A chegada do passarinho dorminhoco (Janaina Sant'Ana e Ricardo Costa)

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Ilustrações de

Ricardo Costa

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Quanta novidade!

A chegada do passarinho dorminhoco

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Em um dia de céu azul como as penas da ararinha e sol vermelho como o urucum, as aves vêm anunciar a chegada de um novo morador naquela aldeia habitada pelos Bororo, povo indígena que vive no Mato Grosso, região Centro-Oeste do Brasil.

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Aregodure!

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Janaina Sant’Ana



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A chegada do passarinho dorminhoco


Copyright das ilustrações © 2014 Ricardo Costa

Capa e projeto gráfico: Angela Mendes Edição e revisão: Palavra Social

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Elaborado por Charlene Kathlen de Lemos, CRB-7344)

ISBN: 978-85-64155-02-2.

Sant’Ana, Janaina A chegada do passarinho dorminhoco / Janaina Sant’Ana ; ilustrações de Ricardo Costa. -- São Paulo, SP : Cântaros Editora, 2014. 32 p. : il; 21 cm.

1. Literatura infantil 2. Ficção em prosa 3. Ritual de nomeação indígena 4. Índios Bororo 5. Direitos culturais dos povos indígenas I. Ricardo Costa II. Título

CDD 21.ed. – 028.5

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Todos os direitos desta edição reservados à: Cântaros Editora Ltda. Rua Dr. Garcia, 207

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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

02637-010 — São Paulo, SP cantaros.editora@gmail.com

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Copyright do texto © 2014 texto Janaina Sant’Ana


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Janaina Sant’Ana

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A chegada do passarinho dorminhoco Ilustrações de

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Ricardo Costa

[ Cântaros Editora ]


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Esta é uma história inspirada no ritual de nominação dos Bororo, povo indígena que vive no Mato Grosso, região Centro-Oeste do Brasil.


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— A... A... A...! — anunciou a ararinha-azul lá de cima do grande jatobá. O céu estava limpo, da cor da ararinha, e o ar tinha um perfume de mel bem fresquinho. — Aregodure! Aregodure! Chegou o menino! O menino nasceu! — gritavam alegres as mulheres, que vinham lá de perto do rio. — A... A... A...! — animou-se ainda mais a arara-azul. — Gra...! — gritou a arara-vermelha, transformando a calmaria azul do céu numa explosão de sons e cores. — A... A... A...! — A arara-amarela também veio participar da novidade, deixando tudo ainda mais animado. — Aregodure! Aregodure! Chegou o menino! O menino nasceu! — Gra...! — Rrrroo... Rrrroooo... Rrrroooo... Rrrroooo... 6


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Na beira do rio, um novo indiozinho havia nascido. E no oco de um baruzeiro, um pequeno tucano acabava de sair da sua casca! Quanta novidade! Lá na aldeia, todos cantavam e dançavam a chegada do menino. — Cha... cha... cha...! — chacoalhavam alegres os chocalhos. — A novidade já chegou lá no céu! — disse uma das mulheres. Muito contente, a mãe do menino fazia nele um carinhozinho e cantava:

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— Dorme, dorme, meu passarinho dorminhoco! — Dorme, dorme, meu passarinho dorminhoco! 8


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Preocupada, a mãe do menino falou: — Marido, precisamos dar um nome para o nosso filhinho! O marido, que também tinha pressa em dar nome ao filho, respondeu: — Minha esposa, vou já falar com seu irmão. Ele vai ser o padrinho do nosso filho! Ele vai dar um nome alegre e bonito para o nosso menininho.

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Quando o padrinho recebeu a notícia, ficou muito contente e disse: — Vamos fazer uma festa para dar um nome para o meu afilhadinho! E logo chamou todos os homens da aldeia para, juntos, fazerem presentes para o menino.

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Para um colar, os homens coletaram as sementes que o tucaninho, lá de dentro do baruzeiro, aprendia com o pai a jogar fora depois de comer buritis. Com muito capricho, eles também fizeram um enfeite muito bonito de penas coloridas para colocar na cabeça do menino. E, com ossos de uma onça brava e forte, eles fizeram um furador e muitos labretes de todos os tamanhos para enfeitar a boca e as orelhas do pequenino.

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O padrinho levou o enfeite de penas para a mãe do menino e disse para ela: — Aqui está o enfeite! Agora convide todo mundo para a festa!

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A mãe pegou um pouco de pasta de urucum e pintou o rosto do menino, cantando:

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— Da minha cesta, sai o seu enfeite! — Da minha cesta, sai o urucum! — Da minha cesta, da minha cesta — Da minha cesta, sai o seu enfeite!

