Edição N 19

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ISSN 2358-4831

Graffite Dandara dos Palmares em Toledo-PR, por Isaac Souza de Jesus

Edição nº 19 | Novembro de 2016

Uma revista colaborativa sobre cultura Latino-americana


Editorial

Para lançar a edição online de 2016 desviamos um pouco do tempo, nos tardamos neste intervalo retido em um ciclo de meses, sobre isso, caros leitores, nos desculpamos. Mas saibam que foi necessário desacelerar. Foi preciso repensar anos de processo e repensar nosso volume de memórias. Para compreender o que é ser e comunicar-se como revista. Quais as linguagens, os formatos que nos costuram como um espaço para a cultura, desde a América Latina, desde nosso ponto de vista fronteiriço. Desacelerar foi necessário para reorganizar. Buscamos novos meios de publicação e de compartilhamento do nosso acervo de afetos e memórias visuais e dissertativas que estamos planteando desde meados de 2011. Para isso, criamos o site revistapeabiru.wixsite.com/revistapeabiru. Nele, você encontra todos os conteúdos, edições anteriores, notícias compartilhadas, nuestros ejes temáticos e como publicar com nosotros. É só adentrar e ver! Seguimos no formato das edições online, mas agora a compilação de matérias se dá conforme a circuncisão do tempo; a cada bloco de publicações disponibilizadas ordinariamente no site, fechamos nossa edição online, cuja linha editorial é o tempo e o contexto histórico de cada conteúdo. Não se trata de juntar temas aleatórios, mas de observar como os contextos e os fluxos das informações nos aproximam e firmam um diálogo entre autores, formando uma narrativa diversa, mas convergente. E, nesta edição de número 19, notamos que a cultura e as suas interfaces foram o ponto central das matérias. Como o texto que trouxe para a luz desta discussão a perspectiva da fronteira; outro que abordou a cultura e a construção de identidades no âmbito de uma universidade; também a cultura como campo de atuação e a necessidade das trocas de experiências, como é o texto que relata o caso da rede da BP3. Temos, ainda, o artigo sobre a cultura como luta por las calles do México ou ainda como forma e olhar residual sobre um universo à margem, como veremos no texto sobre o documentário “Catadoras”. E, por fim, a cultura como instrumento, como som e ritmo nos tambores de Alabê Ôni. Todos esses temas estão aqui, nestas páginas que seguem. E significam que, como revista, estamos além das páginas; somos memórias, somos afetos. É por isso que concluímos este editorial fazendo uma pausa para eternizar nossos sentimentos por ter compartilhado um trecho de vida e do fazer da revista e os ideais de América Latina com o Danto, o Vicente Giardina, companheiro de equipe que neste ano partiu, mas que deixa em nós um largo sorriso e uma profunda saudade. FOLHA Caminhou no Rio como um homem destemido altivo e determinado percorreu seu caminho Desaguado em sonho e sem medo Pó tripulante de um barco sem sentido Jogou-se ao infinito Vai a folha... Ficam em nós seus sonhos, seu sorriso e grata simpatia dos grandes Danto presente, agora e sempre!

Anoitecer Lado de Itaipu/Foto Romildo Marques


Expediente Equipe Coordenação e Edição: Michele Dacas Orientação: Fran Rebelatto Produção Editorial: Cynthia Quitorán, Jaqueline Azevedo, Mayara Diagramação: Anitta Delvalle, Alexandre Souza Junior, Diana Canales, Guilherme Cruz, Marco Polo Gomes de Azevedo, Diagramação Editorial: Guilherme Cruz Revisão Espanhol: Silvana Mamani Revisão Português: Jaqueline Bohn Couto Capa: Arte sobre Dandara dos Palmares na Praça em Toledo, produzida pelo graffiteiro Isaac Souza de Jesus. “Graffitei a Dandara dos Palmares no dia da consciência negra por acreditar que esta é uma forma de dar visibilidade a esta Mulher negra, escrava, e guerreira que lutou por liberdade no período colonial do Brasil, e é pouco lembrada pela história.”A Arte do Graffiti por ter sua exposição na rua impõe a provocação no olhar de quem passa. E está foi minha ideia quando fiz o graffite.Tem uma música que eu gosto muito do Rappa e Rapadura que diz: Não deixe que suas matrizes e suas raízes morram por falta de irrigação.Temos o compromisso de manter a história viva.” Isaac Souza de Jesus. Colaboradores desta Edição Charles Izaquiel, Denise Rodrigues, Elissandro dos Santos Santana, Guilherme Cruz, Isaac Souza de Jesus, Marcos Labanca, Michele Dacas, Fran Rebelatto, Shyrley Tatiana Peña Aymara, Susana Beatriz Arruda, Romildo Marques Realização: Secom, Proex, Programa Mais Cultura na Universidade


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6. A construção da identidade latino-americana brasileira a partir das práticas e saberes na Unila

Por Elissandro dos Santos Santana

10. Cultura na fronteira: possibilidades e identidades em trânsito

Por Michele Dacas

13. Abancay, al cielo le pediría que seas mi cuna otra vez…

Por Shyrley Tatiana Peña Aymara

16. Catadora: Um documentário de Charles Izaquiel Por Charles Izaquiel 19. Um breve olhar na conjuntura cultural nacional e regional da BP3

