Jornalismo & Jornalistas

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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 47 Jul/Set 2011 >> 2,50 Euros

SERVIÇO PÚBLICO ENRIQUECE DEMOCRACIA

JOSÉ SOUTO

TEMA Conferência em defesa dos Serviços Públicos de Comunicação Social, promovida pelo Sindicato de Jornalistas

Prémios Gazeta 2010 > Mérito Adelino Gomes > Imprensa Sofia Lorena > Rádio Carlos Júlio > Televisão Ana Sofia Fonseca > Fotografia Rodrigo Cabrita > Revelação Clara Silva > Imprensa Regional ‘O Região de Leiria’


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N.º 47 JULHO/SETEMBRO 2011

SUMÁRIO Director Direcção Editorial

Conselho Editorial

Grafismo Secretária de Redacção

Mário Zambujal Eugénio Alves Fernando Correia Fernando Cascais Francisco Mangas José Carlos de Vasconcelos Manuel Pinto Mário Mesquita Oscar Mascarenhas

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TEMA SERVIÇO PÚBLICO ENRIQUECE DEMOCRACIA Adelino Gomes sustentou que, pelos exemplos que conhece, nomeadamente no estrangeiro, se deixar de haver serviço público de comunicação social “daqui a cinco anos estaremos a dizer que a cidadania e a democracia perderam”. Adelino Gomes falava no Sindicato dos Jornalistas (SJ) na Conferência em defesa dos Serviços Públicos de Comunicação Social, promovida no dia 6 de Julho pelo Sindicato. Por Fernando Valdez

José Souto Palmira Oliveira

Colaboram neste número Adelino Gomes Álvaro de Matos Carla Baptista Carla Martins Fernando Valdez Francisco Belard Helena de Freitas Joana Fillol Joana Loureiro José Alves José Frade Lucília Monteiro Luís Humberto Teixeira Mário Rui Cardoso Sara Belo Luís Sofia Rato

Propriedade

(FREELANCER, CIES / ISCTE) (HEMEROTECA M. DE L., ISLA, CIMJ) (FREELANCER, UNL, CIMJ) (FREELANCER, ERC, U. LUSÓF., CIMJ) (LUSA) (EXPRESSO) (LUSA) (VISÃO) (VISÃO) (INFOGRAFIA/PÚBLICO) (FOTOJORNALISTA FREELANCER) (FOTOJORNALISTA / VISÃO) (FOTOJORNALISTA FREELANCER) (RTP – ANTENA 1) (VISÃO)

(FREELANCER, CJ)

CLUBE DE JORNALISTAS A produção desta revista só se tornou possível devido aos seguintes apoios: l Caixa Geral de Depósitos l Lisgráfica l Fundação Inatel l Vodafone

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ENTREVISTAS Manuel António Pina Por Joana Fillol e Joana Loureiro

José Rebelo Por Carla Baptista

ANÁLISE 3.º CONGRESSO FEMINISTA PORTUGUÊS Por Carla Martins, Luísa Azevedo, Marta Peça

TESTEMUNHO DIÁRIO DO FESTROIA Por Helena de Sousa Freitas

OPINIÃO

A ESCRITA NOS JORNAIS

Por Francisco Belard

JORNAL

Tratamento de imagem

Pré & Press Campo Raso, 2710-139 Sintra

[36] Prémios Gazeta

Impressão

Lisgráfica, Impressão e Artes Gráficas, SA Casal Sta. Leopoldina, 2745 QUELUZ DE BAIXO

[42] Reunião magna dos Clubes europeus Por Sofia Rato

[44] Debate no D.Maria II sobre jornalismo de teatro Por Carla Baptista

Dep. Legal: 146320/00 ISSN: 0874 7741 Preço: 2,49 Euros Tiragem deste número Redacção, Distribuição, Venda e Assinaturas

[46] Jornalismo narrativo em debate na Lusófona Por Sara Cabral e Soraia Neto

2.000 ex. Clube de Jornalistas R. das Trinas, 127 1200 Lisboa Telef. - 213965774 Fax- 213965752 e-mail: cj@clubedejornalistas.pt

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS DO CLUBE DE JORNALISTAS

Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

[48] Livros Por Adelino Gomes [50] Sites Por Mário Rui Cardoso

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MEMÓRIA Almanaques e Revistas na I República Por Álvaro Costa de Matos

