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b) 1968 também iniciou uma luta contra todos os sistemas de pensamento, que se chamaram “os grandes relatos”. Os sistemas são formas de manipulação do pensamento, são expressões de dominação intelectual. Não se aceita nenhum sistema que tenha a pretensão de ser “a verdade”. Com isso sofrem os dogmas e o código moral da Igreja católica e toda a sua pretensão de “magistério”. O Vaticano II não poderia nem sequer imaginar que tal situação fosse possível. Aí não houve nenhuma discussão de nenhum dogma, e todo o sistema de pensamento nunca foi questionado. Agora, a nova geração contesta todo o sistema doutrinal da Igreja católica porque esse sistema não permite o livre exercício do pensamento. Não que a nova geração queira negar todo o conteúdo doutrinal, porém, não quer aceitar todo um sistema sem antes discuti-lo e não quer aceitá-lo com um bloco. Quer examinar cada elemento, aceitar ou não aceitar. c) Simultaneamente, houve a explosão da revolução feminista. A descoberta da pílula que permite evitar a fecundação e, portanto, facilita a limitação da natalidade, despertou um entusiasmo universal entre as mulheres que tomaram conhecimento da novidade. Era um elemento básico na liberação das mulheres, que deixavam de ser totalmente dependentes de maternidades repetidas. Era uma novidade para a Igreja também. Nada havia na Bíblia sobre essa tecnologia. Os episcopados dos países mais desenvolvidos socialmente, os teólogos consultados pelo papa manifestaram que não havia nada na moral cristã que pudesse condenar o uso da pílula anticoncepcional. Porém, o papa deixou-se impressionar pelo setor mais conservador, embora minoritário, e publicou a Encíclica Humanae Vitae, que foi como uma bomba. Muitos não podiam acreditar que o papa tivesse assinado tal encíclica. Foi uma revolta enorme entre as mulheres católicas. Estas não aplicaram a proibição papal e aprenderam a desobediência. Dessa época resulta a fuga das mulheres. Agora as mulheres são as que transmitem a religião. Quando as mulheres deixaram de ensinar a religião aos seus filhos, apareceram gerações que ignoravam tudo sobre o cristianismo. Muitos bispos ficaram abalados, mas nada 6

Vida Pastoral – novembro-dezembro 2012 – ano 53 – n. 287

podiam fazer, porque o Concílio não havia abordado o exercício do primado do papa. O papa decide sozinho, mesmo que seja contra todos. Era o caso: o papa havia decidido contra os bispos, os teólogos, o clero, os leigos que eram informados. Infelizmente, foi obra do papa Paulo VI, que, por tantos méritos na história do Concílio, aparecia como homem aberto. Por que justamente ele? De outro papa se teria entendido melhor, mesmo que o efeito produzido tivesse sido o mesmo. Para muitos, Humanae Vitae era como um desmentido do Vaticano II: nada havia mudado! d) 1968 marca, ainda, o surgimento da sociedade de consumo. Até então, o consumo era orientado pelos hábitos. Havia um consumo moderado e limitado. Os ricos não praticavam a ostentação de sua riqueza. Não havia rendimentos escandalosos. O consumo dependia da regularidade da vida: refeições regulares e tradicionais, festas tradicionais com gastos tradicionais, dentro de um ritmo de vida no qual o trabalho ocupava o lugar central. A partir da década de 60, o trabalho deixou de ser o centro da vida. A partir de então, no centro está a busca de dinheiro para poder pagar as férias, os finais de semana, as festas que se multiplicam indefinidamente e o consumo festivo. O trabalho é o que permite o consumo. O trabalho agrícola desaparece nos países mais desenvolvidos, o trabalho industrial diminui e os serviços não oferecem nenhuma satisfação humana por serem aborrecidos. As próprias estruturas sociais estimulam o consumo, e os que não podem consumir sentem-se rejeitados pela sociedade. Desde então, as pessoas gastam o que não possuem e pagam por 12, 48, 70 meses as suas compras. Pode-se consumir sem poder pagar imediatamente. Paga-se após anos. Os jovens não têm limites, gastam mais do que podem. e) Por fim, o capitalismo descontrolado. A supressão de todas as leis que controlam os movimentos de capitais estimula a correria em busca da riqueza. Uma nova moral qualifica as pessoas pelo dinheiro que acumulam e pela ostentação de sua riqueza. A partir de então, os donos do capital fazem o que querem e como querem, com o risco de provocar crises financeiras, das quais as vítimas são os peque-


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