22.ª edição da revista digital Plural&Singular

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SAÚDE E BEM-ESTAR

“Às vezes ele chateia-me um bocado”, refere Patrícia. Contou inclusivamente que o Carlitos, como lhe costuma chamar, chegou a namorar “uma menina lá de cima [sede da Cercigui]”. Mas Carlos deita por terra a réstia de ciúmes que Patrícia vai ainda demonstrando quando diz: “Amor, eu amo-te”. Também ele assume ter “um bocadinho” de ciúmes e “vai ao ar” com uma amiga de ambos que “se mete no meio” e faz muitos comentários. “E eu não gosto”, admite Carlos. “Fora isso ela não faz nada”, garante Patrícia. O Centro de Atividades Ocupacionais e Lar Residencial Alecrim da Santa Casa da Misericórdia de Guimarães, distrito de Braga, tem 17 clientes - “três deles vão dormir a casa, os restantes residem no lar” – e a maioria tem idade avançada o que explica, segundo a diretora técnica do Alecrim, Luísa Rocha, o facto de, no dia-a-dia estas questões parecerem “adormecidas” e não constituírem desafios maiores para a instituição. “Temos o caso de um utente e de uma utente que dizem que namoram. E a verdade é que o utente quando vai a casa traz flores e presentes. Mas não passa disso. Nunca houve necessidade de lhes explicar o que era um relacionamento porque têm um relacionamento que parece de criança”, refere Luísa Rocha. Limitam-se a querer “estar mais próximos um do outro” nas atividades e assumem-se namorados. Acabam por passar despercebidos porque “de uma forma geral dão-se todos muito bem e têm todos uma relação muito próxima”. “Os mais autónomos protegem os mais dependentes”, acrescenta a diretora técnica. Luísa Rocha diz que “a sociedade ainda precisa de abrir muito a mente, sobre este tema e de uma forma geral sobre a deficiência”. “A sensação que eu tenho é que as pessoas olham para eles como coitadinhos, outras vezes afastam-se. Deve-se lidar com a deficiência com naturalidade porque faz parte da vida, mas as pessoas não conseguem. Os clientes do Alecrim lidam tão bem com o que têm e são felizes. Eles dão-nos mais do que o que pedem”, termina.

Os irmãos de ambos – Carlos tem um e Patrícia tem três - convivem bem com o namoro do casal de clientes da Cercigui. “O meu problema é a minha mãe que não aceita”, avança Patrícia Oliveira. “Eu tenho aqui [no telemóvel] fotografias e ela diz assim ‘Quem é esse?’ e eu digo ‘O que é que tem?’”, conta. A jovem não sabe porque é que a mãe reage assim, mas o sorriso que faz quando fala do assunto manifesta a naturalidade com que aceita a reação da mãe à existência desta paixão na vida de Patrícia. “Eu gosto dele, eu amo-o. Só quero aos domingos passear com ele. Os pais dele é fácil, gostam muito de mim. ‘És a minha norinha’. Já a minha mãe não é assim”, lamenta. Mas não perde a esperança que a mãe um dia aceite o relacionamento. “Até a minha sobrinha diz: ‘Ó avó, um beijo, qual é o mal? Dantes era à janelinha, agora já não é” [risos].

Os mitos e preconceitos continuam a existir. O estigma, o comunicar sobre a intimidade, os medos da família, continuam a persistir. Há namoros assumidos na instituição e nas famílias. E há outras situações em que as famílias têm maiores dificuldades em aceitar. Respeitamos e procuramos que cada jovem viva os seus afetos”. Carla França Patrícia Oliveira é de Campelos. Carlos Martins é de Ronfe. Têm 37 anos. “Eu faço a 30 de agosto”, diz a Patrícia. “Eu faço no dia 11 de abril”, atira o Carlos. Ela é virgem e ele carneiro, mas não sabem nada sobre signos e nem se preocuparam em procurar compatibilidades no zodíaco quando começaram a perceber que o que sentiam ultrapassava as fronteiras da amizade.

Carlos Martins trabalha um dia por semana na empresa Guimanos a dobrar a roupa e Patrícia Oliveira na Alfa como ajudante de cozinha.

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