pedro calapez
branca e neutra claridade [white and neutral clarity]
pedro calapez
É com grande orgulho e satisfação que Almada pode apreciar, mais uma vez, a obra de Pedro Calapez, desta feita com a exposição patente na Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, Branca e neutra claridade. Uma oportunidade singular para ver trabalhos de pintura, desenho, instalação vídeo e escultura, daquele que é um dos mais conhecidos e conceituados artistas portugueses da actualidade. Esta é, sem dúvida, uma forma excelente de encerrar as comemorações dos 15 anos deste centro de arte contemporânea, numa mostra que ocupa todas as salas expositivas da Casa, reunindo mais de cem peças. A Casa da Cerca cumpre assim, mais uma vez, o seu papel de protagonista na divulgação da arte contemporânea, afirmando-se, ao longo de década e meia de existência, como um espaço cada vez mais importante no panorama artístico da actualidade. Em Almada, a arte de Pedro Calapez é sobejamente conhecida. Além das oportunidades que já tivemos em ver o seu trabalho, com exposições realizadas em 2004 (na Casa da Cerca, no âmbito de uma exposição colectiva) e em 2006 (no Teatro Municipal), Calapez é o autor da fantástica cortina de sala do Teatro Municipal de Almada, obra que concebeu para a Câmara Municipal em 2005. Esta cortina, obra de arte de valor inestimável para a cidade, não se cansa de surpreender todos aqueles que, pela primeira ou milésima vez, a olham e dela apropriam os seus traços, os seus vultos, os seus contornos. Tendo-se já assumido como uma das “marcas” deste equipamento municipal, que quotidianamente recebe centenas de pessoas nos mais variados eventos, a arte criada naquela cortina reflecte a extraordinária capacidade imaginativa do seu autor. Pedro Calapez tem a sua obra divulgada por todo o país, sendo admirada por milhões de pessoas. Não quero aqui deixar de referir o trabalho que efectuou para a Igreja da Santíssima Trindade, em Fátima, concebendo para este importante lugar de culto, inaugurado em 2007, a porta central e vinte painéis de bronze, os Mistérios do Rosário. Sublinhando o grande valor artístico do trabalho de Calapez, o contributo que vem dando à arte e à cultura em Portugal, e destacando também a forma como o seu trabalho tem representado um benefício para o Concelho de Almada e para os Almadenses, é com grande prazer que desejo aqui felicitar vivamente o Autor Pedro Calapez por mais esta exposição em Almada, desejando que ela constitua um novo motivo e uma nova oportunidade de enriquecimento do conhecimento e de prazer para todos quantos a visitem. Maria Emília de Sousa Presidente da Câmara Municipal de Almada
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It is with great pride and satisfaction that Almada can once again appreciate the work of Pedro Calapez, this time with the exhibition on display at the Casa da Cerca – Contemporary Arts Centre, White and Neutral Clarity. A unique opportunity to see paintings, drawings, video installation and sculpture by someone who is one of the most renowned and highly regarded Portuguese artists of today. This is without doubt an excellent manner of concluding the commemorations of the fifteenth anniversary of this contemporary arts centre, in a showing that occupies all of the exhibition spaces in the premises and including over one hundred works. The Casa da Cerca is thus once again fulfilling its role as a protagonist in the divulging of contemporary art, making itself known over the last decade and a half of its existence as an increasingly important space on the current artistic panorama. Pedro Calapez’s art is widely known in Almada. Besides the opportunities we have had to see his work, with exhibitions held in 2004 (at the Casa da Cerca, as part of a group exhibition) and in 2006 (in the Municipal Theatre), Calapez is the author of the fantastic curtain in the hall of the Almada Municipal Theatre, a work he designed for the City Council in 2005. This curtain, a work of art of incalculable value for the city, never ceases to surprise all those who, for the first time or the thousandth, see it and appreciate its lines, its shapes and its outlines. The art created in the curtain reflects Calapez’s extraordinary imaginative capacity, and has now become accepted as one of the trademarks of the theatre, which receives hundreds of people everyday to attend the most varied events. Pedro Calapez’s can be seen throughout the whole of Portugal, and is admired by millions of people. I would here like to mention the work he made for the Holy Trinity Church in Fatima, this important place of worship inaugurated in 2007, designing the central door and twenty bronze panels, the Mysteries of the Rosary. Stressing the great artistic value of Calapez’s work, the contribution that he has made to art and culture in Portugal, and also highlighting the way that his work has represented a benefit for the area of Almada and for its inhabitants, it is with great pleasure that I wish to here heartily congratulate Pedro Calapez for this exhibition in Almada, hoping that it will constitute another reason and a new opportunity for enriching knowledge and for pleasure for all those who visit it. Maria Emília de Sousa President of Almada Municipal Council
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POR DENTRO DO HORIZONTE
“un dibujo no es más que la renovada experiencia de interpretación del mundo.”
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A realização desta exposição de Pedro Calapez na Casa da Cerca tem um gosto acrescido já que se trata de um projecto e de uma vontade antigas que, por razões diversas, não tinha sido ainda possível concretizar. Ao entregar-lhe a Casa, para que a ocupasse na totalidade das suas áreas expositivas, recebemos empenho, entusiasmo, rigor, disponibilidade que, para o público que nos visita, se concretiza em mais de cem obras que aqui estão entre desenhos, pinturas, instalação vídeo e escultura, desde 1999 a 2008. Na sua maioria com sentido seriado permitem acompanhar a narrativa de um discurso plástico que, independentemente do suporte, flui, lógico, coerente, auto-excluindo outras possibilidades e caminhos. Paisagens, arquitecturas e espaços, tangíveis à sua impossibilidade (real) de o serem, dão conta do protagonismo mediador do desenho e do traço, exibindo conceitos, emoções. Inventando as “não-coisas”, os “não-lugares”, manipulando o espaço físico do suporte desmultiplicado interior e exteriormente, onde a mão alcança a primazia – é riscadora de vestígios. Pedro Calapez. Branca e neutra claridade dá conta desses sucessivos desdobramentos onde a emoção da linha constrói e reconstrói a matéria do desenho ou da pintura. Onde a arqueologia da memória se encosta, se amplia, se ajusta e se desvenda nos sulcos que abre nas superfícies do papel ou se fixa nas manchas de cor das pinturas. São infinitos os caminhos desta procura. De certo que, em qualquer destes infinitos planos, encontraremos Pedro Calapez olhando pela janela, a sua, que teima em abrir sobre o mundo, este, porém, também nosso. Ana Isabel Ribeiro Directora da Casa da Cerca
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COPÓN, Miguel – Las palavras del dibujo: sobre el pensar gráfico. In “Los nombres del dibujo”. Madrid, Cátedra, 2005, p. 563.
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INSIDE THE HORIZON
“a drawing is no more than the renewed experience of interpretation of the world.”
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The holding of this exhibition by Pedro Calapez at the Casa da Cerca has an increased sense given that it is a long-standing project and desire which, for several different reasons, it had not been possible to carry out until now. In turning over our space to him in order for him to completely fill its exhibition areas, we are receiving commitment, enthusiasm rigour and availability that are shown to our visitors in more than one hundred works here present, including drawings, paintings video installations and sculpture from 1999 to 2008. The works are generally presented in series, and allow one to follow the narrative of a plastic discourse which, independently of the support, flows logically and coherently, self-eliminating other possibilities and paths. Landscapes, architectures and spaces, tangible to the (real) impossibility of being so, reveal the mediating protagonism of the drawing and the line, exhibiting concepts and emotions. Inventing the “non-things”, the “non-places”, manipulating the physical space of the support that is multiplied on the inside and outside, where the hand achieves primacy – is one that wipes out vestiges. Pedro Calapez. White and Neutral Clarity deals with these successive unfoldings in which the emotion of the line constructs and reconstructs the matter of the drawing or of the painting. Where the archaeology of memory rests, is widened, is adjusted and is revealed in the furrows that it opens on the surfaces of the paper or is fixed in the fields of colour in his paintings. The paths of this search are infinite. Without doubt, in any of these infinite planes we will find Pedro Calapez looking out of the window – his – that he insists on opening onto the world; the latter, however, is also ours. Ana Isabel Ribeiro Director of the Casa da Cerca
* COPÓN, Miguel – Las palavras del dibujo: sobre el pensar gráfico. In “Los nombres del dibujo”. Madrid, Cátedra, 2005, p. 563.
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ARS COMBINATORIA Pedro Calapez
uma casa. duas mesas. alguns ramos. um tremor nas mãos. escorre a água sobre a mesa. passo os dedos pelo musgo verde. mordo os dedos até fazer sangue. o frio passa mas vai voltar. a incidência da luz nas dobras na cortina acentua o suave ondulado. há restos dentro das caixas. apagam-se as lombadas dos livros. o isolado caminho causa desorientação. horizonte limpo. algum pó se acumula no canto da sala. a janela não fecha bem e o som da rua invade este silêncio. a mão procura uma folha. a aguarela desfaz-se na taça molhada. caem as pétalas das flores secas na jarra. o papel amarelece com o espalhar da tinta. outra folha. os hexágonos persas do tapete cruzam os seus vermelhos. são agora seis da tarde. o dia já não se reflecte no edifício do outro lado da rua. ouvem-se as badaladas num velho relógio de parede. vazio. não sei o que penso. as ideias não fluem antes de ter uma imagem. acreditar na dúvida. o que acontece é determinado num decisivo momento. o que acontece no desenho é determinado no decisivo momento de trabalhar. de que tratam os meus desenhos? de que tratam as linhas que traço num papel? uma imagem resulta na combinação de diferentes desenhos. estes continuam-se uns nos outros. geram-se associações imprevistas. caprichos dos movimentos da mão. desligo a luz. Rothko diz que o silêncio é o mais acertado. Para Cacciari é a representação da solidão que nos surpreende e apaixona. Kubin fala-me duma mão desconhecida e imemoravelmente putrefacta que esboça ligeiramente umas linhas sobre uma pequena folha de papel. conheço bem essa mão que foge de mim e revela quem sou sem eu dar por isso. um jornal está aberto sobre a mesa. num modelo, uma cabeça parada, dura e brilhante, anunciam-se distintas faculdades: intuição, raciocínio, reflexão, estrutura, observação, visualização, conhecimento, acção, associação, critica, causalidade, exploração, planeamento, tempo, cor, medida, forma, dimensão, peso, ordem, clareza, sistema, cálculo, estimativa, figura, linguagem, amor, sexo, memória, memória verbal, memória visual, modulação, humor, malvadez, espiritualidade, fé, confiança, egoísmo, especulação, esperança, respeito, veneração, antiguidade, firmeza, consciência, justiça, integridade, circunspecção, ambição, dignidade, auto-estima, independência, conectividade, continuidade, destruição, propensão, constância, história. levanto-me e desloco-me para a porta da sala. as duas meias portas encostadas deixam agora vislumbrar um pequeno cenário. a frincha determina o formato dessa vista, estreita e vertical onde um vermelho e um azul reverberam. vejo também um pequeno papel rasgado. branca e neutra claridade nesse fundo de cor. a paisagem esvazia-se mas fica plena no seu espaço. na sua vastidão o tempo também parou. estar dentro da paisagem é como ter existido desde há muito tempo, como nos diz Nooteboom. o soalho da sala é escuro e encerado. as arestas de cada tábua definem linhas paralelas. está escuro aqui. já não vejo bem. o olhar foca dificilmente os móveis nesta penumbra. balbucio um alfabeto de formas. tento enumerar o inumerável. catalogar o que inevitável
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e continuamente se transforma. numa referência a Leibniz poderia estabelecer-se que todos os desenhos são o resultado da combinação de um relativamente pequeno número de simples desenhos. todos os conceitos seriam assim expressos em combinações apropriadas de imagens, que se decomporiam em desenhos mais simples. por outro lado, se andarmos ao contrário, elaborando um determinado conjunto de pequenos traços, inesperados e inéditos conceitos aparecerão. os meus bancos de imagens funcionam em múltiplos sentidos e perturbam as escolhas. nada preexiste na folha branca do papel de desenho. o alfabeto das formas desfaz-se nas suas letras. o desenho reencontrou alguma coisa e eu continuo a não entender. Janeiro 2008
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ARS COMBINATORIA Pedro Calapez
a house. two tables. some branches. a trembling of the hands. water runs over the table. I run my fingers over the green moss. I bite my fingers until they bleed. the cold goes away but it will be back. the light cast on the folds in the curtain accentuate the soft rippling. there are remains inside the boxes. the backs of the books are erased. the isolated path causes disorientation. clear horizon. some dust is accumulated in the corner of the room. the window doesn’t close properly and the sound of the street invades this silence. my hand seeks a sheet of paper. the water colour comes apart in the wet bowl. the petals of the dried flowers fall into the vase. the paper yellows with the spreading of the paint. another sheet. the Persian hexagons on the rug cross their reds. now it is six in the evening. The day isn’t reflected on the building over the road anymore. one can hear the chiming of an old wall clock. emptiness. I don’t know what I’m thinking. ideas don’t flow before one has a picture. believing in the doubt. what happens is determined at a decisive moment. what happens in the drawing is determined at the decisive moment of working. what are my drawings about? what are the lines I draw on paper about? an image results in the combination of different drawings. these carry on from one to the next. unforeseen associations are generated. whims of the movements of the hand. I turn the light off. Rothko says that silence is most suitable. for Cacciari it is the representation of solitude that surprises and impassions us. Kubin tells me about an unknown and immemorially putrefied hand that lightly draws some lines on a small sheet of paper. I know well that hand that flees from me and reveals who I am without noticing it. a newspaper is open on the table. on a model, a still, hard, and shiny head announces different faculties: intuition, reason, reflection, structure, observation, visualisation, knowledge, action, association, critique, causality, exploration, planning, time, colour, measurement, form, dimension, weight, order, clarity, system, calculation, estimation, figure, language, love, sex, memory, verbal memory, visual memory, modulation, humour, evilness, spirituality, faith, trust, egoism, speculation, hope, respect, veneration, antiquity, firmness, conscience, justice, integrity, circumspection, ambition, dignity, self-esteem, independence, connectivity, continuity, destruction, propensity, constancy, history. I get up and go over to the door of the room. the two half doors allow one to glimpse a little scene. the gap determines the format of this narrow and vertical view in which a red and a blue reverberate. I also see a little torn piece of paper. white and neutral clarity on that background of colour. the landscape empties but remains full in its space. in its vastness time has also stopped. being inside the landscape is like having existed for a long time, as Nooteboom tells us. the living-room floor is dark and waxed. the edges of each board define parallel lines. it is dark here. I can’t see very well now. my gaze focuses on the furniture with difficulty in this penumbra. I stutter an alphabet of shapes. I try to
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enumerate the innumerable. to catalogue what is inevitable and is continuously transformed. in a reference to Leibniz it could be established that all drawings are the result of the combination of a relatively small number of simple drawings. all concepts would thus be expressed in appropriate combinations of images, which would be decomposed into simpler drawings. on the other hand, if we go backwards, elaborating a determined set of small lines, unexpected and hitherto unknown concepts will appear. my image banks function in multiple senses and perturb the choices. nothing pre-exists on the white sheet of drawing paper. the alphabet of the shapes is undone in its letters. the drawing has re-encountered something and I still don’t understand. January 2008
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A LINHA E O RISCO