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Ela colocou o enfeite na cabeça do filho e saiu pela aldeia convidando as pessoas para a festa.

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Mais tarde, quando os homens estavam reunidos novamente, o padrinho disse que todos eles iam tomar conta do menino atĂŠ que ele ficasse adulto. Os homens ficaram muito contentes.

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Um deles, que era um caçador muito ágil, disse: — O meu afilhado vai fazer maguru comigo. Ele vai caçar comigo. Vai passar pelo capim comprido para pegar tamanduá. Vai procurar rastro de queixada e caçar onça-pintada. 19


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Um outro falou assim: — O meu afilhado, ele vai pescar comigo. Vai agitar as águas do rio: chuuu, chuuuu, chuuuu... E os peixes vão subir. Eu vou jogar a rede e vamos pegar traíras, pintados, peixes-cachorro, pacus e matrinxãs.

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E teve outro que disse: — O meu afilhado vai para a roça comigo. Vamos plantar mandioca, milho e arroz. Vamos fazer tudo com muita alegria, para as coisas nascerem boas e bonitas.

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Depois que todos os homens prometeram tomar conta do menino, o padrinho disse: — Agora precisamos dar um nome para o nosso afilhado! E o que não faltou foi nome! Disseram que o menino poderia se chamar Bem-te-vi ou Unha de Tatu-canastra. Quem sabe Arara-canindé ou, então, Belo Gafanhoto?


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As horas foram passando, até que o céu ficou vermelho como o urucum. Até que a noite caiu. E o padrinho ficou ali, olhando a lua e esperando que Pemo, o Pai dos Bororo, o ajudasse a escolher o melhor nome para o menino. Quando o dia se levantou, ainda preguiçoso, de lá de dentro do baruzeiro o tucaninho abriu suas asas pela primeira vez e voou sobre a aldeia. — Ê... Ê... Ê... — então o tucano gritou, acordando o padrinho, que tinha caído de sono bem debaixo das estrelas e sonhado com o nome que daria ao menino.

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O sol já estava bem alto no céu quando, lá no centro da aldeia, a mãe do menino disse: — Minha cunhada, precisamos enfeitar o menino para a festa! Os homens começaram a chacoalhar seus chocalhos: — Chichu... chichu... chichu! As mulheres começaram a cantar:

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— Da minha cesta, sai o seu enfeite! — Da minha cesta saem suas penas! — Da minha cesta, da minha cesta — Da minha cesta, sai o seu enfeite!

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E as tias cobriram o menino de peninhas brancas, até ele parecer um passarinho. Na hora da festa, o padrinho do menino chegou todo bonito e enfeitado, trazendo um cestinho com os presentes que os homens haviam feito. Todo mundo estava reunido no centro da aldeia. 26


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Com o furador de osso de onça brava, o padrinho fez um furinho no queixo do menino, bem perto da boca. E colocou nele o primeiro presente que os homens tinham feito: um labrete bem pequenininho.

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O menino chorou um pouquinho! Mas o padrinho pegou o afilhado no colo e soprou no seu rosto: — Pfu, pfu, pfu! E ele foi se acalmando. A aldeia ficou em silêncio. Então, o padrinho levantou o menino bem alto lá para o céu e disse: — Ponham atenção aqui no nome do meu afilhadinho! Ele vai se chamar Ikuie Ekureu! 28


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E foi assim que o menino cheio de peninhas, que mais parecia um passarinho, ganhou o nome de Lindo Tucaninho. 29


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é Ele quem os ensina a furar os lábios e orelhas das crianças. E com as bênçãos de Pemo, após um longo ritual cheio de danças e cantos, a criança recebe seu nome e é formalmente apresentada para toda a aldeia, numa bonita demonstração do quanto o símbolo máximo da individualidade (a escolha do nome) pode reforçar a importância e corresponsabilidade da coletividade.