CRÓNICA Por Sara Belo Luís JJ|Jul/Set 2011|3


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Assine a JJ JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 39 Julho/Setembro 2009 >> 2,50 Euros

JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 40 Outubro/Dezembro 2009 >> 2,50 Euros

TEMA A REPO RTAGEM

TEMA

NA RÁDIO Entre o investim ento e a ameaça

Os media no ensino superior

Laboratórios de Jornalismo

PEDRO CUNHA

ANÁLISE > O futuro da imprensa: O momento crucial > A Informação Televisiva > Olhando as estrelas nas páginas dos jornais ENTREVISTAS > Daniel Hallin > Cristina Ponte e Lídia Marôpo

ENTREVISTA MINO CARTA ANÁLISE MÉDIA E PUBLICIDADE MEMÓRIA ADOLFO SIMÕES MÜLLER

JJ – Jornalismo e Jornalistas A única revista portuguesa editada por jornalistas exclusivamente dedicada ao jornalismo

Pretende ter um acesso fácil e seguro à JJ?

Indispensável para estudantes, professores, investigadores e todos os que se interessam pelo jornalismo em Portugal e no mundo

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Clube de Jornalistas

C O R R E I O )

Rua das Trinas, 127 r/c 1200 857 Lisboa Telef. 213965774 e-mail: cjxclubedejornalistas.pt


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09-06-2010

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TEMA

Serviço público enriquece democracia Adelino Gomes sustentou que, pelos exemplos que conhece, nomeadamente no estrangeiro, se deixar de haver serviço público de comunicação social “daqui a cinco anos estaremos a dizer que a cidadania e a democracia perderam”. Adelino Gomes falava no Sindicato dos Jornalistas (SJ) na Conferência em defesa dos Serviços Públicos de Comunicação Social, promovida no dia 6 de Julho pelo Sindicato. Texto Fernando Valdez Fotos José Frade

N

um debate moderado pelo presidente do Estrela Serrano, docente universitária e vogal do SJ, Alfredo Maia, os oradores defenderam Conselho Regulador da ERC – Entidade Reguladora para a necessidade de preservar o serviço a Comunicação Social, considerou que a questão da telepúblico de televisão, rádio e agência, visão pública está muito inquinada por problemas ideessencial num Estado democrático, mas ológicos e o pensamento liberal diz que não se justifica também de o melhorar e ter maior exigência em relação ao porque os privados chegam para os cidadãos terem seu cumprimento e à sua qualidade. capacidade de escolha. Adelino Gomes, ex-director de Informação da RDP e No entanto, Estrela Serrano defende que há bens culex-Provedor do Ouvinte na mesma estação, sublinhou turais, “que o mercado despreza” e devem ser protegidos que não quer um serviço público que se submeta aos e apoiados pelo Estado. interesses do poder e não tenha qualidade e observou que Adiantou que no conceito liberal desaparece a divisão o serviço público tem de ser sinónimo de excelência entre arte e cultura e a vertente comercial. porque decorre de um contrato do Estado com uma Para Estrela Serrano, o serviço público deve significar empresa para defender a cidadania. qualidade da informação e programação, assim como proPara Adelino Gomes, não é aceitável que os noticiários tecção da cultura e da identidade e da língua nacionais, do serviço público tratem os acontecimentos culturais da que são “cruciais”. mesma forma e com o mesmo Aquela docente universitária disse que a destaque que os privados ou A concessão de serviço Lei da Televisão não distingue suficientetransmitam treinos de equipas público de comunicação mente as maiores exigências da televisão ou a chegada de jogadores que social aos privados não pública relativamente às privadas e considerninguém sabe quem são com os ou que as televisões privadas estão orientadas tem funcionado em mesmos alinhamentos na telepara o mercado e conquista de audiências, o nenhum país porque o visão. que não é criticável, mas também têm obriserviço público tem de ser Considerou que a RTP cedeu gações por dispor de um bem público. à questão dos níveis de audiên- consistente. Defendeu que o serviço público tem de cias mas, apesar de tudo, as visar a excelência profissional mas os seus pessoas dizem que quando querem saber alguma coisa profissionais têm de perceber que não justifica maiores vêem a RTP. gastos porque os dinheiros públicos têm de ser muitíssimo Concluiu que os contratos de serviço público devem bem geridos. ser mais exigentes e são “contratos com a cidadania” que Segundo Estrela Serrano, a televisão pública vive um diledevem ser cumpridos “de forma excelente” e ser vigiados ma que é o de quando tem sucesso ser acusada de concorrêne avaliados. cia desleal e se não tem ser acusada de não agradar ao público. 6 |Jul/Set 2011|JJ