Emilia Ferreira: O que é fundador no teu trabalho? O desenho ou a cor? Pedro Calapez: Se pensar em termos históricos, as primeiras obras são desenhos, mas desenhos que têm uma estrutura parecida com a pintura. Não são desenhos fundadores de pintura nem de outras obras, desenhos de estudo, não têm a ver com a ideia do desenho como conceito. São desenhos que saem directamente para o papel como se de uma pintura se tratasse. Portanto, nesse sentido comecei com o desenho como podia ter começado com a pintura, mas de facto o desenho faz sentido, não só pela formação inicial que tive e que tinha um grande acento no desenho, mas de facto também pelos estudos que nos anos 70 fiz com o Sá Nogueira, dos esquemas de cor da Bauhaus e dos contrastes de cor, dos exercícios, propostos pelo Johannes Itten. Digamos que o lado da cor estava latente também, não é? Há no princípio dos anos oitenta um material privilegiado, que é a grafite e portanto todos os trabalhos começavam dessa maneira. Mas por isso é preciso aclarar essa questão do que é o desenho e do que é a pintura, no sentido de que para mim eram apenas meios de poder exprimir uma ideia num papel. Como começas um projecto? Tens um modus operandi comum ou varia de caso para caso? Tenho trabalhado muito por séries e naturalmente que há títulos de trabalhos que enunciam outras séries. No entanto, as transições entre séries são feitas muitas vezes por interpenetração; portanto no desenvolvimento das séries há trabalhos que enunciam as seguintes e portanto a certa altura poderia perguntar porque é que há uma que se chama “momentos” e outra que se chama “lugar”, pois há semelhanças e zonas de ligação, que verdadeiramente não tipificam através do título as séries de trabalho. Mas há conjuntos de preocupações que têm a ver com a estrutura do que se está a fazer, de uma ideia que se quer estudar e pensar como é que se vai traduzir num trabalho de uma determinada maneira. Isto, de certo modo, tipifica conjuntos de coisas que faço. Nesse sentido há séries de trabalhos e se formos a ver, nos anos noventa por exemplo, há uma grande insistência em realizar trabalhos mais monocromáticos, que no entanto não são verdadeiramente monocromáticos porque há muita textura na tinta, há um desenho sulcado... Nos anos 90 esses fundos tornam-se mais coloridos, e o desenho está lá umas vezes, outras vezes desaparece; mas quase que levou cinco ou seis anos a desaparecer. Por exemplo: nas primeiras vezes que usei esses fundos mais coloridos foi à volta de 1996/97, e em 2003 ainda aparecem alguns trabalhos em que o desenho se mistura num fundo. E voltamos à questão do desenho e da pintura, que no meu caso é muito claro, porque ou são manchas de cor muito fortes, que funcionam como fundo para um desenho ou então elas são autónomas e funcionam como pintura abstracta e em diferentes registos, quer seja de conotação mais paisagística ou arquitectónica, ou da
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mais pura sensualidade da cor e da expansão de condições intrínsecas às diferentes cores. De qualquer modo, o que tipifica o desenho, no meu caso, é a referência à representação – da paisagem, da arquitectura, do espaço, exterior ou interior, espaços envolventes dum figurante, eventualmente um observador. São temas que me acompanham sempre e portanto que não funcionam em oposição. Se faço desenhos com arquitecturas, a seguir posso parar para desenvolver um trabalho só em pintura, em que as cores tomam a dianteira de uma maneira muito clara e evidente. De facto, as duas situações coincidem, ou funcionam em paralelo, havendo situações em que se interpenetram e em que o espaço da cor e o da linha por vezes competem, por vezes se juntam e se contaminam. Mas quando começas uma série sabes o que procuras ou segues uma pista que não sabes aonde vai dar? Realmente há uma ideia de qualquer coisa que se viu, seja uma obra de que se gostou, na História da Arte, algum pormenor, tema ou assunto que se acha que se pode vir a explorar. Há em seguida um natural desenvolvimento, por vezes com caminhos que se afastam muito desses pontos de partida. Além do computador, onde mantenho os meus bancos de memória, tenho uns cadernos em que reúno desenhos. Também recolho recortes de jornais ou outras coisas que distraidamente guardei, fotografias, enfim material para vir a trabalhar. Agora os caminhos que surgem depois são... é engraçado por exemplo que um chão seco pelo sol, que é o tema de uma das peças que vai estar na cisterna, uma obra de chão, que é o “Ground 02” (2006), provocou uma outra obra agora vertical. Surge assim uma tensão, as diferentes possibilidades sobre o que uma obra poderá vir a ser. O facto de ter considerado essa alteração fez resultar uma nova série de peças, recortes em alumínio que são colocados numa parede. Assim, já não temos aqui peças de chão mas sim uma outra coisa que partiu dessa referência. E de seguida podem desaparecer as referências a paredes, a arquitecturas, para termos outra coisa. Nesse sentido, há sempre que aproveitar as opções que acontecem no processo de trabalho e quando não se podem desenvolver nessa altura tomo nota no meu livro e lá ficam, para vir a trabalhar num qualquer futuro. Pegando no computador – estavas a falar no banco de dados –, como é que trabalhas as imagens que te vêm de um banco de história? O Mariano Navarro fala nelas e tu há muitos anos que as citas, por exemplo, o Giotto, o Fra Angélico ou outros, a quem “recorres” por questões de arquitectura, de espaço. A influência continua a ser a mesma? E como é com o computador? Sim, o computador é apenas para mim um sistema prático e fácil. Por um lado, um armazém de dados, por outro, as aplicações, digamos os softwares, que o computador disponibiliza, permitem o transformar dessas imagens e o juntar de dados novos e o tal processo que, para além de arquivista/documentalista, será um processo de uso duro da tecnologia. De facto, uso diversos programas de computador para transformar e alterar as imagens que recolhi, sejam elas desenhadas por mim ou fotografadas por mim, ou feitas por outros; sejam elas da história da arte, da banda desenhada, da arquitectura, do que for... Tomo pormenores ou a totalidade, altero, transformo conforme me apetece, num trabalho com o ecrã, quero dizer, com o ecrã do computador. Há um texto em que falo sobre a questão da manipulação das imagens no computador e em que reflicto um pouco sobre essa questão
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da velocidade, do problema do infinitamente pequeno e do infinitamente grande, da alteração da noção de escala que se processa por se estar a trabalhar num “rectângulo de imagem” que tem a ver com um modo de percepção que se desenvolveu e transformou com o advento da televisão. A questão do ecrã é, hoje em dia, um dado que, tenho quase a certeza, alterou o nosso modo de ver o mundo no sentido visual concreto, que determinou uma nova maneira do olhar. No século XIX o enquadramento de características fotográficas impõe-se à tradicional janela de que se começou a falar no séc. XV. Por exemplo, em Degas ou Manet sente-se a experimentação de enquadramentos que denotam o conhecimento da câmara clara e da fotografia; como para muitos outros artistas é clara nessa altura a referência ao olhar/imagem fotográfica e depois ao cinema. Mesmo que alguns não tivessem experimentado fisicamente o processo fotográfico o modo de fixação do campo visual representado redefiniu o modo de olhar. E penso igualmente que a televisão o provocou, não só para quem olha, porque observa com esses referentes, como para quem faz, porque trabalha dentro dessa tecnologia. Voltando só a pegar na questão da escala e no modo como o trabalho em computador a altera: quando depois passas o trabalho para outros suportes como é que defines a escala final? Alguns dos trabalhos mais importantes para mim têm uma escala relativamente grande... O que é que define a escala? O que a define é a proporção humana. É o nosso tamanho que define o que é grande ou o que é pequeno. E nós, quando olhamos para um quadro a uma determinada distância, geralmente à distância da mão, como se pudéssemos tocar, estamos perante o que é considerado o tamanho a que se poderia chamar “normal”. Mas quando a postura visual ultrapassa os limites da chamada “janela” que o quadro provoca no olhar, o envolvimento do olhar passa a processar-se de uma maneira diferente. É a imagem que acaba por avançar para a “casa”, a “cidade”. Ou seja, a situação do espectador passa a ser diferente e a sua relação com a imagem altera-se. Esse lado do ambiente, do envolvimento do olhar, do ultrapassar dos limites do quadro tradicional em que se passa para fora, para “o lado de lá”, acaba por nos confrontar de uma maneira muito mais física. O que me levou a fazer quadros ou desenhos de grandes dimensões foi a possibilidade de questionar onde é que está o fim das coisas. Quando as imagens ultrapassam o nosso olhar, como que escapando atrás da nossa cabeça, projecta-se um infinito que não dominamos e que queremos conhecer. Nesse sentido, os trabalhos que surgem neste ecrã, nesta janela do computador, são sistemas de transparências, de projecção. Sistemas que ajudam a determinar a ampliação final da imagem. No entanto, não há nada que pré-determine as grandes dimensões. Já tenho feito alguns desenhos no computador em que a sua materialização física se traduz praticamente na mesma escala do original. O computador é uma tecnologia fria. Trata-se de conjuntos de pixéis, elementos electrónicos, pontos mais ou menos luminosos, cores pré-determinadas, simulações da realidade. Os softwares são sistemas de simulação em que por exemplo ao fazer um traço a imagem resultante sugere uma pincelada em aguarela. O paradigma daquilo que se considera arte é promovido ao ponto de podermos ser impressionistas, pontilhistas... Digamos: tudo se pode traduzir dentro de referências que caracterizam o campo da “Arte”. Os softwares estão aí para fazer isso. É claro que nós
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podemos usar esses instrumentos para depois os transformarmos e aproveitarmos insuspeitadas potencialidades. De qualquer modo, voltando ao princípio, estamos a dialogar com um mundo virtual, não há uma física materialidade e portanto estamos no pólo oposto do que se passa quando se trabalha sobre um papel ou sobre uma superfície com pastas de tinta. Estas são situações de tal modo “tácteis” (visualmente tácteis), já que se pode mexer, sentir o relevo e as espessuras, a maneira como estas alastram ou alisam a superfície, que é imperativo transpor-me do virtual ao material, porque há um conjunto de dados, de situações diferentes, que acentuam ainda mais a interacção com o espectador. Continuas a ir buscar influências dos mestres antigos apenas nos elementos espaciais do teu trabalho? Porque continua a não haver presenças humanas, o que é interessante porque nesse espaço não mimético que tu crias, temos, enquanto espectadores, um silêncio, uma liberdade e uma apropriação nossa desses “lugares”, que se torna muito apelativa para quem vê. Para mim a presença humana tem sido o espectador. E portanto encarar a questão do envolvimento, não só do olhar, mas do presenciamento da obra. Se calhar ainda não desenvolvi suficientemente isso, ainda não consegui introduzir esses fantasmas no meu trabalho, como quando nos vemos reflectidos num espaço, como naquelas obras do Pistoletto, que têm espelhos e nós estamos lá dentro dialogando com as imagens que ele cola ou com os objectos que justapõe nesses espelhos. À partida não excluo nada, quero estar aberto a todas as possibilidades e se até este momento as minhas obras não incluíram a figura foi porque me interessaram mais os dispositivos onde as figuras se movem, defrontando um espectáculo pré-determinado. Dois aspectos que queria esclarecer. Um: por um lado, continuas a recuperar elementos cenográficos, espaciais, desses mestres, sem presença humana. Por outro, nos Mistérios, há mãos. Como é que aparecem esses elementos humanos? Bem, o caso dos Mistérios é específico de uma encomenda. De qualquer modo já tenho representado o corpo humano, mas não tem sido objecto de trabalhos concretos. Posso usar tudo, são escolhas muito subjectivas, têm a ver com aquilo que me seduz, tem a ver com o meu gosto de passear pelas cidades, de ir olhando para a parte de cima dos prédios, de ir olhando para os meus pés, de ir olhando para o chão que vai passando por baixo dos meus passos... No contacto com o espaço envolvente da arquitectura, com o espaço da paisagem, determinam-se muitas das escolhas que faço, mas, como já disse, o campo está aberto e não excluo a representação do corpo humano, como não podia excluir, no caso dos Mistérios. Tratou-se de uma encomenda, para a nova Igreja de Fátima, a Igreja da Santíssima Trindade, e em que era obrigatório representar, nos painéis que ladeiam as portas principais, cenas que demonstrassem os vinte temas dos Mistérios do Rosário. Ora a questão aí é que por um lado eu tentei sintetizar e abstraccionar ao máximo o desenho, mantendo-se a leitura da cena, mas por outro lado que o desenho tivesse força em si e uma certa autonomia. Claro que havia que atingir um equilíbrio, porque eu não podia começar numa mão e acabar numa mancha qualquer, porque aquela mão tinha que se continuar a ver, ou o desenho de uma cabeça tinha que estar presente. Tudo dependia dos temas que era necessário representar.
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Mas tentei tornar a linha o mais sintética possível para que ela pudesse ter também uma leitura alternativa revelando um traço que deambula numa superfície. Acho que consegui assim um certo grau de abstracção, de transformação da realidade dos temas numa realidade paralela, uma realidade plástica que tem a ver com os elementos do desenho em si. E portanto aquela mão que referi, que é construída pelas linhas que fazem a representação de uma mão, também é uma linha que percorre de determinada maneira uma superfície. Como é que lidas com a encomenda? Tenho sentimentos mistos. Quero dizer, gosto imenso do desafio mas trata-se de um outro tipo de trabalho, que me levanta sempre dificuldades de diferente géneros. Tenho respondido aos desafios que me propõem, como no caso desta igreja em Fátima ou outros trabalhos que tenho feito em projectos de arquitectura. E, fazendo um “flashback”, sobre o que já foi feito nestas circunstâncias posso dizer que tenho encontrado soluções que me agradam. Há trabalhos em que os resultados surgiram mais colados aos interesses de quem encomenda, outros mais afastados, mas sempre me excitou ter de cumprir um programa definido por outros. Também fiz alguns trabalhos de cenografia onde deparei com o mesmo tipo de problemas pois se trata da concepção de espaços que resolvam um texto. Quando se pede “olha, faz-me aí o desenho de um mar”, há em quem pede esse mar uma ideia mais ou menos preconcebida sobre o resultado que pretende. Resta-me tentar contribuir com algo mais do que aquilo de que se está à espera. E este “algo mais” por vezes depende das expectativas ou condicionantes de quem encomenda. O processo criativo – seja no desenho, seja na pintura – para ti é mais mental ou mais intuitivo? Por exemplo: na pintura, como é que escolhes as cores? A escolha das cores é muito intuitiva, muito visual também. Pensando no que aprendi – e há trinta ou trinta e cinco anos fazia quadradinhos com cores para estudar a sua mistura, contrastes e “dégradés” –, tanto o Rocha de Sousa como com o Sá Nogueira são referências fundamentais, pois nos exercícios que propunham obrigavam ao estudo sistemático da cor. E no entanto é preciso esquecer tudo isso para voltar a fazer de um modo natural como se esse universo de referências tivesse desaparecido. Mas ele está lá sempre presente, escondido. É inevitável que quando estou a pôr um conjunto de cores num conjunto de painéis e sendo alguns dos princípios seguidos o das associações ou dissociações entre cores, que esse esquecimento esteja presente nas opções de escolha. Por exemplo, poderei não ter um rosa shocking, mas um rosa mais quebrado, um verde-mar em vez de um verde turquesa mas as escolhas reflectem aprendizagens antigas e que estão sempre ao serviço daquilo que se está a fazer. Lembro um texto em que refiro que por vezes alinho uma paleta de cores como ponto de partida. Vou assim pintar e às vezes dizer como premissa conceptual “vou só pintar com estas cinco cores que tenho aqui e vou fazer tudo o que conseguir fazer, mas não posso usar outras cores”; é um exercício e um desafio que põe tantos problemas como se tivesse dito que podia usar todas as cores. Trata-se de definir um horizonte que poderá proporcionar um resultado não antecipado. E há sempre a descoberta que se passa no trabalho, as opções
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que se tomam e em que não há premeditação ou conceptualização. Acho, aliás, que há algo intrínseco ao “fazer” que passa pelo exacto momento do “estar a fazer”. Portanto, não há nada que o substitua. Uma das situações mais interessantes para mim resulta do deslumbramento. Há uma expectativa... uma expectativa de deslumbramento. Se o trabalho não me acrescenta nada, normalmente eu vou refazê-lo até ele me trazer alguma coisa de novo, de surpreendente. E as combinações são infinitas e as situações são infinitas. Quando estou a trabalhar por vezes não consigo parar enquanto não atinjo um determinado “momento”. Depois tenho que não olhar durante um certo tempo e quando volto a olhar pode acontecer que já não está a resultar. Tenho que intervir de novo. Quando por vezes está mal, e não se sabe porquê, tem que se arriscar e experimentar por exemplo uma outra cor. Mas pode resultar pior. Mas esse pior é sempre melhor, porque quando uma coisa não está bem ela não pode ser, não pode existir. E quando não pode ser, o que é que acontece? Deita-se fora. E faz-se quadros cinzentos, porque entretanto as cores misturaram-se todas e ficam todas cinzentas ou castanhas. No caso do trabalho de um desenho, o quadro vai-se riscando e pode ficar todo negro; e assim um pequeno traço se transmutou de um linha negra num fundo branco num fundo completamente negro. Há situações em que não se sabe parar. Pode-se ter tido “um momento” e continuado a pintar e esse momento especial perdeu-se, não é? Não há então que lamentar, mas continuar porque todo o trabalho resulta da experiência, do contínuo trabalhar. Há uma consciência que se constrói e desenvolve com o tempo fazendo parte dum processo de aprendizagem que nunca acaba. Sempre que começo a pintar espero algo novo, mas trabalho como tendo esquecido tudo o que fiz anteriormente. As coisas não se somam umas às outras. Há situações novas, que vão acontecendo e há que entender que se “isto pode ser imenso para todos os outros, mas para mim não é”, deita-se fora, recomeça-se. Era uma das perguntas que eu tinha: se deitas muito fora? Mas de algum modo já está respondido. O que deito mais fora talvez seja tinta suja. Mas geralmente aproveito para repintar. Aliás acho que o Strindberg refere que os momentos melhores, os mais descomprometidos no seu acto de fazer, eram quando chegava ao fim de uma sessão de trabalho e tinha aqueles restos de tinta todos misturados, e que ele, à vontade, colocava numa outra pintura.... Esse descomprometimento com a excelência da cor ou dos materiais dava-lhe uma grande liberdade, porque aquilo em que ele estava a experimentar era algo que, em princípio, ele já ia deitar fora, portanto servia-lhe apenas para um prazer sem compromissos. Já tenho acabado às vezes com três ou quatro litros de tinta que estão completamente sujos, aqueles cinzentos pardos ou castanhos que são resultado das cores que se vão misturando do que vai sobrando das cores e se vai juntando nuns frascos. E penso “bem, agora vou pôr isto numa superfície e espalhar só pelo prazer de espalhar”. E por vezes têm surgido ideias para outros quadros, para outras pinturas. Finalmente talvez não deite muito fora; gosto de reaproveitar.
