Abril na Copa

Page 1

especial

como o mUNDo vê o país do futebol

NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE

edição

“zico admitiu: merecíamos ganhar”

Paolo Rossi, o carrasco do Brasil na Copa de 1982

“se eu fosse jogar futebol, seria goleiro” Tom Brady, marido de Gisele Bündchen, o craque da bola oval

“neymar pode superar rivaldo e os ronaldos” Ferran Adrià, o Messi das panelas e torcedor do Barcelona

MAIS RIcky MARTIN * ARIANNA huffINgTON * jAMIE OlIVER * RIcARDO DARíN Capa_edicao_ok.indd 1

11/4/13 11:52 PM


558403.indd 2

4/11/2013 19:06:27


558403.indd 3

4/11/2013 19:06:29


edição

2 x 0 para nós

expediente sumario.indd 4

Capa ilustração Daniel rossini sobre foto latinstock

L

ançada em junho de 2013, a primeira Edição Especial ABRIL NA COPA marcou um gol de placa: com 4 milhões de exemplares, a revista cravou a maior tiragem da história da imprensa brasileira. Esse número coroou a primeira fase do Projeto Abril na Copa, pontuado pela cobertura jornalística da Copa das Confederações. Tanto nas revistas Abril como em suas versões digitais e na Elemidia, foram apresentados conteúdos ligados ao evento-teste que antecede o Mundial de 2014, adaptados a cada perfl de leitor e de leitora. Esta Edição Especial ABRIL NA COPA nº 2 signifca outro golaço, quase como um repeteco, por alcançar mais uma vez a impressionante tiragem de 4 milhões de exemplares, a serem distribuídos aos leitores e assinantes Abril. Se na publicação anterior reunimos um time de 26 grandes brasileiros para explicar o futebol e a Copa do Mundo — Luiz Felipe Scolari, João Ubaldo Ribeiro e Cesar Cielo foram alguns dos editores convidados —, desta vez contamos com 19 craques estrangeiros. Cada um à sua maneira, Ricky Martin, Paolo Rossi, Ferran Adrià, Arianna Hufngton e Jamie Oliver, entre outros, falam de Copa do Mundo, de futebol, de legado e de Brasil. Boa leitura!

11/4/13 11:53 PM


EsPECIAl

Fundada em 1950

VICTOR CIVITA (1907-1990)

ROBERTO CIVITA (1936-2013)

Conselho Editorial: Victor Civita Neto (Presidente), Thomaz Souto Corrêa (Vice-Presidente), Elda Müller, Fábio Colletti Barbosa, José Roberto Guzzo

6 Futebol e guerra Num clique da National Geographic,

crianças jogam bola em um campo de guerra no Sudão do Sul

10 O amigo de Maradona O ator Ricardo Darín torce por um novo encontro em Brasil e Argentina na Copa

Presidente: Fábio Colletti Barbosa Vice-presidente de Operações e Gestão: Marcelo Vaz Bonini Diretor-Superintendente de Assinaturas: Fernando Costa Diretora de Recursos Humanos: Cibele Castro Diretora-Superintendente: Helena Bagnoli Diretor Adjunto: Dimas Mietto

12 Ele fez o Brasil chorar Paolo Rossi também nunca vai se esquecer daquela tarde em Sarriá

16 O craque e a top Tom Brady, marido de Gisele

Bündchen, fala de futebol (o nosso, não o americano)

18 Menudo em campo Ricky Martin e o dia

em que cantou na fnal da Copa do Mundo de 1998

20 Meio de campo O futebol segundo Roberto Leal, Jamie

Oliver, Paul Thomson (Franz Ferdinand) e Roland de Bonadona

24 O Barça e eu O chef Ferran Adrià relembra seis grandes momentos da história do melhor time do mundo

26 O legado - parte I Joshua David cita o exemplo de Nova York, que ganhou muito ao não sediar a Olimpíada 2012

29 O legado - parte II Lorde Sebastian Coe fala das

conquistas de Londres, um ano depois da Olimpíada 2012

32 O gringo e os boleiros Alex Bellos e sua teoria acerca dos nomes dos jogadores brasileiros

34 A copa digital Arianna Hufngton diz que depois

Diretor de redação: Sérgio Xavier Filho

Editor-chefe: Miguel Icassatti CTI: Eduardo Blanco (supervisor) Marketing: Tiago Afonso (diretor), Bruno Rigos da Rocha, Felipe Sintra Santana, Felipe Prioli Colaboraram nesta edição: Augusto Olivani, Felipe Machado (edição), Celbi Pegoraro, Fernanda Fonseca, Fernanda Massarotto (reportagem), Aline Leme (projeto gráfco e direção de arte), Luciano Araujo (edição de arte)

Redação e Correspondência: Av. das Nações Unidas, 7221, 7º andar, Pinheiros, São Paulo, SP, CEP 05425-902, tel. (11) 3037-2000 Publicidade São Paulo e informações sobre representantes de publicidade no Brasil e no Exterior: www.publiabril.com.br

PUBLICAÇÕES DA EDITORA ABRIL: Almanaque Abril, AnaMaria, Arquitetura & Construção, Aventuras na História, Boa Forma, Bons Fluidos, Capricho, Casa Claudia, Claudia, Contigo!, Dicas Info, Elle, Estilo, Exame, Exame PME,Guia do Estudante, Guias Quatro Rodas, Info, Manequim, Máxima, Men’s Health, Minha Casa, Minha Novela, Mundo Estranho, National Geographic, Nova, Placar, Playboy, Publicações Disney, Quatro Rodas, Recreio, Runner’s World, Saúde, Sou Mais Eu!, Superinteressante, Tititi, Veja, Veja BH, Veja Brasília, Veja Rio, Veja São Paulo, Vejas Regionais, Viagem e Turismo, Vida Simples, Vip, Viva!Mais, Você S.A., Você RH, Women’s Health Fundação Victor Civita: Gestão Escolar, Nova Escola. ABRIL NA COPA é uma edição especial da revista PLACAR nº 1385 (ISSN 0104.1762), ano 43, dezembro de 2013, publicada mensalmente pela Editora Abril, e circula gratuitamente. Distribuída em todo o país pela Dinap S.A. Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo. PLACAR não admite publicidade redacional.

Serviço ao Assinante: Grande São Paulo: (11) 5087-2112 Demais localidades: 0800-775-2112 www.abrilsac.com Para assinar: Grande São Paulo: (11) 3347-2121 Demais localidades: 0800-775-2828 www.assineabril.com.br IMPRESSA NA GRÁFICA ABRIL

Av. Otaviano Alves de Lima, 4400, Freguesia do Ó, CEP 02909-900, São Paulo, SP

da Copa as redes sociais não serão mais as mesmas

35 Isto foi Pelé Jef e Michael Zimbalist, produtores da

cinebiografa do Edson, indicam documentários futebolísticos

36 Diante da mesquita O cineasta Abbas Kiarostami fala da paixão dos iranianos pelo futebol

37 Crônica Matthew Shirts conta um causo inesquecível da cobertura da Copa de 1994

38 A volta do malandro Depois de 52 anos,

republicamos uma HQ em que Zé Carioca joga no Pacaembu

expediente sumario.indd 5

Conselho de Administração:

Giancarlo Civita (Vice-Presidente), Esmaré Weideman, Hein Brand, Roberta Anamaria Civita, Victor Civita Neto Presidente: Fábio Colletti Barbosa www.abril.com.br

11/4/13 11:53 PM


Um drible na guerra

O fotรณgrafo cubano Raul Touzon encontrou alegria no rosto das crianรงas que jogavam bola em um campo minado no Sudรฃo do Sul

Foto_national-geographic.indd 6

11/4/13 11:21 PM


E

m maio de 2011, a população do Sudão do Sul ainda vivia debaixo de todo tipo de violência, às vésperas da separação em relação ao Sudão. Dois meses antes da independência, a cidade de Malakal havia sofrido um ataque de milicianos, no qual morreram 40 pessoas. Como aconteceu em outros países do continente, a exemplo de Angola e Moçambique, a guerra civil deixou um inimigo bem debaixo dos pés de crianças como as da foto destas páginas: um antigo campo minado, sobre o qual elas jogam futebol. Detectar e remover essas bombas subterrâneas é um processo lento e caro — para um país em que apenas 25% da população tem acesso a serviços básicos de saúde, falta dinheiro para extingui-las. Por ter se tornado um país apenas em julho de 2011, o Sudão do Sul nunca disputou uma competição oficial e realizou apenas quatro jogos (ocupa a 205ª posição no ranking da Fifa, entre 207 nações), mas deseja disputar as Eliminatórias para a Copa de 2018. Raul Touzon (Santiago, Cuba, 1959) é fotógrafo e colaborador da National Geographic. Cobriu as ações da ONU no Sudão em 2011, o que lhe rendeu o livro Sudan – The Price of Peace, The Price of War.

