2011 | Revista PIB 27/03/2011

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CHAMADO EM AÇÃO

Como saber quando é hora de voltar? por Cleide Neto

Fomos missionários em Angola durante oito anos, desenvolvendo um projeto na área de literatura cristã. Em janeiro de 2011, nos Pastor Hans Udo e Ursula Fuchs despedimos, para um período de pausa e preparo para o próximo projeto. Como saber se esta era a hora certa para sair? Pensei em quatro respostas principais. O Projeto - A primeira resposta tem a ver com o próprio projeto. Fomos convidados para Angola para criar uma editora que publicasse livros de autores angolanos ou, no máximo, africanos. Nada de traduções de autores americanos ou europeus; dessas já há muitas em português, que para os angolanos é terceira cultura, pois expressam contextos e problemáticas sociais estrangeiras, usam ilustrações não locais, além de que o tradutor brasileiro acaba por usar o seu próprio modo de expressão e interpretação daquele contexto, deixando cada vez mais distante o leitor angolano de uma escrita que represente sua própria cultura. Os assuntos tratados nos livros, via de regra, têm valor universal e base bíblica comum a todos; mas o público alvo é outro, e os aspectos tratados, específicos. Alguns problemas africanos não são tratados. Em Angola, em 2003, só havia uma livraria evangélica em funcionamento, insuficiente para pôr no mercado o que uma editora pode produzir. Era preciso investir primeiro em uma rede de distribuição. Foi o que fizemos. Criamos uma empresa de importação e distribuição, com dois irmãos angolanos como proprietários; fizemos uma primeira importação, com crédito de um amigo do projeto e dos próprios fornecedores; reabrimos a Livraria Baptista, que fora criada em 1975; passamos a divulgar às igrejas que poderiam se abastecer em nosso estoque para abrir mesas de livros. Também oferecemos às escolas bíblicas ajuda para ampliar suas bibliotecas e suprir os alunos de livros-texto. A resposta foi impressionante. Nesses anos todos, a demanda só fez aumentar. Abriram livrarias – hoje são 22, em 12 das 18 províncias. Até ambulantes e camelôs vendem nossas bíblias! O desgaste - Outra maneira de saber quando é hora de sair é quando as forças acabam. Partimos para Angola no dia 9 de janeiro de 2003, com visto temporário. Disseram-nos que o visto permanente sairia em dois meses, o que não aconteceu. Depois dos dois meses, ficamos três meses na África do Sul e Moçambique, conhecendo o contexto de países vizinhos, visitando editoras e gráficas para aprender delas, conversando com outros missionários. Ficamos mais uma vez um tempo em Angola, sem sucesso em relação ao visto. Depois de um ano de vai e vem, a organização que tinha nos convidado desistiu do projeto, e ficamos só

como missionários da Convenção Batista Brasileira. Mas o projeto, por questões legais, tinha de ser particular, e foi assim que surgiu a empresa Prazer de Ler. Só que, com o fim do contrato que nos tinha trazido à Angola, perdemos novamente o visto! Ao todo, saímos 11 vezes. A que custo, emocional e financeiro! Angola é um país muito bonito, de gente e de paisagens. Deus nos deixou ver os frutos do trabalho: como as milhares de bíblias e os outros livros estavam fazendo diferença na vida do povo. Porém, ao fim de oito anos, estávamos cansados. A tragédia - No dia 27 de abril, fomos acordados por um telefonema. Era um pastor amigo nosso, para nos dizer que nosso filho mais novo, de 21 anos de idade, andando de moto na chuva, tinha sido apanhado por trás por um caminhão. Não resistiu, morte instantânea. Uma “tragédia” em outra escala foi a crise internacional que se abateu sobre os países ricos em 2008 e que chegou a Angola em 2009. O câmbio subiu em Angola e caiu no Brasil, e perdemos nas duas pontas. No fim, o desgaste e a tragédia nos convenceram de que, apesar de o projeto não estar pronto, pois criamos apenas a rede de distribuição, e não a editora, estava na hora de parar. Outros teriam de terminar o que tínhamos começado. Parceiros - O que também nos encorajou a sair foi o fato de que nossos parceiros no projeto, os dois irmãos angolanos que desde o começo estavam conosco e eram donos da empresa criada para viabilizá-lo, eram dois colegas qualificados para dar continuidade ao projeto. Queremos concluir fazendo nossas as palavras de encorajamento que Johan Loo, irmão da PIB de Curitiba, que é nossa casa, nos enviou, e que são certeiras em descrever como nos sentimos. Ele nos visitou um ano atrás: “Sabemos que não é fácil partir de um lugar que vivemos por vários anos. Mas, cremos que vocês estão partindo reunindo as três coisas de um bom encerramento de uma etapa da vida: 1) Sentimento de missão cumprida. Passaram o bastão para pessoas que vocês têm preparado durante anos. 2) Consciência limpa de que fizeram tudo em prol do reino e nunca em favor próprio. Lidar com tanto dinheiro não é fácil para ninguém, mas vocês mantiveram a idoneidade e o foco no objetivo de espalhar e semear a Palavra de Deus. 3) Amizades duradouras. Priorizaram pessoas e não tarefas. Particularmente, para mim, foi muito especial ter passado aqueles dias com vocês. [Vi que] levar a Palavra de Deus fisicamente às pessoas é tão importante como levar a Palavra ao coração das pessoas”. A íntegra desse relatório se encontra nos sites: www.missionar.com.br e www.pibcuritiba.org.br Primeira Igreja Batista de Curitiba | 27 de março de 2011

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