberdade, ate porque a temos garantida, seja a liberdade de expressao, de publicaçao ou de reuniao. O que me preocupa verdadeiramente e o medo, o medo que as pessoas tem em relaçao as suas existencias, ao futuro e o desespero que isso lhes provoca. E esta questao e uma das grandes perdas em relaçao as expectativas de uma revoluçao que prometia, exactamente, uma melhoria das vidas das pessoas a varios níveis, nomeadamente a promessa de uma existencia decente e serena. E esta esta a ser posta em causa, como comprova o crescente numero de famílias que subsiste nos

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muito mais do que a questão da liberdade, até porque a temos garantida, (…) o que me preocupa verdadeiramente é o medo, o medo que as pessoas têm em relação às suas existências, ao futuro e o desespero que isso lhes provoca. dias de hoje graças a caridade de varias instituiçoes de solidariedade social. Deste modo, devemos ficar humanamente muito preocupados, porque ha muitas promessas trazidas com a revoluçao que nao se cumpriram, ha conquistas sob ameaça e que sao fundamentais para a dignidade e ate a sobrevivencia das pessoas (o Serviço Nacional de Saude, por exemplo). Mas, acima de tudo, ha um ideal de esperança que o 25 de Abril trouxe a Portugal e a certeza que, tal como aconteceu ao longo da Historia, nos somos capazes, “por obras valorosas”, de superar o que parece impossível.


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REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA Portugueses pelo Mundo Memórias de um 25 de Abril Mariana Rodrigues

Passaram-se 40 anos e onde ficam as memórias daqueles que, ainda com nacionalidade portuguesa, viveram a Revolução em países transatlânticos chamados em 74 de Colónias Portuguesas?

Maria do Rosário Amorim de Sousa, 72 anos Rosarito, como prefere ser chamada, tinha 32 anos quando ouviu na radio que Lisboa tinha sido alvo de uma Revoluçao. Sozinha em casa naquele momento, dirigiu-se a cozinha onde se encontrava o seu cozinheiro, o Salvador, e disse-lhe “Depois disto Moçambique vai ser independente”. E assim foi. Rosarito vivia desde os 8 anos em Moçambique e na altura nao lhe passou pela cabeça que tivesse que abandonar o país que viu os seus filhos nascer. 1977 foi o ano em que teve que regressar a Portugal, deixando a sua casa nas maos do escultor Chissano (hoje um museu).


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REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA

Entre uma mala pequena com livros e roupa, trouxe este desenho feito por Malangatana (pintor moçambicano) onde este pintou Rosarito com o seu filho Joao as costas na Ilha da Inhaca em Moçambique. Esta e das poucas coisas que, passados 40 anos, guarda de Moçambique. Rosarito nunca mais voltou a visitar a quente cidade de “Lourenço Marques” e hoje diz ja nao querer voltar. Portugal e hoje o seu país. “Acho que o 25 de Abril foi indispensavel mas os resultados nao foram os esperados”, afirma Rosarito.


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REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA

Ricardo Rocha, 51 anos Ricardo tinha apenas 11 anos quando se deu a Revoluçao mas lembra-se que estava a jogar basquetebol com os primos, no jardim de sua casa, em “Lourenço Marques”, quando de repente ouve o pai a chama-los para dentro com alguma rapidez. Percebeu que algo estava prestes a mudar. Os dias seguintes foram marcados por discursos de 5 horas de Samora Machel (Presidente de Moçambique na altura) em que afirmava que os “brancos” ja nao tinham os mesmos privilegios. Para Ricardo, o 25 de Abril tinha que acontecer mas lamenta que a situaçao com as colonias tenha tido tal desfecho, em especial, dado que em 1962 Eduardo Mondlane (Frelimo) quis estabelecer um acordo com o Estado Portugues que tendo sido realizado, quiça, poderia ter evitado a Guerra Colonial.


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REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA

Estes elefantes foram o unico brinquedo que Ricardo trouxera de Moçambique quando, em 1976, fugiu da Guerra Colonial e foi viver para o Porto. Em 1992 regressou a Moçambique, ainda em guerra, e “Senti-me a chegar a casa. Se nao fosse o facto de ter um filho com 2 anos em Portugal, teria ficado la” assegura Ricardo.