Por Susana Beatriz Arruda

22. Alabê Ôni: quando soam os tambores, quando o corpo é reza

Por Guilherme Cruz

26. Zapata vive, la lucha sigue en la mirada de nuestros campesinos mexicanos

Por Fran Rebelatto


A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE LATINO-AMERICANA BRASILEIRA A PARTIR DAS PRÁTICAS E SABERES NA UNILA Elissandro dos Santos Santana


No artigo “O papel da Unila na formação da identidade latino-americana e da descolonização da arquitetura mental do brasileiro” publicado no Portal Desacato, levantei a discussão de que a existência da Unila na Fronteira Trinacional é de grande importância para a integração do Brasil com os nossos irmãos latino-americanos e para a construção de uma identidade latino-americana brasileira a partir de epistemologias do próprio Sul. No trabalho publicado anteriormente, conforme mencionado, fiz uma reflexão mais no âmbito da cultura e, aqui, sem sair desse caminho cultural, chamo a atenção para a função social do saber enquanto ponto de investigação e, ao mesmo tempo, como operação nas fronteiras nos diálogos entre povos na Unila, pois essa instituição oferece essa condição de saber que pode contribuir para que o brasileiro tome consciência de que além de brasileiro é latino-americano, na mistura de culturas, a partir de práticas e saberes entre sociedades plurais e pertencentes a sistemas político-culturais distintos e, ao mesmo tempo, parecidos, por meio da práxis pedagógica fronteiriça. Para a compreensão dos trânsitos culturais a partir das práticas de saberes na Unila, é oportuno pontuar que os intercâmbios e trânsitos culturais entre sociedades coincidem com o surgimento das aglomerações humanas ao longo da história. Na hodiernidade, processos como os descritos anteriormente, surgem arvorados no conceito de interculturalidade, termo usado para classificar a convivência democrática entre culturas múltiplas, portanto, diferentes, buscando a integração sem a anulação da diversidade cultural entre os povos. Na fronteira, mais especificamente, na Fronteira Trinacional, as tensões

nos contatos entre povos com culturas que se encontram, mas que, ao mesmo, tempo, diferem-se através da língua, na forma de conceber e enxergar o mundo geram o acontecimento discursivo e, consequentemente, a troca, a partilha e a construção de novos sentidos. Concernente à urgência de uma epistemologia do Sul, Boaventura, ao discorrer sobre o ponto de mutação urgente de uma colonialidade para uma descolonialidade do Sul, apresenta o seguinte: (…) ficamos com a ideia de que, a menos que se defronte com uma resistência ativa, o pensamento abissal continuará a auto-repoduzir-se, por mais excludentes que sejam as práticas que origina. Assim, a resistência política deve ter como postulado a resistência epistemológica. Como foi dito inicialmente, não existe justiça social global sem justiça cognitiva global. Isso significa que a tarefa crítica que se avizinha não pode ficar limitada à geração de alternativas. Ela requer, de fato, um pensamento alternativo de alternativas. É preciso um novo pensamento, um pensamento pós-abissal. Será possível? Existirão as condições que, se devidamente aproveitadas, poderão dar-lhe uma chance? (2009, p. 41) Como resposta, externo que a região da fronteira Trinacional precisa integrar-se para, a partir dos pilares da amizade política, histórica e cultural, encontrar soluções para os problemas da região, mas isso só será possível quando houver uma consciência coletiva de identidade cultural latina. Nessa linha, é crucial entender que os movimentos sociais na fronteira possuem intersecções e é imprescindível entender como funcionam essas pontes de amizade. No que concerne aos movimentos sociais na América Latina, Gohn (2014, p. 37) afirma: a América Latina apresenta uma extraordinária heterogeneidade de manifestações populares, e isso traz efeitos concei-

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tuais para o entendimento do arco das expressões sociais que caracteriza a região. Por exemplo, considerando o caso do Brasil, um mapeamento recente de movimentos e redes de mobilização permite perceber a necessidade de complexificar as ferramentas conceituais para poder dar conta de um panorama diverso de vínculos sociais que promovem interesses coletivos. Na busca da noção de uma identidade latino-americana entre brasileiros, estão algumas explicações que contribuirão para novas percepções e formas de desenvolvimento a partir da história em intersecção com outros povos no continente, irmãos no tronco linguístico, fraternos até mesmo no processo de colonização e com lutas de independência ancoradas quase que nas mesmas vertentes. Nesse sentido, é oportuno trazer a noção de que o poder da identidade aproxima culturas e dinamiza as

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estruturas antes vistas como pétreas e impeditivas do progresso. Com base no raciocínio acima, é importante pontuar que a Unila possui o papel de despertar o poder da consciência identitária e, mais importante ainda, o papel da ação em rede, em conexão. Enfim, o local de cultura e de produção de saberes no qual se instalou a universidade dialoga com o que afirma Bhabha e possibilita a concretização da integração latino-americana, um sonho constitucional brasileiro desde 1988: é o tropo dos nossos tempos colocar a questão da cultura na esfera do além. Na virada do século, preocupa-nos menos a aniquilação – a morte do autor – ou a epifania – o nascimento do “sujeito”. Nossa existência hoje é marcada por uma tenebrosa sensação de sobrevivência, de viver nas fronteiras do “presente”, para as quais não parece haver nome próprio além do atual e controvertido deslizamento do prefixo