Foto_national-geographic.indd 7

11/4/13 11:21 PM


582764.indd 8

4/11/2013 19:06:55


582764.indd 9

4/11/2013 19:06:56


O amigo de Diós

O ator Ricardo Darín relembra suas Copas inesquecíveis, os duelos Brasil x Argentina e a amizade com Maradona Depoimento a Augusto Oliviani

ricardo darin_dupla.indd 10

jORgE BiSPO

Ricardo Darín

(Buenos Aires, Argentina, 1957) é ator. Foi protagonista de O Segredo de Seus Olhos, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010, e Um Conto Chinês. Ele se diz torcedor do San Lorenzo e do River Plate

11/4/13 11:35 PM


bob tomas

lemyr martins

Quando fomos vice-campeões na Itália, em 1990, Brasil e Argentina duelaram mais uma vez, num jogo muito disputado. Ao tocar a bola para Caniggia marcar, Diego foi decisivo de novo”

ricardo darin_dupla.indd 11

Meu gol preferido é o segundo de Maradona contra a Inglaterra em 86 — o primeiro foi o da “mano de Diós”. Somos amigos há 30 anos. Ele me deu uma camiseta que, apesar de gasta, é um talismã”

rich schultz/getty images

pedro martinelli

As Copas da minha vida são as de 1978 e 1986, em que fomos campeões. Em 1978, a partida contra o Brasil — a Batalha de Rosário — foi especialmente tensa, mas éramos muito melhores”

Estamos bem preparados para o Mundial! A equipe é ótima e gosto do meio-campo e do ataque com Messi, Higuaín, Di María e Lavezzi. Seria bonito termos uma final entre Argentina e Brasil” o

11/4/13 11:35 PM


rEgInAldO MA nEnTE/AgênC IA EsTAdO

eu fiz o brasil chorar

O eterno carrasco Paolo Rossi conta o outro lado da história do Mundial da Espanha, em 1982 Entrevista a Fernanda Massarotto, em Milão

Paolo Rossi, (Prato, Itália, 1956),

ex-jogador de futebol, é comentarista de TV. Fez 48 partidas pela seleção da Itália e marcou 20 gols. Atuou nas Copas da Argentina (1978) e da Espanha (1982). Criança, era fã da Fiorentina, mas passou a torcer para a Juventus quando jogou pela equipe.

O que representou aquele título da Copa de 1982 para vocês, italianos? Muito. Muito mesmo. Não só para nós, jogadores, mas para o país. Óbvio que para nós teve um gosto especial, até mesmo pelo modo como vencemos. Passamos literalmente para a história. Não quero dizer que a vitória do time de 2006 não tenha sido importante. Mas aquela seleção de Enzo Bearzot venceu de modo convincente, espetacular e marcou uma época. Basta lembrar como foram os últimos quatro jogos da Copa da Espanha. Galopamos rumo à final. A arrancada começou na vitória por 2 x 1 contra a Argentina nas quartas de final? O jogo contra a Argentina, com certeza, era o mais importante até aquele momento. E aquela vitória nos ajudou a ver nossa força como grupo. Nossas três primeiras partidas foram fracas [empates contra Polônia, Peru e Camarões]. Ali contra os argentinos era como encarar o exame vestibular. A Argentina era a campeã da Copa anterior, um adversário duro. Ou passávamos ou voltávamos para casa. E o que o senhor lembra do jogo contra o Brasil? Sabíamos que tínhamos a difícil tarefa de jogar contra o melhor time do mundo. Entramos em campo acreditando que podíamos ganhar [o empate daria a classificação à semifinal para o Brasil]. Essa era nossa força: acreditar. Aquela seleção tinha jogadores de personali-

edição especial abril na copa

paolo rossi.indd 12

rICArdO ChAVEs

VEnTurEllI

a

té o dia 5 de julho de 1982, quando Brasil e Itália disputariam uma vaga à semifinal da Copa do Mundo da Espanha, o atacante Paolo Rossi não havia feito nenhum gol no torneio. Os italianos tinham marcado quatro gols nos quatro primeiros jogos, enquanto o Brasil já havia balançado as redes 13 vezes. De acordo com as regras daquele Mundial, as quartas de final eram disputadas em quatro grupos de três países. Brasil e Itália haviam vencido a Argentina, respectivamente, por 3 x 1 e 2 x 1. Por isso, ao Brasil bastava empatar. Mas Rossi marcou os três gols do triunfo italiano — ele faria ainda os dois da vitória contra a Polônia na semifinal e o primeiro na final contra a Alemanha. O resto, bem, não gostamos muito de lembrar. Mas há o outro lado dessa história, e Paolo Rossi conta os melhores momentos nesta entrevista exclusiva à Edição Especial ABRIL NA COPA. Passados 31 anos, Rossi se surpreendeu com a boa acolhida no Brasil em junho passado, quando veio trabalhar como comentarista para a TV italiana durante a Copa das Confederações. “Fui parado por várias pessoas na rua, todas muito gentis”, diz. Uma reação bem diferente da vivida em 1989, no Rio de Janeiro, quando o motorista quis expulsá-lo de um táxi. “É compreensível, a derrota estava muito fresca”, reconhece Rossi, cuja biografia Ho fatto piangere il Brasile, lançada na Itália em 2002, relembra justamente aquele 3 x 2. Eu fiz o Brasil chorar é o título em português.

12

11/4/13 11:28 PM


dade e talento — Gentili, Tardelli, Scirea, Zoff, Cabrini —, acostumados a grandes disputas e vitórias. Entramos em campo sem ansiedade e sem medo, mas com muito respeito aos brasileiros. E ganhamos.

corbis

stado

Qual dos seus três gols naquele jogo é o preferido? Sem dúvida nenhuma, o primeiro. Eu vinha de um período de dois anos sem jogar. Aquele gol me tirou um peso das costas. É o mais importante da minha carreira. Muito se esperava de Paolo Rossi. E ali eu me libertei. Sem falar que mais nenhum jogador conseguiu a proeza de fazer três gols contra o Brasil em uma mesma partida.

pedro martinelli

omega tartaglia

Na página ao lado, o choro histórico do garotinho. Nesta, Rossi em jogo da Juventus, cenas do tri da Itália e, abaixo, o primeiro gol contra o Brasil

paolo rossi.indd 13

A seleção italiana de 1982 chegou à Copa desacreditada. O mesmo aconteceu com o time campeão do mundo de 2006, depois do escândalo de manipulação de resultados em jogos do campeonato do país. Esse tipo de situação mexe com o brio dos jogadores? Esse tipo de comportamento diante do descrédito faz parte da nossa cultura. Quando deve disputar um jogo ou uma competição importante, a Azzurra dá o melhor de si. Quanto mais difícil for o desafio, maior é o nosso orgulho, a nossa força, a nossa garra. Tanto em 1982 como em 2006, ambas as seleções saíram do país muito criticadas: pouca confiança da torcida, resultados abaixo do esperado, escândalos envolvendo jogadores. Fomos tocados com vara curta. Aí se viu a grande força, a união dos jogadores. Para resumir, nós, italianos, nos momentos cruciais, arregaçamos as mangas. Depois da Copa de 1982, craques brasileiros como Sócrates, Zico e Cerezo — além de Falcão, da Roma — foram jogar na Itália. O senhor chegou a conversar com eles sobre o jogo? De todos eles, o único com o qual eu falava e ainda falo é Falcão, que considero um amigo. Conversávamos bastante, mas o tema Sarriá não era de grande interesse para ele. Um dos momentos marcantes daquele jogo foi a expressão de Falcão quando marcou o segundo gol. Ele parecia possuído [risos]! Em algumas ocasiões encontrei Zico. Tenho certeza de que aquela derrota foi muito dolorosa para ele, que sempre admitiu que jogamos melhor aquela partida e que merecíamos ganhar. o

11/4/13 11:28 PM


582752.indd 14

4/11/2013 19:07:18


582752.indd 15

4/11/2013 19:07:19


Torcedor por um dia O americano Tom Brady fala do “outro” futebol e da experiência de ter ido a um jogo do Brasil em companhia da mulher, Gisele Bündchen Depoimento a Miguel Icassatti

Tom Brady em ação: o craque do New England Patriots

Tom_brady.indd 16

jim rOGash/Getty imaGes

T

ive o prazer de assistir ao amistoso entre Brasil e Portugal no último dia 10 de setembro, em Boston, e fiquei surpreso com o desempenho dos jogadores. Pude ver pessoalmente como eles são rápidos e ágeis. Gostei de ser torcedor por um dia e ver o Gillete Stadium lotado para prestigiar “o outro” futebol. Fiquei impressionado com as jogadas e a maneira com a qual os atletas passam

11/4/13 11:24 PM


a bola entre si. Minha mulher já havia me falado sobre a seleção brasileira antes do jogo, então foi emocionante ver tudo isso na prática, em campo. Gosto de jogar qualquer tipo de esporte com meus dois filhos [John, 5 anos, do primeiro casamento, e Benjamin, 3, com Gisele Bündchen]. Eles amam futebol, então, quando temos chance, saímos para dar uns chutes. Como não sou o cara mais rápido do mundo, acho que se eu fosse um jogador profissional me escalariam como goleiro.

Seleção

Minha mulher me mantém informado sobre a seleção brasileira, mas também gosto de acompanhar o time do meu país sempre que eu posso. A expectativa com a seleção americana em relação à Copa é alta, e há uma boa razão para isso. O time tem mostrado ao longo dos últimos cinco anos que tem capacidade para jogar de igual para igual e ganhar das melhores equipes do mundo.

BoStoN GloBE

Em família

Tom e Gisele: acima, com Benjamin; e com Pelé, antes do jogo Brasil x Portugal

TOM BRADY

(San Mateo, EUA, 1977) é jogador do New England Patriots, time de futebol americano. Marido da modelo Gisele Bündchen, torce para o New England Revolution.