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REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA

Maria da Graça, 69 anos Graça trabalhava na TAP em Sao Tome e Príncipe na altura do 25 de Abril. Apesar de Sao Tome ter escapdo a guerra, lembra-se que, ao ouvir a radio, disse ao seu marido, “Ja vou conseguir, finalmente, ter o meu passaporte portugues”. Como Graça tinha casado com um cidadao Ingles, e ha muitos anos que nao visitava Portugal, o regime de Salazar nao lhe permitia a obtençao de um passaporte do seu país de origem e, por isso, andava com um passaporte diplomatico, que era proibido. Maria da Graça viu a Revoluçao como uma “necessidade”, no entanto, o destino, apos o 25 de Abril, nunca a fez voltar para Portugal, tendo vivido em Inglaterra e, desde 1997 em Joanesburgo, na Africa do Sul. Portugal, desde os seus 10 anos, e apenas um destino de ferias e para visitar a família.


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REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA

Maria José Correia da Fonseca, 54 anos Maria Jose viu o destino do 25 de Abril de uma forma diferente. Aqueles que trabalhavam para a funçao publica em Angola e eram portugueses tinham direito a uma licença graciosa. Esta licença consistia numas ferias de 6 meses em Portugal, de 4 em 4 anos. Assim, Maria Jose encontrava-se de ferias com os pais e os irmaos na sua casa de Portugal, em S. Bento, quando se deu a Revoluçao. Nunca esperou que naquele dia, com apenas 14 anos, percebesse que nunca mais voltaria a Nova Lisboa, sem nunca sequer um adeus.


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REPORTÁGEM FOTOGRÁFICA

Estas foram as unicas recordaçoes que Maria Jose trouxe de sua casa em Nova Lisboa (hoje Huambo). A sua fotografia, em casa, e a fotografia com a sua avo. Em Portugal, nos dias depois do 25 de Abril, receberam caixotes e mais caixotes com bens que, quem ocupou a sua casa em Africa, enviou para a sua casa em S. Bento. Aquelas ferias por Portugal tornaram-se numa nova vida e, sobretudo, numa deslocaçao “forçada” para um novo país. Apesar de nunca mais ter voltado a Nova Lisboa e nunca se ter despedido, sente que ha-de voltar, e para ficar. Por isso, “apesar do 25 de Abril ter sido importante, na altura fiquei baralhada e nao compreendi porque nao podia mais voltar para o meu país e porque que tinha que viver num país onde nao tinha liberdade ate ao dia” confessa Maria Jose.


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CULTURA

LITERATURA

O Teu Rosto Será o Último, de João Ricardo Pedro João Gonçalo Simões Vencedor do Premio Leya 2011, Joao Pedro Ricardo mostra uma historia marcada pelos tempos da Ditadura Salazarista e que tem início, precisamente, na Revoluçao dos Cravos. Sao tres geraçoes da mesma família, apresentadas em pequenos episodios aparentemente desconexos e aliadas por uma linha temporal quase imperceptível. Embora a historia arranque em 1974, acaba por se distanciar da tematica a que se promete. O doutor Augusto Mendes, o seu filho Antonio e o seu neto Duarte podiam estar inseridos noutro qualquer período – a falta de uma justifica-

çao historica, existem algumas referencias a personalidades contemporaneas. Ainda assim, sao por demais tenues para enriquecer o enredo. Os pontos fortes sao entao difíceis de detectar, ja que a decisao de partir uma linha temporal em pequenos pedaços acaba por apenas dificultar uma leitura que poderia ter sido mais interessante. A historia de tres geraçoes nao apresenta uma ordem clara e os episodios, que parecem carregadas de significado, acabam por nao revelar o potencial prometido. Os menos familiarizados com o acontecimento de 25 de

Abril tem, no entanto, alguns momentos de aproximaçao ao fenomeno que merecem exploraçao. Em alguns momentos, o autor mostra uma opiniao que parece quase sua e o enredo, embora abalado pelas ditas razoes, traz uma urgencia de leitura singularizada pela sensaçao particular de iminencia de algo mais. Infelizmente, a obra acaba por cair num limbo entre a ameaça do passado e um possível futuro feliz. Definitivamente um estilo que consegue agarrar mas cuja escrita precisa de amadurecer, porventura em historias diferentes.

© Wook


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CULTURA LITERATURA

Os Rapazes do Tanques, de Alfredo Cunha e Adelino Gomes João Gonçalo Simões

© Alfredo Cunha

Esta e uma obra fotografica documental que nos apresenta relatos e imagens emotivas da quinta-feira que marcou para sempre a historia de Portugal. E um relato de acontecimentos desse mesmo dia que nos traz um sentimento inequívoco de proximidade aos rapazes jovens que estiveram presentes na Revoluçao – alguns para lhe por fim, outros para a defenderem. Num paralelismo com a actualidade, este relato e feito por Jose Alves Costa, um dos soldados que no dia 25 de Abril de 1974 se recusou a abrir fogo contra os protestantes. Uma assumida

“homenagem aos homens da Cavalaria que acabaram com 48 anos de ditadura”, a obra conta com a opiniao de varias figuras conceituadas e igualmente com testemunhos individuais dos varios soldados que deram forma aos acontecimentos retratados. Apesar disso, a obra dedica-se essencialmente a informaçao visual, mostrando imagens reais ordenadas cronologicamente no dia. Imagens raras e extremamente ricas do Terreiro do Paço, Cais do Sodre, Largo do Carmo e das varias ruas do centro de Lisboa pintam um quadro riquíssimo que merece

© Alfredo Cunha

ser apreciado (ou ate relembrado) por todos os Portugueses.