“pós”: pós-modernismo, pós-colonialismo, pós-feminismo… O “além” não é nem um novo horizonte, nem um abandono do passado… Inícios e fins podem ser os mitos de sustentação dos anos no meio do século, mas, neste fin de siècle, encontramo-nos no momento de trânsito em que espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade, passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão. (1998, p. 19) A Fronteira Trinacional é um lócus de eterna diáspora no qual ocorre não somente uma união aduaneira, mas o trânsito de pessoas constituídas de identidades culturais múltiplas. Nesse espaço, a Unila exerce papel crucial para a instituição de diálogos, saberes e integração de identidades multiculturais. A universidade contribui para a consolidação da integração latino-americana e para formação de sociedades mais dialógicas, cônscias de que as identidades não são fixas. Diante dessa percepção, os atores sociais podem enxergar além dos limites nacionais e saberão transitar pelo planetário complexo, saindo e entrando dos movimentos transculturais, fazendo as traduções culturais necessárias, sem a anulação ou o apagamento das próprias identidades. A noção do trânsito propiciará o nascimento de agentes de transformação do mundo em rede, a partir dos pilares da cooperação e da criatividade para um planeta em eterna mudança.

Referências bibliográficas GOHN, Maria da Glória. BRINGEL, Breno M. (orgs). Movimentos sociais na era global. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Minas Gerais, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. BOAVENTURA, de Sousa Santos. MENESES, Maria Paula. (orgs). Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedinas, 2009. SANTANA, Elissandro dos Santos Santana. O papel da Unila na formação da identidade latino-americana e da descolonização da arquitetura mental do brasileiro. Santa Catarina: Desacato, 2016. Diagramação: Marco Polo G. de Azevedo

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CATADORA Um documentรกrio de Charles Izaquiel


Diretor Charles Izaquiel em entrevista de divulgação sobre o documentário

O século XX foi marcado por grandes transformações mundo afora. Depois da Segunda Guerra Mundial, ocorreu um processo de globalização das relações, dos métodos, das estruturas de dominação e apropriação que afetou todas as esferas sociais. O desemprego é uma das consequências da globalização, visto que, com a introdução de novas tecnologias nos processos produtivos, que tinham o objetivo de elevar os níveis de produção e reduzir os custos, exigiu-se da população uma qualificação e uma escolaridade mínima, e aos que não tinham essa qualificação requerida restava a marginalização ou a exclusão do sistema. Mulheres, negros, idosos e deficientes físicos são os mais afetados nesse processo de restrição de oportunidades, sendo que o meio encontrado por esses atores é o subemprego, a ocupação precária dos espaços urbanos e o inchaço da economia informal. Assim, buscando uma forma de inserção no mundo social e no mercado de trabalho, a coleta dos materiais recicláveis apresenta-se como uma saída para os excluídos. Nas ruas, a imagem do catador puxando seu carrinho ou revirando sacolas, em busca de materiais que possam ser reciclados, provoca e expõe de forma pública a pobreza. Eles são marginalizados e restritos às encostas, configurando um confronto diário perante o desconforto dos passantes. Desempregadas, mães, separadas, viúvas e mães solteiras; a coleta seletiva é composta majoritariamente por mulheres. Dentro e fora dos galpões, elas são maioria; por serem maioria, consequentemente são as que mais sofrem preconceito e discriminação. Ao contrário do que estamos acostumados, a mulher frágil é substituída por uma mulher forte, guerreira e líder. Como catadora, ela também é disseminadora de uma nova cultura. Através dessas agentes ambientais, busca-se criar uma consciência ambiental e social que pode mudar indivíduos.

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COMO SURGIU O DOCUMENTÁRIO CATADORA? O documentário Catadora surge a partir de uma série de pesquisas com catadores de materiais recicláveis de Foz do Iguaçu, no Paraná. Hoje, o projeto é completamente diferente da ideia inicial. No início, pensávamos apenas em registrar o processo da coleta seletiva e como era o funcionamento de uma cooperativa. Porém, assim como boa parte da sociedade, sabíamos apenas o que é a coleta de materiais reciclados, como é feita, onde se coloca o papel, o alumínio e por aí vai. Mas, depois de um certo tempo de pesquisa, pudemos perceber que a coleta seletiva é bem mais do que saber para onde vai cada material, visto que existem pessoas e histórias por trás de todo o processo. Outro fato que nos chamou atenção foi o número de mulheres dentro das cooperativas, é um número bem superior ao dos homens, e boa parte delas possui histórias bem semelhantes. A partir desse momento, decidimos que nosso foco principal seriam as mulheres. A partir dos depoimentos, ficou nítida a necessidade de ouvir essas mulheres, dar voz a elas e, de alguma forma, tornar visível a presença delas, tirando a imagem da catadora invisível da rua e dando o protagonismo merecido a cada uma delas, além de mostrar o quão importante elas são para um planeta mais limpo. Em outras palavras, pretende-se colocar essas mulheres em primeiro plano e ouvi-las, fazer com que suas histórias sejam o foco principal do documentário.

A partir daí, Catadora deixa de ser um documentário sobre reciclagem de resíduos sólidos e passa a ser um documentário sobre mulheres que têm em comum a coleta de materiais recicláveis. Sempre que falamos em reciclagem de resíduos sólidos, logo nos vem à cabeça alguém puxando um carrinho cheio de material ou uma cooperativa com seus cooperados trabalhando, ou seja, sempre colocamos o material reciclado como o protagonista. Isso também acontece quando separamos os resíduos sólidos em nossa casa, uma vez que colocamos esses materiais em nosso portão e não damos a mínima importância para o catador que passa recolhendo os resíduos. É mágico! Para onde vai ou quem levou pouco nos importa. A mulher, no papel de catadora, não vai às ruas apenas buscar materiais que possam ser reciclados; ela vai além, cria uma relação com o bairro, com os moradores e até com os próprios materiais reciclados. O documentário Catadora vem com o propósito de contar a história dessas mulheres para além da coleta seletiva, apresentando suas vivências, suas experiências de vida, o que a rua ensinou-lhes e, acima de tudo, para ouvi-las e dar voz a elas. Além disso, o documentário busca fomentar a discussão acerca da marginalização e do reconhecimento da profissão de catadora perante a sociedade.