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Adelino Gomes: Se deixar de haver serviço público de comunicação social “daqui a cinco anos estaremos a dizer que a cidadania e a democracia perderam”

A vogal da ERC observou que não se conhecem nos privados queixas contra os directores e críticas à hierarquia e é nos órgãos de comunicação social públicos que há um espaço de liberdade para contestar decisões das chefias e “não é visível idêntica liberdade nos privados”. Estrela Serrano discordou da eventualidade de redistribuir obrigações de serviço público por vários privados, observando que “não está provado que isso significasse menos despesa para o erário público” e que seria de difícil controlo. “O serviço público é uma realidade em toda a Europa e a televisão pública é a mais credível, segundo um inquérito realizado pelo ISCTE”, indicou, acrescentando que é uma opinião que também se verifica na Europa. Estrela Serrano sustentou que “a comunicação social é o sangue da democracia, os jornalistas são o caminho da democracia”, mas alertou para que os interesses hoje na comunicação social não são os interesses do jornalismo. Fernando Cascais, docente universitário, antigo chefe de Redacção e directoradjunto das agências ANOP/Lusa e ex-director do Cenjor – Centro de Formação de Jornalistas, assegurou que “nada mais do que ideologia justificará as 21 palavras do programa do Governo sobre a agência” noticiosa Lusa. Cascais destacou que as agências noticiosas são estruturas que veiculam informação a nível nacional e internacional e, apesar de pouco visíveis para o grande público, continuam a interessar ao Estado e as grandes agências europeias e internacionais estão desde sempre ligadas aos respectivos Estados. Adiantou que há agências como a norte-americana JJ|Jul/Set 2011|7


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TEMA

ser viço público

Estrela Serrano: A televisão pública vive um dilema que é o de quando tem sucesso ser acusada de concorrência desleal e se não tem ser acusada de não agradar ao público. António Louçã: o serviço público não deve ir atrás de modas nem ser uma versão audiovisual da imprensa cor-de-rosa, devendo ter uma proposta própria que interage com o público e um papel formativo desse público.

Associated Press (AP) e a alemã DPA que, por razões “Parece-me que as palavras do programa do Governo históricas, são cooperativas de órgãos de comunicação sobre a Lusa corresponderão a uma imposição ideológisocial (OCS). ca”, observou. As agências são o maior e mais credível veículo de E concluiu: “A agência está condenada a ser uma vaca informação para todos os OCS, acrescentou. sagrada e quem matar essa vaca sagrada está condenado O ex-Director do Cenjor recordou que em 1982 o go- a um qualquer inferno”. verno Balsemão lançou o processo de extinção da ANOP António Louçã, jornalista da RTP e historiador, destae criação da cooperativa NP, que tinha como pressuposto cou que a questão do serviço público de televisão tem que o seu funcionamento fosse garantido por verbas do estado ausente da discussão sobre a privatização da RTP, Estado, e até 1987 houve a “situação bizarra” de o erário ficando “entre parênteses questão maior, se a privatização público estar a financiar duas agências notida RTP iria agredir o serviço ciosas portuguesas. público de televisão”. Há um debate inquinado Cascais recordou que do capital da Lusa, Para Louçã, “a luta por um quando se começa por que tem 50,14% detidos pelo Estrado, fazem serviço público de televisão deve parte dois grandes grupos privados de comu- perguntar quanto custa o ser o eixo estruturante da defesa serviço público e quem o nicação social (Impresa e Controlinveste), com de uma televisão pública”. cerca de 46% de participação. Sublinhou que o serviço público paga, o que é como Para Fernando Cascais, com a privatização colocar a questão do deve não deve ir atrás de modas nem da Lusa, ou se reduzia drasticamente a proser uma versão audiovisual da e haver para a dução noticiosa deixando o país à mercê da imprensa cor-de-rosa, devendo democracia. informação estrangeira, ou se criava de novo ter uma proposta própria que uma agência privada paga com os dinheiros interage com o público e um públicos. papel formativo desse público. Cascais questionou se Portugal pode prescindir do “Não é possível existir um serviço público de televisão serviço de uma agência noticiosa de capital público e sem haver uma televisão pública”, garantiu. deixar “este serviço ficar á mercê de interesses privados”, Acrescentou que a distribuição do serviço público por se os operadores privados podem garantir uma agência televisões privadas não sairia da lógica do lucro, precisou. independente e se a informação sobre o espaço de língua António Louçã reconheceu que o controlo político portuguesa pode ser entregue a interesses privados. democrático sobre a televisão pública não é, muitas vezes, 8 |Jul/Set 2011|JJ


