O Mundo Ao Lado: Uma volta ao mundo de bicicleta

Page 21

O mundo ao lado

Após anos de estrada, a viagem acabou, mas continuou me perseguindo durante algum tempo. Quando retornei para casa, durante os primeiros meses, eu ainda mantinha as bolsas com as quais havia viajado fechadas, com tudo o que eu carreguei durante meus anos de viagem. Era como se eu estivesse pronto para continuar viajando a qualquer momento. Mas esse momento não apareceu. Não deveria mesmo aparecer. O fato é que eu simplesmente não conseguia desfazê-las, mesmo sabendo que não iria para longe por um ano ou mais, nem pretendia pedalar tão cedo. Sabia que deveria ficar parado por algum tempo, caso contrário, corria o risco de nunca mais parar. No entanto, ainda me restava saber onde ficar. Minha cidade e minha casa já não eram mais “minhas”. Esses lugares se tornaram mais um local de passagem, como todos os lugares por onde passei. Sentia que eu não tinha um destino único. Às vezes, sentia que não tinha destino nenhum. Havia me acostumado ao movimento, vivendo cada momento como se fosse único e o último. Isso parecia não combinar com a vida na cidade. Assim, o espírito da viagem não me abandonou por meses. Da mesma forma pela qual não me tornara nômade da noite para o dia, no início da viagem, retomar a vida sedentária também me tomou certo tempo. Para a minha surpresa, o retorno se mostrou uma das partes mais difíceis de toda a jornada. A vida na cidade havia perdido completamente o sentido para mim. Ainda mais numa cidade como São Paulo, onde, até para os mais urbanos, muitas coisas não fazem sentido algum. Viver o momento e não se apegar a muitas coisas parecia ser o oposto do que a sociedade pregava. Eu não tinha planos de comprar um apartamento, nem um carro, nem de me endividar, nem de parecer mais inteligente, bonito e endinheirado do que eu realmente era nos círculos sociais da cidade. Eu apenas era eu, vivendo cada momento, e isso incomodava muita gente. Diversas pessoas me perguntavam sobre a viagem que eu havia feito. Escutava perguntas de todos os tipos; algumas delas, eu já havia ouvido milhares de vezes. Alguns gostavam e se encantavam com a ideia de eu ter feito uma viagem desse tipo; outros me olhavam com certa desconfiança, achando que eu devia ter algum problema e que não seria bom dar muita atenção a um louco. Como poderiam confiar em alguém que cortava o próprio cabelo, não tinha um carro bacana, usava roupas velhas e parecia não se conformar com as incongruências de uma cidade como São Paulo? Eu havia me tornado um animal selvagem e exótico para a maioria das pessoas.

PH2282.2_O_Mundo_ao_Lado_BOOK.indb 20

02/04/2014 18:30:42


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.