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“Dona Euza tem pouco mais de 60 anos, mora sozinha, é viúva, mãe, vó, vai na igreja, tem crises intensas de asma é catadora a mais de sete anos. Hoje um dos seus desejos seria participar de uma cooperativa, segundo ela seria uma forma de ter garantido no fim do mês uma renda. “Nosso bairro é pequeno, tem muitas pessoas catando aqui, não consigo puxar o carrinho para lugares mais distantes, tem sido difícil”. A relação com o bairro ainda é difícil, as pessoas não separam o reciclado do orgânico, é tão simples.”


Susana Beatriz Arruda - Discente do curso de Geografia - Território e Sociedade na América Latina Universidade Federal da Integração Latino-Americana - UNILA No dia 11 abril de 2016, segunda-feira, a semana começou com uma grande pauta política de luta e resistência nos jornais de todo país e, principalmente, nas mídias independentes e redes sociais: as notícias da manifestação que tomou toda a Fundição Progresso, antiga fábrica de objetos de ferro desativada nos anos 1970. Localizada nos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, mas que, desde 1999, funciona como um centro cultural autossustentável. Foi ali que uma multidão de brasileiros saiu em defesa da democracia, da Cultura pela Democracia, somando muito mais de 5 mil manifestantes. Contou com o apoio e presença de Leonardo Boff, Chico Buarque de Hollanda, Wagner Moura, Fernando Morais e Eric Nepomuceno. Todos, com grande presença e destaque na cena político-cultural brasileira dos últimos tempos, mas, sobretudo, autores do “Manifesto Cultura pela Democracia”, lançado no dia 7 de abril, que não para de circular nas redes sociais (disponível online para que toda a população brasileira e internacional possa assinar e dar apoio). Estamos diante de uma embrionária iniciativa: o 1º Encontro Regional de Cultura da BP3 – Cultura, Território e Cidades, realizado nos dias 12 e 13 de abril, no Teatro Municipal de Toledo, promovido pela Itaipu Binacional, Ecomuseu de Itaipu, pelo projeto Cultivando Água Boa e pelo Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu. O Encontro também conta com o apoio do Parque Tecnológico de Itaipu (PTI), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Talvez porque devemos debater o espaço geográfico como território usado e as condicionantes da alienação. Debater as territorialidades e as formas de manifestação cultural. O que é cultura e cultura regional, e como elas caracterizam-se na sua complexidade. Debater a dimensão da cooperação e do conflito como base da vida comum que, de formas multirrelacionadas, traduz-se em processos desiguais, fragmentados e contraditórios. Santos auxilia-nos na compreensão dessa derradeira alienação, explicando que: Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de vigorosa alienação. Mas o homem, um ser dotado de sensibilidade, busca reaprender o que nunca lhe foi ensinado, e vai pouco a pouco substituindo sua ignorância do entorno pelo conhecimento, ainda que fragmentário.


O entorno vivido é lugar de uma troca, matriz de um processo intelectual. (SANTOS, 2012: 81). Portanto:

Assim como cidadania e cultura formam um par integrado de significações, assim também cultura e territorialidade são, de certo modo, sinônimos. A cultura, forma de comunicação do indivíduo e do grupo com o universo, é uma herança, mas também um reaprendizado das relações profundas entre o homem e o seu meio, um resultado obtido por intermédio do próprio processo de viver. Incluindo o processo produtivo e as práticas sociais, a cultura é o que nos dá consciência de pertencer a um grupo, do qual é o cimento. E por isso que as migrações agridem o indivíduo, roubando-lhe parte do ser, obrigando-o a uma nova e dura adaptação em seu lugar. Desterritorialidade é frequentemente uma outra palavra para significar alienação, estranhamento, que são, também, desculturalização. (SANTOS, 2012: 82)