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Fernando Cascais: com a privatização da Lusa, ou se reduzia drasticamente a produção noticiosa deixando o país à mercê da informação estrangeira, ou se criava de novo uma agência privada paga com os dinheiros públicos.

exercido da forma mais adequada e observou que o facto de a televisão ser pública não a imuniza contra a influência do marketing, nem contra a corrupção e o nepotismo, nem contra a promiscuidade com interesses de produtores privados. Acrescentou que existe o perigo de governamentalização da informação, muitas vezes em sentido mais amplo dos partidos do chamado arco do poder. Para António Louçã, seria diferente se não houvesse controlo do Governo e o controlo fosse parlamentar, o que permitiria que forças contraditórias se controlassem reciprocamente. Foram convidados para assistir à Conferência e fazerem um comentário sobre a opinião dos oradores todos os grupos parlamentares, convite aceite por PS, PCP e BE e também pelo CDS, que acabou por não poder estar presente por dificuldades de agenda. Catarina Martins, deputada do Bloco de Esquerda, considerou que se fala pouco da agência Lusa, “o que é gravíssimo”, e defendeu que “a promiscuidade entre público e privado na Lusa tem levado a muitas confusões”. Para a representante bloquista, o drama da Lusa e da RTP é que se deveria estar a discutir a essência do serviço público que aquelas empresas representam e discute-se a privatização. Catarina Martins disse que o BE é muito crítico de coisas que se passam na Lusa e na RTP e defendeu que se comece a debater o que queremos dos serviços públicos e como se devem organizar.

A deputada do BE considerou que o peso dos dois grandes accionistas privados no capital da Lusa não se deve manter e salientou que a concessão de serviço público de comunicação social aos privados não tem funcionado em nenhum país porque o serviço público tem de ser consistente. Manuel Laranjeira, representante do grupo parlamentar do PS, questionou porque é que se está a discutir em Portugal uma coisa que na Europa não tem grande discussão e garantiu que “o PS não é favorável a um serviço público residual”. Sustentou que o serviço público de televisão deve ter o seu espaço num canal generalista, como hoje tem. Manuel Laranjeira considerou que a defesa da soberania e da independência nacional é uma questão que se aplica à agência Lusa mas também à RTP, afirmando que não há racionalidade económica na privatização da RTP, que fornece outros canais como a RTP Internacional e a RTP África. “Impressiona-me a situação de países da Europa de Leste onde os canais de televisão são todos controlados por interesses estrangeiros”, adiantou o deputado do PS. Bruno Dias, deputado do PCP, considerou que há um debate inquinado quando se começa por perguntar quanto custa o serviço público e quem o paga, o que é como colocar a questão do deve e haver para a democracia. Para Bruno Dias, “a degradação da qualidade da democracia está muito ligada à degradação da qualidade do serviço público” de comunicação social, ainda que as exigências em relação ao serviço público não desresponsabilize os restantes operadores. JJ JJ|Jul/Set 2011|9


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ENTREVISTA

Manuel António Pina à JJ

“Havia com os leitores uma relação que morreu” Ter vencido recentemente o Prémio Camões foi apenas mais um pretexto para uma conversa com o jornalista – e escritor (apesar do próprio nunca se apresentar como tal) - Manuel António Pina. Licenciado em Direito, com uma carreira jornalística de mais de trinta anos feita nas páginas do Jornal de Notícias, divide-se agora entre as crónicas no seu diário de sempre e a literatura. Acaba de editar pela Assírio & Alvim Poesia, Saudade da Prosa, uma antologia pessoal. À JJ falou sobre os tempos de redacção (onde entrou quando ainda estava na tropa), o amor às palavras, o convívio entre o jornalismo e a literatura.

