Revista Poder & Cultura V.3 N.6

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Assim sendo, aconteceu que Protério não pôde se estabelecer por muito tempo. Em 453 faleceu Pulquéria e, quatro anos depois, em 457, seu esposo, o Imperador Marciano. Vieram então ao interior de Alexandria uma girafa, um búfalo e outros animais selvagens: presságio nada auspicioso.41 Em 454 os coptas elegeram para si um patriarca paralelo e não-conformista, Timóteo, um homem franzino, que recebeu o epíteto de Ailourus ou Aelurus, que, dependendo do contexto, pode significar tanto gato quanto fuinha. Monge de regra estrita, pertence ao Mosteiro de Qalmon, Timóteo estava firmemente ancorado na tradição teológica alexandrina; havia sido ordenado padre por Cirilo, acompanhado Dióscoro no Segundo Concílio de Éfeso e a ele permanecido fiel depois da condenação determinada em Calcedônia, motivo pelo qual foi exilado para a Líbia. Talvez conhecesse bem Protério, e parece ter alimentado não só contra ele, mas contra tudo o que lhe parecesse nestoriano, um ódio fanático. De acordo com o Pseudo-Zacarias, ele foi elevado às ordens sagradas contra a sua vontade, em função do mandado de uma voz divina que foi ouvida pelos alexandrinos.42 Por outra parte, um de seus detratores escreveu que, voltando secretamente a Alexandria logo após a morte de Marciano, ele se infiltrava nos mosteiros durante a noite e, ainda antes do amanhecer, apresentava-se aos religiosos como se fosse um anjo e exortava-os a se revoltarem contra a autoridade de Protério.43 É ainda controverso, contudo, o papel efetivo que ele teve nos eventos que se seguiram.44

Revista Poder & Cultura, Rio de Janeiro, Vol. 3, Nº 6, pp. 60-100, Jul.-Dez. 2016 | www.poderecultura.com

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poderosos, e, sendo egípcios por raça, todos eles nativos, sem um estranho entre eles, não podiam inclinar seus corações para ele [i.e. o Imperador Heráclio e/ou o Concílio de Calcedônia]. Por esta razão, quando o Papa Benjamin retornou do Alto Egito, assumiu sua residência com eles, porque tinham mantido a fé ortodoxa, e nunca tinha desviado dela.” EVETTS, op. cit., p. 498. O grifo é meu. 41 TEÓFANES, op. cit., 169. 42 PSEUDO-ZACARIAS, op. cit., T. 3, §1, p. 63. 43 TEÓFANES, op. cit., p. 169. Esse tipo de expediente não era então inédito na história do cristianismo egípcio. Cf. p. ex. LACARRIÈRE, op. cit., p. 154: São Shenouda de Atripé, também dito o Arquimandrita ou o Grande (347-465), um dia “manda vir um camponês de uma aldeia distante, veste-o suntuosamente, manda-o ler os Salmos em plena igreja e quando os monges, extasiados, lhe perguntam: ‘Quem era esse desconhecido?’, Canúcio [Shenouda]responde: ‘Era David em pessoa que veio ler seus Salmos!’ § De outra feita, eis os monges acordados em plena noite pelo ‘chamado’. Todos acorrem à igreja: lá encontram três personagens de rosto encoberto que dão a volta na igreja em silêncio antes de se perderem na noite. E Canúncio lhe explica: ‘Era, São João Batista, Elias e Eliseu vindos do céu para ver como vós vivíeis!’ § Em outra ocasião ainda, como um monge lhe perguntasse por que ele mandava ler o Apocalipse todos os sábados à tarde, Canúncio respondeu: ‘Porque um anjo me disse recentemente: ‘Nó céu, nós lemos o Apocalipse todos os sábados à tarde!’” 44 JOÃO DE NICIU, op. cit., p. 111. JENKINS, op. cit., pp. 248-249. BRIGHT, William. Timotheus Aelurus. In: WACE & PIERCY, op. cit., pp. 988-989. SPANEL, Donald B. Timothy II Aelurus. In: ATIYA, Aziz S.; ATIYA, Lola; TORJESEN, Karen J. & GABRA, Gawdat (orgs.). The Coptic Encyclopedia Claremont. Claremont: CGU School of Religion, 1991. Disponível online: <http://tinyurl.com/h8v2r24>. Acesso em 23 set. 2016.


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