Obviamente, é um desafio encontrar respostas simples para tantas perguntas, assim como é difícil de compreender a dinâmica e a correlação entre lugares tão distintos que nos são postos, problematizando as escalas de acontecer político-cultural entre uma cidade e outra, entre uma capital e uma cidade pequena do interior, entre um Estado e outro, entre estar de frente para o oceano Atlântico e estar na Bacia do Paraná 3. Tudo isso demanda de uma complexa particularidade fundada nas especificidades dos lugares e das relações de forças. Observando as especificidades e particularidades, o que temos em comum é o debate pela democracia, por políticas públicas culturais que respeitem a diversidade linguística, artística, étnica, econômica e política. E que as ações e decisões no âmbito das políticas públicas culturais contribuam com a socialização de recursos financeiros, capazes de permitir o desenvolvimento de processos libertadores e não dependentes. Assim, ocorre o amadurecimento do corpo social dos municípios e Região Oeste do Paraná como um todo. Esse amadurecimento se estenderia, sobretudo, na escala de cada indivíduo, cada ator, cada agente, cada cidadão, cujo objetivo maior seria, então, transformar a sociedade na sua totalidade vivida, perante sua subjetividade de experiência prática e teórica, corrigindo e reparando as injustiças através de mecanismos mobilizadores apontados como relevantes pelos próprios cidadãos, e partindo de sua própria demanda, de suas próprias necessidades, em diálogo constante entre o setor público e em tantos outros casos com o setor privado. Nesse sentido, a palestra de abertura da professora Cecilia Machado Angileli, do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNILA, foi pontual quando a docente citou Paulo Freire, fazendo uma referência imprescindível para o debate da cultura no que diz respeito aos avanços de transformação da realidade através de práticas libertárias. Essas práticas são muito relevantes para pensar e iniciar um debate a respeito do que se espera de um embrionário encontro regional de cultura no oeste do Paraná, na BP3. Quanto ao modelo tradicional que se seguiu nos dois dias de encontro, creio que deixa como principal aprendizado o modo experimental de organização, que não necessariamente se perdeu. Porém, a qualidade foi altamente atingida diante das grandes perspectivas e expectativas não atingidas devido ao distanciamento entre palestrantes e público ouvinte.

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No que se refere às oficinas, na de “Mapeamento Cultural”, a qual participei, foi claramente perceptível que, por mais incríveis que tenham sido a pesquisa apresentada e as experiências vividas por Ana Paula do Val, do Observatório da Diversidade Cultural de Belo Horizonte – MG, o debate ficou fora de contexto regional e não foram propostas atividades práticas, visto que a proposta inicial de uma oficina é ensinar os participantes a exercitarem um olhar a partir de suas realidades, trabalhando e desenvolvendo formas de mapeamento cultural, e isso não ocorreu. Portanto, para corrigir futuras atividades, faz-se necessário um diálogo entre os palestrantes e a coordenação organizadora do evento, a fim de esclarecer cada proposta, cada atividade e que tipo de público é este com o qual se desenvolverá o diálogo e as trocas práticas de conhecimento e aprendizagem. Assim, a pergunta é: como será desenvolvido o encontro, flexibilizando o modelo rígido ao qual ele foi submetido? Se queremos democracia, precisamos de processos libertários de troca contra as desigualdades e injustiças. Para isso, a cultura é imprescindível. Cultura é política, é economia, é diversidade, são subjetividades que convergem no desejo de mudanças radicais da consciência individual e coletiva, materializadas no espaço e tempo, no território usado. Isso permite o despertar da racionalidade em um processo de autonomia e independência na ação cotidiana dos fatos complexos com os quais se depara o exercício das atividades culturais. Logo, é preciso problematizar questões a respeito das direções que irão expor suas pesquisas, trabalhos, saberes, experiências, de modo que valorize o público-alvo ao qual o evento está direcionado, dentro das múltiplas possibilidades de participantes. Para isso, é preciso ter sensibilidade e um olhar crítico, a fim de compreender que lugar é este, que território é este, que cultura regional é esta e qual é a melhor maneira de desenvolver trocas que qualifiquem o debate de forma a dialogar com o que se caracteriza como cultura regional da BP3. Para futuros encontros, ficam os desafios de definir o que é região, o que é cultura, o que é a região da BP3 e o que é a cultura regional da BP3. Assim, é possível desenvolver ações práticas diante das especificidades da formação sociopolítica e sociocultural local, capazes de convergir em uma integração coletiva de experiências maduras das práticas guiadas pelo conhecimento de si e do outro. E em relação aos participantes, a pergunta é: para quem se pretende criar esta tão complexa ponte? Seria justo que mais artistas participem, não apenas como palestrantes ou apresentadores de sua arte, mas também a sociedade, formada por pais, mães de jovens que participam de programas culturais diversos, professores, artistas independentes, secretários e funcionários municipais da cultura, pois eles possuem a obrigação de se colocarem como ouvintes antes mesmo de serem ouvidos. Assim, a cultura democrática necessária só poderá ser construída se os profissionais da área souberem ouvir e atuar de acordo com as demandas locais, para avançar e traduzir-se em regionais, tais como se pretende pensar a cultura regional da BP3, uma região tão rica em história e arte e que deve ser ponderada criticamente. Bibliografia FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. 6a ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982. RECLUS, Elisée. Renovação de uma cidade / Repartição dos homens. São Paulo: Expressão & Arte, 2010. 94 p. SILVEIRA, María Laura. O Brasil: território e a sociedade no início do século XXI. 17. ed. Rio de Janeiro: Record, 2013. 473 p. SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 7. ed. São Paulo: EDUSP, 2012. 176 p. (Coleção Milton Santos, 8)