Texto Joana Fillol e Joana Loureiro Fotos Lucília Monteiro/Visão

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ENTREVISTA

M a n u e l A n t ó n i o Pi n a

U

ma conversa com Manuel António Pina assemelha-se mais a uma partida de mini golfe do que a um jogo de pingue-pongue. A «bola» circula por um labirinto de histórias, lembranças e citações, mas raramente perde o sentido. Numa mesa do restaurante Convívio, no Porto, de que é frequentador habitual, a conversa fluiu durante mais de três horas, num tom descontraído, pausado, que se distancia do «corredor de velocidade» que diz ser quando escreve as crónicas diárias de 1400 caracteres. Sempre com o humor, ironia e sabedoria que o caracterizam.

nem isso. A minha geração (e do José Saraiva, do Alberto Carvalho, do Pereira Pinto...) foi até recebida com muita suspeita, a mesma com que depois do 25 de Abril foram recebidos os primeiros licenciados em comunicação social. Ali no JN a coisa não foi tão dura como foi noutros sítios, embora no dia-a-dia houvesse bastante hostilidade. Os tarimbeiros achavam que entravam indivíduos que nunca tinham entrado num jornal e que julgavam saber tanto quanto eles. Diz-se que o Pina teve ali algum rasgo, que conseguiu escapar ao ‘disse, fez, aconteceu’?

Vêm de sempre. Tenho um temperamento nocturno, venusiano. Começo a acordar quando Vénus aparece no horizonte, às seis, sete da tarde e dá-me vontade de dormir quando aparece a estrela da manhã, às seis da manhã.

Em vez de começar a contar as coisas cronologicamente, por exemplo, comecei a inverter, a começar pelo presente e depois voltar ao passado, fazer uma espécie de montagem cinematográfica. Há um livro que me marcou muito quando tinha para aí 20 anos, do Roland Barthes, O Prazer do Texto. Veio ao encontro daquilo que sentia. Os livros são uma revelação porque acabam por mostrar aquilo que sabíamos ou pressentíamos. A lição fundamental do livro é que o texto que não é feito com prazer, com gozo, nunca vai suscitar prazer aos outros.

Os seus horários naturais adequavam-se bem aos do jorna-

Procurou sempre esse prazer na escrita?!

lismo portanto....

Procurei também por uma questão egoística, se não era um pincel estar ali aquelas horas todas contrariado. Quem escreve - e na literatura ainda mais - acaba sempre por se escrever a si mesmo, escreve com a sua cultura, com a sua experiência, às vezes até com a sua disposição. Numa das primeiras notícias que escrevi o Manuel Ramos [antigo director do JN] chamou-me: «Você fez-me redescobrir o prazer dos pontos e vírgulas».

É um bom dia?!

Levantei-me há bocadinho, às duas da tarde [são quatro e meia]. Esses horários vêm dos tempos em que trabalhava no Jornal de Notícias (JN)?

A profissão começava a horários diurnos, eu é que tive horários nocturnos, de facto. Quando entrei para o jornal quem estava de piquete ficava até às três da manhã. Até me custa dizer isto, mas na tropa (tantos amigos morreram lá e outros ficaram com traumas de guerra...), o que me custava mais era levantar de manhã e no entanto entrava às dez. Na tropa, a minha especialidade era acção psicológica, guerra psicológica, propaganda e contra propaganda. Quando começou no JN ainda estava na tropa. Era conhecido pelo “senhor costas”...

[risos] Sim, pelos fotógrafos. Tive de pedir licença ao Estado Maior do Exército... foi indeferida. Aconselharamme a assinar com pseudónimo e eu escolhi os meus dois nomes do meio, António Mota. Os fotógrafos do jornal tinham indicação para só me fotografarem de costas! Entrei no primeiro concurso que o JN abriu. E depois do 25 de Abril foi sempre assim. O Conselho de Redacção [CR] tinha muita força, não entrava ninguém pela porta do cavalo. Na altura, também, o CR tinha voto deliberativo sobre o director. Só dávamos voto favorável aos directores depois de eles se comprometerem por escrito a só admitirem pessoas com o nosso aval. Na altura, o conflito partidário era muito duro, nós dissemos que não a muita gente se não aquilo desequilibrava. O CR participava na orientação ideológica do jornal. Tinha incomparavelmente muito mais poder do que tem hoje. Esse concurso abriu lugar a outro tipo de jornalistas?

Quando entrei para o jornal havia duas categorias, os repórteres e os redactores. O que os distinguia era que o redactor escrevia em definitivo e os outros tinham de ser corrigidos. Muita gente tinha a escolaridade primária ou 12 |Jul/Set 2011|JJ

Ainda se lembra por que quis seguir jornalismo?