[a obra] traz um sentimento inequívoco de proximidade aos rapazes jovens que estiveram presentes na Revolução – alguns para lhe por fim, outros para a defenderem


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CULTURA

INDIRECTO

P

equeno espaço de leitura onde são escritos poemas que carecem de interpretações individuais, porque os poemas precisam disso, necessitam que cada leitor os sinta e os aplique para que eles possam viver.

Jorge de Sena

Qual a cor da liberdade?

E verde, verde e vermelha.

Cantiga de Abril

E verde, verde e vermelha.

Esse perder-se no mundo

Essa paz de cemiterio

o nome de Portugal,

toda prisao ou censura,

essa amargura sem fundo,

e o poder feito galderio.

so miseria sem segundo,

sem limite e sem cauterio,

so desespero fatal.

todo embofia e sinecura.

Qual a cor da liberdade?

J. de S.

Qual a cor da liberdade?

E verde, verde e vermelha.

Qual a cor da liberdade?

E verde, verde e vermelha.

E verde, verde e vermelha.

Esses ricos sem vergonha,

Quase, quase cinquenta anos

Quase, quase cinquenta anos

esses pobres sem futuro,

durou esta eternidade,

essa emigraçao medonha,

numa sombra de gusanos

reinaram neste pais,

e a tristeza uma peçonha

e em negocios de ciganos,

e conta de tantos danos,

envenenando o ar puro.

entre mentira e maldade.

de tantos crimes e enganos,

Qual a cor da liberdade?

Qual a cor da liberdade?

E verde. verde e vermelha.

E verde, verde e vermelha.

chegava ate a raiz.

Essas guerras de alemmar

Saem tanques para a rua, estala enfim altiva e nua,

Tantos morreram sem ver

gastando as armas e a gente,

o dia do despertar!

esse morrer e matar

a verdade mais veraz.

Tantos sem poder saber

sem sinal de se acabar

Qual a cor da liberdade?

com que letras escrever,

por politica demente.

E verde, verde e vermelha.

com que palavras gritar!

Qual a cor da liberdade?

As Forças Armadas e ao povo de Portugal «Nao hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade»

Qual a cor da liberdade? E verde, verde e vermelha.

sai o povo logo atras: com força que nao recua,


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CULTURA CINEMA

O 25 de Abril e o Cinema Português Adriana Martins Quando em 2014 celebramos os 40 anos da Revoluçao dos Cravos, importa refletir sobre o impacto do 25 de Abril no cinema portugues. E oportuno recordar que, apesar de a Revoluçao de 1974 ter trazido a liberdade depois de mais de quarenta anos de um regime autoritario marcado pelas restriçoes impostas pela censura, o cinema portugues ja tinha experimentado a sua “revoluçao” no início da decada de sessenta do

apesar de a Revolução de 1974 ter trazido a liberdade depois de mais de quarenta anos de um regime autoritário marcado pelas restrições impostas pela censura, o cinema português já tinha experimentado a sua “revolução” no início da década de sessenta do século passado

seculo passado com a emergencia do Novo Cinema e com a busca de uma linguagem que rompesse com os modelos que vinham informando o cinema do Estado Novo. Por outras palavras, a renovaçao da cinematografia portuguesa esta ligada a filmes como Os Verdes Anos (1963) de Paulo Rocha e Belarmino (1964) de Fernando Lopes, bem como ao empreendedorismo de homens como Cunha Telles, que aceitou o desafio de apoiar jovens cineastas que retornavam do estrangeiro com ideias novas e a ousadia de homens como Antonio Macedo (Domingo a Tarde, 1965) que, sem nunca ter saído de Portugal, trazia a experiencia e a vivencia do movimento cineclubista. O 25 de Abril traz a tao desejada liberdade e enceta a produçao de filmes de carater preferencialmente documental, que refletem a necessidade de registar um momento historico de extrema relevancia na historia nacional. Nos filmes produzidos em 1974 predomina um tom de interven-