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Foto - SESC arquivo

Alabê Ôni quando soam os tambores, quando o corpo é reza Guilherme Cruz

Há um breve silêncio antes do início. Existe uma apreensão da plateia, juntamente com a concentração de quem está atrás do palco. No palco, vê-se várias representações de tambores. O único em pé, enfatizando seu local de destaque - e de elegância -, está o tambor de sopapo. Os pés descalços conduzem quatro homens vestidos de branco até o seu pé. Um por vez, reverencia e toca sutilmente no couro que dá as primeiras sensações do que será o espetáculo - uma mescla de ritmo, ritual e ancestralidade. O toque e o volume vão aumentando, enquanto as mãos no sopapo começam a se multiplicar. Aquele tambor que já foi tronco de árvore e pele de cavalo, e que se tornou outra representação pela união de tantos elementos vivos, agora ressoa forte pelo espaço ocupado pelo público. Algo paira sobre o ar, deslizando sob as cabeças, se mostrando e convidando tod@s de maneira sutil e calorosa. Alguns já fecham os olhos, o corpo reage, atenção, respeito e desejo estão em muitas faces. O sopapo é tocado, e o couro curtido dança por alguns milímetros, subindo e descendo, sem perder o tom - e a mensagem. E o local começa a ser completado por um som denso. São os primeiros avisos de uma espécie de santidade que irá centralizar a atenção pelos próximos minutos. O sonido circular, que ao mesmo tempo abraça e anseia, afronta quem está na cadeira como mero espectador. Há uma perda da passividade, quem ali está se torna testemunha que unifica saberes, e assim o convite em forma de som se materializa para somar-se à tod@s naquele ato. O tambor que estava de pé agora deita-se. Os homens ao seu redor se dispersam solenemente, o toque de para Bará inicia-se, e o nobre tamboreiro abrese para um canto de pluralidade e conhecimento.

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Esses são os primeiros segundos do espetáculo criado pelo grupo Alabê Ôni. Formado por Richard Serraria, Pingo Borel, Mimmo Ferreira e Tuti Rodrigues, o grupo percussivo traz a ancestralidade africana como matriz para as manifestações culturais que resistiram no sul do país e nos países que compartilham divisas. Demonstrando uma linhagem, que possuiu em países como Uruguai e Argentina, um processo de reconhecimento e manutenção de uma cultura perseguida e, constantemente, visada por tentativas de silenciamentos. Alabê Ôni, termo da língua iorubá que significa nobre tamboreiro ou grande mestre dos tambores, configura os desafios de contar essa outra história sendo, desde 2012, a proposta desse grupo em suas apresentações e oficinas.

Foto - Carolinne Caramão

Foto - Leandro Anton

O grupo, que ganhou destaque pelo projeto Sonora Brasil - Tambores e Batuques, percorreu mais de cem cidades brasileiras apresentando e recuperando a história do tambor de sopapo. Reafirmando a presença essencial - mesclando sagrado e profano - do

tambor nas festividades, rituais, e expressões artísticas e sociais de matriz africana. “Tocamos nos lugares mais longínquos do nosso país, em escolas, igreja, na rua, em quilombos e até em teatro(sic), as apresentações do grupo eram totalmente acústicas (ainda mantemos este formato), isso fazia com que o público que ali estava fizesse muito silêncio para escutar nossas falas, isso nos deixava muito mais próximos, olho no olho, a energia fluía de uma forma muito diferente, em alguns lugares chegaram a acontecer algumas incorporações de médiuns que estavam assistindo. Costumo dizer que ‘os tambores nos levaram para esta viagem’, pois os protagonistas são eles, o Tambor Sopapo, o Ilú, os tamboriles do Candombe, o tambor Maçambiqueiro”, relata o pesquisador, percussionista e produtor Mimmo Ferreira, que traz em si a síntese dos diálogos propostos pelo grupo. Natural da fronteira entre Brasil e Uruguay, teve o registro do lado brasileiro e o nascimento no lado uruguayo - “Desde criança aproveitei muito tudo isso, meus avós paternos eram zeladores de santo, moravam em Rivera, depois se mudaram para Montevideo.

O sopapo ressoa um batuque que estava perdido pelo silenciamento histórico e pela tradição oral. Desde a década 1990, pesquisadores e músicos - incluindo os integrantes do Alabê Ôni - buscam a revalorização desse ambiente que o sopapo estava inserido no período colonial. A tese apresentada por Mario de Souza Maia, Sopapo e Cabobu: Etnografia de uma tradição percussiva no extremo Sul do Brasil, é um dos registros que tentam (re)contar essa história. Porém, um contar como ponto de criação, uma transhistória, como contraponto através de um imaginário que cria e valoriza a (outra) História. A pesquisa de Maia remonta a existência do sopapo nas cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre. O pesquisador pensa conjuntamente a diáspora de escravos trabalhadores das Charqueadas no século XIX, e a formação moderna das escolas de samba nessas cidades, juntamente com a intersecção com o Candombe uruguaio e argentino. Nesse trabalho, de aproximações e revelações, destacase uma epistemologia abrangente que traz um olhar que dialoga e incluiu saberes populares ao estudo:

Fotos Sheiná Botega

Eu ia visitá-los na capital e tocava tambor nas festas de batuque da terreira deles, nestas visitas conheci e me apaixonei pelo Candombe, desde então nunca mais nos separamos”, recordou.

“Quando eu era criança cansei de ouvir que Pelotas tinha o terceiro melhor carnaval do Brasil, só perdendo para o do Rio de Janeiro e do Recife. Várias gerações cresceram ouvindo esta afirmativa, cheias de orgulho. No meu entendimento infantil, na década de 1960, apesar de assistir ao vivo e ouvir o som de um tambor enorme que participava dos desfiles, não podia me passar à cabeça que aquele tambor fosse o responsável pelo caráter distintivo do samba que era feito na cidade. E que nome estranho ele tinha! Sopapo.