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Os Bororo, ou Boe, como eles se denominam, vivem no estado do Mato Grosso, na região Centro-Oeste do Brasil, e sua cultura é considerada uma das mais bem elaboradas do mundo. Eles têm três importantes ritos de passagem: o de nominação, o de iniciação e o funerário. O ritual de nominação, que é do que se trata a nossa história, é o primeiro rito pelo qual um Bororo passa. Logo que a criança nasce, ela deve receber um nome e ser apresentada para a aldeia. Como a criança Bororo é ligada à linhagem da mãe, um tio materno é escolhido para ser seu padrinho. É ele quem deverá escolher um nome para a criança a partir de nomes do seu clã, apresentá-lo para a aldeia e perfurar seus lábios — caso seja um menino — ou suas orelhas, caso seja uma menina. Mas não só o tio materno tem deveres a cumprir. O ritual de nominação envolve toda a aldeia, que acolhe e se responsabiliza pela nova criança. Durante seus cânticos para nomear a criança e perfurar seus lábios ou orelhas, os Bororo evocam Pemo. É o Pai dos Bororo quem lhes dá a sabedoria para que escolham o nome certo e

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O RITUAL DE NOMINAÇÃO DOS BORORO

Bibliografia consultada CAMARGO, Gonçalo Ochoa Camargo (org.). Processo evolutivo da Pessoa Bororo (org.). Campo Grande: Editora UCDB, 2001.

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__________. Meruri na visão de um ancião Bororo, memórias de Frederico Coqueiro. Campo Grande: Editora UCDB, 2001.

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__________. Dicionário Bororo português (a serviço da Escola Bororo). Campo Grande: Editora UCDB, 1997.

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INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). “Bororo”. In: Povos Indígenas no Brasil. Disponível em: <http:// pib.socioambiental.org/pt/povo/bororo>. Acesso em: 27 abr. 2014.

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GLOSSÁRIO

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AREGODURE: Vem da palavra Aregodureu, que significa “Aquele que chega”. Quando uma criança nasce na aldeia, os Bororo falam que ela “chegou”. BARUZEIRO: Árvore muito grande que dá uma castanha bem gostosa, o baru, que tem o gosto parecido com o do amendoim. BURITI: É uma árvore bem grande, típica da região do Cerrado, lugar onde os Bororo moram. O Buriti dá flor o ano inteirinho e da sua fruta se faz óleo, suco, doce e sorvete. FURADOR: É um instrumento feito de ossos de animais. Os Bororo usam esse instrumento para fazer furinhos na pele e colocar enfeites, como os labretes.

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JATOBÁ: Grande árvore encontrada em diversos lugares do Brasil e também na região do Cerrado, onde se passa a nossa história. LABRETE: É um enfeite que parece um brinco, que os Bororo colocam nas orelhas e no queixo, bem debaixo dos lábios.

MAGURU: É quando os Bororo saem para caçar em grupo. PEMO: Nome que os Bororo dão para Deus; o “Pai dos Bororo”.

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QUEIXADA: É um tipo de porco-do-mato grande.

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URUCUM: É um fruto que tem sementes bem vermelhas. A tinta dessas sementes é usada pelos povos indígenas para pintar seus corpos.

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SOBRE OS AUTORES

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JANAINA SANT’ANA é atriz e contadora de histórias ligadas às culturas afro-brasileira e indígena.

De dentro da sua cesta, levada para bibliotecas e livrarias, ela tira Sacis, Mulas sem Cabeça, fantasmas assustadores, bois coloridos, tucanos e lagartixas e conta histórias divertidas e cheias de aventura, como as da guerreira Iansã e da rainha das águas Oxum, da indiazinha Maní, a saborosa mandioca, e do apaixonado índio Titçatê, transformado em árvore pela inveja de uma grande cobra.

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RICARDO COSTA é artista plástico, autor e ilustrador de livros infantojuvenis. Também atua na área teatral como cenógrafo, figurinista e aderecista.

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Ilustrou livros de literatura infantojuvenil para as editoras DCL, FTD, Scipione, Saraiva e Paulinas. Como autor e ilustrador, em 2013 finalizou para a editora Jujuba dois livros baseados em pesquisas no campo da cultura religiosa afro-brasileira. O primeiro, Odara, tudo que é bom e bonito, reconta os mitos dos Orixás, os deuses do Candomblé. O segundo, As águas de Oxalá, narra o mito que deu origem à tradicional festa religiosa do mesmo nome, comemorada em todos os terreiros de Candomblé brasileiros.

Agradecemos a Fredyson Cunha, Clarice Ferreira Verano e Charlene Kathlen de Lemos pelas valiosas contribuições para a produção deste livro. São Paulo, abril de 2014.



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Janaina Sant’Ana

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Em um dia de céu azul como as penas da ararinha e sol vermelho como o urucum, as aves vêm anunciar a chegada de um novo morador naquela aldeia habitada pelos Bororo, povo indígena que vive no Mato Grosso, região Centro-Oeste do Brasil.

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Quanta novidade!

A chegada do passarinho dorminhoco Ilustrações de

Ricardo Costa


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