Suave Paisagem

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PEDRO CALAPEZ SUAVE PAISAGEM



PEDRO CALAPEZ SUAVE PAISAGEM Desde sempre muito interessado na obra de Pedro Calapez fui alimentando a ideia de poder ter uma mostra sua na Galeria cujo programa, já se percebeu, vive muito de exposições dos artistas com cuja obra me dá prazer conviver. O mais próximo que estive de o conseguir foi a apresentação em exposições colectivas de significativos conjuntos de desenhos da importante série Limites que, por razões que não vêm ao caso, herdei de uma galeria estrangeira. Os compromissos com as galerias suas representantes e a preocupação de manter contenção na oferta do seu trabalho eram, claro, os obstáculos com que me deparava; tinha como certo, de facto, que expor aqui não era ideia que o Pedro desdenhasse, ele cuja obra não raro está mais próxima do desenho do que da pintura. O conjunto de trabalhos agora apresentados divide-se claramente em 4 séries: a primeira, a das Paisagens, em que o traço é dominante, outra, a mais extensa, aquela a que a exposição vai buscar o nome, de belíssimas e delicadas manchas aguadas, as Suaves Paisagens, e ainda duas outras, mais ásperas, de cores elementares e formas claramente recortadas, Trasfondo e Estudos para Construção. Com pena minha não têm aqui lugar os desenhos muito próximos da arquitectura, tão frequentes na obra de Pedro Calapez, sobretudo nos anos 90, e de que são exemplos Muro Contra Muro e Interiores, de 1994/95 e Limites, de 1999. Para além do prazer que me daria mostrá-los seriam o adequado prenúncio da exposição que se seguirá.

Março 2011



NÚPCIAS ENTRE DOIS REINOS Eu passeio serenamente, com os meus olhos, os meus sapatos Esquecendo tudo George Bataille Senti o espaço que o meu corpo ocupava Pedro Calapez

Pedro Calapez começou a sua carreira pelo desenho, no seguimento de uma formação que acentuava essa disciplina. A grafite era então o material de eleição. Cedo a sua pintura passou para primeiro plano, mas nunca uma se sobrepôs à outra. O seu desenho não é uma base para outros trabalhos, como não pode ser considerado estudo, ou zona de teste de ideias. O seu desenho é obra em si, é pensamento em si. Constitui-se também como um modo diferente de fazer. Apesar disso, a pintura e o desenho interpenetram-se, transbordam de um para o outro, e temas que surgem na pintura são transpostos para o desenho (e vice-versa), como acontece na presente exposição. Trasfondo – uma série iniciada em pintura em 2010 - é uma palavra espanhola que significa o que está atrás, aquilo que está escondido para lá do visível. Os desenhos desta séria, são monocromas que representam construções simples. Formas básicas que imediatamente referenciamos ao universo da arquitectura. Emergem aqui como de se uma primeira camada se tratasse, o primeiro estrato de sentido. Aquele que aparece antes da entrada das outras cores, antes da sobreposição de estruturas. Depois acrescem-se outros. E surge Suave Paisagem, um conjunto de 16 desenhos que constituem um mural que defronta (no espaço da galeria) a série anterior. Nestas pequenas aguarelas encontramos já essa justaposição de formas, ou pelo menos uma complementaridade de diferentes formas e cores que juntas criam estruturas mais complexas. Em conjunto, esta duas séries celebram o enigma da visibilidade, da forma que desponta na superfície e ganha corpo e cor. Criam um quase nada, onde se encontra um todo.


A presença do espectador, do seu corpo (dos seus pés) que percorre a sala da galeria e imerge nas obras é fundamental para a seu leitura. Calapez fala de um sentir do espaço ocupado pelo corpo, um espaço – invisível mas profundamente denso - que colide com o dos desenhos. Para os contemplar, o espectador vê-se obrigado a esboçar um percurso, fazer escolhas que implicam um aproximar ou um afastar. Este é um envolvimento que transpõe os limites da obra e que simboliza as nossas próprias vivências, construídas sob processos constante de deslocação. As obras de Calapez situam-se num campo recente da pintura contemporânea onde já não existe uma dicotomia entre o abstracto e o real, mas antes uma convivência. O seu ponto de partida é sempre uma realidade tangível, a qual é transformada e alterada, estilizada e depurada, até se converter numa imagem em suspensão de significado. Situada entre uma memória milenar subconsciente (de formas elementares) e uma imagem inteiramente estranha. Se por um lado são desencadeadores de lembranças, por outro permitem um afastamento dessas mesmas reminiscências. Johannes Meinhardt fala da pintura abstracta depois da pintura abstracta para a qual não existe um termo exacto que a defina. Convoca-se então a expressão que Gilles Deleuze utilizava para definir devir: núpcias entre dois reinos. Os trabalhos de Calapez, e os desenhos apresentados nesta exposição em particular, são obras em processo de devir, entre a essência e a existência, o imaginário e o real, o visível e o invisível. Ao transpormos as primeiras salas da galeria, entrando num novo espaço, entramos também numa nova série radicalmente diferente das anteriores. A linha substitui a mancha – um traço indeterminado versus uma mancha concisa -, e a paisagem a arquitectura. Paisagem é uma série que traz ao de cima a dimensão arquivista e recolectora de Pedro Calapez. O seu processo de trabalho passa por uma recolha de material no computador, jornais, cadernos – do erudito ao banal - , o qual é armazenado para mais tarde ser transformado através do uso do computador.