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Podes falar dos desenhos em partes? O que é que pretendes com o afastar entre si desses desenhos? O que é que esse espaço de afastamento entre eles permite de novo? Bem os desenhos grandes ou são numa folha grande ou então em várias folhas que os reconstituem pela leitura de conjunto. Já aconteceu transformar um desenho de quatro partes em oito partes. Cortei-o, aumentei as descontinuidades. Não é a mesma coisa ter um desenho em quatro ou em oito partes, porque aumenta o número de linhas quebradas e o olhar pára em cada moldura para depois continuar na seguinte. Essa fragmentação do olhar pode ser um dado adicional ao desenho que se está a fazer. No entanto o acto de recombinar, isto é, trocar a ordem das partes, é algo que explorei pouco. O que já tem acontecido é associar dois desenhos diferentes por achar que esse confronto cria uma situação nova. É o que se passa com as pinturas fragmentadas, incluindo as abstractas. Há continuidades de cor, que se reflectem em espaços diferentes dentro da mesma pintura, e os percursos do olhar são curto-circuitados na fragmentação dos elementos que constituem a pintura. As peças como o “Ground 02”, que depois passaram para as paredes, criaram uma coisa que normalmente no teu desenho e na tua pintura não surge, que é a sombra. Essa sombra, obviamente quando estás a fazer o trabalho não sabes como é que vai funcionar, porque depende da incidência da luz, etc. Como é que lidas com essa questão? Nessa pintura expandida, digamos assim, na pintura que sai da parede, a sombra das suas partes, passou a integrá-la e os próprios suportes se transformam em elementos que completam a obra. Há uma obra recente, “Mod 02” (2007), que tem umas estruturas tubulares, que se tornam visíveis quando nos aproximamos e a sua interferência não pode ser ignorada, é mais um elemento da obra, como uma parte adicional. E, se por um lado, comecei a afastar as peças da parede para elas terem esse aspecto de quase flutuarem, de não terem suporte, de sugerirem instabilidade e movimento, já que também se deslocavam umas relativamente a outras pela diferente distância a que estavam da parede, também a presença dos suportes criou as sombras que iniciaram novos diálogos com as cores dos painéis. Já tinha acontecido algo parecido antes, no caso dos alumínios pintados, que são estruturas com abas que formam uma espécie de aros em U, que são fixos na parede. Essas abas, as partes laterais das peças, não sendo pintadas, reflectem as superfícies próximas criando planos novos. A simples pintura de um rectângulo pintado transformou-se pela alteração da dimensão visual das componentes estruturais do seu suporte. E em relação aos cubos? Os cubos são muto curiosos porque a pintura está dentro, não está fora. E qual foi a tua ideia central quando começaste a fazê-los? O primeiro cubo – cubo... eu gosto mais de lhes chamar contentores – surgiu em 2002 (fiz quatro contentores, um em 2002 e três em 2004). Foi apresentado pela primeira vez numa galeria cujo espaço era uma montra e em que decidi que não queria revelar imediatamente aquilo que ele era; queria controlar o que se podia ver do exterior, da rua. Normalmente olha-se para uma montra e vê-se logo o que lá está apresentado. Neste caso, via-se uma caixa com um ar industrial e sentia-se a curiosidade de ver o que estaria dentro daquela
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caixa. Só depois de entrar no espaço da montra podia o visitante observar o seu interior. Neste caso a ideia era de enclausurar a pintura, de a pôr num espaço confinado e de obrigar o espectador a debruçar-se e a penetrar nela. E na verdade a vontade é meter a cabeça dentro do cubo para ver o que se passa lá – este contentor tem o título “Dentro” – e, como não pode ser iluminado uniformemente, quando estamos a debruçar-nos sobre ele a nossa sombra é projectada no seu interior, criando uma nova dinâmica de leitura. Foi assim que surgiram estes trabalhos a que eu chamo contentores e que têm títulos diferentes: Para além do “Dentro” (as cinco faces interiores com grandes manchas abstractas de cor), há o “Contentor de Paisagem” (uma mistura entre a paisagem urbana e a rural, fazendo a sobreposição da paisagem com a ruína, com a destruição), a “Unidade Habitacional” (quatro fachadas de prédios que são colocadas nas quatro faces com um fundo abstracto na 5ª, referindo-se o título a Le Corbusier), e por último “Terra Firme” (duas centrais petrolíferas, que se enfrentam uma à outra, uma invertida, promovendo um diálogo de instabilidade). E o tempo que gastarmos a olhar estes interiores revelará que o que está por dentro de cada contentor diz respeito aos percursos do olhar. Uma pergunta prosaica: como é que fazes esses contentores? Pintas primeiro e montas depois, imagino. Os desenhos foram desenvolvidos em computador. Depois foram feitas maquetas à escala para ver como é que os desenhos resultavam. Em seguida foram mandados fazer os painéis que depois de pintados foram montados. Quando é que um trabalho está terminado? É essencial perceber que mesmo em trabalhos muito projectados, como no caso dos contentores, há momentos em que os pressupostos podem ser alterados dentro do processo do trabalho. Nesse sentido, uma obra está acabada quando achamos que as situações estão resolvidas e sobretudo quando há alguma coisa que mantém o desafio de uma proposta. Aquele objecto não nos é neutro quando nos colocamos na situação de espectador: levanta questões, dúvidas, reflexões. Só mais uma: como é que escolhes os suportes? Escolho os suportes de maneira variável. Por exemplo, tenho usado o alumínio porque é leve, estável, porque não empena como as madeiras. Por outro lado, o aspecto de manufactura mecânica, industrial, pré-fabricado, que eu quero que a estrutura de alguns objectos revelem, é para mim importante. Explicito assim a dualidade dum objecto que provavelmente vai estar no espaço asséptico do museu, e que é ainda visto com uma certa reverência porque é um objecto do mundo da “Arte”, e ao mesmo tempo é construído com elementos comuns, banais, com elementos a que o espectador normalmente não daria importância nenhuma, porque não são nobres. Esse estatuto mantém um diálogo aberto, um constante questionamento criativo. Entrevista gravada a 2 de Julho de 2008.
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THE LINE AND THE OUTLINE
Emília Ferreira: What is the founding element in your work? Drawing or colour? Pedro Calapez: If one thinks in historical terms, the first works are drawings, but drawings that have a structure similar to painting. They are not the founding drawings for painting nor for any other works, study drawings... They have nothing to do with the idea of the drawing as a concept. They are drawings that come out directly onto the paper as if they were a painting. However, in that sense I started out with drawing just as I could have started with painting, but in fact drawing makes sense, not only because of the initial training I had and which placed great stress on drawing, but also because of the studies I did in the seventies with Sá Nogueira, on the Bauhaus colour schemes and colour contrasts, on the exercises proposed by Johannes Itten. Shall we say that the colour side was latent, perhaps? In the early eighties there is a material that gets privileged treatment, which is graphite, and so all the works started like this. But it is necessary to clarify this issue about what is drawing and what is painting, in the sense that for me they were just ways of expressing an idea on paper. How do you start a project? Do you have a common modus operandi or does it vary from case to case? I’ve worked a lot in series, and there naturally are titles of works that enunciate other series. However, the transitions between series are often carried out through interpenetration; so during the development of the series there are works that enunciate the next ones and so at a certain moment one might ask why there is one that is called “moments” and another called “place”, because there are similarities and areas of connection, which really do not typify the series of works through their titles. But there are sets of concerns that have to do with the structure of what one is doing, of an idea that one wants to study and think about how it will be turned into a work done in a certain way. This, to some extent, typifies sets of things that I do. In that sense there are series of works, and if we take a look at the nineties, for example, we see there is great insistence on producing more monochromatic works, which are not really monochromatic because there is a lot of texture in the paint, there is a furrowed drawing... In the nineties those backgrounds become more colourful, and the drawing is there sometimes. Other times it disappears, but it took almost five or six years to disappear. For example: the first time I used those more colourful backgrounds was around 1996/97, and in 2003 some works still appear in which the drawing is mixed in with the background. And we come back to the matter of the drawing and the painting, which in my case is very clear because either they are very strong areas of colour, which work as a background for a drawing or they are autonomous and function as abstract painting and on different registers, whether as a more landscape or architectural connotation,
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or of the purest sensuality of the colour and of the expansion of conditions intrinsic to the different colours. Anyway, in my case what typifies drawing is the reference to representation – of the landscape, of the architecture, of the space, whether inside or outside, spaces surrounding a figure, perhaps an observer. These are subjects that have always been with me and which do not function in opposition. If I make drawings out of architectures, then I can stop to carry out a work only in painting, in which the colours come to the forefront in a clear and evident way. Indeed, the two situations coincide, or work in parallel, with their being situations in which they are interpenetrated and in which the space of the colour and that of the line sometimes compete, sometimes come together and are contaminated. But when you start a series do you know what you are looking for, or do you start out on a track that you don’t know where it will lead? There is indeed an idea of something that was seen, whether this is a work that one has liked in the history of art, some detail, theme or subject that one thinks that might be explored. Following this there is a natural development, often on paths that stray considerably from these starting points. Besides the computer, where I keep my memory banks, I have some notebooks in which I keep drawings. I also gather newspaper cuttings or other things that I have leisurely put aside, photographs, and material that I can work on in the future. Now the paths that appear later are... (.) it’s funny, for example, that a ground dried by the sun, which is the subject of one of the works that will be in the cistern, a floor work, which is “Ground 02” (2006), provoked another, now vertical, work. Now a tension appears – the different possibilities on what a work might become. The fact of my having considered that alteration has resulted in a new series of works, aluminium cut-outs that are placed on the wall. So we no longer have floor works but something else that has started from that reference. And after this all references to wall and to architectures may disappear in order for us to have something else. In that sense there is always a need to take advantage of the options that turn up in the working process, and when they cannot be developed at the time I make a note of them in my book and they remain there so I can work on them later on in the future. Referring to the computer – you mentioned the data bank. How do you work on the images that come to you from a history bank? Mariano Navarro talks about them and you have quoted them for years; for example Giotto, Fra Angelico or others, to whom you “turn” for questions of architecture, of space. Is the influence still the same? And how is it with the computer? Yes. For me the computer is just a practical and easy system. On the one hand a image warehouse; on the other, the applications – let’s say the software – that the computer provides allow those images to be transformed and allow one to add new data to it, and the process that, besides being an archivist/document storage, is a process of hard use of technology. In fact I use several different computer programmes in order to transform and alter the images I have collected, whether these are drawn by me or photographed by me or made by others; whether they are from the history of art, comic strip drawing, architecture
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or whatever... I take details or the whole thing, I alter it, I transform it the way I want, on a piece of work with the screen, I mean, with the computer screen. There is a text in which I discuss the issue of the manipulation of images on the computer and in which I reflect a little on that issue of speed, of the problem of the infinitely small and the infinitely big, on the alteration of the notion of scale that takes place when one is working on an “image rectangle” that has to do with the method of perception that has been developed and transformed with the coming of television. Nowadays the question of the screen is a fact that I am sure has changed our way of seeing the world in the concrete visual sense, which has determined a new way of gazing. In the XIX century the framing of photographic characteristics sets itself over the traditional window that started to be discussed in the XV century. For example, in Degas or Manet one feels the experimentation of framings that denote knowledge of camera chiara and of photography; like for many artists, at that time there is a clear reference to the gaze/photographic image, and then to the cinema. Even if some artists had never physically experienced the photographic process, the way of fixing the visual field represented defined the manner of the gaze. And I also think that television provoked it, not just for the person who is looking, because they observe with these referents, but also for the person who makes it, because they work within that technology. Coming back to the issue of scale and how work on the computer alters it: how do you define the final scale when you apply the work to other supports? Some of the most important works for me have a relatively large scale... What defines scale? What defines is it human proportion. It is our size that defines what is big or small. And we, when we look at a painting at a certain distance, generally the distance of our hand, as if we could touch it, are looking at that which is considered to be the size that might be called “normal”. But when visual positioning goes beyond the limits of the so-called “window” that the painting provokes on the gaze, the involvement of the gaze becomes processed in a different manner. It is the image that ends up moving forward to the “house”, the “city”. That is, the spectator’s situation becomes different and his relationship with the image is altered. That aspect of the atmosphere, of the involvement of the gaze, of going beyond the limits of the traditional painting in which there is a movement outward, to “this side”, ends up confronting us in a much more physical manner. What led me to make large size paintings or drawings was the possibility of questioning where the end of things is. When the images go beyond our gaze, as if escaping behind our heads, an infinite that we can’t control and we want to understand, is projected. In that sense the works that appear on this screen, in this computer window, are systems of slides, of projection. Systems that help to determine the final amplification of the image. Yet there is nothing to predetermine the large sizes. I’ve done some drawings on the computer in which their physical manifestation is practically translated into the same scale as the original. The computer is a cold technology. It is sets of pixels, electronic elements, more or less luminous dots, predetermined colours and simulations of reality. The software simulation systems in which, for example, when drawing a line the resulting image suggests a watercolour brushstroke. The paradigm of that which is considered art is promoted to the point of us
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being able to be impressionists, pointillists... Let us say that everything can be translated within references that characterize the field of “Art”. The software programs are there to do it. It is obvious that we can use those instruments to then transform them and take advantage of unsuspected potentials. In any case, returning to the beginning, we are in a dialogue with the virtual world, there is no physical materiality and so we are at the opposite pole to what happens when one works on paper or on a surface with paint paste. These are situations that are so “tactile” (visually tactile), given that one can touch them, feel the relief and the thickness, the way they spread or flatten the surface, that it is imperative for me to transpose myself from the virtual to the material, because there is a set of data, of different situations, that highlight interaction with the spectator even more. Do you still look for influences from the Old Masters only in the spatial elements of your work? Because there is still no human presence, which is interesting because in that non-mimetic space that you create we have, as spectators, a silence, a freedom and an approximation of ours to those “places”, which becomes very appealing for the person who is looking. The human presence for me has been the spectator. And thus to face the question of involvement, not only of the gaze, but of granting the work with presence. Maybe I haven’t developed this enough yet; I haven’t yet managed to introduce those phantoms into my work, like when we see ourselves reflected in a space, like in those works by Pistoletto, which have mirrors, and we are inside them in a dialogue with the images that he sticks there or with the objects that he juxtaposes in those mirrors. From the outset I don’t rule anything out; I want to be open to all possibilities, and if up until now my work hasn’t included the figure it is because I was more interested in the devices in which figures move, coming across a pre-determined spectacle. Two aspects I would like to clarify: on the one hand you continue to recover scenographic and spatial elements from those masters, without a human presence; and secondly in the Mysteries there are hands. How do these human elements appear? Well, the case of the Mysteries is specific to a commission. In any case, I have already depicted the human body, but it has not been the object of concrete works. I can use everything, these are very subjective choices; it has to do with what seduces me, with my liking for strolling around cities, for looking up at the tops of buildings, for looking at my feet, looking at the ground that is passing by under my footsteps... Many of the choices I make are determined in contact with the surrounding space of the architecture, with the space of the landscape, but, as I said, the field is open and I do not rule out representation of the human body, just as I couldn’t do in the case of the Mysteries. This was a commission for the new Church of Fátima, the Church of the Holy Trinity, and in which it was obligatory to represent scenes depicting the twenty subjects of the Mysteries of the Rosary on the panels to the side of the main doors. The question there is that on the one hand I tried to synthesise and abstract the drawing to the utmost, maintaining the reading of the scene, but on the other hand I wanted the drawing to have strength in itself and a certain autonomy. Of course a certain balance had to be struck, because I could not start on a hand and end