Tom_brady.indd 17

Copa de 1994: Brasil 1 x 0 EUA

Não assisti a nenhum jogo da Copa de 1994 no estádio, mas lembro que foi um período muito animado. Estávamos avançando no torneio até a derrota para o Brasil, que seria o campeão. É sempre uma honra ser o palco de um esporte tão popular. Espero que a Copa do Mundo volte aos Estados Unidos em breve.

Eu queria ser Joe Montana

divUlGAção

Times do coração

Como o New England Patriots — a equipe em que jogo — divide o estádio com o New England Revolution, time que disputa a MLS [Major League Soccer, o campeonato americano de futebol], torço muito para que sejam

bem-sucedidos. Eles têm um time muito competitivo e é divertido assistir aos jogos. Também acompanho o Campeonato Inglês, que tem partidas sempre empolgantes. Gostei de ter visto o Clint Dempsey, ex-jogador do Revolution e agora no Seattle Sounders, ter jogado tão bem no Tottenham nos últimos dois anos. No Brasil, minha mulher torce para o Grêmio. Nunca tive a chance de ver uma partida pessoalmente, mas já vi o clube pela TV.

Sei que todo garoto cresce querendo ser Neymar, Messi ou Beckham. Quando eu era criança, minhas irmãs sempre levaram o esporte muito a sério, então minha única preocupação era ser um atleta tão bom quanto elas. Meu pai me levava a jogos do San Francisco 49ers e eu naturalmente acabei querendo ser como o Joe Montana [ex-jogador profissional de futebol americano, ganhou quatro vezes o Superbowl]. Eu adorava sua elegância e a frieza com que comandava o time. o

11/4/13 11:24 PM


Las copas de mi vida Ricky Martin explica sua relação com o futebol e recorda o dia em que cantou para 1 bilhão de pessoas na final de um Mundial

a Ricky_martin.indd 18

OMAR CRUZ

OMAR CRUZ

Depoimento a Felipe Machado

música é um fenômeno universal, assim como o futebol. Podemos ser completos estranhos, mas no momento em que chegamos a um bar para assistir a um jogo, nos tornamos um só. Torcemos, gritamos, cantamos por nossos times. É um sentimento que realmente aproxima as pessoas, independentemente da idade, nacionalidade, edição especial abril na copa

religião ou cultura. Assim como a música. Amo o futebol, a atmosfera da torcida e a intensidade do jogo. Gosto de ver o Neymar — ele é uma máquina! — e também admiro Messi, o colombiano Falcao García e o Cristiano Ronaldo. Sou amigo de muitos jogadores profissionais e nos últimos anos estive em diversas partidas na Europa e na Améri-

18

11/4/13 11:26 PM


PaScal geoRge /afP image foR um

DivulgaçÃo

cRiSTiNa gRaNaTo

Ricky Martin, o Brasil e o futebol: na primeira vez que veio ao Brasil com o Menudo, nos anos 80 (acima, à esq.); quando conheceu Pelé (ao centro) e durante o show na final da Copa do Mundo da França, em 1998

ca Latina. Quando eu era criança, embora jogasse futebol na escola, em Porto Rico, não fui a muitos jogos, porque desde a época do Menudo o meu tempo foi dedicado totalmente ao trabalho. No auge do Menudo, acompanhei minha primeira Copa, a do México, em 1986, pela TV. E entendi a sua importância. Hoje, mesmo quando estou em turnê, reservo um tempo para ver as seleções em campo.

com o sucesso do show. Cantei diante de 80000 torcedores no Stade de France e para 1 bilhão de pessoas na transmissão pela TV! Como artista, não poderia ter sido melhor, mas o time para o qual eu torci não venceu [o Brasil perdeu por 3 x 0]. Foi uma estranha mistura de sentimentos: como usar as palavras “raiva” e “felicidade” na mesma frase sem ser contraditório?

Copa da França: experiência única

Por isso, quero muito que o Brasil vença a Copa do Mundo de 2014. Mal posso esperar para ver a seleção canarinho jogando a Copa em casa. O Brasil é o único país que venceu a Copa em quatro continentes e vê-lo jogando diante de sua torcida certamente vai ser a realização de um grande sonho. Sou apaixonado pelo Brasil, é um país mágico. Tenho maravilhosas lembranças profissionais e pessoais. Os brasileiros são incrivelmente carinhosos e sempre me receberam de braços abertos. Os shows sempre foram grandes festas, com muita dança... Portanto sempre fico ansioso para voltar e cantar ou, simplesmente, passar o carnaval e curtir a vida. Sem contar que um dos momentos mais inesquecíveis da minha vida foi quando conheci Pelé. Que honra! o DivulgaçÃo

Quando lancei “La Copa de la Vida”, em 1998, queria ver o mundo inteiro dançando e cantando em espanhol. Era a oportunidade perfeita para apresentar os sons da América Latina ao resto do mundo. O resultado ultrapassou minhas expectativas. O show na final da Copa do Mundo na França, no dia 12 de julho de 1998, foi uma experiência única e que me motiva até hoje — tanto é que estou envolvido mais uma vez com a música da Copa, com o projeto Super Song. É um concurso mundial em que qualquer pessoa pode compor a canção do evento e eu irei gravar. Mas confesso que a final entre França e Brasil teve um toque de decepção, apesar da felicidade

Coração verde e amarelo

edição especial abril na copa

Ricky_martin.indd 19

Ricky Martin,

(San Juan, Porto Rico, 1971) é cantor e compositor . Não torce para nenhum time.

19

11/4/13 11:26 PM


alExandrE BaTTiBugli

cristiano ronaldo x eusébio O cantor Roberto Leal compara os dois maiores craques portugueses

diVulgaçÃO

E

Roberto Leal (Vale da Porca, Portugal, 1951) é cantor e compositor. Em dezembro lança seu 48º disco, Obrigado, Brasil. Torce para o Benfica e a Portuguesa.

usébio e Cristiano Ronaldo têm uma coisa em comum. Quando existiu Eusébio, existiu Pelé. Quando surgiu Cristiano Ronaldo, surgiu Messi. É importante refletir sobre isso. Cada um foi o melhor em sua época. Eusébio pegava a bola na meia-lua, driblava três ou quatro e

fazia o gol. Ele veio de Moçambique, passou fome, era um talento nato, como o grande cantor que nunca estudou técnica vocal. O próprio Otto Glória [técnico brasileiro que treinou a seleção de Portugal na Copa de 1966], que revolucionou o futebol português, me contou que não adiantava passar o

edição especial abril na copa

gente.indd 20

esquema tático ao Eusébio. Ele fazia o que queria em campo. Cristiano Ronaldo é um atleta perfeito. Pelé me contou algo que se repete com ele: quando terminava os treinos, ficava mais de uma hora com sacos de areia amarrados na cintura, fazendo impulsões. Aquele gol que marcou

contra a Itália, na final da Copa de 1970, foi fruto de treinamento. Cristiano Ronaldo faz isso: é o primeiro a chegar e o último a sair dos treinos. Tem o físico perfeito, e melhora a cada jogo. Costumo dizer que Messi é o melhor jogador do mundo. E Cristiano Ronaldo não é deste mundo.

20 11/4/13 11:31 PM


Bem-vindo, Benvenuto, welcome...

torta neles! O chef Jamie Oliver conta o que os torcedores ingleses comem nos estádios

O executivo francês Roland de Bonadona dá 5 dicas para receber os turistas estrangeiros durante o Mundial

Quando estamos nas arquibancadas, nós, ingleses, comemos as tradicionais tortas de carne e pastéis assados. Há também quem prefira hambúrguer e cachorro-quente, mas batata frita não pode faltar. O problema é que em geral os torcedores ficam desapontados com o sabor da comida nos estádios: parece que estão comendo plástico, dizem.

Bye, Bye, Brasil

O escocês Paul Thomson, baterista do Franz Ferdinand, diz qual é a graça de assistir à Copa do Mundo para o torcedor de um país que não irá ao evento

gente.indd 21

GETTy IMAGES

dIvuLGAçÃO

Roland de Bonadona (Chatou, França, 1950) é CEO da rede Accor na América Latina. Torce para o São Paulo.

Jamie Oliver (Clavering, Inglaterra, 1975) é chef de cozinha. Torce para o Manchester City.

GETTy IMAGES

1. Recomende não só os pontos turísticos mais conhecidos de sua cidade, mas também apresente detalhes da cultura e da gastronomia. O Brasil tem muito mais a oferecer do que os visitantes imaginam. 2. Esteja aberto a conhecer os diferentes estilos de vida dos turistas. Você também pode aprender com eles. 3. Tente se colocar na posição de um turista. Zele por sua segurança. Afinal, ele passará a imagem do Brasil para o exterior. 4. Se um turista vier lhe pedir uma informação, não se envergonhe por não falar a língua dele. Nessa situação, toda ajuda é bem-vinda. 5. Por fim, sorria. O povo brasileiro é realmente conhecido por sua alegria e carisma e isso agrada à maioria dos estrangeiros.