Os desenhos que constituem esta série aconteceram por um acidente no atelier que justapôs fragmentos de desenhos diferentes. Calapez entusiasmou-se com o potencial que essa casualidade abriu para a descoberta de formas, e criou um conjunto de trabalhos que conjugam, aleatoriamente, fragmentos de desenhos (alguns deformados). A ligação entre os diferentes elementos criam novas topografias de aspecto antropomórficos, nas quais o confronto e a saturação são elementos chaves. A obra de Pedro Calapez é “um modo de pensamento directo através do qual o artista, recorrendo à razão e à intuição, elabora (cria) significado por meio dos seus materiais e por meio do processo da sua utilização” 1. Cada desenho, cada pintura que cria assemelhase a um caleidoscópio de novas possibilidades, de inauditas imagens que nunca deixam de nos fascinar e espantar. O conjunto de trabalhos apresentados nesta exposição voltam a demonstrar essa capacidade de Pedro Calapez em nos maravilhar, de nos levar a passear através de formas e cores. Permite que intuitivamente o olhar do espectador construa histórias (interiores) visuais, sempre fortemente assentes na tradição histórica da pintura e numa técnica exímia.

Filipa Oliveira

1 Márcia Hafif, De bem com a Pintura, in Johannes Meinhardt (ed.) Pintura: Abstração depois da Abtracção, Fundação de Serralves/Jornal Público, 2005, p. 109


DADOS BIOGRÁFICOS Nasceu em Lisboa,1953, onde vive e trabalha. Começou a participar em exposições nos anos 70, tendo realizado a sua primeira individual em 1982. O seu trabalho tem sido mostrado em diversas galerias e museus tanto em Portugal como no estrangeiro sendo de salientar as exposições individuais: Histórias de objectos, Casa de la Cittá, Roma, Carré des Arts, Paris e Fundação C. Gulbenkian, Lisboa (1991); Petit jardin et paysage, Capela Salpêtriére, Paris (1993); Memória involuntária, Museu do Chiado, Lisboa (1996); Campo de Sombras, Fundació Pilar i Joan Miró, Mallorca (1997); Madre Agua, Museo MEIAC, Badajoz e Centro Andaluz de Arte Contemporáneo, Sevilha (2002); Obras escolhidas, CAM- Fundação C. Gulbenkian, Lisboa (2004); piso zero, CGAC-Centro Galego de Arte Contemporáneo, Santiago de Compostela, Lugares de pintura, CAB-Centro de Arte Caja Burgos (2005); “Branca e neutra claridade”, Casa da Cerca, Centro de Arte Contemporânea, Almada (2009). Nas diversas mostras colectivas destaca-se a sua participação nas Bienais de Veneza (1986) e S. Paulo (1987 e 1991) bem como nas exposições 10 Contemporâneos, Museu de Serralves, Porto (1992); Perspectives, Centre d’art contemporain, Marne-La-Vallée (1994); Depois de Amanhã, Centro Cultural de Belém, Lisboa (1994); Ecos de la materia, Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, Badajoz (1996); Tage Der Dunkelheit Und Des Lichts, Kunstmuseum Bonn (1999); “Argumentos de futuro”, Caja San Fernando, Sevilha, Fundación ICO, Madrid; EDP.ARTE, Museu de Serralves, Porto (2001); “Del Zero al 2005. Perspectivas del arte en Portugal”, Fundación Marcelino Botín, Santander (2005); Beaufort Inside-Outside, Trienal de Arte Contemporânea, PMMK Museum, Ostende (2006); “Mapas, cosmogonias e puntos de referencia”, CGAC-Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela (2007);“Corpo,Densidade e Limite”, MACE – Museu de Arte Contemporânea de Elvas / Colecção António Cachola (2009).