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up in a field of colour, because that hand had to be seen, or the drawing of a head had to be present. Everything depended on the subjects that it was necessary to represent. But I tried to take the most synthetic line possible so that it might also have an alternative reading, showing a line that wanders across a surface. I think I managed a certain degree of abstraction, of transformation of the reality of the subjects into a parallel reality, a plastic reality that has to do with the elements of the drawing in itself. And so that hand I mentioned, which is constructed by the lines that make up the representation of a hand, is also a line that in a certain manner travels across a surface. How do you deal with commissions? I have mixed feelings. I mean, I really like the challenge, but it is a different type of work, which always brings up different kinds of difficulties for me. I have responded to the challenges presented to me, like in the case of this church in Fátima or other works in which I have made architecture projects. And looking back on what has been done in these circumstances I can state that I have found solutions that have pleased me. There are works in which the results end up being closer to the interests of those who commission them and others that are further away, but I have always been excited by having to comply with a programme defined by other people. I’ve also done some scenography works where I came across the same type of problems, because they are conceptions of spaces that resolve a text. When one asks, “so, do me a drawing of a sea there”, the person who is asking has a more or less preconceived idea about the intended result. All I have to do is to contribute with something more than that which is expected. And this “something more” often depends on the expectations or conditioning factors of whoever is commissioning it. For you is the creative process – whether in drawing or painting – more mental or more intuitive? For example: in painting, how do you choose the colours? The choice of the colours is very intuitive, and also very visual. Thinking about what I learned – and thirty-five years ago I used to make little squares with colours in order to study the mixture, contrasts and “dégradés” – both Rocha de Sousa and Sá Nogueira are fundamental references, because in the exercises they proposed they forced us into systematic study of colour. And yet it is necessary to forget all this in order to go back to working in a natural manner as if that universe of references had disappeared. But is always present, hidden. When I am putting a set of colours on a set of panels and when one of the principles followed is that of the associations or dissociations between colours, it is inevitable for that forgotten aspect to be present in the options of choice. For example, I may not have a shocking pink, but a softer pink, a sea green instead of a turquoise green, but the choices reflect old learnings that are always at the service of what is being done. I recall a text in which I state that I sometimes line up a palette of colours as a starting point. I start to paint like that and sometimes say as a conceptual premise “I’m only going to paint with these five colours that I have here and I am going to do everything I can, but I cannot use any other colours”; it is an exercise and a challenge that poses just as many problems as if I had said I could use all the colours. It was a question of defining a horizon that might
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provide a result that was not anticipated. And there is always the discovery that takes place in the work, the options that one takes and in which there is neither premeditation nor conceptualisation. Indeed, I think that there is something intrinsic to the “making” that is involved in the exact moment of “being making”. So there is nothing that can replace this. One of the most interesting situations for me comes from amazement. There is an expectation... an expectation of amazement. If the work doesn’t add anything for me, then normally I will redo it until it brings me something new, surprising. And the combinations are infinite and the situations are infinite. When I am working I sometimes can’t stop until I reach a determined “moment”. Then I have to stop looking for a certain time, and when I look again it may be that it isn’t working. I have to intervene again. Sometimes when it isn’t right, and one doesn’t know why, one has to risk and try a different colour, for example. But it might turn out worse. But that worse is always better, because when something isn’t right it can’t be, it can’t exist. And when it can’t be, what happens? It gets thrown out. And one makes grey paintings, because in the meantime the colours have all become mixed up and become all grey or brown. In the case of the work being a drawing, one covers over the painting and it can be all black; and then a small line has changed from being a black line on a white background to becoming a completely black background. There are situations in which one doesn’t know how to stop. One may have had “a moment” and carried on painting and that special moment was lost, right? There is no point being sorry then, but one should carry on because the whole work is a result of the experience, of the continuous working. There is an awareness that is built and developed with time being part of a never-ending process of learning. Every time I start painting I expect something new, but I work as if having forgotten everything I have done before. Things aren’t added up to each other. There are new situation which take place, and one has to understand that “this might be immense for everyone else, but it isn’t for me”; it is thrown out and one starts over. That was one of the questions I had: do you throw much out? But to some extent you have answered. What I throw out most is probably dirty paint. But I usually take advantage of the material to repaint. Indeed, I think Strindberg states that the best moments, the most relaxed ones in his act of making, where when he came to the end of a working session and had all those leftovers of mixed up paint, and that he would relaxedly apply to another painting.... That easy-going attitude about the excellence of the colour or of the materials would grant him great freedom, because what he was experimenting on was something that in theory he was already going to throw out, so he was just using it for unbridled pleasure. Sometimes I have finished with three or four litres of paint that are completely dirty, those dark greys or browns that are the result of the colours that get mixed from what is left over from the colours and get put together into pots. And I think “well, now I’m going to put this on a surface and spread it just for the pleasure of spreading it”. And sometimes ideas have come about for other pictures, for other paintings. Finally, perhaps I don’t throw a lot out; I like to re-use things.
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Can you talk about the drawings in parts? What is your intention in setting them apart from each other? What new aspect does that space between them allow? Well, large drawings are either on a large sheet or on several sheets that reconstitute them through a reading of the set. In the past I have turned a four-part drawing into eight parts. I cut it up and increased its discontinuities. It isn’t the same thing to have a drawing in four or in eight parts, because the number of broken lines increases, and the gaze stops at each frame in order to continue on the next one. That fragmenting of the gaze may be an additional aspect in the drawing that one is making. However, the act of re-combining, that is, swapping the order of the parts, is something that I haven’t explored much. What has happened is to associate two different drawings due to thinking that such a confrontation creates a new situation. It’s what happens with fragmented paintings, even abstract ones. There are continuities of colour that are reflected in different spaces within the same painting, and the paths of the gaze are short circuited in the fragmenting of the elements that make up the painting. Works like “Ground 02”, which then moved onto the walls, created something that doesn’t normally appear in your drawing and painting, which is shadow. When you are making the work you obviously don’t know how that shadow will function, because it depends on the angle of the light, etc. How do you deal with that issue? In that expanded painting, let’s say, the painting that comes off the wall, the shadows of their parts became a part, or even, the supports themselves become elements that complete the work. There is a recent work, “Mod 02” (2007), which has some tubular structures, which become visible when we come close and their interference cannot be ignored; it is one more element in the work, like an additional part. And if on the one hand I started to move the works away from the wall for them to look like they were almost floating, without a support, of suggesting instability and movement, given that some of them also moved relative to others due to the different distances they were from the wall, the presence of the supports also created the shadows that initiated new dialogues with the colours on the panels. Something like this had already happened before in the case of the painted aluminiums, which are structures with brims that form a sort of U-shaped rim which are attached to the wall. These brims, the side parts of the works, as they are not painted, reflect the surfaces close to them, creating new planes. The simple painting of a painted rectangle was transformed by the alteration of the visual dimension of the structural components of its support. What about in relation to the cubes? The cubes are very curious because the painting is on the inside, not the outside. What was your main idea when you started making them? The first cube – cube... I prefer to call them containers – appeared in 2002. (I made four containers, one in 2002 and three in 2004). It was presented for the first time in a gallery, in which the space was a shop window, and in which I decided that I didn’t immediately want to reveal what it was; I wanted to control what one could see from the outside, from the street. Normally one looks in a shop window and one immediately sees what is being
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shown. In this case one could see a box with an industrial appearance, and one felt curious about seeing what might be inside that box. Only after going into the window space could the visitor observe the inside. In that case the idea was to enclose the painting, to put it in a confined space and to force the spectator to bend down and penetrate it. And in fact one wants to put one’s head inside the cube to see what is going on inside it – that container has the title “Inside” – and, as it can’t be lit uniformly, when we are bending over it our shadow is projected onto the inside of it, creating a new dynamic of reading. That was how these works that I call containers and which have different titles appeared: besides “Inside” (the five inside surfaces with large abstract areas of colour), there is the “Landscape Container” (a mixture between urban and rural landscape, using the superimposing of the landscape with the ruin, with destruction), the “Housing Unit” (four building façades placed on the four surfaces with an abstract background on the fifth, with the title referring to Le Corbusier), and finally “Terra Firma” (two oil rigs facing one another, with one inverted, promoting a dialogue of instability). And the time we spend looking at these insides will show that what is inside each container has to do with the paths of the gaze. A prosaic question: how do you make these containers? You paint them first and then assemble them, I imagine. The drawings were done on the computer. Then scale models were made to see how they would work. Then the panels were made and assembled, after being painted. When is a work finished? It is essential to realise that even in works that are very projected, as is the case of the containers, there are moments in which the presuppositions may be altered within the working process. In that sense a work is finished when we think that the situations are resolved, and above all when there is something that maintains the challenge of a proposal. That object is not neutral for us when we place ourselves in the situation of the spectator: it raises questions, doubts and reflections. Just one more thing: how do you choose the supports? I choose the supports in a variable manner. For example, I have used aluminium because it is light, stable and because it doesn’t warp like wood. On the other hand, the appearance of mechanical, industrial, prefabricated manufacture, which I want the structure of some works to have, is important for me. I thus make explicit the duality of an object that will probably be in the aseptic space of the museum, and which is still looked upon with a certain reverence because it is an object from the world of “art”, and at the same time is made out of common, banal elements, with elements to which the spectator would normally not grant any importance, because they are not noble. That status maintains an open dialogue, a constant creative questioning. Interview recorded on July 2nd 2008.
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RAZÃO DO OLHAR Mariano Navarro
Para esta exposição na Casa da Cerca, Branca e neutra claridade, Calapez decidiu começar cronologicamente no final do século passado, com a série Desenhos contínuos, de 1999. Cinco desenhos de grandes dimensões, realizados em pastel seco sobre papel, que representam uma espécie de floresta, de bosque sintetizado numa dança de linhas traçadas pelo método de segurar duas barras de pastel na mesma mão. A densidade uniforme do fundo negro, mais que nocturno, somado às diferentes intensidades que emanam do branco do pastel, de acordo com a força com que foi aplicado, faz com que as linhas – esse fundamento seminal do desenho – simultaneamente ondulem e vibrem. Constituem, além disso, um panorama único, visto que as linhas que concluem a margem direita de Desenho contínuo 01 são o ponto de partida das que iniciam a margem esquerda de Desenho contínuo 02 e as últimas deste na margem direita originam as esquerdas de Desenho contínuo 03, e assim sucessivamente. Assim se transforma a visão estática, propriedade do desenho, noutra dinâmica, acentuada, além disso, por outra das exigências da concepção do artista, que já foi suficientemente acusada pelos seus estudiosos: a sua contemplação deambulatória. Não quer isto dizer que o espectador “veja” o bosque, mas sim que tem de se adentrar pelos seus compridos nove metros de, perdoem-me a liberdade, profundidade. Expostos pela primeira vez na exposição Pedro Calapez. Lugares de pintura, que tive o prazer de comissariar para o CAB de Burgos, em 2005, relacionei-os, então, com a passagem de fotogramas de um filme a preto e branco, afirmação que mantenho e à qual junto que, além de um dos momentos fortes da produção do pintor, são um exemplo maior dessa confluência entre disciplina tradicional e subversão dos seus meios que, na minha opinião, singulariza o seu trabalho. Se o projecto se cumprir como planeado, os espectadores vê-los-ão logo ao começar a visita, no hall do piso de entrada, e acompanhados por uma das últimas obras realizadas, Oh don’t ask why (Oh não perguntes porquê), já deste ano, uma aguarela sobre papel de arroz, de dimensões similares ou ainda mais generosas do que os Desenhos contínuos, que permite calibrar a coerência das mudanças sofridas na última década e, ainda, vendo mais longe, nas alterações experimentadas no último quarto de século decorrido desde que surgiu na cena artística. Oh don’t ask why é, na verdade, um tríptico de imagens contidas numa só folha, que indicia uma continuidade interrompida entre elas e que conforma, como tantas outras obras suas, um lugar, o dizer modulado de um espaço. As únicas cores são o amarelo e um negro diluído que, por momentos, tende ao cinzento e a uma certa dissolução do pigmento numa aguada. As figuras estão pouco delimitadas, como de costume, as linhas de definição são tão claras como sempre, mas outras que, por assim dizer, ajustam a atmosfera ou o clima do espaço,
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voam com maior liberdade do que qualquer outra antes, havendo inclusive, no painel da esquerda, uma que é puro jogo de pincel e mão, uma dança existente apenas no rítmico e pulsante deslizamento do líquido sobre o papel, que diz do prazer do pintor ao fazê-lo, uma vez que fala da sua conexão implícita com práticas da experiência ou da espiritualidade como, para citar um contemporâneo que sempre lhe foi próximo, a de Brice Marden. Mostra, também, e regressamos assim às origens cronológicas da exposição, os Estudos Trabalhos do olhar, de 2000, e duas peças de Estudos Trabalhos do olhar Composto, do ano seguinte, 2001, ainda que cada grupo seja exposto em separado. Embora a insistência possa cansar os que tenham seguido o seu percurso, não há outro remédio senão reiterar algo já sabido: a principal preocupação e o interesse fundamental de Calapez como artista é submeter ao escrutínio o acto de olhar; análise e estudo que o levou a configurar todo um conjunto de métodos e modos de aproximação, quer aos lugares quer aos objectos, que podem ser representados – incluindo as obras de arte nascidas de outras mãos – para elucidar sobre os efeitos e consequências de cada um desses modos de apropriação, como as distintas distorções, alterações e transformações a que podem ser submetidos pelas novas tecnologias, bem como, finalmente, estabelecer quais os mecanismos formais através dos quais os motivos podem ser inventados. Seis conjuntos, compostos por um total de trinta e quatro peças, constituem a primeira série dos Estudos Trabalhos do olhar, que conjugam vistas particulares de paisagens ou de interiores domésticos e públicos, sem relação nem de continuidade nem de propriedade entre si, mas construindo uma certa visão harmónica das suas representações. Permito-me dizer que, neste caso, o ritmo do olhar – ao contrário do que acontece com os Desenhos contínuos, nos quais se baseia a continuidade deslocada das linhas –, se estabelece aqui através da cor. E do mesmo modo que não se pode dizer nada sobre Calapez, se se ignorar a sua obsessão pelo olhar e suas implicações, também nada se poderia dizer se se minimizasse por um momento a sua capacidade como colorista. É quase um milagre o facto de ele ter conciliado, pelo modo como o fez, os dois elementos primordiais da arte de pintar, a cor e a linha, sem que a potência de cada uma ultrapassasse, eliminando-o, o outro. Laranjas solares, distintas gamas mais ou menos luminosas de azul, terras mordidas, amarelos cereais e terrestres, vermelhos mais apagados que sanguíneos, negros fumegantes... Estabelecidos de modo a que coincidam três azuis numa mesma linha ou a fazer dialogar os negros com os amarelos ou estes com as terras húmidas... Um encadeado que, noutros dois casos, os conjuntos de vinte peças cada uma das quais com o título Estudos Trabalhos do olhar. Serie A e Estudos Trabalhos do olhar. Serie B, se torna ainda mais evidente pelo binómio azul-terra que alterna tanto horizontal como verticalmente. A Serie B dá-se até ao luxo de situar, na segunda fila da quarta fileira, uma peça em amarelo brilhante que faz “saltar” as cores dominantes. Do mesmo modo que o confronto, nos Estudos Trabalhos do olhar Composto, num mesmo papel, dividido a meio, de formas semi-abstractas coloridas, e linhas definidas, embora orgulhosas do seu fremir manual, torna evidente o papel evocativo e sentimental que aquele joga, no que diz respeito à prosódia da cenografia realista.