A matéria-prima do jornalismo é a mesma da literatura, são as palavras. Tinha que ter uma profissão qualquer (só acabei o curso de Direito quando saí da tropa). Ainda acumulei a advocacia e o jornalismo durante alguns anos, mas acabei por desistir da primeira. E a literatura, porque é que não se assume como escritor?

Não me sinto muito à vontade... não é uma profissão para mim, é uma devoção. O jornalismo serve para ganhar a vida e a literatura para tentar salvá-la, seja o que for que isso signifique. Sei uma coisa que não significa... como diz um verso do Fernando Lemos, salvar a vida não é aprender a nadar, é uma coisa mais profunda. O que é que o jornalismo ensinou à literatura e vice-versa?

O jornalismo ensinou uma coisa fundamental, a humildade. Como diziam os velhos tipógrafos, no dia seguinte o jornal é para embrulhar peixe. Os escritores têm tendência a sacralizar muito aquilo que fazem, vejo aí muitos em pose para a eternidade. «Daqui a cinco mil anos ainda se hão-se ler os meus livros», diz o Lobo Antunes. Ele sabe lá, nem daqui a 50! Morreu o Eugénio de Andrade e desapareceu completamente... o Carlos de Oliveira, escritores fantásticos, ninguém se lembra deles... Para as crónicas diárias do JN tenho de fazer 1400 car-


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acteres certos, o morto à medida do caixão. O que escrevo passa por várias pessoas, é corrigido e alterado, sempre um trabalho colectivo, o ego não tem tempo para crescer por aí acima. E o jornalista, também aprendeu com o escritor?

Sobretudo o respeito pelas palavras. Elas não são malas que transportam um sentido. Elas dizem um mundo, mas também criam mundos novos e o que se diz é fundamentalmente a maneira como se diz. Quando começo a fazer as crónicas levo só uma ideia geral, um assunto e ai do texto que não segue o seu próprio caminho. Mas também não se escrevem a si mesmas, senão entram em autogestão e ainda me fazem dizer coisas que não quero dizer. Como dizia o Alberto Caeiro, é como o pastor. Vai-se a conduzir um rebanho, dando uma pancadinha de um lado, depois do outro, mas o rebanho segue o seu próprio caminho, não vai com baias. Costuma dizer que as crónicas estão a meio caminho entre o jornalismo e a literatura...

“O jornalismo ensinou uma coisa fundamental, a humildade. (…) Os escritores têm tendência a sacralizar muito aquilo que fazem, vejo aí muitos em pose para a eternidade.” “Quando começo a fazer as crónicas levo só uma ideia geral, um assunto e ai do texto que não segue o seu próprio caminho. Mas também não se escrevem a si mesmas, senão entram em autogestão e ainda me fazem dizer coisas que não quero dizer.” As crónicas são jornalismo com saudades da literatura, na forma como eu as pratico (…) Simultaneamente, são também literatura com remorsos de ser jornalismo. “Se tivesse a sensação que influenciava alguém, ficava inibido, nunca mais escreveria. Não tenho nada para ensinar. São reflexões pessoais e pelos vistos têm alguma leitura. Tenho um sentimento das coisas muito comum.”

As crónicas são jornalismo com saudades da literatura, na forma como eu as pratico, no Lobo Antunes são só literatura. Procuro que estejam ancoradas na actualidade. É essa a componente jornalística mais forte delas, o que dá muito mais trabalho do que estar a usar das memórias. Obriga a ler imensos jornais, a pesquisar nos blogues... Simultaneamente, são também literatura com remorsos de ser jornalismo. Como é que escolhe o tema das crónicas?

Ele é que me escolhe a mim. Ando por aí sempre à procura, desesperadamente. Pela internet, às vezes compro o jornal - é raro, só uma vez por mês - e preferia não saber aquilo que vi. Coisas sórdidas e não sou moralista nenhum... Mas na escrita do Pina transparece sempre uma preocupação de cidadania...

Não, não há. Vejo aquilo fundamentalmente como trabalho - palavra de honra. Até lhe digo mais: se tivesse a sensação que influenciava alguém, ficava inibido, nunca mais escreveria. Não tenho nada para ensinar. São reflexões pessoais e pelos vistos têm alguma leitura. Tenho um sentimento das coisas muito comum. É pregar para convertidos. A minha profissão é verbalizar coisas que alguns leitores já sentem e pensam. Os jornais não têm influência nenhuma. Ninguém muda de opinião porque leu um artigo no jornal. Nem quando é repetido?

