ESCAVAR O FUTURO

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Wellington Cançado: Estou pontuando, na verdade, a diferença entre o direito de uso do espaço e uma política pública que precede isso, ainda mais num prédio emblemático que foi escolhido pela questão do patrimônio, que está caindo. Porque, se é um prédio qualquer, é “Então está bom, a gente pode usar esse lugar?”, e aí contrata um trator e passa por cima, mas não é esta a questão que está em discussão. A ocupação podia ser um modelo para redesenhar a política pública de patrimônio dentro do estado, exigindo que ele faça uma recuperação-modelo daquele edifício e não falando “nós vamos fazer”, porque isso pode ser inclusive um tiro pela culatra absurdo, daqui a um ano a casa cai literalmente. “Mas vocês não falaram que iam restaurar?”... Rafael Barros: Nós não entramos na casa com a ciência de que ela estava naquela situação e um dos nossos projetos era restaurar a casa. O espaço jogou essa bola quente no nosso colo. Foram 15 espaços visitados, e aquela casa foi escolhida nas duas últimas semanas, a ocupação se deu ali naquele momento, a Tita e o Gabriel entraram na casa na quinta-feira à noite, o grupo entrou da sexta para o sábado. Fernanda Regaldo: Não é engraçado que o símbolo em si toma o lugar do projeto? A casa acaba virando um símbolo, e só se sustenta como símbolo, ela não é penetrável. Roberto Andrés: Um parêntese na sua fala, é o Símbolo Comum Luiz Estrela. Fernanda Regaldo: É a representação no seu ápice, que se sustenta só pelo símbolo. Há uma discussão importante aí que é pensar qual é o nosso projeto coletivo, o projeto da esquerda. Até nesse sentido a casa é simbólica (e vão aparecendo vários níveis de simbolismo): que projeto é esse, como ele tem sido construído, como é que ele é pensado... E como é que se faz esse espaço, que é um espaço impenetrável. É importante inclusive para fazer uma autocrítica. A casa tem esse duplo aspecto simbólico: de um lado, o que se projeta para fora, e de outro, o que ela diz de nós mesmos. Eu sinto que falta projeto. Priscila Musa: Mas colocar a necessidade de um projeto é também colocar a gente nesse lugar que o Estado nos coloca: “cadê o projeto?” Fernanda Regaldo: Eu não estou falando do projeto concreto com plano de ação, cronograma, metas e plano arquitetônico, estou falando do projeto do que conjuntamente podemos construir, da questão, como a Rita coloca, da longevidade. A longevidade depende muito de um pensamento mais complexo sobre o que vai poder habitar esse espaço, em todos os sentidos, e neste momento eu vejo isso muito abstrato ainda... Rafael Barros: A proposta sempre foi construir um espaço cultural autogestionado, que fugisse do modelo e inclusive das amarras do Estado. Essa

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