O 25 de Abril traz a tão desejada liberdade e enceta a produção de filmes de caráter preferencialmente documental, que refletem a necessidade de registar um momento histórico de extrema relevância na história nacional. çao política militante, o que se compreende, tendo em conta a viragem política observada. Acreditava-se que era importante dar a voz ao povo que, durante anos, teve este direito negado. Os cineastas vem para a rua e, mais do que registar os eventos, desejam intervir na sociedade. Surgem produçoes coletivas que resultam do trabalho em regime de cooperativa e muitos documentarios sao claramente ideologicamente informados, colocando em relevo a importancia do trabalho, revelando o quotidiano dos camponeses e dos


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CULTURA

operarios das fabricas, o que e reforçado pela crítica acutilante aos proprietarios. Um exemplo dessa tendencia e o documentario As Armas e o Povo (1975). Importava tambem rever o passado e contalo a partir de uma perspetiva diferente, o que levou a filmes que visavam desconstruir os princípios ideologicos do Estado Novo, como e o caso de Deus, Patria e Autoridade (1975) de Rui Simoes. Para a produçao fílmica, muito contou a importancia crescente da RTP, sendo alguns dos filmes produzidos pela ou para a televisao nacional. Ainda no ambito dos documentarios, e oportuno chamar a atençao para os filmes de teor mais etnografico, que buscavam dar a conhecer e valorizar a vida em determinadas comunidades do país. Um caso emblematico e o premiado documentario Tras-osMontes (1976) de Antonio Reis e Margarida Cordeiro que revela o amago de uma comunidade no nordeste transmontano. Um outro exemplo que merece destaque e o de Torre Bela (1975), de Thomas Harlan, que retrata a ocupaçao de uma herdade alentejana por um coletivo de camponeses em pleno PREC e o seu contacto com a realidade, passada a euforia da Revoluçao. Ainda a título de exemplo, vale a pena

mencionar Continuar a Vivér ou os Índios da Méia Praia (1976) de Antonio da Cunha Teles que aborda a nova experiencia de habitaçao no seio da comunidade piscatoria na Meia-Praia, no Algarve, com o apoio do SAAL (Serviço de Apoio Ambulatorio). Embora o cinema dito militante predomine como resultado do 25 de Abril e do fim da censura, quando Portugal procurava se reconstruir como naçao, num novo ciclo da sua historia, o panorama cinematografico portugues e marcado por outras experiencias que, sem assumirem um tom militante, interrogam nao so a claustrofobia dos anos de ditadura, como o fervor revolucionario. Bénildé ou a Virgém Mãé (59 7 8) de Manoel de Oliveira e um filme, a este proposito, a ser revisto, tambem

porque antecipa muito do que viria a ser a cinematografia de Oliveira nos anos seguintes. Em suma, as celebraçoes dos 40 anos do 25 de abril, para alem de um exercício cívico fundamental de memoria, sao um excelente pretexto para que os espectadores que vivenciaram os acontecimentos daquela epoca, e, especialmente, aqueles que ja nasceram depois da Revoluçao, possam interrogar o Portugal atual e o percurso seguido desde entao. Neste processo de interrogaçao e revisao da memoria nacional, o cinema portugues desempenha um papel fundamental. A este proposito, a iniciativa da Cinemateca Portuguesa, denominada “25 de Abril, Sempre”, e definitivamente uma oportunidade a nao perder. Para tal, basta consultar a programaçao da


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CULTURA Música

Música de Intervenção: Uma realidade Actual? Patrícia Fernandes

Quando se fala de uma data tao importante para Portugal, como e o caso do 25 de Abril de 1974, e impossível nao se fazerem associaçoes directas a musica! Quem nao se lembra do “Grandola Vila Morena” de Zeca Afonso ou de “E Depois do Adeus” de Paulo de Carvalho? Estas foram duas das varias musicas que assinalaram simbolicamente este dia tao marcante na nossa historia (que nos trouxe a tao preciosa liberdade de expressao)! Numa epoca em que a liberdade e uma realidade mas em que o País se encontra numa fase menos positiva, sao varias as formas

de expressar os males e dissabores que vao na alma dos portugueses. Uma das formas e, claramente, a musica – nomeadamente na forma de musicas de intervençao. Formalmente, a musica de intervençao, vulgarmente conhecida como musica de protesto, e uma categoria na area da musica popular cujo principal objectivo e chamar a atençao aos problemas políticos, sociais e/ou economicos de uma sociedade. Ricardo Sergio, jornalista de musica, produtor e locutor da Antena 3, assim como antigo aluno da Universidade Catolica Portuguesa, em conversa com o Pontivírgula, reconhece a suma im-