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Para mim e para todos, sopapo era algo que ninguém desejava - um tapa. Esse era o único significado do sopapo. Mas não foi difícil entender o porquê do nome, pois era ‘tapeando’ que se tocava o instrumento”, relata na apresentação da tese o Doutor em Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Visão de pesquisa que encontra similaridade dentro da Epistemologia das Macumbas, uma proposta desenvolvida em conjunto pelo historiador Luiz Antonio Simas, autor de Pedrinhas Miudinhas: Ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros, e por Luiz Rufino, autor de História e Saberes de Jongueiros, e Doutorando em Educação pelo PROPED/UERJ. “No que versamos como Epistemologia das Macumbas os tambores transcendem a dimensão de artefatos culturais para se manifestarem como entes. Tambor é corpo e corpo é tambor, para nós o corpo é a primeira dimensão do ser no mundo, na diáspora é o caco e o elemento potente para a resiliência das presenças negro-africanas. É nessa perspectiva de uma ontologia das populações negroafricanas na diáspora que pensamos os tambores, entes encarnados que, a partir do transe inscrevem outras textualidades”, comentou Rufino. Essa tradução de resistência, e constante renovação de saberes e conhecimento traz um pensamento que trata sobre sabedorias projetadas pela cosmovisão negro-africana, e seu transbordar para definir corpo, transe, conhecimento e identidade. A Epistemologia das Macumbas tem sido apresentada em oficinas e cursos, principalmente em um terreiro, e os autores preparam um livro sobre o tema.

Foto - SESC arquivo

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O sopapo, como elemento e força central no Alabê Ôni, conduz um espetáculo que mistura cantos de batuque de nação Oyó-Idjexá, com Candombes, e também cânticos e cantos de Maçambique e Quicumbi - manifestações da cultura negra ligadas à tradição religiosa do litoral norte e do extremo sul do Rio Grande do Sul. Além de algumas fusões dos ritmos e cantos como o Maçambique com o Marabaixo, e o Toborinê afro gaúcho com o

Tambor de Crioula do Maranhão. Um esforço em demarcar na formatação do espetáculo e das oficinas o debate, e impulsionar, a visibilidade negra no sul do país. “Desde o princípio tomamos todos os cuidados para mostrarmos essas manifestações. Sempre nos reportamos aos nossos antepassados e aos nossos guias pessoais pedindo licença e suas bênçãos para que possamos mostrar um pouco das histórias que são também partes de nós. Sentimos sua alegria e suas bênçãos, então avançamos. Esse cuidado já está introjetado em nós e não precisamos nos preocupar com a questão da espetacularização, mesmo sabendo que estamos fazendo uma representação artística destas manifestações, dentro delas já existe uma beleza e uma magia intrínseca que naturalmente se conecta com cada pessoa que assiste, é tudo muito simples e ao mesmo tempo muito profundo”, disse Mimmo. Sensibilidade e preocupação como o debate proposto pelo estudante de História e fotógrafo Thiago André: “Houve uma abundância de autores que trataram de mostrar que o Rio Grande do Sul seria uma região composta majoritariamente por europeus — principalmente por portugueses, e posteriormente, com a massiva onda migratória, por alemãs, italianos, pomeranos, poloneses etc. Apagar a herança africana da memória coletiva durante a construção da identidade gaúcha era de suma importância, pois um povo tão virtuoso não poderia ter em sua linhagem histórica pessoas que passara tanto tempo escravizada. Depois de três séculos de escravidão, não havia jeito de esconder a presença da cultura negra debaixo do tapete.”, afirmou no texto O Invisível Gaúcho Negro que circulou nas redes sociais em “comemoração” ao Dia do Gaúcho, no qual o título também remete ao ensaio fotográfico de Eduardo Tavares que você vê ilustrando esse texto. São elementos que conjugam memória, história e imaginário de um conhecimento vivente que se estrutura em resistências diárias e cotidianas, seja ela nos palcos, no escritório de advocacia ou nos potreiros e invernadas a lo largo pelo pampa. Uma cultura afroamericana, que segundo o venezuelano Jesús “Chucho” García, é resultado de um largo processo de conservação-recriação, criação e transformação dentro das condições sociohistóricas e econômicas que povos da América Latina e Caribe vivenciaram.

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pes e agentes de uma história social que cria nexos e complementaridade, como o fogo que acaricie, aquece e afina o tambor.

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Dança de Negros, aquarela de Herrmann Rudolf Wendroth, mercenário e artista plástico alemão que andou pelo Rio Grande do Sul (RS) no século XIX, é o registro visual mais antigo que se tem da presença do tambor sopapo no estado. E não é por acaso que a dança também possuiu um destaque dentro das apresentações do Alabê Ôni. Pingo Borel, representante da Bacia Oió Ijexá, é filho de Walter Calixto Ferreira, o Mestre Borel - importante figura do batuque gaúcho. “Em determinado momento a dança mostra uma representação do Orixá Xapanã (Omulu), tocamos e cantamos para que ele deixe seu axé para todos, é um momento muito forte, no final do show é uma celebração total. Em nossas apresentações utilizamos os três elementos fundamentais dentro da cultura popular que são os toques dos tambores, os cantos e a dança” fala Mimmo. Essa comunicação constante entre passado e presente é uma forma de discurso que mescla reverência e respeito. Pois, destaca-se ainda, que os pesquisadores do sopapo lembram constantemente, e reafirmam a importância e os nomes de mestres griôs e luthier que romperam uma linearidade histórica. E assim, desenvolvem referencias e bases de uma trama sociocultural onde se puxa e repuxa o couro por uma outra ressonância. A memória de nomes como Giba Giba, Mestre Chico, Mestre Paraquedas, Mestre Batista, entre outros, ajudaram e fizeram uma transformação a partir do toque do sopapo sendo partici-