Para quem raramente vê sua seleção se classificar para a Copa do Mundo, o que é o meu caso, a graça está em encontrar uma equipe que reúna todas as características de um azarão, inclusive as chances de surpreender. Eu poderia escolher a Inglaterra, mas qualquer escocês que se preze nunca torcerá por ela. Além do mais, a grande barbada em qualquer Copa é a de que a Inglaterra vai ser desclassificada em algum momento. Essa é a razão de nós assistirmos aos seus jogos — encher Paul Thomson (Glasgow, Escócia, a cara no pub e dar risada da cara 1976), baterista da deles quando chega a hora de irem banda Franz embora com o rabo entre as pernas. Ferdinand, torce Para a Copa aí no Brasil, já escolhi para o Celtic. meu azarão: a Bósnia-Herzegovina.

11/4/13 11:31 PM


563695.indd 22

4/11/2013 19:07:46


563695.indd 23

4/11/2013 19:07:47


Na cozinha do Barça

O chef espanhol Ferran Adrià destaca 6 grandes momentos e personagens da história do melhor time do mundo

serge picard/agence vu

Ferran Adrià (Barcelona, Espanha, 1962) é um dos maiores chefs do mundo. Torce para o Barcelona, clube para o qual reorganiza os cardápios servidos aos atletas das categorias de base.

Entrevista a Fernanda Fonseca e Miguel Icassatti

edição especial abril Na copa

Ferran_adria.indd 24

24

11/4/13 11:32 PM


fotos: getty images

1. a era neyMar

Neymar é um gênio. Atrevido, criativo, com uma grande visão de jogo e um bom senso de companheirismo em campo. É raro encontrar jogadores de tanto nível que conseguem, ao mesmo tempo, adaptar-se ao esquema do time e ser um protagonista. Como torcedor do Barcelona, considero-me um privilegiado. Ter a oportunidade de ver jogar dois dos futebolistas mais espetaculares do momento — Neymar e Messi — em uma mesma equipe é um verdadeiro luxo. Tenho certeza de que essa dupla nos dará muitas alegrias.

2. Barça-Brasil

Entre os brasileiros que já vestiram a camisa do Barça, seguramente o que mais nos deu alegrias foi Ronaldinho Gaúcho. Não posso desmerecer Ronaldo e Rivaldo, já que graças a eles o clube obteve títulos importantes. E acho que Neymar pode superar todos eles. Sua juventude, aptidão e sobretudo os companheiros de time podem fazer com que se torne definitivamente um dos grandes da história.

4. O jOgO

A partida mais inesquecível da minha vida foi o clássico Real Madrid x Barcelona da temporada 2009-2010, que o Barça venceu por 6 x 2, jogando em Madri. Não só porque foi uma goleada no arquirrival, mas pela bela partida que disputou.

O Barcelona invencível: Abidal, Pedro, Mascherano, Busquets, Piqué e Valdés (em pé); Messi, Dani Alves, David Villa, Iniesta e Xavi (agachados)

3. O tiMe dOs sOnhOs

ricardo corrêa

O grande Barcelona foi aquele da temporada 2010-2011. À parte os títulos conquistados — Mundial de Clubes da Fifa, Liga dos Campeões da Uefa, Campeonato Espanhol e Supercopa da Espanha —, seu nível de jogo foi espetacular. Nunca tinha visto uma equipe jogar tão bem.

5. Meu ídOlO

Ferran_adria.indd 25

6. O gOl lemyr martins

Quando eu era pequeno, queria ser como Johan Cruyff. Eu o admirava não só como jogador, mas também por seu carisma e comportamento fora do campo.

Na final do Mundial de Clubes de 1992 — São Paulo 2 x 1 Barcelona —, lembro-me do golaço de falta do Raí, por cima da barreira. A derrota foi uma decepção para mim, mas desfrutei da partida, que foi disputada em alto nível pelas duas equipes. Foi um jogo magnífico.

11/4/13 11:32 PM


imagina depois da copa

O americano Joshua David apresenta as conquistas de Nova York mesmo depois que a cidade perdeu a chance de sediar os Jogos Olímpicos. E dá suas impressões sobre Rio de Janeiro e São Paulo Depoimento a Felipe Machado

N

ão sou expert na forma como os países investem em grandes eventos, mas tive uma boa experiência em Nova York de 1998 a 2005, período em que a cidade se preparou para ser candidata a sede da Olimpíada de 2012. Quando Michael Bloomberg assumiu a prefeitura, a ideia era criar iniciativas que ajudassem na organização dos Jogos, mas também que pudessem gerar desenvolvimento para a cidade de Nova York. Nesse período, algumas áreas de zoneamento da cidade sofreram alteração, principalmente na região onde seria construído o novo estádio. Isso teve impacto na criação do High Line Park, que também está nessa área (Lower West Side).

Uma nova Nova York

A construção de um novo estádio, no entanto, era muito polêmica e acabou abandonada por uma série de razões — entre elas, o fato de Nova York ter perdido para Londres o direito de receber os Jogos, como se sabe. Mas a iniciativa acabou dando origem a um plano de desenvolvimento que mais tarde foi adaptado para o local onde ele seria erguido. Ali, hoje está em construção o primeiro edição especial abril na copa

Joshua_david.indd 26

26

11/4/13 11:30 PM


sPENCEr PLATT/GETTY ImAGEs FoTos dIvULGAção

Joshua David

Cenas do High Line Park, em Nova York: verdadeiro jardim suspenso, o parque linear surgiu sobre um trecho de 1,6 quilômetro de extensão em uma linha de trem desativada

prédio do complexo Hudson Yards, uma área de 60 quarteirões e 2 milhões de metros quadrados com escritórios de alto padrão, apartamentos, hotéis, escolas e parques. O High Line Park vai passar ao redor do Hudson Yards. Não sabemos ainda o impacto que o Hudson Yards vai ter sobre Nova York, mas sabemos que ele já está atraindo grandes investimentos privados para a criação do complexo e incentivando investimentos públicos em infraestrutura. A primeira extensão na rede de metrô de Nova York em muitos anos está sendo criada como parte desse plano, mesmo sem a Olimpíada. Por isso acho fascinante ver que projetos como esse podem ajudar cidades a crescer e se desenvolver de uma maneira que não aconteceria sem o evento, mas que são totalmente independentes do evento em si. Ouvimos muitas pessoas para criar o High Line Park: arquitetos, designers, pessoas da comunidade e também de fora. No caso de um evento como a Copa do Mundo, essa é uma boa estratégia para evitar que grandes estádios virem elefantes brancos. A participação pode ser feita por

meio de concursos abertos em que profissionais possam propor ideias que fazem sentido para aquela realidade. Quando você constrói um estádio em determinado lugar, a realidade dali é que vai dizer se o projeto vai funcionar ou não. Não há fórmula ou resposta única, o importante é debater as ideias e criar um processo para que as pessoas que vivem e trabalham na região tenham poder para influenciar o perfil do projeto. Afinal, elas sabem do que a região precisa. E, por outro lado, arquitetos de qualquer lugar do mundo podem chegar com ideias incríveis. A combinação dessas duas forças me parece uma boa alternativa.

Rio, espetacular

Estive há pouco tempo em São Paulo e no Rio de Janeiro e amei as duas cidades. Fiquei apenas alguns dias no Rio, mas pude constatar que o ambiente e a natureza são simplesmente espetaculares. Não há lugar igual no mundo, todas aquelas montanhas e baías, as estradas fazendo curvas sobre o mar. É lindo. Durante o passeio que fiz, me explicaram que o caminho que sai do centro e passa pelos bairros da Glória, Botafogo,

edição especial abril na copa

Joshua_david.indd 27

(Nova York, EUA, 1963) é jornalista e co-fundador do High Line Park, criado sobre uma linha de trem desativada em Nova York, onde integra o Conselho Consultivo para Transportes Alternativos da Prefeitura. Torce para o Grovettes, time de vôlei formado por gays em Fire Island, NY.

27

11/4/13 11:30 PM


Leme e Copacabana, até chegar a Ipanema, é uma verdadeira linha do tempo em termos de estilo da arquitetura. Foi uma experiência fascinante. Percebi também que há muito orgulho entre os moradores locais pela arquitetura da cidade, e isso faz sentido porque o Rio tem uma coleção muito rica de prédios interessantes. Gostei muito do espírito da cidade de maneira geral.

São Paulo e suas misturas

Em São Paulo tive o prazer de conhecer o centro da cidade. A primeira coisa que quiseram me mostrar foi o Minhocão, projeto sobre o qual muita gente comentava e comparava ao High Line Park. Mas o que achei interessante foi ver que muitas áreas na região central têm prédios totalmente abandonados ou ocupados por moradores de rua. Essa é a prova de que a cidade ainda não conseguiu recuperar essa área o suficiente para trazer investimentos privados e desenvolvimento. Os prédios são muito bonitos e alguns deles, realmente incríveis. Portanto acredito que alguma coisa muito auspiciosa está para acontecer nessa região em breve. Se essa área abandonada fosse o centro de Nova York, por exemplo, os edifícios já teriam sido adquiridos pela iniciativa privada. Tenho certeza de que rapidamente se tornaria a área mais nobre da cidade. Também me levaram ao adorável bairro de Higienópolis, onde há uma fascinante coleção de prédios modernistas e a mistura de mansões antigas e prédios com esse tipo de arquitetura. Estive também no Edificio Copan, próximo à Praça da República, e gostei de saber que o prédio passou por momentos difíceis e que está voltando ao seu glamour. É uma edificação espetacular.