portancia da musica de intervençao, no entanto, revela que “Nos em Portugal temos uma definiçao de musica de intervençao associada a um genero musical muito proprio, como o de Zeca Afonso ou Jose Mario Branco, o que nos leva para a balada. Contudo, a musica de intervençao nao e um genero, pode ser o punk, o hiphop ou o rock. Por isso, gosto mais de falar de cançoes de intervençao ou cançoes de protesto.” Quando desafiado a nomear algumas bandas e artistas contemporaneos que, hoje em dia, se dedicam a intervençao social atraves da musica de protesto, Ricardo sublinha que: “Actualmente, por exemplo, nao se pode dizer que o Pedro Abrunhosa ou os Diabo na Cruz fazem musica de intervençao, contudo,

a música de intervenção (…) é uma categoria na área da música popular cujo principal objectivo é chamar à atenção aos problemas (…) de uma sociedade


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CULTURA

O período que a música portuguesa vive hoje é ímpar e absolutamente extraordinário. Para isto contribui, a maior aceitação da parte do público (…) e também a maior facilidade em fazer música tem cançoes de intervençao, como e o caso dos singlés ‘Para os braços da minha mae’ e ‘Vida de Estrada’, respectivamente. Portanto, hoje em dia, nao ha bandas ou cantores que se dediquem exclusivamente a musica de intervençao.” Ricardo Sergio indica, todavia, nomes como Deolinda, Diabo na Cruz e ate Sergio Godinho. Afirma ainda, que, de forma um pouco discreta, a nova musica dos

Diabo na Cruz pode ser vista como uma cançao de protesto, pela sua relevancia actual “O singlé desta banda fala sobre a vida na estrada, a vida de uma banda em tournee, mas nas entre-linhas esta patente a ideia de ‘ir para fora’ porque la fora e que se esta bem. ” Ricardo Sergio sublinha-nos tambem a importancia que o hiphop detem na sociedade contemporanea, bem como a sua credibilidade moral e social, relativamente aos problemas da actualidade. Sobre a musica Portuguesa, o locutor diz-nos, com notorio orgulho, que “O período que a musica portuguesa vive hoje e ímpar e absolutamente extraordinario. Para isto contribui, a maior aceitaçao da parte do publico (toda a gente gosta de ouvir musica portuguesa) e tambem a maior facilidade em fazer musica, devido a democratizaçao das tecnologias.” Em 25 de Abril de 1974, a musica foi um elemento-chave para a Revoluçao dos Cravos e definiu o caminho de Portugal. Assim, e inevitavel ponderar a possível necessidade de uma nova Revo-

luçao e reflectir sobre o papel da musica caso tal viesse a concretizar-se. Nas palavras de Ricardo, “Eu nao sei se faz falta haver mais musica para chamar a atençao para o que esta mal, o que se calhar faz falta e ouvintes que reajam a ela, porque estamos num período em que o que e considerado lutar contra o que esta mal e apenas colocar um post no Facébook. Somos muito passivos.” Para quando, entao, sera a utilizaçao da musica, tal como na Revoluçao dos Cravos, como kéyword para uma reacção à sociedade?

não sei se faz falta haver mais música para chamar a atenção para o que está mal, o que se calhar faz falta é ouvintes que reajam a ela (…) Somos muito passivos


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OPINIÃO Carta a Salgueiro Maia Michelle Tomás O caro Capitao Salgueiro Maia nao deve fazer ideia daquilo que se passa em Portugal. Desiludir-se-ia se soubesse. Vejo em si a alternativa unica para mais uma necessaria mudança. Dito isto, tomo a decisao de lhe escrever e fazer um pequeno retrato daquele país que salvou ha 40 anos. Sei que sera um aborrecimento prescindir desse eterno descanso para vir a esta pequena e apatica miniatura peninsular. Se realmente tenciona iniciar algum tipo de revoluçao, aviso-lhe ja que nao pode começar na Escola pratica de cavalaria de Santarem – foi vandalizada, esta completamente destruída e deserta. A camara nao demonstra intençao de a reconstruir, pelo menos por enquanto – esta demasiado endividada e pretende continuar a endividar-se com a construçao de novas rotundas. Tudo para o bem da segurança rodoviaria e para a estetica citadina – nao me pergunte a logica disto: manias! Provavelmente nao sabe, e com o devido reconhecimento, todos celebramos o 25 de Abril como aquela data que foi princípio de mudança para um

país que vivera durante tantos anos sob um regime fascizante. Hoje considero, e repare que e so a minha opiniao (vale o que vale), que estamos apaticos e encostados a parede com medidas de austeridade que tiram a dignidade a muitas famílias. Fazemos manifestaçoes, sim. Repare bem que ate ja arrancamos as pedras da calçada para atirarmos a uma barreira de seguranças em frente a Assembleia da Republica. Veja la o senhor que facilitamos o trabalho e poupamos alguma mao-de-obra porque ha pouco tempo, decidiu-se acabar com a calçada portuguesa – ironia do destino. Um jovem da minha idade ja nao tem muita esperança no futuro profissional. A emigra-

A emigração, inevitavelmente, tornase a única alternativa. E repare que, muitas das vezes, não é por falta de vontade. Gostamos do nosso país.