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Mistérios Menção se não especial, pelo menos à parte, merecem os vinte desenhos dos Mistérios, tanto pela sua procedência, a encomenda pública para um centro de peregrinação católica, como pela sua formulação, desenhos figurativos, a linha de extrema simplicidade, o que, à primeira vista, poderia ser estranho ao fazer de Calapez. Advirtamos, antes de mais, que esta importantíssima encomenda, a realização da porta principal e dos vinte painéis com os Mistérios do Rosário para a entrada principal da nova igreja de Fátima, obra do arquitecto grego Alexandre Tombazis, não é, muito pelo contrário, a sua primeira incursão em obras de âmbito religioso. Em 2002, o Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, a propósito dos 500 anos da sua construção, encomendou-lhe as duas imensas peças que constituem Ornamento escondido, em cujos desenhos preparatórios teve especial incidência o uso do computador e, em 2005, instalou na capela de Nossa Senhora das Neves, em Ílhavo, uma das suas peças de alumínio em volumes coloridos, nas paredes laterais do presbitério e uma coroa de espinhos no altar-mor. Antes disso, fez várias mostras em espaços eclesiásticos dessacralizados, cujas peças haviam sido concebidas especialmente em função do contexto. Assim aconteceu, com o escultor Rui Sanches, no Convento de S. Francisco, em Beja, em 1990, e na Chapelle de Saint-Louis de la Salpêtrière, em Paris, em 1993. Os vinte esboços, datados de 2007, não correspondem exactamente às vinte placas de bronze realizadas nesse mesmo ano, e também não se expõe, se é que existem, os esboços da porta; contudo, é uma ocasião especial para que nos possamos abeirar do mais íntimo do fazer de Calapez. As imagens não são inventadas, ou pelo menos não o são todas, pois procedem de fragmentos, de quadros ou desenhos de antigos mestres proto e renascentistas. Uma incursão na história da arte, que já é habitual no seu trabalho desde meados dos anos oitenta, que possibilitou o diálogo com Giotto, Fra Angélico, Piranesi, Tiepolo, José Julio de Sousa Pinto, Joan Miró… Ele próprio cita nesta ocasião Fra Angélico, Giotto, Simone Martini, Masaccio e Mantegna. Estes originais foram passados para o computador e sobre eles, no próprio computador, Calapez fez os seus desenhos, reduzindo os motivos a um detalhe ou pormenor, do qual oferece uma síntese gráfica tão absoluta como expressiva. Apenas a linha, mais grossa que fina, compõe e estrutura as figuras contra o fundo neutro do papel. Não são linhas, entendamonos, figurativas em si mesmas, mas sim abstractas, vigorosas e simultaneamente fluidas, que estabelecem a cena enquanto a resumem a puro ritmo. Avancemos apenas um exemplo por série. Nos mistérios Gozosos, A apresentação no Templo é uma sucessão de ovais imperfeitas, em cujo exterior distinguimos uma mão e em cujo centro a pessoa do Menino não passa de uma insinuação mais sabida do que notada. Nos Luminosos, A Transfiguração consegue fazer das figuras um puro tremor elevado, no qual toda a agitação reside na dezena de linhas que lhe bastam para encarnar o sucesso. Nos Dolorosos, a Crucificação e Morte fixa-se quase exclusivamente nos pés de Cristo sobre a base da cruz e de maneira mais esquemática na mão do ladrão, que assoma pelo canto direito.
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Por último, nos Gloriosos, A Coroação da Virgem representa a coroa através de três adornos presos por uma mão, enquanto a abóbada celeste se fecha em três círculos sobre um arco de circunferência. Nos esboços, tão importante como a sinuosidade e a vivacidade das linhas, é a neutralidade do vazio em redor. Como se, desse modo, os detalhes e pormenores alcançassem uma presença maior e mais fluida. Se procurar um antecedente para eles, encontro-o na série de desenhos Campo de sombras, de 1996, motivos extraídos dos recortes de jornais, fotografias, postais, etc., quando não mesmo desenhos do próprio artista, afixados nas paredes do atelier de Joan Miró, em Son Boter, Maiorca. Aqueles, realizados com pastel de óleo vermelho sobre papel, são mais claramente figurativos que estes, mas existe certa lógica da energia e eficácia da linha por si só, que os equipara. E também algo mais profundo, de conteúdo pessoal. Estou convencido de que Calapez fez os dois trabalhos simultaneamente. Se Campo de Sombras são “os meus traços feitos a partir das ‘memórias de Miró’ e não dos seus desenhos e imagens”, nas palavras do artista, Os Mistérios, e a própria porta, são os seus traços feitos a partir da Memória universal de uma fé e crença, e não apenas desenhos ou imagens. Planos Pessoalmente, o conjunto que me parece de maior novidade na selecção feita para esta mostra é Planos, de 2007. Não quero com isso diminuir de algum modo o extraordinário panorama que constituem as séries Narrativa incompleta (2001), Onde pousar (2003), Quatro bosques (2006), Um dia da Vida de (2006) e outros desenhos soltos, que esclarecem a versatilidade do pintor e as distintas soluções que alcança de acordo com as diferentes questões que afronta. Planos, contudo, propõe, a meu ver, desenhar com a cor. Em certo sentido, é diametralmente oposto aos desenhos dos Mistérios e até a outras obras que temos vindo a descrever e analisar; aqui é a cor, a sua ordenada e por vezes quebrada distribuição, os seus confrontos e diálogos, sustentados ou interrompidos, o que dá razão ao olhar. Situam-se num arco em cujo extremo mais distante colocaria o Mondrian dos “tabuleiros de damas” – embora ele tenda mais para a monocromia, pelo menos tal como o recordo – e, mais próximo no tempo, o Gerhard Richter dos pantones de cor. Não assumem as funções simbólicas ou metafísicas do primeiro, nem são tão factuais como o segundo, permanecem num estado no qual a potência formal se vê superada pela turbulência dos conteúdos, sem que estes procedam de qualquer outra base para além da pintura. São trabalhados mais ou menos do mesmo modo, embora se distingam bem duas séries diferenciadas. A primeira distribui o espaço do papel de acordo com os seus habituais quadrados ou rectângulos, com o manejo de cores distintas, que ultrapassam os seus limites, sobrepõem-se ou convivem separados apenas por uma banda de contacto. A segunda multiplica o número destes e estabelece-os de forma mais ordenada e consequente, em bandas e fileiras que acumulam camadas de cor sucessivas até obter uma superfície mais harmoniosa e, pode-se dizer, uniforme.
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Porque um elemento novo se integra nessas peças, mais radicalmente nas primeiras, a desordem, uma certa entropia que leva tanto a uma diluição das formas geométricas originais, que ora caem arrastando outras no seu desprendimento, ora as arrastam lateralmente, ora oscilam como manchas sem forma nas margens... Este desgaste interno é o que faz destas obras, de outro modo alegres na sua cor, que sejam das mais dramáticas que o pintor realizou nos últimos anos. Não há nelas qualquer pronunciamento, nem podemos dizer que tratam de um tema em concreto – não há alusões nem à paisagem nem aos interiores nem aos objectos nem a nada que não seja o nada repleto de cor – e, contudo, projectam um ar mais carregado, um convite a que neles contemplemos as perturbações do nosso olhar. Junho de 2008
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REASON OF THE GAZE Mariano Navarro
For this exhibition in the Casa da Cerca, Branca e neutra claridade [White and Neutral Clarity], Calapez has decided to start chronologically at the end of the last century, with the series Desenhos contínuos [Continuous Drawings], from 1999. Five large-scale drawings in dry pastel on paper, which depict a sort of forest, a wood synthesised in a ballet of lines drawn out by the method of holding two sticks of pastel in the same hand. The density of the uniform black colour of the background, beyond the nocturnal, added to the different intensities emanating from the white of the pastel according to the strength with which it has been applied makes these lines – that seminal foundation of the drawing – undulate and vibrate at the same time. Indeed, they form a single view, as the lines that complete the right edge of the Continuous Drawing 01 are the starting point for those that start on the left edge of Continuous Drawing 02, and the final lines of this one on the right edge lead to those on the left edge of Continuous Drawing 03, and so on. In this manner the static view proper to the drawing is transformed into a different dynamic, accentuated by another of the demands of the conception of the artist, which has been sufficiently fixed upon by the studious, its wandering contemplation. It is not that the spectator “sees” the wood in front of him, it is that he has to move forward into its long nine metres of, excuse the redundancy, depth. They were shown for the first time in the exhibition Pedro Calapez. Places of Painting, which I had the good fortune to curate for the Burgos CAB in 2005. At the time I related them to the movement of the photograms in a black and white movie, a statement I still maintain, and to which I add that, aside from being one of the strong moments in Calapez’s production, are a great example of that confluence between the traditional discipline and the subversion of its mediums, which, I belief, makes his work unique. If the project is followed just as it is programmed, the spectators will see them as they start their visit in the hall of the ground floor, accompanied by one of the latest works made, Oh don’t ask why, from the same year, a water-colour on rice paper of a similar or larger size than the Continuous Drawings, which allows one to gauge the coherence in the changes that have taken place over the last decade, and even further, in the quarter of a century that has gone by since he broke onto the public scene. Oh don’t ask why is in fact a triptych of images contained on a single sheet, which indicates an interrupted continuity between them and which form, like so many other works of his, a place, the modulated diction of a space. The only colours are yellow and a diluted black which at times tends towards grey and to a certain dissolving of the pigment in the wash. The figures are as slightly outlined as usual, the lines of definition are as clear as ever, but others that form, so to speak, the atmosphere or the climate of the space, fly with greater
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freedom than any previous one; there is even, on the left panel, one that is a pure game of the paintbrush and had, a dance existing only in the rhythmic and pulsing gliding of the liquid over the paper, which speaks of the artist’s pleasure in doing it, at the same time as it speaks of an implicit connection with practices of experience or of spirituality like, to quote a contemporary who has always been close to him, that of Brice Marden. It shows, also, and with them we come back to the chronological origins of the exhibition, the Studies Works of the Gaze, from 2000, and two works from the Studies Works of the Composed Gaze, from the following year, 2001, although each group will hang separately. Although insistence may tire those who have followed his career, there is no other way but to reiterate something that is already known: Calapez’s main concern and interest as an artist is to scrutinise the act of looking, an analysis and a study that have led him to configure a whole battery of methods and manners of approaching both the places and objects that may be represented – including the works of art that were born out of other hands – in order to elucidate the effects and consequences of each of these forms of appropriation, as well as the different distortions, alterations and transformations to which they might be subjected by the new technologies, and also, finally, to establish what the formal mechanisms are through which the motifs may be invented. Six sets made up of a total of thirty-four works forms the first series of the Studies Works of the Gaze, which bring together particular views of landscapes or of domestic and public interiors, with neither a relationship of continuity or of propriety among them, but which construct a certain harmonious view of their representations. I may state that in this case the rhythm of the gaze – differently to what happens with the Continuous Drawings, which are based on the displaced continuity of the lines – is here established according to the colour. And in the same way that one cannot state anything about Calapez if one ignores his obsession for the gaze and its implications, neither can one say anything if one for one second disdains his colourist capacity. It is almost a miracle that he has reconciled, in the way he has done, the two basic elements of the art of painting, colour and line, without the power of either one of them overcoming the other one. Sunny oranges, different more or less luminous ranges of blue, tilled earths, cereal and earth yellows, reds that are more dimmed than bloody, smouldering blacks… Set out in such a way that three blues might appear together on the same line, or the blacks enter into dialogue with the yellows, or the latter with the damp earths… An arrangement that, in two other cases, the groupings of twenty works each that he called Studies Works of the Gaze. Series A and Studies Works of the Gaze. Series B, is made even more obvious through the blue-earths binomial that alternates both horizontally and vertically. The Series B is allowed the luxury of placing, in the second row of the fourth line, a bright yellow work that makes the dominant colours “leap out”. In the same way that the confrontation, in the Studies Works of the Composed Gaze, on a single sheet of paper, divided by its median, with semi-abstract coloured forms and defined lines, although proud of their manual shaking, clearly shows the evocative and sentimental role that it plays in relation to the prosody of realistic staging.