Hudson Yards nos dias atuais (à esq.) e uma projeção de como deverá ficar no trecho próximo ao High Line Park: mesmo sem os Jogos Olímpicos, está para surgir mais uma área revitalizada em Nova York

Em ambas as cidades, porém, o que mais me incomodou, definitivamente, foi o trânsito. Por outro lado, também fiquei feliz ao saber que tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro a prefeitura está investindo em formas alternativas de transporte, o que sem dúvida é extremamente necessário. Nova York também está buscando soluções para o trânsito, assim como outras cidades do mundo. Gostei de ver projetos como a ampliação das faixas exclusivas para ônibus e o sistema de bicicletas para aluguel.

E depois da Copa?

A longo prazo, o sucesso de qualquer grande projeto depende do que vai ficar depois que o evento passa. Isso é até mais importante do que o acontecimento em si, que funciona apenas como catalisador de algo maior. Grandes eventos podem ser bons ou ruins para as cidades, dependendo de como forem feitos. Quem pensa nesse tipo de iniciativa apenas pela glória do momento está condenado a desperdiçar uma bela oportunidade. o

edição especial abril na copa

Joshua_david.indd 28

28

11/4/13 11:30 PM


matthew LLoyd/getty images

Cate giLLon/getty images

East London: antes (acima, à esq.), uma região degradada; hoje (à dir.), uma área revitalizada e atraente para a população local

a lição londrina

o presidente do Comitê olímpico Britânico e campeão olímpico Sebastian Coe diz o que o Brasil pode aprender com o exemplo da olimpíada 2012

O

Depoimento a Miguel Icassatti

foco mais importante da Copa do Mundo e da Olimpíada devem ser as pessoas que vivem nas cidades que recebem esses eventos. É preciso deixar um legado não apenas durante essas competições, mas para os 100 anos seguintes. Por isso, durante o ciclo olímpico de Londres-2012, elegemos cinco áreas prioritárias para as quais queríamos fazer a diferença:

2.

Legado econômico: nos últimos 15 meses foram inseridos 10 bilhões de libras [36 bilhões de reais] na economia britânica, em consequência dos Jogos. Em outras palavras, empresas têm investido em negócios decorrentes do evento. Se considerarmos que aplicamos entre 5,9 bilhões e 6 bilhões de libras [21 bilhões de reais] em todo o ciclo olímpico, posso dizer que Londres-2012 foi um bom negócio.

3.

4. Legado urbanístico: a região de East London, onde

foi erguido o Parque Olímpico, era pobre e muito degradada. Predominavam ali rios nos quais não se viam peixes havia pelo menos um século, moradias muito simples e solo contaminado. Depois dos Jogos, essa área de 210 hectares no leste de Londres ganhou oito instalações esportivas permanentes — o Estádio Olímpico, por exemplo, vai sediar o Campeonato Mundial de Atletismo de 2017 —, além de uma escola, um centro médico e uma unidade de um dos maiores shopping centers da Europa, que propicia de Sebastian Coe 9000 a 10000 postos de trabalho. Uma das (Londres, grandes emissoras de TV fixou-se ali e duas inglaterra, 1956) universidades estão a caminho. Com isso, muié bicampeão tas pessoas passaram a ocupar os imóveis que olímpico dos 1500 serviram à Vila Olímpica. Ou seja, tivemos metros rasos. uma grande transformação nessa área. É membro gareth CattermoLe/getty images

1.

Legado esportivo: desde o fim dos Jogos, ao menos 1,5 milhão de pessoas passaram a praticar esportes na Grã-Bretanha e boa parte desse contingente é formada por jovens. Apenas para o desenvolvimento do esporte nas escolas do ensino básico, o governo está investindo mais de 100 milhões de libras [360 milhões de reais].

prática cresceu 6% no último ano e vem tendo um grande impacto em nossas comunidades mais carentes.

do Parlamento Britânico. torce para o Chelsea.

Legado social: um ponto importante a considerar é, digamos, o legado emocional de eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e a diferença que eles fazem na comunidade. No nosso caso, fizemos questão de valorizar a questão do voluntariado. Graças a isso, essa

mos muita atenção, como nunca antes havia sido feito, à Paralimpíada. Nosso papel foi o de tentar mudar as políticas públicas e mostrar ao mundo uma forma mais respeitosa e igualitária de tratar aqueles que têm alguma deficiência. Portanto, pouco mais de um ano depois de Londres-2012, creio que, em termos de legado, estamos tendo um bom começo. o

edição especial abril na copa

sebastian_coe.indd 29

5. A diversidade: nesse quesito, nós de-

29

11/4/13 11:25 PM


582028.indd 30

4/11/2013 19:08:07


582028.indd 31

4/11/2013 19:08:07


Meu nome é leiro. boleiro

Para o escritor inglês Alex Bellos, hoje não há tanta diferença no estilo de jogo das seleções. Ainda assim, o Brasil é um fenômeno singular no futebol — graças aos nomes e aos apelidos de seus jogadores

ilustrAção: Aldyr GArciA schlee

epois de ter passado um período de cinco anos no Rio de Janeiro como correspondente, escrevi o livro Futebol: o Brasil em Campo. Ao regressar a Londres, dez anos atrás, senti-me como se o Brasil estivesse voltando para casa comigo. Pela primeira vez na história do futebol inglês, um titular absoluto da seleção brasileira, Gilberto Silva, estava jogando em um dos grandes clubes do campeonato inglês — no caso, o Arsenal, para o qual havia se transferido em 2002. Desde então, uma legião de brasileiros ingressou na Premier League. Agora a presença deles é tão comum que você poderia es-

Alex_Bellos_ok.indd 32

11/4/13 11:32 PM


calar um time bem decente só com esses jogadores. De fato, a espinha dorsal da equipe que venceu a Copa das Confederações — David Luiz, Paulinho e Oscar — joga na Inglaterra. Acompanhando o campeonato mais rico do mundo, refleti sobre o que torna os futebolistas brasileiros diferentes de seus pares. Não acho que se possa mais distinguir a nacionalidade de um jogador a partir do estilo de jogo — certamente não do estilo de jogo imposto pelos rigores e pela cadência da Premier League. Os torcedores do Arsenal ficaram decepcionados no começo com Gilberto Silva, pois ele não jogava “como um brasileiro”. De repente, os brasileiros não pareciam mais tão exóticos. Ainda assim, eles preservam uma singularidade no esporte mais popular do mundo: o Brasil é o único país cujos atletas são mais conhecidos por seus primeiros nomes e apelidos. É claro que existem exceções. Sergio Agüero, do Manchester City, por exemplo, gosta de ter Kun escrito em sua camisa, e Javier Hernández, do Manchester United, usa Chicharito no uniforme. Essas tentativas de “brasilidade”, porém, não são levadas a sério. Jornais e radialistas ainda chamam esses jogadores pelos sobrenomes.

MIcHAEL duERINckx

têm uma probabilidade maior de serem conhecidos por apelidos. Isso não acontece com os defensores. Talvez isso ocorra porque, psicologicamente, é mais fácil ir ao ataque ostentando um nome de guerra, porque os brasileiros têm mais afeição por atacantes ou porque os jovens jogadores se sentem mais confiantes em seguir a tradição. Talvez seja um vestígio da época da escravidão: os grandes artilheiros são negros ou mestiços, e historicamente os escravos eram obrigados a adotar um nome designado pelo seu senhor. Qualquer que seja a razão, algo não soa bem quando um centroavante é conhecido por dois nomes, como Luis Fabiano, Alexandre Pato ou Leandro Damião. Por outro lado, na última década passou a ser normal o uso de dois nomes entre os defensores, como se isso desse a eles mais peso, seriedade e transparência — qualidades valorizadas nessa posição. Thiago Silva e David Luiz têm uma sonoridade muito mais formidável para uma linha de defesa do que, digamos, Thiaguinho e David, que parece uma dupla sertaneja.

Nome de guerra

Você pode pensar que o nome é irrelevante, mas eu discordo. Parte da magia em torno do futebol brasileiro está na forma pela qual seus jogadores são conhecidos. Nós nos sentimos mais próximos de um boleiro identificado por seu primeiro nome, como se fosse um membro da família ou um amigo íntimo. (O que pode ajudar a entender a razão de o meia Anderson, do Manchester United, nunca ter sido tratado por aqui de forma carinhosa, como ocorre com outros jogadores brasileiros; no Reino Unido, Anderson é um sobrenome!) É ainda mais empolgante para o torcedor quando um jogador tem um apelido. Faz-nos lembrar de Pelé. Um apelido é um nome de guerra, algo que transforma você de civil em super-herói. No caso de Hulk, literalmente. Mesmo para jogadores, um bom nome pode fazer diferença. Os atacantes brasileiros

Alex Bellos

(Oxford, Inglaterra, 1969), escritor, é autor de Futebol: o Brasil em Campo e Alex no País dos Números. Foi correspondente do jornal The Guardian no Rio de Janeiro, de 1998 a 2003. Na infância, torcia para o Heart of Midlothian – vulgo Hearts –, da Escócia. Vive em Londres e torce para o Arsenal.