çao, inevitavelmente, torna-se a unica alternativa. E repare que, muitas das vezes, nao e por falta de vontade. Gostamos do nosso país. Penso que a identidade nacional ficou-se pelos feitos que ja foram. O que sera ja foi. Admiramo-lo muito, sabe? A escola onde aprendeu as primeiras letras e hoje uma “escola museu” – a escola primaria de Sao Torcato de Coruche. Se nao tivesse la estudado possivelmente estaria no role de escolas que deveriam ser reconstruídas por causa do problema do amianto. Poderia continuar a desabafar, mas preferia faze-lo pessoalmente. Precisamos de si. Venha que tenho todo o gosto em oferecer-lhe um cafe. Nao sei se o nosso Presidente da Republica estara presente – ca para nos, ele nao e homem de muitas conversas. O Primeiroministro provavelmente estaria, se o convidassemos…mas penso que o senhor quer estar na companhia de gente seria. Responda, por favor, com a maxima urgencia.


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OPINIÃO

O longo [e tortuoso] caminho da Democracia Bernardo Lourenço

© João Abel Manta

O fim do Estado Novo consumado a 25 de Abril de 1974 atraves do golpe militar desencadeado pelo MFA (Movimento das Forças Armadas) foi o consumar da “cronica de uma morte anunciada”. Olhando em retrospectiva os ultimos 15 anos de regime, facilmente entendemos que a sua queda nao foi inesperada, tendo varios episodios acendido o rastilho de descontentamento entre a populaçao apesar da modernizaçao da economia atraves dos Planos de Fomento do Governo de Marcello Caetano e a tentativa de aproximaçao ao projecto europeu.

A passagem para o conflito armado, vulgo Guerra Colonial, em 1961, que levou milhares de soldados para o Ultramar, despedaçou famílias e os alicerces do Estado. Cerca de

Olhando em retrospectiva os últimos 15 anos de regime, facilmente entendemos que a sua queda não foi inesperada, tendo vários episódios acendido o rastilho de descontentamento entre a população

40% do Orçamento Geral do Estado estava reservado a defesa das colonias, sendo por isso um dos factores da queda do regime. Para alem disso, tambem contribuíram para o desmoronar do regime, a saída de Salazar da chefia do país, a crescente crítica internacional e nacional as possessoes ultramarinas, a par da diminuiçao da qualidade de vida das famílias que continuava significativamente abaixo do standard europeu da altura e por ultimo, o grande descontentamento de capitaes e milicianos que combatiam no Ultramar. Entrando numa narrativa de analise da revoluçao sob o ponto de vista da identidade


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nacional, podemos dizer que foi uma revoluçao com toques romanticos típicos dos portugueses… Ficamos com “Saudade” dos laços que criamos com os povos que colonizamos, querendo manter uma relaçao com eles e vice‐versa, ao mesmo tempo que, ao inves de disparar balas, optamos por colocar cravos nas Chaimites e nas armas de fogo… foram tiros de paz, rumo a um futuro cheio de esperanças em que todas as organizaçoes políticas e militares quiseram impulsivamente governar os destinos do país. Com o consumar da revoluçao a Junta de Salvaçao Nacional pos em pratica o programa do MFA, tendo como lema Democratizar, Descolonizar, Desenvolver… Basicamente eliminaram‐se as principais ferramentas do regime: a extinçao da PIDE/DGS, a libertaçao dos presos políticos e o início do processo descolonizador, cortando assim todos os laços

ao invés de disparar balas, optámos por colocar cravos nas Chaimites e nas armas de fogo… foram tiros de paz, rumo a um futuro cheio de esperanças

a Europa não foi o “El-dorado” que se pensava. Basta, fazer as contas… recebemos cerca de 80 mil milhões de euros em fundos, equivalente ao resgate e de 2011 com o Estado Novo. Nos dois anos posteriores a revoluçao, Portugal deu os primeiros passos rumo a Democracia e a integraçao na Europa. Foram momentos bastante conturbados, principalmente pela tentativa de instauraçao de um regime comunista em Portugal atraves do PREC, que so terminou com o mítico episodio de 25 de Novembro, pondo fim ao “Verao Quente de 1975”. Estabilizadas as condiçoes para a realizaçao das primeiras eleiçoes verdadeiramente livres, Portugal teve o seu primeiro Governo democratico em Julho de 1976, abrindo caminho para o concretizar do projecto do 25 de Abril. Criadas as fundaçoes para a democracia começou‐se a planear a forma de integraçao da economia portuguesa na Europa, tentando apanhar este comboio que nao mostrava