O novo projeto intitulado Alabem Brasileiro, onde o grupo traz para os tambores gaúchos, os toques de manifestações culturais de matriz africana de alguns dos Estados por onde passou como o tambor de crioula do Maranhão, Marabaixo do Amapá e o Samba do Recôncavo, inicia um novo ciclo de afirmação identitária e diálogo intercultural. “Nossa intenção era de firmar a irmandade desses tambores fechando mais um elo na história afro brasileira, desta vez partindo do Rio Grande do Sul, com o Tambor Sopapo à frente. Existem similaridades entre alguns tambores que encontramos com o Sopapo, seja pelo tamanho, ou pela sonoridade, por exemplo o Curimbó do Pará, os tambores do Batuque do Amapá também, mas são mais finos, o Tambor Grande do Tambor de Crioula do Maranhão, os Ilús da Nação Xambá de Olinda”, explica Ferreira. Dessas andanças o Alabê Ôni também gerou parcerias e apoios que lhe renderam um documentário sobre a sua trajetória e intercâmbios, e a participação no filme e no projeto O Grande Tambor, do Coletivo Catarse. E ainda o grupo iniciou um espetáculo voltado ao público infantil chamado Alabê Kekerê - Contação de Histórias e Lendas afrogaúchas, com direção artística do poeta e escritor Mario Pirata. ::: “O tambor tá batendo, ela tá repinicando O tambor tá batendo, ela tá repinicando São seus dançante, sinhô Que o tambor tá chamando...” (Canto de Chamada do Maçambique)

Foto Náthaly Weber

Foto Joel Vargas

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Foto Joel Vargas


ZAPATA VIVE, LA LUCHA SIGUE Dia 8 de agosto de 2016, dia nublado em Ciudad del México, advertiram-me desde cedo que não deveria caminhar pelo centro pois estavam acontecendo vários protestos. Dia 8 de agosto de 1879, nascia o líder da Revolução Mexicana, Emiliano Zapata. Considerando a coincidência de datas e as consignas de luta do líder mexicano, atrevi-me a ver quais eram as manifestações na praça central da grande cidade vibrante. Ao dobrar a primeira esquina, não foi difícil reconhecer el rostro de los campesinos que começavam a marchar. Rostos marcados pela presença constante do sol no trabalho do campo: traços marcados, rostos envelhecidos. Faces cobertas pela sombra do chapéu campesino. Rostos que atravessam a luta pela terra na América Latina. Já de longe, também escutava:

Zapata vive, la lucha sigue!

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EN LA MIRADA DE NUESTROS CAMPESINOS MEXICANOS Para minha grata surpresa tratava-se de uma manifestação pública de mais de 150 mil campesinos provindos de todos os estados mexicanos. Atividade de luta coordenada pela Unión Nacional de Trabajadores Agrícolas (UNTA), juntamente com diversas entidades de luta pela terra, como o Movimiento Social por la Tierra (MST). Campesinas e campesinos, adultos, jovens e crianças viajaram milhares de quilômetros para, na Plaza de la Constitución, mais conhecida como El Zócalo, manifestar suas consignas de luta. As mesmas consignas que atravessam as paisagens de luta de nossos países latino-americanos: políticas para a permanência no campo, para os pequenos agricultores, para a agricultura familiar, crítica ao sistema neoliberal, às grandes concentrações de terras, às empresas estrangeiras que dominam nossos campos.

Reconhecimento total do discurso que cruza nossas fronteiras. Maria del Carmen Cabadas Reyes veio acompanhada da filha Jaqueline, de 13 anos, para o protesto: “Somos do menor estado do México, Colima” contava-me. O vizinho Julian Castillo Hernandez, de 77 anos, escutava atento aos representantes do palco. Ele esteve diversas vezes durante sua vida frente às manifestações por melhorias na vida do campo. Com orgulho, os manifestantes falavam da comunidade de El Charco e suas atividades na roça - a lida com o gado, as vacas de leite e a plantação. El Zócalo encheu-se de chapéus campesinos, de gritos de luta e de bandeiras verdes e vermelhas. Sorte que decidi sair para a rua naquele dia, sempre toca fundo encontrar com nossas gentes. Por Fran Rebelatto, 8 de agosto, Ciudad del México

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Dia da Consciência Negra na Feira da Vila C em Foz do Iguaçu - Foto Denise Rodrigues

Sobre o Projeto:

Compreendemos essa perspectiva como um campo de lutas e reivindicações de índios, negros, mulheres, trans, crianças, A Peabiru é uma revista multimídia e colaborativa sobre cultura latino-americana, campesinos; gente de todas as cores e gêneros, tão fortes e singulares; na esperança para fazer circular a diversidade de vozes por libertar os corpos, os lugares e as mentes, existentes na Universidade Federal da Integração Latino-Americana e na região de tudo isso cultivando um eixo integracionista e latino-americano, tão urgente e atual. fronteira onde a UNILA está inserida. A proposta é que a Revista seja um espaço de A Revista Peabiru apresenta-se como comunicação contemplado pela apropriação referência de mídia alternativa vinculada ao de diferentes dialogias e estruturado a partir dia a dia da Instituição. de conteúdos diversos, produzidos sob a perspectiva cultural.

Contato Site: revistapeabiru.wix.com/revistapeabiru Fanpage: facebook.com/revistapeabiru E-mail: revista.peabiru@gmail.com UNILA, Foz Do Iguaçu, Paraná, Brasil


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