edição especial abril na copa

Alex_Bellos_ok.indd 33

Identificação nacional

Seja ou não a atual seleção brasileira boa o bastante para vencer a Copa do Mundo, os nomes de seus jogadores estão em harmonia com suas respectivas posições, o que só pode ser um bom sinal. Hulk é um apelido, Fred, digamos, um diminutivo, Neymar é tão raro que poderia muito bem ser um apelido e Oscar lembra as estatuetas de Hollywood — ainda mais enquanto estiver vestindo a camisa dourada da seleção canarinho. Não há diminutivos ou apelidos na defesa. Eu teria preferido um goleiro que usasse o sobrenome, como Taffarel, uma vez que isso carrega um senso de autoridade, mas um nome composto vai bem, especialmente no caso de Julio César — referência a um dos mais temidos e poderosos líderes da história. Os brasileiros podem até subestimar a customização de seus próprios nomes, mas eles são parte integrante da artilharia esportiva de sua nação. o

33

11/4/13 11:33 PM


O

ilustrAção: nik neves

Goleada digital

A editora e empresária Arianna Huffington prevê o impacto das mídias sociais na Copa do Mundo de 2014

Getty iMAGes

expert em mídias digitais Clay Shirky diz seus fãs. Kaká tem mais de 17 milhões de seguidores no que “a internet funciona na base do amor”. O mesmo poTwitter! Na NBA, mais de 10 milhões acompanham o deria ser dito da Copa do Mundo, que é muito mais do que perfil de LeBron James. No ano passado, só para dar um um evento esportivo. Seu combustível é a paixão, o orguexemplo, o piloto Brad Keselowski, da Nascar, elevou sua lho e a emoção — não apenas dos jogadores, mas da audi- fama nas mídias sociais ao tuitar de seu carro, parado, duência global. E quando se combina tudo isso rante uma pausa nas 500 Milhas de Daytocom as mídias sociais e o engajamento onlina. Sua foto do fogo na pista foi retuitada ne, o resultado é imensamente poderoso. Nós mais de 5000 vezes; com alguns toques em testemunhamos isso em 2010, quando a seu iPhone, Keselowski triplicou o número Copa da África do Sul superou a eleição de de seguidores no Twitter. O jornal The New Barack Obama, em 2008, como o maior moYork Times chamou o acontecimento de mento da história da web, conforme o tráfego “simplesmente o capítulo mais recente na da internet e o engajamento nas mídias soevolução das mídias sociais”. ciais cresciam. Por isso é fascinante imaginar Se considerarmos também que a Copa Arianna Huffington as possibilidades que a Copa de 2014 comdo Mundo é um evento televisivo, é bom ter (Atenas, Grécia, porta em termos de união das pessoas. em mente que muitas ferramentas digitais 1950) é jornalista e Até 2020, aproximadamente 3 bilhões de estão mudando a forma como assistimos empresária. pessoas serão acrescentadas à comunidade da TV. O que todas têm em comum é que elas Fundou e preside internet. E imagine quantas dessas pessoas permitem mudar o foco da observação paso The Huffington são fãs de esportes! Sem dúvida, o engajasiva, enquanto o telespectador come no Post, site cuja mento no Twitter e no Facebook durante a sofá, para a participação ativa — a autoexversão brasileira, Copa de 2014 não terá precedentes. Durante pressão. O HuffPost Live, nossa rede de Brasil Post, será a cerimônia de abertura da Olimpíada de streaming de vídeos, coloca os espectadores lançado em Londres em 2012, por exemplo, foram publiem pé de igualdade com jornais e especialisparceria com a cados mais tuítes do que nos 16 dias dos Jotas. E quando se fala em engajamento na Abril Mídia. gos Olímpicos de Pequim. “segunda tela” [a do celular, do computador O que eu acho interessante é que, muito mais do que ou do tablet], além da possibilidade de tuitar e postar no organizações como a Fifa ou a NBA, por exemplo, indivíFacebook enquanto assiste televisão, uma pesquisa desduos parecem liderar as iniciativas de engajamento nas cobriu que 41% dos telespectadores buscam informamídias sociais. Essa é parte da beleza e da autenticidade ções na internet enquanto estão diante da sua TV. da intersecção entre esportes e mídias sociais. Os princiPor tudo isso, estou bastante empolgada com a realipais atletas do mundo podem conversar diretamente com zação da Copa do Mundo no Brasil. o edição especial abril na copa

Ariana_huffington.indd 34

34

11/4/13 11:40 PM


a verdade nas quatro linhas

trajetória de Edson Arantes do Nascimento, desde a infância em Três Corações (MG) até sua coroação durante a Copa do Mundo da Suécia, em 1958, está virando uma cinebiografia produzida em Hollywood pelos diretores Jeff e Michael Zimbalist. Em fase final de filmagem no Rio de Janeiro, eles correm para terminar Pelé — como a obra vem sendo chamada —, que tem estreia programada para junho de 2014. O filme retrata a juventude do jogador, com uma narrativa que vai dos 10 aos 17 anos, e tem no elenco Seu Jorge (que faz Dondinho, pai de Pelé) e Vincent D’Onofrio (Homens de Preto) no papel do técnico Vicente Feola. Rodrigo Santoro, outro astro escalado, ainda não teve o papel revelado. Pelé terá dois intérpretes: Kevin de Paula e Leonardo ONCE IN A LIFETIME: THE EXTRAORDINARY STORY OF THE NEW YORK COSMOS É a história do time formado por grandes estrelas do futebol mundial nos anos 1970 — Carlos Alberto Torres, Franz Beckenbauer e, especialmente, Pelé — para popularizar o esporte nos Estados Unidos. O filme mostra o frenesi que esse time dos sonhos causou não só em Nova York como em todo o país, latente nas cenas do jogo de despedida do rei do futebol em 1977.

MARADONA POR KUSTURICA O diretor sérvio faz um retrato pitoresco de Diego Maradona, com certa carga panfletária. A relação entre autor e personagem fica tão estreita que Maradona é visto tomando banho de banheira e conversando com Fidel Castro, enquanto Emir Kusturica apresenta os gols e traça paralelos políticos entre os Bálcãs e o capitalismo.

Lima Carvalho, garotos recrutados entre centenas de candidatos Brasil afora. Esse filme não é a primeira incursão dos irmãos Jeff e Michael Zimbalist no mundo futebolístico: eles são os responsáveis pelo documentário The Two Escobars, uma produção do canal ESPN que mostra a ascensão e a queda da seleção colombiana do início dos anos 1990 até a Copa de 1994, além da relação do futebol daquele país com o narcotráfico e o assassinato do zagueiro Andrés Escobar, autor do gol contra que marcou a eliminação do time naquele Mundial. A seguir, eles indicam os melhores documentários sobre futebol já produzidos.

edição especial abril na copa

Pele_1_pagina.indd 35

THE FOOTBALL FACTORY Filmado com a câmera na mão, os diretores se infiltram em duas torcidas do futebol inglês e retratam a fixação de seus integrantes com o futebol e a rivalidade que existe entre as equipes. Com a desculpa de fazer parte de um dos grupos, alguns de seus integrantes usam esse acesso para extravasar a violência, como se estivessem se alistando em um exército em busca de guerras para lutar. o

ZIDANE: A 21ST CENTURY PORTRAIT Em vez de um panorama da vida e da carreira de Zinedine Zidane, o documentário se concentra na atuação do meiocampista em um único jogo: Real Madrid e Villarreal pelo Campeonato Espanhol de 2005, partida registrada em tempo real usando 17 câmeras focadas nele. Curiosamente, o filme termina com a expulsão de Zidane, depois que ele se envolveu em uma briga.

Seu Jorge no papel de Dondinho, o pai de Pelé: filme deve estrear durante a Copa do Mundo

divUlgaçãO

A

iqUE EstEvEs

Os irmãos Jeff e Michael Zimbalist, diretores da cinebiografia de Pelé, elegem os quatro melhores documentários sobre o futebol

Jeff e Michael Zimbalist

(Northampton, Estados Unidos, 1978 e 1980, respectivamente) são cineastas. Não torcem para nenhum time de futebol.

35

11/4/13 11:28 PM


CaIO vIlela

Crianças brincam em Teerã: “nunca sabemos para onde a bola vai correr”

o homem que não gosta de futebol

O cineasta iraniano Abbas Kiarostami diz que a paixão dos compatriotas pelo esporte é uma doença

credito que fui convidado a colaborar com esta edição não apenas porque o Irã estará na Copa de 2014, mas porque quase todos os meus filmes têm pelo menos uma cena relacionada a futebol. No meu primeiro curta [The Bread and Alley, 1970], um garoto chuta uma caixa na cena de abertura; no segundo, Zang-e Tafrih (1972), outro menino se dá mal porque quebra a janela da escola ao chutar a bola. Em O Viajante, de 1974, uma criança viaja 400 quilômetros apenas para assistir a uma partida de futebol em Teerã. O interessante é que esses filmes foram feitos por um homem que não entende nada de futebol. Meu desejo foi reprimido desde cedo porque meu pai dizia que não tinha tempo para hobbies como o futebol. Acho que essa repressão pode ter dado origem a uma vontade inconsciente de mostrar esse esporte nos meus filmes.