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OPINIÃO

sinais de abrandamento. Olhando em retrospectiva a adesao de Portugal a CEE em 1986, podemos dizer que a Europa nao foi o “El-dorado” que se pensava. Basta, fazer as contas…recebemos cerca de 80 mil milhoes de euros em fundos, equivalente ao resgate e de 2011. Este facto elucida‐ nos do desastre que foi a integraçao de um tecido economico com potencialidades interessantes (porta de entrada da America do Sul e Africa), que contava com um dos maiores portos de agua profundas do mundo (Sines), num projecto em que so os países com maiores posses conseguiram verdadeiramente vingar. Num espectro global, o 25 de Abril foi talvez a maior obra de coragem e de esperança que temos memoria desde a epoca dos descobrimentos. Em suma, fomos fazendo “zapping” de Governos, recebendo fundos, sem nunca parar para construir um projecto solido… talvez, olhando para tras e recortando da historia os episodios em que soubemos ir “alem da Taprobana” e demos “novos mundos ao mundo” fosse um bom exercicío, mas nunca nos demos a esse esforço… Caímos num vazio de futuro ao mesmo tempo com uma miríade de sonhos.


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OPINIÃO

A Revolução também se faz a rir José Paiva Herman Jose tambem foi Capitao de Abril, so que alguns anos depois. Pena que nos tenhamos esquecido disso. Em 1987, lança-se “ Humor de Perdiçao”, um programa humorístico televisivo, criado por Herman Jose, com um elenco de fazer inveja a qualquer dos “novos” conteudos comicos do seculo XXI, incluindo a actriz Ana Bola, Miguel Guilherme, Virgílio Castelo ou Victor de Sousa. Para alem destas verdadeiras estrelas televisivas, este programa contou ainda com Miguel Esteves Cardoso ou Carlos Paiao. Ja chega para vos convencer, ou nao? A voces certamente, mas a RTP 1 nao. Em 1988, a emissao de tres “Entrevistas Historicas ” foram subitamente interrompidas tornando-se este o primeiro episodio polemico na vida de Herman Jose. De sublinhar o facto de se passarem ja 14 anos desde o 25 de Abril. 14 anos. Este ano celebramos 40 anos de uma revoluçao que faz parte dos anais da nossa historia mas que ainda assim nao surtiu todos os efeitos que esperavamos. No humor, Her-

man nunca baixou os braços e deixou-nos um legado ignorado por alguns, como parte dos novos humoristas tanto gostam de fazer, mas que perdura. Assim, consegue deixar bem assente que a nossa comedia foi silenciada durante a tempestade salazarista, contudo, viveu tempos aureos logo apos a famosa cadeira pregar uma partida ao nosso líder de voz fininha. Se Herman Jose foi um dos, por mim apelidado claro, “Capitao de Abril”, porque e que hoje, quando ligamos a televisao, ou iniciamos uma pesquisa de vídeos no Youtube sao poucos os conteudos

Esta revolução não se fez só de espingarda na mão e cravo no cano. Não se fez só de grandes discursos e palavras que ditaram um caminho feliz. Fez-se de homens que quiseram que nos continuássemos a rir

inspirados nas suas proprias obras? Porque e que largamos verdadeiros tesouros como os livros e publicaçoes de Rafael Bordalo Pinheiro, as pinturas de Ze Penincheiro ou os cartoons, de tantos e tantos, como Joao Abel Manta ou Vasco de Castro? Para onde foram tantos anos de luta humorística que denunciaram os malfeitores e os corruptos, os ladroes e os abastados, ou que nos trouxeram figuras como o Ze Povinho? Esta revoluçao nao se fez so de espingarda na mao e cravo no cano. Nao se fez so de grandes discursos e palavras que ditaram um caminho feliz. Fez -se de homens que quiseram que nos continuassemos a rir e que nao perdessemos uma das coisas em que somos melhores (exceptuando os ingleses com os Monty Python) : a Comedia. Este ano celebram-se 40 anos de liberdade e esta na altura de repensar se nao devemos recuar um pouco, cortar nos excessos vazios daquilo que se subentende por Humor e trazer de volta os Jose Esteves e as Maximianas desta vida.