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Mysteries If not a special mention, the twenty drawings in the Mysteries deserve an independent mention both due to their origin, the public commission for a centre of Catholic pilgrimage, and due to their formulation, figurative drawings, using the line and extreme simplicity, which, at first sight, may seem more than odd in Calapez’s work. In the first place we notice that this extremely important work, the making of the main door and the twenty panels with the Mysteries of the Rosary for the entrance of the new church of Fátima, a work by the Greek architect Alexandre Tombazis, is not by any means Calapez’s first work devoted to the religious field. In 2002, the Hieronymite Monastery in Lisbon, on the occasion of the five hundredth anniversary of its construction, commissioned the two huge works that form Undisclosed Ornament, the preparatory sketches for which particularly relied upon the use of the computer, and, in 2005, he installed in the chapel of Nossa Senhora das Neves, in Ílhavo, one of his aluminium works in coloured shapes on the side walls of the presbytery and a crown of thorns on the high altar. He had previously carried out several showings in inactive ecclesiastical spaces, the works for which were specially conceived for the surroundings. These are, together with the sculptor Rui Sanches, those of the Convent of St. Francis, in Beja, in 1990, and that of the Chapelle de Saint-Louis de la Salpêtrière, in París, in 1993. The twenty sketches, completed in 2007, do not correspond exactly to the twenty bronze plaques carried out in the same year, and the sketches for the door, if they exist, are not exhibited; however, they are an exceptional opportunity to get to know the most intimate aspect of Calapez’s method. The images are not invented, or at least not all of them, as they come from fragments, from paintings or drawings by the proto-renaissance and renaissance old masters. An incursion into the history of art that has been usual in his work since the mid-eighties, which has allowed him to dialogue with Giotto, Fra Angélico, Piranesi, Tiépolo, José Julio de Sousa Pinto, Joan Miró… On this occasion the latter himself quotes Fra Angélico, Giotto, Simone Martini, Masaccio and Mantegna. These originals were put onto the computer and over them, on the computer, Calapez made his sketches, reducing the motifs to a detail or feature, one which provides a graphic synthesis which is as absolute as it is expressive. Only the line, thicker rather than thin, composes and structures the figures against the neutral background of the paper. Let it be understood that they are not lines that are figurative in themselves, but rather abstract, vigorous and buoyant at the same time, which establish the scene as they summarise it in pure rhythm. One example from each of the series suffices. In the Joyful mysteries, The Presentation in the Temple is a succession of imperfect ovals on the outside of which we can make out a hand, and in the centre of which the person of the Christ child is no more than an insinuation that is more felt than noticed. In the Mysteries of Light, The Transfiguration manages to make the figures a pure elevated trembling in which all the agitation is in the dozen lines
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which are enough for him to incarnate the event. In the Sorrowful mysteries, the Crucifixion and Death is almost exclusively set on the feet of Christ on the base of the cross, and in a more schematic manner on the hand of the bad thief, who appears in the right corner. Finally, in the Glorious mysteries, The Crowning of the Virgin shows the crown through three ornaments held in a hand, while the vault of heaven is closed in three circles over an arc of circumference. In the sketches the neutrality of the empty surrounding is as important as the sinuousness and liveliness of the lines. As if in that manner the details and features would achieve a greater and more fluid presence. If I am seeking an antecedent for them, I find it in the series of drawings Fields of Shadows, from 1996, motifs extracted from newspaper cuttings, photographs, postcards, etc., when not drawings by the artist himself, on the walls of Joan Miró’s studio in Son Boter, in Majorca. The former works, produced with red oil pastel on paper, are more clearly figurative than the latter, but there is a certain logic in the energy and efficiency of the line per se that makes them similar. And also something deeper, of a personal content. I am convinced that Calapez has dealt with the two works in the same manner. If Field of Shadows are “my lines made from ‘the Miró’s Memories’, not from his drawings and images”, in the artist’s own words. The Mysteries, and the door itself, are his lines made from the universal Memory of a faith and a belief, not only its drawings or images. Plans Personally, the set that is most original for me in the selection chosen for this exhibition is Plans, from 2007. I in no way disdain the extraordinary panorama that is formed by the series Incomplete Narrative (2001), Where to Rest (2003), Four Woods (2006), A Day in the Life of (2006) and other loose drawings, which demonstrate Calapez’s versatility and the different solutions he achieves according to the different issues posed to him. However, in my view Plans proposes sketching with colour. In a certain sense it is totally opposite to the drawings in the Mysteries, and even to other works we have described and analysed; here it is the colour, its ordered and at the same time broken distribution and its sustained or interrupted confrontations and dialogues that grants reason to the gaze. They are located in an arc at the far end of which would be the Mondrian of the draughtboards – although the latter tended more towards the monochrome, at least as far as I recall – and at the closest end in terms of time, to the Gerhard Richter of the colour charts. They do not take on the symbolic or metaphysical functions of the first, nor are as factual as the second; they remain in a state in which the formal potency is overcome by the turbulence of the contents, without them coming from any base other than that of painting. They are worked on in more or less the same manner, although one can clearly distinguish two differentiated series. The first one distributes the space of the paper according to the usual squares or rectangles, with the treating of different colours that overflow their limits, are superimposed or stand next to each other separated only by a band between them. The second one multiplies their number and establishes them in a more ordered and consequent
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manner, in bands and rows, which accumulate layer of colour on layer of colour until obtaining a surface that is more harmonious, and as far as one can state this, uniform. Because a new element is integrated into these works, more radically in the first ones: disorder, a certain entropy that leads both to a diluting of the original geometrical forms, which at times fall, dragging others down with them, at other times drag them sideways and sometimes perhaps oscillate like shapeless stains on the edges‌ This internal wearing down is what in my view makes these works, otherwise joyful in their colours, the most dramatic works that Calapez has produced over recent years. They contain no pronouncement, nor can we say that they deal with any concrete subject – there are no allusions either to landscape, or to interiors, or to objects, or to anything that is not full of colour – and yet they project a heavier air, an invitation to contemplate in them the perturbances of our gaze. June 2008
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A SALVAÇÃO DE WANG-FÔ1 Emília Ferreira
“Se quisermos referir uma característica formal susceptível de identificar, até ao momento, a totalidade do trabalho de Calapez, ela terá de ser encontrada na importância do acto de riscar”.
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É já um lugar comum dizer-se que a matéria com que os artistas trabalham vem do que já foi trabalhado pelos seus pares. As linhas genéticas que assim se afirmam e sedimentam criam o imaginário e a gramática de cada um. Olhar sobre o olhar de outro, ver o mundo real através do filtro da imaginação, da mão, de outro, é o exercício preferido dos artistas. Não porque falte a cada um a capacidade de ver de novo. Mas porque, tal como as palavras têm história, também as imagens carregam mundos e tradições, modos de ver. E porque na abordagem, na aprendizagem que cada um de nós faz do que o rodeia, o filtro de terceiros – sobretudo quando detentores da categoria de mestres – é meio caminho andado. Contudo, meio caminho andado não significa que tudo esteja feito, mas, pelo contrário, que ainda resta o mais do caminho para discernir e seguir. Partindo deste pressuposto, cabe agora perguntar qual é o meio caminho tomado por Pedro Calapez como ponto de partida para a construção da sua gramática pessoal. Para começar, o da história da arte. Desde sempre que o pintor afirmou o seu interesse pelo tratamento espacial operado por Giotto, Fra Angelico ou autores do século XVIII como Piranesi. Interessalhe uma experiência do olhar que ele depois interroga, explora, acrescenta. Vejamos: Giotto cativa-o pela representação do espaço, da arquitectura, dos volumes; Fra Angelico pela relação que o espaço (como hierarquia) tem na sua pintura. Mas de outros artistas pode “captar” outros aspectos, como aconteceu com Sousa Pinto3, a partir do qual explorou os mecanismos da percepção e da memória. A esse meio caminho, que podemos caracterizar como um claro gosto pela citação e pela apropriação, juntam-se com frequência outras referências: as de imagens e experiências do quotidiano. É a partir desse território inicial, que nasce a continuidade do percurso de Pedro Calapez, o seu traço autoral. Ou seja, o seu gosto de riscar superfícies, de as encher de manchas densas e matéricas, de as explorar na franca explosão cromática, no claro contraste lumínico. De as fragmentar e de trabalhar o olhar – o seu e o nosso – em múltiplos espaços, geométricos ou de feição orgânica. De manipular os suportes (papéis, tela, madeira, tijolo ou alumínio) sem os iludir, assumindo-os como inequívoca parte integrante da cor, luz, textura e corpo da obra, contribuição para o seu labirinto visual e sensual. De sulcar as superfícies, num traçado que a mão elabora em pleno exercício da gestualidade, deixando
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na sua escrita o registo de um espaço que parece quase real, mas nunca é, que eternamente se recombina nas suas ínfimas partículas constituintes, como se buscasse a melhor conjugação possível, o melhor dos mundos possíveis – como diria Leibniz. Pode-se afirmar, sem grande margem de erro, que o espaço é a grande questão de todo o trabalho de Pedro Calapez. Por um lado, o espaço da pintura, os seus limites (o espaço dentro, o espaço analisado nas soluções e propostas de outros autores), o espaço sobre o qual se reflecte e que resulta da aisthesis, da ocupação do nosso corpo no seu entorno físico, o espaço entre as pinturas, a nossa posição face às obras, e o espaço da pintura confinada (contentores). O confronto e a entrada nesses domínios exigem, portanto, da parte do espectador, um exercício duplo de imaginação e de abertura às informações dos sentidos, num modo claramente plural. O que significa que a envolvência ultrapassa em muito a mera convocação do olhar, exigindo-se antes, da nossa parte, um exercício total, eminentemente estético, algo que só é possível pela qualidade corpórea desse visível que nos envolve. Como é que se conseguem esses efeitos apenas com tintas? O contraste com o suporte saturado de cor (ou ele próprio já dotado originalmente de cor) é afirmado pelo riscar de um material com tanto lastro como o pastel (como, há anos, a tinta sulcada, removendo com o gesto a matéria cuja falta traçava o desenho), ou a grafite. Ou com tanta transparência como a aguarela. A densidade dos fundos (eles próprios espessos, frementes) ou a sua capacidade reflectora (como no caso dos alumínios) e o contraste vibrante com o risco ou com a mancha (aguarela, tinta-da-china, acrílico...) que nele se inscreve, convidam à perda, à vertigem do passo dado sobre o abismo. A pintura envolve-nos, como nos cinge também este falso fio de Ariadne. Falso porque não nos guia, antes nos atira, nos puxa directamente para o seio do labirinto. Tendencialmente vestigial, o desenho de Calapez resume-se, com frequência, a uma linha de contorno, que mais indicia ou lembra do que descreve. Com efeito, ao erodir (quase) toda a presença humana, ao manter apenas o registo do que da presença humana fica no mundo, ele cria um silêncio; o mesmo silêncio pesado e fantasmagórico que se sente no meio de ruínas. Pelo apagamento, o lugar torna-se simples indício. Não é habitação, mas memória. A arquitectura é uma presença constante, mas sabemos com clareza que mais do que à sua bidimensionalidade é à sua incompletude, ao seu exercício de sugestão, que devemos a sensação de inabitabilidade e os ecos que nos trazem o tempo suspenso. Aliás, a noção de tempo é tão patente no tratamento do traço (respiração do gesto, descontinuidades, nós, duplos), como ainda na criação desses não-lugares, que apenas são “habitados”, momentaneamente, por quem por eles passa e se deixa envolver no seu apelo. Não é por isso “a casa”, já que, uma vez que a deixamos, nela nada fica da nossa presença, mas tão-só um cenário, por muito sumptuoso que seja (de ópera, em criação ideal), um vestígio que a natureza reclama de volta. O gosto pelo pormenor e pelo fragmento, pela encenação, seja no traço, na instalação ou na montagem – a ideia de uma colocação das obras num registo algo oitocentista, com grupos de trabalhos de tamanhos diferentes, dispostos muito próximo uns dos outros e a distâncias estudadas, e a leitura fragmentada, que tal montagem faculta, ou a própria
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criação de objectos cuja leitura obedeça a um esforço por parte do espectador – sublinham a aposta na envolvência progressiva do espectador nas suas paisagens. Semelhante experiência é reforçada pela qualidade do traço, cujos percursos, embora de natureza linear, nos envolvem pela infinitude de possibilidades de leitura: dentro de um quadro, em comunicação com outros quadros, enrolando-se, multiplicando-se, em redor do nosso campo de visão, crescendo como ramos mágicos de árvores, de cascas de troncos, espelhos de lagos, fissuras ou dobras de montanhas, cicatrizes de muros, traçados de escadarias, pontes, castelos, mesas, cadeiras, bilhas, mãos ou coroas de espinhos. A não explicitude absoluta do desenho, indiciando apenas e recusando o literal exercício da mimésis, caminhando com destreza para os percursos da abstracção, misturando-se com a natureza da pintura, na sua luminosa aventura criada nos contrastes vibrantes das cores e na transparência das velaturas, contribui também para que a convocação do espectador seja maior, mais profunda. Identificamo-nos com essas paisagens, esses não-lugares, cuja natureza pode ser completada pela nossa própria experiência do olhar e do mundo. Como afirma o ensaísta e dramaturgo norte-americano David Mamet, quando uma história nos apresenta uma personagem pouco definida cada um de nós pode ocupar esse lugar e sentir, assim, uma empatia e identificação com a narrativa. É um exercício similar que sucede no confronto com a pintura e o desenho de Calapez, cuja deliberada incompletude formal nos convoca para o diálogo. Essa convocação não se resume, porém, à sinuosa natureza da linha, mas também, de modo inequívoco, à sua corporeidade, ao claro pendor matérico da obra. Na verdade, a linha tem sempre textura, quer em positivo – resíduo corpóreo sobre o suporte – quer em negativo, sulcando o suporte, deixando um roço atrás de si. Talvez por isso, quando nos encontramos com a sua pintura, realizada com frequência em manchas de largo gesto, temos a sensação de que o mundo está mais perto do nosso olhar, que o vemos através de uma lupa que aumenta o traço até ele nos tocar, nos abarcar. O facto de o trabalho de Pedro Calapez se basear muito no acto do trabalhar (nutrindo-se no seu próprio exercício) faz com que risco e prazer andem de mãos dadas. Cada obstáculo é bem-vindo, aceite como um osso do ofício, e nesse aspecto é ele mesmo, literalmente, elemento estruturante do esqueleto do que é o seu fazer. Aceitar o erro, o obstáculo, como algo a superar, como um desafio, é parte do prazer intrínseco do fazer, do processo de observação da metamorfose do mundo material, que vai gerando e gerindo, descobrindo-se no processo da sua tecitura. Do mesmo modo, aceitar que o momento de equilíbrio ideal da obra já passou, perdido num gesto ou numa cor que teria sido excessiva, é perceber que o processo não é controlável, nem subordinável à paixão (encantamento e dor) do fazer. Permitam-me um último salto literário. Há muitos anos, tomando como pretexto um conjunto de narrativas orientais, a escritora Marguerite Yourcenar escreveu um conto intitulado “A Salvação de Wang-Fô”. Nessa estória, um velho pintor de paisagens é convocado à corte. O príncipe recém-chegado ao poder, cuja infância fora passada na envolvência benévola das paisagens maravilhosas pintadas por Wang-Fô, descobrira havia pouco que o mundo não detinha a perfeição da pintura do velho mestre. Desiludido, enganado, condena-o à morte; mas não sem antes lhe ordenar que pinte um derradeiro quadro. Wang-Fô assim faz. O quadro que pinta é deslumbrante e tão avassalador que as águas que representa saem
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do papel e inundam o salão, afogando todos os guardas e até o príncipe, mas permitindo a fuga do pintor, vogando no caudal, pintura dentro. Eis um exercício a que Pedro Calapez não seria estranho. Já que, como certa vez afirmou, ele cria para ser absorvido pela pintura. Felizmente para nós, a desilusão e a mágoa não têm aqui lugar e por isso ficamos na posição do aprendiz a quem o mestre salva consigo. Não cairemos assim no erro do príncipe, nem o condenaremos por criar paisagens em que o nosso desejo de perfeição do mundo, à imagem do que aí vemos, possa estragar o equilíbrio da pintura e o labirinto fascinante do desenho.