FerNaNda FrazãO

A

Depoimento a Felipe Machado

Abbas Kiarostami

(Teerã, Irã, 1940), cineasta, dirigiu 45 filmes, entre os quais Gosto de Cereja (1997), pelo qual ganhou a Palma de Ouro, no Festival e Cannes. Não torce por nenhum time.

edição especial abril na copa

abbas_kiarostami.indd 36

Quando fui ao Festival de Cinema de Cannes pela primeira vez, vi uma multidão cercando um homem negro. Fiquei curioso para ver quem seria o tal “astro de cinema”, mas então percebi que era o Pelé. Entendi naquele momento a diferença entre um astro de cinema e um verdadeiro herói do esporte. A única partida de futebol a que assisti foi em Milão, Itália, em 2009. Vi de perto a sutileza e complexidade do esporte e entendi as razões que fazem do futebol um fenômeno tão popular. Os jogadores são muito mais do que esportistas. Pensam estrategicamente, têm raciocínio rápido e são capazes de agir sob pressão. Alguns deles deveriam tornar-se políticos, já que os políticos são lentos e imprecisos. O projeto em que estou trabalhando agora tem uma bola como personagem principal. Pensam que estou fazendo esse filme para a Copa do Mundo no Brasil, mas eu o comecei há oito anos. É a história de uma bola esquecida atrás de uma porta por uma criança. A bola fica triste e começa a descer as escadas até que a própria escadaria torna-se muito antiga, anterior à própria invenção do futebol. Adoraria terminar o filme para lançá-lo durante a Copa. As pessoas são absolutamente loucas por futebol no Irã e isso me deixa louco também. Mesmo que seja um jogo medíocre na TV, meus colaboradores preferem assistir à partida a trabalhar. O futebol contamina suas vidas. Eles chegam para trabalhar de manhã com sono. Quando pergunto por que não dormiram bem, respondem que ficaram vendo jogos e programas esportivos até de madrugada. Quando se enfrentam os dois grandes times do Irã, Esteghlal e Persépolis, ambos de Teerã, o país inteiro para e há engarrafamentos até de madrugada. Tive a sorte de escapar dessa doença que é o futebol em meu país e toda a contaminação que ele traz. Acho que somos melhores em esportes individuais. Mas, como a bola é redonda, nunca temos certeza para onde ela vai correr. Na Copa de 2014, a taça deveria ficar com o Brasil. Não só porque é o anfitrião, mas porque os pés descalços das crianças brasileiras são uma parte importante do fenômeno mundial que é o futebol. o

36

11/4/13 11:33 PM


ilUStrAçãO: léziO JUniOr

À noite, sem vergonha

N

O cronista Matthew Shirts conta uma passagem curiosa que viveu ao cobrir o Mundial dos EUA em 1994

MAriO rODrigUES

a nossa segunda noite em São Francisco, Calidesenhar uma americana, gatinha de tudo, sentada ali fórnia, o escritor Mario Prata e o cartunista Paulo Caruso perto. Inventa um decote exagerado, aquelas coisas. resolveram sair sozinhos. Fiquei no hotel trabalhando, ti– Ela estava sozinha? Cadê o desenho? nha um texto para entregar no dia seguinte. Era junho de – Avisei que ia dar encrenca. Mas você conhece seu 1994 e eu começava minha carreira de cronista, em certo amigo, né? Não consegue parar de desenhar. Não dá 5 miestilo, reconheço, hoje, ali no Hilton do centro da cidade, nutos, chega o namorado. onde vivemos durante um mês. Mas na época, no meu – O namorado? caso, foi o nervosismo de iniciante que deu o tom. – O namorado. Na noite anterior, eu havia levado Prata, festejado autor – Da moça? da novela Estúpido Cupido e de Bésame Mucho, para passe– Não, Matheus [Prata me chama de Matheus]! O meu ar no bairro boêmio de North Beach, espécie de Vila Madanamorado! Claro que é da moça! lena de São Francisco. Entramos na livraria City Lights, – Grande? ponto de encontro dos poetas e artistas “beats”. Foi dali que – Sabe jogador da NBA? Jack Kerouac partiu na viagem imortalizada no seu clássiFaço que sim com a cabeça. co, Pé na Estrada. Comemos no restaurante chinês de mil – Então. A menina começa a falar e apontar para a pimentas, ali do lado, e acabamos num bar, próximo dos gente. Ele olha. Primeiro para a gente, depois para ela, aí clubes de strip-tease. para a gente de novo. Caruso, louco, em vez de parar... coSou da Califórnia, conhecia a região. Na segunda noimeça a desenhar mais rápido! te, como dizia, o Prata, entusiasmado, e com – E aí? seu texto já entregue (fomos enviados os três – Aí o gringo da NBA pega uma cadeira! E a pelo Estadão), quis apresentar a vida noturna levanta, que nem em filme de bangue-bangue! boêmio-literária ao Caruso. Fiquei preocupaAtravessa o bar. Ele vai bater na gente, tenho do, nenhum dos dois falava inglês em 1994, certeza. Já vi os filmes todos. nem conheciam os caminhos tortuosos da ci– Correram? dade dos morros. Mas fazer o quê? – Não deu tempo. Mas já tinha bolado um Horas depois, voltaram, batendo na porta plano de fuga. Ele chegou e plantou a cadeira do quarto. “O americano, não saia de casa do lado do Caruso com força. Apontou para o Matthew Shirts sem ele”, diz o Caruso, adaptando o lema de desenho e falou: “Marvelous! Marvelous!” (Del Mar, EUA, uma campanha de cartão de crédito da época. – Sensacional! E aí? 1958) é jornalista Gargalhadas. Prata começa a contar a histó– Pagou outra rodada e toda nossa conta –, e cronista. ria. Caruso se põe a rabiscar, como sempre. diz Prata. – Dei até nome para o desenho. Mora em São – Sentamos na mesma mesa do mesmo –Como é? Paulo e torce para bar de ontem. Paulo, sem-vergonha, começa a –Travelers-charge. Não saia de casa sem ele. o o Corinthians. edição especial abril na copa

mathews.indd 37

37

11/4/13 11:39 PM


edição especial abril na copa

zecarioca.indd 38

38

11/4/13 11:24 PM

alt Disney criou o personagem Zé Carioca durante uma viagem à América do Sul em 1941. Na época, a ideia era rodar e promover filmes para estreitar os laços culturais entre os Estados Unidos e a América Latina, fruto da então chamada Política da Boa Vizinhança do presidente Franklin Roosevelt. O papagaio apareceu pela primeira vez no filme Alô Amigos (1942) e depois em Você já Foi à Bahia? (1944). Com o passar do tempo, o próprio Disney foi mergulhando no universo brasileiro. Mostrou interesse pelo nosso futebol, a ponto de perguntar ao representante da Disney no país nos anos 1960, Elcan Diesendruck, acerca do do Santos: “Dizem que Pelé é extraordinário, mas não é ainda muito jovem para sustentar todo um time?”. De certa maneira, essa curiosidade foi reflexo da abrasileiração de Zé Carioca — um processo que revemos agora, com a republicação desta história, 52 anos depois —, em que Disney aproximou-o de nossa realidade. O desenhista Jorge Kato foi um dos responsáveis pela história de 1961, que se passa em pleno Estádio do Pacaembu. o

W (Chicago, EUA, 1901 - Los Angeles, EUA, 1966) criou o Mickey Mouse, o Pato Donald, o Pateta e o Zé Carioca, entre dezenas de outros personagens.

Walt Disney

Apresentação de Celbi Pegoraro

Nesta história publicada em 1961, Walt Disney mostra o malandro Zé Carioca jogando no Estádio do Pacaembu

os dribles do papagaio

gEtty iMAgEs

SAI PRA LÁ! A BOLA É DO PAPAI AQUI!

TUDO COMEÇOU ASSIM…

COMO JUIZ, NÃO POSSO TORCER PRA NENHUM TIME, MAS A SORTE DESSE GOLEIRO JÁ ESTÁ ME IRRITANDO!

OLHA, TIO DONALD!

Desenhos: Jorge Kato • Letras: LUa aZUL

ELE O ZÉ CARIOCA É BOM DRIBLOU MESMO TRÊS EM NO FUTEBOL! SEGUIDA!

BZC479-B-rZCe60aNoS/5-aVD39/2

VOCÊ JÁ IMAGINOU O GASTÃO NUM JOGO DE FUTEBOL, MAS… NO GOL? POIS É ISSO QUE O ZÉ CARIOCA VAI TER QUE ENFRENTAR NA MAIS DIFÍCIL DE SUAS AVENTURAS…

M


edição especial abril na copa

zecarioca.indd 39

39

11/4/13 11:24 PM

PRECISO CHEGAR ANTES DO GASTÃO!

TUDO!

CLARO QUE NÃO! VOU LEVAR A MARGARIDA!

ESTRANHO! ELE NEM ESTÁ POR PERTO!

TODA VEZ QUE TEM UM BAILE, AQUELE FOMINHA CORRE PRA CONVIDAR A MARGARIDA ANTES DE MIM!

A GENTE VAI COMEMORAR A VITÓRIA COM UM BAILE, DONALD! NÃO VAI FALTAR, HEIN?

POR QUE ESSA AFOBAÇÃO TODA, DONALD? É CLARO QUE VOU AO BAILE COM VOCÊ!

*NA ÉPOCA, AINDA NÃO EXISTIA O VILA XURUPITA.

MAS HOJE… {PUF!} ACHO QUE CHEGUEI A TEMPO! ELE NÃO PARECE ESTAR POR PERTO!

POR QUE ESSA PRESSA TODA, TIO?

E PRO ZÉ NADA?

SERESTEIROS DA TIJUCA* 4 GAVIÕE S DA VILA 1

TERMINA O JOGO COM A VITÓRIA DO TIME DO ZÉ CARIOCA!