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HUMOR

Tó Pê e a Revolução Republicana Dário Moreira

Na altura não reparei, com os meus 12 anos, que Paulo Vintém é imortal. Este fenómeno merece ser estudado. Quem comia morangos com açucar deve lembrar-se de To Pe, um dos integrantes dos D´zrt. A personagem era interpretada por Paulo Vintem. Ate aqui, nada de anormal. Fez um papel representativo daquilo que e o adolescente portugues. Apenas falhou numa parte. Os adolescentes portugueses do Seculo XXI nao celebraram a vitoria republicana porque esta aconteceu a 5 de Outubro de 1910. Nao e por serem mo-

narcas, e por nao estarem vivos naquela epoca. Aquilo que mais me custa e ter sido ingenuo. Na altura nao reparei, com os meus 12 anos, que Paulo Vintem e imortal. Este fenomeno merece ser estudado. Alias, Paulo pode ter informaçoes ineditas sobre a historia de Portugal. Bem me lembro agora que, numa tarde de Sexta, cheguei a casa e mudei para a TVI. Estava o To Pe a falar bem do Teofilo Braga

ao ouvido do Ze Milho, numa das aulas de dança. Entretanto, entra o To Jo em cena e diz que aposta uma perna de presunto em como o Teofilo acabou o mandato em 1911. Estavam todos os bréakdancérs a insistir na data de 59 56. To Pe nao aceitou a aposta e agora percebo porque. Ele sabia, ele esteve la. Tambem me pareceu ve-lo nas pinturas do antigo Egipto, mas ainda nao posso confirmar.


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HUMOR

Me, Your Selfie and I Dário Moreira Doença das vacas loucas, Pneumonia atípica, Gripe das aves e Selfies, sao as doenças do Seculo XXI. Abordo aqui a ultima pelo seu nível de agressividade. O Ministerio da Saude recomendou cuidado ao cidadao quanto ao surto selfatico. Este vírus aparece de surpresa. Ha relatos de pessoas que estavam a viver a sua vida tranquilamente quando, de forma inesperada, as suas maos agarram num telemovel e tiram uma fotografia com a camara frontal. Reparem na inteligencia do SN1H78EH (nome científico da doença). Ha cuidados a ter, pois ja se contabilizam 7 bilioes de pessoas que gostam demasiado delas proprias. Ate que a situaçao normalize, os governos estipularam duas alternativas: 1) Os humanos destroem todos os aparelhos electronicos que possuem; 2) Os humanos bebem tres shots de absinto. Assim, a Selfie fica desfocada e ninguem se chateia. Isto, obviamente, nao elimina o vírus mas ajuda a espantar. Um outro problema que surge, inclusive em Portugal, centra-se no bolso dos que

aqui vivem. Varios economistas alegam que o nosso país pode vir a ser pobre. Pode ate perder, num curto-prazo, a auto-suficiencia economica invejada por tantos outros. Se pensarmos bem, encontramos a logica. O dinheiro sai-nos do

bolso porque o telemovel precisa do seu espaço. Um sabio disse-me uma vez que as notas do futuro serao anas e que os telemoveis serao jogadores de basquetebol. Nessa altura, sera cada um por si ou Mé, Your Sélfié and I.


“Canções de Intervenção”: 1. Bob Dylan, “The Times They Are a-Changin’! (1964) 2. Caetano Veloso, “Alegria, Alegria” (1967) 3. Gil Scott-Heron, “The Revolution Will Not Be Televised” (1970) 4. Sérgio Godinho, “Que Força É Essa?” (1971) 5. Zeca Afonso, “Grândola Vila Morena” (1971) 6. Paulo de Carvalho, “E Depois do Adeus” (1974) 7. The Clash, “White Riot” (1977) 8. Bob Marley, “Redemption Song” (1980) 9. José Maria Branco, “FMI” (1982) 10. Patti Smith, “People Have the Power” (1988) 11. Public Enemy, “Fight The Power” (1988) 12. Rage Against The Machine, “Killing In The Name” (1992) 13. The White Stripes, “The Big Three Killed My Baby” (1999) 14. Valete, “Fim da Ditadura” (2005) 15. Da Weasel, “Negócios Estrangeiros” (2008) 16. Deolinda, “Parva que Eu Sou” (2011) 17. B Fachada, “Deus, Pátria e Família” (2011) 18. Boss AC, “Sexta-Feira (Emprego Bom Já)” (2012) 19. Virgem Suta, “Exporto Tristeza” (2012) 20.Diabo na Cruz, “Vida de Estrada” (2014)


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