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Título tomado de empréstimo a um conto de Marguerite Yourcenar. Ver Contos Orientais. Publicações Dom Quixote. In MELO, Alexandre, “O Sol de Maiorca”, Campo de Sombras. Catálogo da exposição na Fundação Miró, Maiorca, 1997. 3 Veja-se o caso da exposição Memória Involuntária, Museu do Chiado, Lisboa, 1996, em que trabalhou a partir de 11 pastéis de Sousa Pinto. 2
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HOW WAN-FO WAS SAVED1 Emília Ferreira
“If we wish to state a formal characteristic that might identify, up to now, the whole of Calapez’s work, it would have to be found in the importance of the act of crossing out”.2
It is now commonplace to state that the matter with which artists work comes from that which has already been worked on by their peers. The genetic lines that are thus set out and rooted create the imaginary and grammar of each artist. To gaze on the gaze of another, to see the real world through the filter of imagination, of the hand, of another person is artists’ favourite exercise. Not because each artist is incapable of seeing things anew. But because, just as words have a history, images also bear worlds and traditions, manners of seeing. And because in the approach to and the learning that each of us makes about what surrounds us, the filter of third parties – particularly when they possess the category of masters – means being half way there. However, half way does not mean that it is all done, but, on the contrary, that the rest of the path remains to be seen and followed. Starting from this supposition, what needs to be asked here is what is the half way travelled by Pedro Calapez as a starting point for the construction of his own personal grammar. To start with, that of the history of art. Calapez has always stated his interest in the spatial treatment used by Giotto, Fra Angelico and authors from the XVIII century like Piranesi. He is interested in an experience of the gaze that he then interrogates, explores, and adds to. Consider: Giotto captivated him due to the representation of the space, of architecture and of volumes; Fra Angelico due to the relationship that the space (as a hierarchy) has in his painting. But he may “capture” other aspects from other artists, as took place with Sousa Pinto3, from whom he explored the mechanisms of perception and of memory. Often added to that half way, which we may characterise as a clear liking for quoting and appropriation, there are other references: those of images and experiences from everyday life. It is starting from this initial territory that Pedro Calapez’s continuity arises, his authorial trait. That is, his liking for marking out surfaces, for filling them with dense and material areas of paint, for exploring them in a frank chromatic explosion, in a clear luminal contrast. For fragmenting them and working the gaze – his and ours – over multiple spaces, geometrical or organically-made. For manipulating the supports (paper, canvas, wood, brick or aluminium) without hiding them, accepting them as an unequivocal part of the colour, light, texture and body of the work, as a contribution to its visual and sensual labyrinth. For furrowing the surfaces, in a line that the hand draws out in a clear exercise of the gestural, leaving in his script the registering of a space that seems almost real, but never is, which is eternally
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recombined in its tiny constituent particles, as if seeking the greatest possible conjugation, the best of the possible worlds — as Leibniz would state. One may state, without a large margin of error, that space is the major issue in all of Pedro Calapez’s work. On the one hand, the space of the painting, its limits (the space inside, the space analysed in the solutions and proposals by other authors), the space on which one reflects and which results from the aisthesis, from our body’s occupation of its physical surroundings, the space between the paintings, our position in relation to the works and the space of the confined painting (containers). The confrontation with and the entering into these domains thus demand of the spectator a dual exercise of imagination and opening to the information of the senses, in a clearly plural manner. Which means that the atmosphere greatly goes beyond the mere conviction of the gaze, and instead demands of us a total, eminently aesthetic exercise, something which is only possible through the corporeal quality of the visible element surrounding us. How can these effects be achieved only with paint? The contrast with the support saturated in colour (or already possessing colour itself) is affirmed through the scratching of a material with as much ballast as pastel (like, years ago, the furrowed paint, scraping away the matter that would reveal the drawing through its absence), or graphite. Or with as much transparency as watercolour. The density of the backgrounds (they themselves thick and quivering) or their reflective capacity (as in the case of the aluminium) and the vibrant contrast with the line or with the stain (watercolour, Indian ink, acrylic...) that is inscribed on it, is an invitation to loss, to the dizziness of the step taken over the abyss. The painting involves us, as this false Ariadne’s thread also encircles us. False because it does not guide us, but rather hurls us forward, pulling us directly into the heart of the labyrinth. Calapez’s somewhat vestigial drawing is often reduced to an outline, which indicates or recalls more than it describes. Indeed, in eroding (almost) all human presence, in only maintaining the register of what remains of human presence in the world, he creates a silence; the same heavy and phantasmagorical silence that one feels among ruins. Through this erasing, the place becomes a simple indication. It is not a dwelling, but a memory. Architecture is a constant presence, but we clearly know that we owe the feeling of un-inhabitability and the echoes that bring us suspended time more to its incompleteness and exercise of suggestion than to its two dimensional nature. Indeed, the notion of time is so obvious in the treatment of the line (breathing of the gesture, discontinuities, knots, doubles), and also in the creation of these non-places, that they are only momentarily “inhabited” by those who pass by and allow themselves to become involved in their appeal. It is thus not “the house”, given that once we leave it, nothing remains of our presence in it, but merely a set, no matter how sumptuous it may be (for an opera, in an ideal creation), a vestige that nature claims back. His liking for detail and for fragments, for staging, whether in the line, in the installation or in the assembly – the idea of a placing of the works on a somewhat nineteenth century register, with groups of works of different sizes, laid out very close to each other and at studied distances, and the fragmented reading provided by such a layout, or the very creation of objects the reading of which might follow an effort on the part of the spectator –
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underline the option for the spectator’s progressive involvement in his landscapes. A similar experience is reinforced by the quality of the line, the paths of which, albeit linear in nature, involve us due to the infinity of possibilities of reading: within a painting, in communication with other paintings, rolling itself up, multiplying itself, around our field of vision, growing like magical tree branches, tree barks, mirrors of lakes, fissures or folds in mountains, scars on walls, outlines of stairwells, bridges, castles, tables, chairs, pots, hands or crowns of thorns. The drawing’s absolute lack of explicitness, indicating only and rejecting the literal exercise of mimesis, skilfully moving towards the paths of abstraction, mixing with the nature of the painting, in its luminous adventure created in the vibrant contrasts of the colours and in the transparency of the coverings, also contributes towards making the spectator’s convocation greater, deeper. We identify with these landscapes, those non-places, the nature of which may be completed by our own experience of the gaze and of the world. As the US essayist and playwright David Mamet states, when a story presents us with a character which is ill-defined, any one of us can take his place and thus feel empathy and identification with the narrative. It is an exercise similar to that which takes place in confrontation with Calapez’s painting and drawing, the deliberate formal incompleteness of which convokes us into dialogue. Yet that convocation is not restricted to the sinuous nature of the line, but also, in an unequivocal manner, to its corporeality, to the clear material tendency of the work. In fact, the line always has texture, whether in the positive – a corporeal residue on the support – or in the negative, furrowing the support, leaving a groove behind it. Perhaps for this reason, when we encounter his painting, often carried out in wide-spread areas of paint, we have the feeling that the world is closer to our gaze, that we are seeing it through a magnifying glass that increases the line until it touches us, and includes us. The fact that Pedro Calapez’s work is greatly based on the act of working (feeding off its own exercise) means that risk and pleasure go hand in hand. Each obstacle is welcome, accepted as coming with the territory, and in this aspect it is itself, literally, a structuring element for the skeleton of that which is his making. Accepting error and obstacles as something that has to be overcome, as a challenge, is a part of the intrinsic pleasure of making, of the process of observation of the metamorphosis of the material world, which goes on being generated and managed, being discovered in the process of its contexture. In the same manner, accepting that the work’s moment of ideal balance has already gone by, lost in a gesture or in a colour that would have been excessive, means understanding that the process cannot be controlled nor subordinated to the passion (enchantment and pain) of making. Allow me one final literary leap. Many years ago, taking as a pretext a set of oriental narratives, the writer Marguerite Yourcenar wrote a short story entitled “How Wan-Fo was saved”. In this story an old landscape painter is invited to the court of a prince. The prince, who has only recently come to power, whose childhood was spent in the benevolent surroundings of the wonderful landscapes painted by Wan-Fo, had a short time ago discovered that the world was not as perfect as the old master’s paintings. He feels disillusioned and cheated, and thus condemns him to death; but before he does so he orders him to paint a
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last painting. Wan-Fo does so. The painting he paints is stunning and as overwhelming that the waters he paints come off the paper and flood the hall, drowning al the guards and even the prince, but allowing the painter to flee, riding on the tide inside the painting. This is an exercise that would not be alien to Pedro Calapez. Given that, as he once stated, he creates in order to be absorbed in the painting. Fortunately for us, disillusionment and hurt have no place here, and for this reason we remain in the position of the apprentice whom the master saves along with him. We will thus not fall into the error committed by the prince, nor will we condemn him for creating landscapes in which our desire for the world’s perfection, like that we see in the paintings, might ruin the balance of the painting and the fascinating labyrinth of the drawing.
1 Title borrowed from a story by Marguerite Yourcenar. See Contos Orientais. Publicações Dom Quixote. 2 In MELO, Alexandre, “O Sol de Maiorca”, Campo de Sombras. Exhibition catalogue by the Miró Foundation, Majorca, Spain 1997. 3 See the case of the exhibition Memória Involuntária, Chiado Museum, Lisbon, 1996, in which he worked from eleven pastels by Sousa Pinto.
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“planos sobre planos”, 2006 conjunto de 36 aguarelas com 28,5 x 38,5 cm cada | group of 36 watercolours, 28,5 x 38,5 cm each dimensão total | overall size: 224 x 284 cm aprox.
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“Planos # 04”, 2007 acrílico sobre papel | acrylic on paper 103 x 153 cm
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“Planos # 09”, 2007 acrílico sobre papel | acrylic on paper 101 x 150 cm colecção particular | private collection
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“escondido 01�, 2008 aguarela sobre papel | watercolour on paper 127,5 x 250,5 cm
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“Abstract landscape (Sylt series 28 a 71)”, 2003 conjunto de 44 aguarelas com 34 x 40,5 cm cada | group of 44 watercolours, 34 x 40,5 cm each dimensão total | overall size: 150 x 500 cm colecção particular | private collection vista na exposição “piso zero”, CGAC, Centro Galego de Arte Contemporánea, Santiago de Compostela, 2005 view at solo exhibition “piso zero”, CGAC, Centro Galego de Arte Contemporánea, Santiago de Compostela, 2005
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“ground 02”, 2005 acrílico sobre alumínio | acrylic on aluminium conjunto de 43 peças, colocadas na horizontal com mesa | group of 43 aluminium parts displayed horizontally on a table dimensão total | overall size: 200 x 200 cm
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“Mistérios”, 2007 acrílico e grafite sobre papel | graphite and acrylic on paper 20 desenhos 56 x 76 cm cada | 20 drawings, 56 x 76 cm each
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“Oh don’t ask why”, 2008 aguarela sobre papel | watercolour on paper 98 x 204 cm
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“desenhos contínuos 1”, 1999 pastel seco sobre papel | soft pastel on paper 152 x 180 cm
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“desenhos contínuos 2”, 1999 pastel seco sobre papel | soft pastel on paper 152 x 180 cm
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“desenhos contínuos 3, 1999” pastel seco sobre papel | soft pastel on paper 152 x 180 cm
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“desenhos contínuos 4”, 1999 pastel seco sobre papel | soft pastel on paper 152 x 180 cm
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“desenhos contínuos 5”, 1999 pastel seco sobre papel | soft pastel on paper 152 x 180 cm
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“onde pousar 05”, 2003 acrílico e grafite sobre papel | graphite and acrylic on paper 150 x 101 cm colecção particular | private collection
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“onde pousar 06”, 2003 acrílico e grafite sobre papel | graphite and acrylic on paper 101 x 150 cm colecção particular | private collection
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“quatro bosques”, 2006 conjunto de 8 desenhos a pastel sobre papel, cada com 100,5 x 74,5 cm | group of 8 drawings, oil pastel on paper, 100,5 x 74,5 cm each dimensão total | overall size: 219 x 337 aprox.
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“Transparências”, 2005 projecção vídeo com dupla projecção, DVD com loop de 81 minutos, som | video projection, 81’ loop sound DVD
“Cidade 01�, 2005 grafite sobre papel | graphite on paper 120 x 130 cm
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Fachada 01, 2005 grafite sobre papel | graphite on paper 120 x 130 cm
“Unidade habitacional”, 2005 conjunto de 5 painéis em alumínio pintados a acrílico, montados em cubo | group of 5 aluminium panels painted in acrylic, displayed as a cube 130 x 130 x 120 cm
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“nuvem 01”, 2007 aguarela sobre papel de arroz | watercolour on rice paper 98 x 237,5 cm “nuvem 02”, 2007 aguarela sobre papel de arroz | watercolour on rice paper 98 x 240 cm
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“um dia na vida de C”, 2004 conjunto de 9 desenhos a pastel de óleo sobre papel, cada com 56 x 76 cm | group of 9 drawings, oil pastel on paper, 56 x 76 cm each dimensão total | overall size: 180 x 240 cm, aprox. colecção particular | private collection
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“um dia da vida de D”, 2004 conjunto de 9 desenhos a pastel de óleo sobre papel, cada com 56 x 76 cm | group of 9 drawings, oil pastel on paper, 56 x 76 cm each dimensão total | overall size: 180 x 240 cm, aprox. colecção particular | private collection
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“um dia na vida de E”, 2004 conjunto de 9 desenhos a pastel de óleo sobre papel, cada com 56 x 76 cm | group of 9 drawings, oil pastel on paper, 56 x 76 cm each dimensão total | overall size: 180 x 240 cm, aprox. colecção | collection Madalena e Gonçalo Reis
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“um dia na vida de F”, 2006 conjunto de 9 desenhos a pastel de óleo sobre papel, cada com 56 x 76 cm | group of 9 drawings, oil pastel on paper, 56 x 76 cm each dimensão total | overall size: 180 x 240 cm, aprox. colecção particular | private collection
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“estudos Trabalhos do olhar – conj. 03”, 2000 conjunto de 6 desenhos a acrílico e pastel sobre papel, 38,5 x 56,5 cm cada | group of 6 drawings, acrylic and pastel on paper, 38,5 x 56,5 cm each dimensão total | overall size: 85 x 185 cm aprox.
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“estudos Trabalhos do olhar – conj. 04”, 2000 conjunto de 6 desenhos a acrílico e pastel sobre papel, 38,5 x 56,5 cada | group of 6 drawings, acrylic and pastel on paper, 38,5 x 56,5 cm each dimensão total | overall size: 85 x 185 cm aprox.
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“estudos Trabalhos do olhar – conj. 05”, 2000 conjunto de 6 desenhos a acrílico e pastel sobre papel, 38,5 x 56,5 cada | group of 6 drawings, acrylic and pastel on paper, 38,5 x 56,5 cm each dimensão total | overall size: 85 x 185 cm aprox.
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“estudos Trabalhos do olhar – série A”, 2000 conjunto de 20 desenhos a acrílico e pastel sobre papel, 28,5 x 38 cada | group of 20 drawings, acrylic and pastel on paper, 28,5 x 38 cm each dimensão total | overall size: 135 x 210 cm aprox.
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“estudos Trabalhos do olhar - série B”, 2000 conjunto de 20 desenhos a acrílico e pastel sobre papel, 28,5 x 38 cm cada | group of 20 drawings, acrylic and pastel on paper, 28,5 x 38 cm each dimensão total | overall size: 135 x 210 cm aprox.