2011 2010

2009

2008

2007

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

COLECÇÕES PÚBLICAS

(desde 2007)

Caixa Geral de Depósitos, Lisboa Centro de Arte Caja Burgos, Burgos Central European Bank, Frankfurt Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela Chase Manhattan Bank N.A, New York Colecção António Cachola, Elvas European Investment Bank, Luxembourg Fondación Coca-Cola España, Madrid Fondación Prosegur, Madrid/Lisboa Fundació Pilar i Joan Miró, Maiorca Fundação AIP, Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa Fundação EDP, Lisboa Fundação Luso Americana, Lisboa Fundação PLMJ, Lisboa Fundação Portugal Telecom, Lisboa Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, Badajoz Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid Museu de Serralves, Porto

Suave Paisagem, Galeria João Esteves de Oliveira, Lisboa (cat.) Trasfondo, Galeria Max Estrella, Madrid Desordem comum, Galeria Miguel Nabinho, Lisboa Descontinuidades, Galeria SCQ, Santiago de Compostela Dinomod, Galeria do Instituto Politécnico, Tomar Shape dialog, Galerie Seippel, Köln Mod-Rw-Céus, Galeria AH, Viseu Notas sobre um problema de método, CAV-Centro de Artes Visuais, Coimbra Na clareira, Galeria Presença, Porto Escala de color, Galeria Max Estrella, Madrid Branca e neutra claridade, Casa da Cerca, Centro de Arte Contemporânea, Almada (cat.) Planos, Galeria Lisboa 20, Lisboa

PRÉMIOS 2005 2001 1999 1998 1994 1990 1987 1986 1984

Prémio Nacional de Arte Gráfico” Calcografia Nacional da Real Academia de Bellas Artes, Madrid Prémio AICA, (Associação Internacional de Críticos de Arte -secção portuguesa) Prémio de Pintura EDP, Lisboa Premi Ciutat de Palma de Pintura, Palma de Mallorca Prémio El Brocense, Deputación Provincial de Cáceres Prémio de Desenho, Fundació Pilar i Joan Miró em Mallorca Prémio União Latina, Lisboa Exposição Amadeo de Sousa Cardoso, Museu de Serralves, Porto Arte dos Anos Oitenta,V Bienal de V.N.de Cerveira Lagos 84, Lagos



1PaIsagem, 2011 Pastel de 贸leo sobre papel, 121 x 80 cm


2 e 3 Paisagem, 2011 Pastel de 贸leo sobre papel, 80 x 121 cm


4 e 5 Paisagem, 2011 Pastel de 贸leo sobre papel, 80 x 121 cm



6 Trasfondo, 2010 AcrĂ­lico sobre papel arches 600g, 103 x 153,5 cm


7 e 8 Trasfondo, 2010 AcrĂ­lico sobre papel arches 600g, 103 x 153,5 cm


9 Trasfondo, 2010 AcrĂ­lico sobre papel arches 600g, 103 x 153,5 cm


10 e 11 Suave paisagem, 2010 AcrĂ­lico ou aguarela sobre papel, 29,5 x 42 cm


12 e 13 Suave paisagem, 2010 AcrĂ­lico ou aguarela sobre papel, 29,5 x 42 cm


14 e 15 Suave paisagem, 2010 AcrĂ­lico ou aguarela sobre papel, 29,5 x 42 cm


16 e 17 Suave paisagem, 2010 AcrĂ­lico ou aguarela sobre papel, 29,5 x 42 cm


18 e 19 Suave paisagem, 2010 AcrĂ­lico ou aguarela sobre papel, 29,5 x 42 cm


20 e 21 Suave paisagem, 2010 AcrĂ­lico ou aguarela sobre papel, 29,5 x 42 cm


22 e 23 Suave paisagem, 2010 AcrĂ­lico ou aguarela sobre papel, 29,5 x 42 cm


24 e 25 Suave paisagem, 2010 AcrĂ­lico ou aguarela sobre papel, 29,5 x 42 cm



26, 27 e 28 Passagem, 2010 Aguarela sobre papel, 30 x 90 cm


29 Passagem, 2010 Aguarela sobre papel, 45 x 60 cm


30 Passagem, 2010 Aguarela sobre papel, 45 x 60 cm


31 e 32 Estudo para construção, 2010 Acrílico sobre papel, 29,7 x 29,7 cm


33 e 34 Estudo para construção, 2010 Acrílico sobre papel, 29,7 x 29,7 cm


LAYOUT Atelier Henrique Cayatte | PAGINAÇÃO Maria Carvalho PRÉ-IMPRESSÃO Critério – Produção Gráfica, Lda. | IMPRESSÃO E ACABAMENTO MR – Artes Gráficas, Lda. DEPÓSITO LEGAL 192554/03 | N.º EXEMPLARES 450 | MARÇO 2011


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