ISSO NÃO FICA ASSIM! VOU AO BAILE DO MESMO JEITO! AQUELE GANSO ME PAGA!

PERDEU A VIAGEM, ZÉ! JÁ CONVIDEI A ROSINHA PRO BAILE!

OI, ROSINHA! VIM CONEU ESTAVA VIDAR VOCÊ PRA ESPERANDO O IR AO BAILE DE CONVITE DO ZÉ… HOJE COMIGO!

NÃO MESMO! PORQUE, AGORA, O GASTÃO ESTÁ INTERESSADO EM OUTRA BELDADE…

VIVA O ZÉ!

VIVA O NOSSO ARTILHEIRO!

!

PELO MENOS MEUS FÃS NÃO ME REJEITAM!

TOMARA QUE VOCÊ TENHA MAIS SORTE DA PRÓXIMA VEZ!

…MAS, COMO ELE NÃO VEIO ATÉ AGORA… ACEITO!


edição especial abril na copa

zecarioca.indd 40

40

11/4/13 11:24 PM

QUANTAS MOÇAS EM VOLTA DO MEU NAMORADO!

TROGLODITAS F. C.

POR QUE NÃO PENSEI NISSO ANTES? CHEGOU A HORA DE FAZER AQUELE PAPAGAIO FECHAR O BICO!

NO DIA SEGUINTE…

ATÉ A ROSINHA ME ABANDONOU POR CAUSA DELE! ESSE PAPAGAIO ME PAGA!

AS ATENÇÕES SÃO SÓ PRA ELE! E SÓ PORQUE ELE JOGA FUTEBOL!

É QUE TINHA TANTAS GAROTAS EM VOLTA DE MIM QUE NEM VI VOCÊ! EH, EH!

QUER JOGAR NO GOL PRO NOSSO TIME? MAS JÁ TEMOS GOLEIRO, GASTÃO… E VOCÊ NUNCA JOGOU FUTEBOL NA VIDA! ISSO NÃO QUER DIZER NADA…

E AÍ, ZÉ? QUANDO DOMINGO QUE VEM, VAI SER O PRÓXIMO VAMOS JOGAR CONTRA JOGO? MINHA FAMÍLIA O TROGLODITAS F.C.! TODA QUER VER É SÓ EMPATAR PRA VOCÊ JOGAR! SERMOS CAMPEÕES!

PUXA, ZÉ… VOCÊ NEM ME CUMPRIMENTOU QUANDO CHEGOU! LÓGICO!

NÃO VAI SE POSICIONAR? JÁ VOU CHUTAR!

HOJE A SELEÇÃO BRASILEIRA ESTÁ TREINANDO AQUI DE PORTÕES ABERTOS!

VOCÊ QUER GANHAR O CAMPEONATO, NÃO QUER?

NÃO SE PREOCUPE! PODE CHUTAR!

OI, PELECO! POSSO FICAR UM POUCO NO GOL?

QUE MALUCO! ELE VAI ENFRENTAR O PELECO!

CLARO!

ENTÃO VEM COMIGO!


edição especial abril na copa

zecarioca.indd 41

41

11/4/13 11:24 PM

CHEGA O DIA DA GRANDE FINAL! OS SERESTEIROS DA TIJUCA ENTRAM EM CAMPO COMANDADOS PELO ZÉ CARIOCA!

! ?

CLARO, PERCEBEU O QUE CLARO! SUA EU QUIS SORTE É INCRÍVEL! DIZER? QUANTO VOCÊ QUER PRA JOGAR PRA NÓS?

B A M ! C A P O U ! B L A M ! FU U C H !

PORQUE ESTA CÁPSULA DE FOGUETE FEZ A DEFESA PRA MIM… MINHA SORTE É INFALÍVEL!

POR QUÊ?

SERESTEIROS! SERESTEIROS! JÁ GANHOU! JÁ GANHOU! AÍ, ZÉ!

A… A BOLA NÃO ENTROU!

O GASTÃO NEM SE MEXEU PRA FAZER A DEFESA! HÃ? O QUE É AQUILO?

A MOEDA…

FALAR É FÁCIL, AMIGO GANSO!

FUTEBOL NÃO É JOGO DE AZAR! VOU MOSTRAR PRA VOCÊ COMO É QUE SE JOGA BOA SORTE, FUTEBOL! AMIGO!

VAMOS SORTEAR ESCOO LADO DO CAMPO! LHO… VOCÊ ESCOLHE… A MOEDA CARA OU COROA, VAI CAIR GASTÃO? DE PÉ!

SIM, TANCREDO LUÍS! UMA GRANDE SURPRESA NA ESCALAÇÃO DO TROGLODITAS F.C.! O GASTÃO VAI JOGAR NO GOL NO LUGAR DO DELMAR!

CAIU… {GLUP!} DE PÉ!

VIM ESTRAGAR O SEU CARTAZ, MEU LOURO!

FALA, TABAJARA!

ZÉ CARIOCA DÁ A SAÍDA! DRIBLA UM, DRIBLA DOIS, CAI PARA A DIREITA E VAI LEVANDO A PELOTA PARA A ÁREA ADVERSÁRIA DEFENDIDA…

!


edição especial abril na copa

zecarioca.indd 42

42

11/4/13 11:24 PM

TERMINA O PRIMEIRO TEMPO COM O TROGLODITAS VENCENDO POR UM A ZERO!

OH, NÃO, DESCULPEM! ALGUMA COISA SEGUROU A BOLA! HÃ? FOI A CHUTEIRA QUE O GASTÃO ATIROU DE COSTAS!

!

GOSTOU, ROSINHA? DEDICO ESTA VITÓRIA A VOCÊ!

ATENÇÃO! O ZÉ CARIOCA ESTÁ LIVRE DIANTE DO GOLEIRO! A TORCIDA DO SERESTEIROS JÁ FESTEJA O GOL CERTO… EI, UM MOMENTO! O QUE O GOLEIRO GASTÃO ESTÁ FAZENDO? FALA, TABAJARA!

ATENÇÃO! ZÉ CARIOCA CHUTA E… GOOO…

A BOLA REBATIDA POR GASTÃO, DIGO, PELA CHUTEIRA DE GASTÃO, VAI PARAR NOS PÉS DE MOTORZINHO, QUE CHUTA E… GOOOL DO TROGLODITAS F.C.!

INCRÍVEL, AMIGOS OUVINTES! O GOLEIRO GASTÃO NÃO ESBOÇA A MENOR REAÇÃO! ELE ESTÁ… BRINCANDO COM A CHUTEIRA!

…DEFENDIDA? POR GASTÃO!

RECOMEÇA O JOGO E O ZÉ CARIOCA PARECE UM FURACÃO JOGANDO, MAS A SORTE DO GASTÃO…

FIRIFIFIU!

COMEÇA O SEGUNDO TEMPO! ZÉ CARIOCA ENTRA EM CAMPO DISPOSTO A DAR TUDO O QUE TEM PELA VITÓRIA DO SEU TIME…

VITÓRIA, UMA OVA! O JOGO AINDA NÃO TERMINOU!

OH!

…E PELA ADMIRAÇÃO DA ROSINHA!

DE ONDE SAIU AQUELE GOLEIRO? ELE É UM MONSTRO! ESTÁ ME FAZENDO ENVELHECER DEZ ANOS!


edição especial abril na copa

zecarioca.indd 43

43

11/4/13 11:24 PM

ZÉ CARIOCA FAZ O IMPOSSÍVEL PARA SUPERAR A SORTE INCRÍVEL DO GASTÃO! ATÉ QUE… ACONTECE UM PÊNALTI MINUTOS ANTES DO FINAL DO JOGO!

FALTAM POUCOS MINUTOS PARA O TÉRMINO DA PARTIDA E O TIME DE ZÉ CARIOCA CONTINUA PERDENDO!

…É UMA COISA DE LOUCO!

MEU HERÓI!

E PRO ZÉ NADA?

D TU

QUE COISA INCRÍVEL!

A BOLA… NÃO ENTROU!

O JOGO TERMINA EMPATADO E O TIME DO ZÉ CARIOCA É O CAMPEÃO!

UM TERREMOTO!

DE REPENTE…

NÃO POSSO FALHAR! FALTA UM MINUTO PRO JOGO TERMINAR! O GOL ESTÁ PRATICAMENTE LIVRE! SE EU NÃO MARCAR AGORA, SERÁ O FIM DA MINHA CARREIRA NO FUTEBOL!

O!

OBRIGADO, OBRIGADO… EU MEREÇO!

JUIZ LADRÃO! FOOORA! BUUU!

AÍ, JUIZ! MUITO BEM! EMPATAMOS! SOMOS CAMPEÕES! VIVA O ZÉ!

Fim

QUEM MANDA JUIZ LADRÃO! NO CAMPO POR QUE SOU EU! E SABE APITOU O QUE MAIS? AQUELE EU JÁ ESTAVA GOL? CHEIO DA SUA SORTE!

SE A TRAVE ESTIVESSE NO LUGAR CERTO, A BOLA TERIA ENTRADO!

MAS… O JUIZ APITA GOL!

O JUIZ AUTORIZA! ZÉ CARIOCA CORRE, BATE O PÊNALTI E…


582703.indd 44

4/11/2013 19:08:31


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.