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PEDRO CALAPEZ Lisboa | Lisbon, 1953
Começou a participar em exposições nos anos 70, tendo realizado a sua primeira individual em 1982. O seu trabalho tem sido mostrado em diversas galerias e museus tanto em Portugal como no estrangeiro sendo de salientar as exposições individuais: Histórias de objectos, Casa de la Cittá, Roma, Carré des Arts, Paris e Fundação C. Gulbenkian, Lisboa (1991); Petit jardin et paysage, Capela Salpêtriére, Paris (1993); Memória involuntária, Museu do Chiado, Lisboa (1996); Campo de Sombras, Fundació Pilar i Joan Miró, Mallorca (1997); Studiolo, INTERVALRaum für Kunst & Kultur, Witten (1998), Madre Agua, Museo MEIAC, Badajoz e Centro Andaluz de Arte Contemporáneo, Sevilha (2002); Obras escolhidas, CAM – Fundação C. Gulbenkian, Lisboa(2004); piso zero, CGAC – Centro Galego de Arte Contemporáneo, Santiago de Compostela, Lugares de pintura, CAB-Centro de Arte Caja Burgos (2005). Nas diversas mostras colectivas destaca-se a sua participação nas Bienais de Veneza (1986) e S. Paulo (1987 e 1991) bem como nas exposições 10 Contemporâneos, Museu de Serralves, Porto (1992); Perspectives, Centre d’art contemporain, Marne-La-Vallée (1994); Depois de Amanhã, Centro Cultural de Belém, Lisboa (1994); Ecos de la materia, Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, Badajoz (1996); Tage Der Dunkelheit Und Des Lichts, Kunstmuseum Bonn (1999); “Argumentos de futuro”, Caja San Fernando, Sevilha, Fundación ICO, Madrid; EDP.ARTE, Museu de Serralves, Porto (2001); “Del Zero al 2005. Perspectivas del arte en Portugal”, Fundación Marcelino Botín, Santander (2005); Beaufort Inside-Outside, Trienal de Arte Contemporânea, PMMK Museum, Ostende (2006). He began taking part in exhibitions in the seventies and in 1982 had his first solo exhibition. He has exhibited his work individually in various galleries and museums, most notably Histórias de objectos, Casa de la Cittá, Roma, Carré des Arts, Paris and Gulbenkian Foundation, Lisbon (1991); Petit jardin et paysage, Salpêtriére Chapel, Paris (1993); Memória involuntária, Chiado Museum, Lisbon (1996); Campo de Sombras, Pilar i Joan Miró Foundation, Majorca (1997); Studiolo, INTERVAL-Raum fur Kunst & Kultur, Witten, Germany (1998); Madre Agua, MEIAC – Contemporary Art Museum, Badajoz and CAAC – Andalucia Contemporary Art Centre (2002); Selected works 1992-2004, Gulbenkian Foundation, Lisbon (2004); piso zero, CGAC – Galicia Contemporary Art Centre, Santiago de Compostela (2005); Lugares de pintura, CAB – Caja Burgos Art Centre, Burgos. Most outstanding among the various collective exhibitions in which he has taken part are the biennials of Venice (1986) and S. Paulo (1987 and 1991) and the exhibitions: 10 Contemporâneos, Serralves Museum, OPorto (1992); Perspectives, Marne-La-Vallée Contemporary Art Centre (1994); The day after tomorrow, CCB – Belém Cultural Centre, Lisbon (1994); Ecos de la materia, MEIAC, Badajoz (1996); Tage Der Dunkelheit Und Des Lichts, Bonn Art Museum (1999); EDP.ARTE, Serralves Museum, OPorto (2001); “Del Zero al 2005. Insights on Portuguese art”, Marcelino Botín Foundation, Santander (2005); Beaufort Outside - Inside, Contemporary Art Triennial, PMMK Museum, Ostende (2006).
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EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS (desde 2003) | SOLO EXHIBITIONS (since 2003) 2008 “Escala de color”, Galeria Max Estrella, Madrid. 2007 “Planos”, Galeria Lisboa 20, Lisboa. 2006 “Obra reciente”, Galeria Max Estrella, Madrid. “para lá da montanha”, Galeria Presença, Porto. “Band”, Galeria SCQ, Santiago de Compostela (cat). “side by side”, Galeria Seippel, Colónia (cat). “alguns estudos e desenhos”, Galeria do Novo Teatro Municipal de Almada. “Obra gravada 2005-2006”, Galeria Gomes Alves, Guimarães. 2005 “Private Geographies”, Maurio Mauroner Contemporary Art, Salzburgo. “Lugares de pintura”, CAB - Centro de Arte Caja Burgos, Burgos (cat). “piso zero”, CGAC - Centro Galego de Arte Contemporáneo, Santiago de Compostela (livro de artista). 2004 “Obras Escolhidas 1992-2004”, Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa (cat). 2003 “Lugares”, Galeria SCQ, Santiago de Compostela. “Lugar del que los ojos acuden”, Galeria Max Estrella, Madrid (cat). “de um lado para o outro”, Galeria Presença, Porto. “no repouso dos seus dedos”, Galeria AH – Arte Contemporânea, Viseu (cat). “Abstract landscape”, Kunst:Raum Sylt-Quelle, Rantum/Sylt.
EXPOSIÇÕES COLECTIVAS (desde 2003) | GROUP EXHIBITIONS (since 2003) 2008 “Linha do Horizonte”, Caixa Cultural RJ, Rio de Janeiro, Brasil. “(I+E) Adquisiciones recientes”, CAB - Centro de Arte Caja Burgos, Burgos. “Ponto de vista”, obras da Colecção da Fundação PLMJ, Museu da Cidade, Lisboa. “Quel air clair éclaire l’air”, Obras da Colecção do Ar.Co., Museu da Cidade, Lisboa. “À volta do papel”, CAMB - Centro de Arte Manuel de Brito, Palácio Anjos, Algés. “Percursos”, Galeria Municipal Nova Ogiva, Óbidos. 2007 “Mapas, Cosmogonías y Puntos de referencia”, CGAC - Centro Galego de Arte Contemporáneo, Santiago de Compostela. “Conversaciones - Colección Aena”, MEIAC, Badajoz. “Toll-free: Serralves no Algarve”, Centro Cultural de Lagos. “Colecção António Cachola”, MACE - Museu de Arte Contemporânea de Elvas. “50 Anos de Arte Portuguesa”, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. “Aena-Colección de Arte Contemporáneo”, Convento Santa Inês, Sevilla.
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“Mapas, cosmogonias e puntos de referencia”, CGAC - Centro Galego de Arte Contemporáneo, Santiago de Compostela. “Expansiones implosivas. Derivas de la escultura en la Colección Caja de Burgos”, Centro Cultural de la Villa, Madrid. 2006 “Beaufort Inside-Outside”, PMMK Museum, Ostende. “Premio Nacional de Arte Gráfico”, Calcografia Nacional, Madrid e SNBA, Lisboa. “Aena Arte. Obra sobre papel”, Sala Arquerías de Nuevos Ministérios, Madrid. “desenho contínuo: Aires Mateus/Pedro Calapez”, Centro de Artes de Sines. “Território Oeste. Aspectos singulares del arte portugués contemporáneo”, MACUF - Museo de Arte Contemporáneo Unión Fenosa, A Coruña. “El espacio y el concepto – gráfica y ediciones de la Galeria Caja Negra”, Instituto de Artes Gráficas de Oaxaca. “Arte Contemporânea Portuguesa - Obras da Colecção Portugal Telecom”, Fórum Eugénio de Almeida, Évora. “Naturalia”, Centro Cultural de Lagos. 2005 “Five solitaire positions”, Galeria Mario Mauroner, Viena. “Del Zero al 2005. Perspectivas del arte en Portugal”, Fundación Marcelino Botín, Santander. “Colección Fundación ARCO, Colección CGAC”, CGAC - Centro Galego de Arte Contemporáneo, Santiago de Compostela. “Le droit de Rêve”, Galeria Mario Mauroner, Salzburg. “Desenhos A-Z”, Galeria Porta 33, Funchal. “[RE]Visitações_a Partir de Pontormo”, Galeria Luís Serpa, Lisboa. “DEPOIS DO MODERNISMO_um olhar retrospectivo...”, Galeria Luís Serpa, Lisboa. 2004 “1980-2004: anos de Actualização Artística das colecções do Museu do Chiado”, Museu Francisco Tavares Proença Júnior, Castelo Branco. “20 Anos Galeria Cómicos-Luís Serpa, Cordoaria Nacional, Lisboa. “20+1 Artistas Portugueses nas colecções do CGAC”, CGAC – Centro Galego de Arte Contemporáneo, Santiago de Compostela. “Meio Século de Arte Portuguesa”, Museu do Chiado, Lisboa. “On drawing”, Galeria Cristina Guerra, Lisboa. “Alguns Fragmentos do Universo: Escala de cores”, Centro Cultural de Lagos. “Dramaturgias do Desenho”, Casa da Cerca, Almada. “Alguns Fragmentos do Universo (cont 7)”, Museu Francisco Tavares Proença Júnior, Castelo Branco. 2003 “Alguns fragmentos do Universo”, Centro Cultural Emmerico Nunes, Sines. “et puis voilá”, Galeria AH – Arte Contemporânea, Viseu. “Colecção Caixa Geral de Depósitos”, MEIAC, Badajoz. “Exposição Comemorativa de Guimarães”, Guimarães.
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PRÉMIOS | AWARDS 2005 “Premio Nacional de Arte Gráfico”, Calcografia Nacional da Real Academia de Bellas Artes, Madrid. “Prémio AICA” (Associação Internacional de Críticos de Arte -secção portuguesa). 2001 “Prémio de Pintura EDP”, Lisboa. 1999 “Premi Ciutat de Palma de Pintura”, Palma de Mallorca. 1998 “Premio “El Brocense”, Deputación Provincial de Cáceres. 1994 “Premio de Dibujo”, Fundació Pilar i Joan Miró em Mallorca. 1990 “Prémio União Latina”, Lisboa. 1987 “Prémio Amadeo de Sousa Cardoso”, Museu de Serralves, Porto. 1986 “Arte dos Anos Oitenta”, V Bienal de V. N. de Cerveira. 1984 “Lagos 84”, Lagos.
OBRAS PÚBLICAS | PUBLIC WORK 2007 Porta principal e painéis em bronze para a Igreja da Santíssima Trindade, Fátima | Main doors ans side panels for the Holly Trinity Church, Fátima. 2006 “Quatro estações”, Hospital São Francisco Xavier, Lisboa. Grupo de 34 paineis pintados | group of 34 painted panels. 2005 “Neve de Espinhos”, retábulo de altar na capela de Nª. Srª. das Neves/Biblioteca Municipal de Ílhavo, Ílhavo | Altar painting for NªSª das neves Chapel, Public library, Ílhavo – Cortina de sala para o Novo Teatro Municipal de Almada | Stage curtain for the new City Theatre of Almada. 2002 “Ornamento escondido”, Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa. Grupo de 24 painéis pintados | Group of 24 painted panels. 1998 Praça em calçada portuguesa na Porta-Sul da Exposição Internacional de Lisboa | Drawing in portuguese pavement, 50 m diameter. Painel cerâmico para o Metropolitano de Lisboa (estação das Olaias). 1997 Tecto para o edifício dos Paços do Concelho da Câmara Municipal de Lisboa | Painted ceiling for Lisbon City Hall.
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COLECÇÕES | COLLECTIONS Caixa Geral de Depósitos, Lisboa; Centro de Arte Caja Burgos, Burgos; Central European Bank, Frankfurt; Centro Galego de Arte Contemporáneo, Santiago de Compostela; Chase Manhattan Bank N. A, New York; Colecção António Cachola, Elvas; European Investment Bank, Luxembourg; Fondación Coca-Cola España, Madrid; Fondación Prosegur, Madrid/Lisboa; Fundació Pilar i Joan Miró, Maiorca; Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; Fundação EDP, Lisboa; Fundação Luso Americana, Lisboa; Fundação PLMJ, Lisboa; Fundação Portugal Telecom, Lisboa; Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, Badajoz; Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid; Museu de Serralves, Porto e outras colecções públicas e privadas | and other private and public collections.
1988-1998 Pertenceu à direcção do Ar.Co. – Centro de Arte e Comunicação Visual, Lisboa, onde foi igualmente responsável pelos Departamentos de Pintura e de Desenho. 1988 Foi Bolseiro da Secretaria de Estado da Cultura. 1980-2000 Foi membro da Cooperativa Diferença. 1976-81 Frequentou a Escola de Belas Artes de Lisboa. 1972-75 Curso de Formação Artística, SNBA, Lisboa. 1969-74 Frequenta o Instituto Superior Técnico, Lisboa.
1988-1998 He belonged to the board of Ar.Co. – Arts and Visual Communication Centre, Lisbon, where he was also responsible for the departments of painting and drawing. 1988 He was awarded a grant from the Secretariat of State for Culture. 1980-2000 He was a member of the Diferença Cooperative. 1976-81 He attended the Lisbon School of Fine Arts. 1972-75 Course in Artistic Training, SNBA – National Society of Fine Arts, Lisbon. 1969-74 He attends the Higher Technical Institute, Lisbon.
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| EXHIBITION Pedro Calapez. Branca e Neutra Claridade Pedro Calapez. White and Neutral Clarity EXPOSIÇÃO
| PRODUCED AND ORGANISED BY CASA DA CERCA – CENTRO DE ARTE CONTEMPORÂNEA Câmara Municipal de Almada PRODUZIDA E ORGANIZADA PELA
27 de Setembro – 31 de Dezembro 2008 27 September – 31 December 2008
| DIRECTOR Ana Isabel Ribeiro DIRECÇÃO
EXPOSIÇÃO | EXHIBITION | PROJECT Emília Ferreira e | and Pedro Calapez PROJECTO
| CURATOR Emília Ferreira CURADORIA
SERVIÇO EDUCATIVO
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EDUCATION SERVICE
Emília Ferreira PRODUÇÃO E COMUNICAÇÃO
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PRODUCTION AND COMMUNICATION
Vanda Piteira | ADMINISTRATION Isabel Ferreira SECRETARIADO
| EXHIBITION ASSEMBLY Victor Borges Divisão de Manutenção e Logística da CM Almada APOIO DE MONTAGEM
CATÁLOGO | CATALOGUE COORDENAÇÃO GERAL
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OVERALL COORDINATION
Emília Ferreira | TEXTS Ana Isabel Ribeiro Emília Ferreira Mariano Navarro Pedro Calapez TEXTOS
| TRANSLATIONS David Alan Prescott [castelhano-inglês | spanish-english] Emília Ferreira [castelhano-português | spanish-portuguese] TRADUÇÕES
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INVESTIGAÇÃO
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RESEARCH AND DOCUMENTATION CENTRE
Ana Margarida Martins | PHOTOGRAPHY José Manuel Costa Alves MPPC - arte, edição e projecto CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
DESIGN GRÁFICO
|
GRAPHIC DESIGN
Artlandia | PRINTING Facsimile, Lda IMPRESSÃO
Depósito legal n.º 281921/08 ISBN 978-972-8794-54-5 casadacerca@cma.m-almada.pt www.m-almada.pt/casadacerca www.calapez.com
| ACKNOWLEGMENTS A Casa da Cerca e o artista desejam agradecer Casa da Cerca and the artist wishes to thank Galeria AH Galeria Lisboa 20 Galeria Presença Teresa e Mariano Navarro Alexandra e Manuel Pedro Calapez e a todos os coleccionadores que emprestaram obras para esta exposição and all the colectors who lent works to this exhibition AGRADECIMENTOS