Isso já é propaganda... Mas como já a fez na tropa... há temas que repete.

Por acaso hoje ia fazer outra crónica sobre a Taxa Social Única, acabei por recuar porque parecia muito didáctico. Portanto não tem a perspectiva romântica do jornalista que ajuda a mudar o mundo...

Não muda. A minha única preocupação é que o mundo não me mude a mim. Se conseguir isso já é uma grande conquista da classe operária. JJ|Jul/Set 2011|13


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ENTREVISTA

M a n u e l A n t ó n i o Pi n a

E ainda continua a trabalhar para ser processado, tal como escreveu numa crónica?

Nunca fui, é uma nódoa no meu currículo. Mas tenho a paranóia dessas coisas. Todas as crónicas que escrevo guardo numa pasta à parte as minhas fontes, de há muitos anos para cá. O Pina sentiu o peso do lápis azul, da censura, mas havia maneiras de a contornar. Hoje a censura está mais encapuçada?

“Compreendo que haja limites, coisas que não se podem dizer ou escrever, mas para isso existem as leis. É inadmissível e inaceitável a censura, sobretudo para impor determinado tipo de interesses. Hoje a censura é menos leal, mais sub-reptícia, porque é económica e política, com outros álibis.” “Uso muito a internet, mas não tenho conta no Facebook (FB). A ideia que tenho é que exige uma grande disponibilidade e eu não tenho tempo para isso. Fico-me pelos blogues e já não é nada mau. O FB e o Twitter parecem-me mais voláteis.” “No caso concreto dos jornais a concorrência pelos recursos publicitários tornou-se cada vez mais forte. Começaram a valorizar-se coisas tenebrosas para a minha geração como a competitividade, que não tem nada a ver com a competição saudável.”

Nunca se contornava completamente. Escrevia nas entrelinhas e havia uma cumplicidade dos leitores, toda a gente sabia que havia censura. Escravo que sabe que é escravo já é meio liberto, dizia o Lenine. Às vezes lia-se até aquilo que não estava lá. Havia uma notícia típica: «Caiu da janela à rua, do andar tal, …». Toda a gente sabia que tinha sido suicídio, mas as notícias de suicídio não se podiam publicar em Portugal. Aqui era um paraíso, essas coisas só aconteciam no estrangeiro, sobretudo nos países que estavam contra Portugal no Conselho de Segurança da ONU. Mas convenhamos que as entrelinhas também eram álibi para muita falta de profissionalismo. Muitas pessoas aceitavam a censura. O José Gomes Ferreira tem um poema que é «viver sempre também cansa». E lutar sempre também cansa. O Manuel Ramos, além das instruções gerais da censura, também tinha os coronéis que telefonavam todos os dias para os jornais. «Sabe aquele acidente em tal sítio? Não aconteceu». Antecipava-se a censura. O Ramos tomava nota em linguados de todas essas notícias, a pensar que mais tarde alguém ia ler aquilo, devem estar no centro de documentação. O Manuel Ramos era um dos inconformados com a censura e nunca me deixou conformar. A autocensura é a pior censura?

É das piores porque é um jornalismo conformado. Não tem um sentimento de revolta quanto à ignomínia que é a censura. Compreendo que haja limites, coisas que não se podem dizer ou escrever, mas para isso existem as leis. É inadmissível e inaceitável a censura, sobretudo para impor determinado tipo de interesses. Hoje a censura é menos leal, mais sub-reptícia, porque é económica e política, com outros álibis. Em tempos um crítico de cinema do Diário de Lisboa deu um porradão num filme de uma das maiores distribuidoras de cinema e esta cortou a publicidade. Como o jornal não podia deixar de informar os leitores sobre os filmes que havia, punha uma caixinha que dizia: «filmes que vão na sala da distribuidora tal que não anuncia neste jornal porque não quer sujeitar-se ao livre exercício da crítica». Isto antes do 25 de Abril. A distribuidora acabou por ceder. Hoje mais facilmente o crítico pedia muitas desculpas e nunca mais escrevia sobre os filmes daquela distribuidora. Há uma maior promiscuidade com o comércio e com os anunciantes. Mas não houve sempre pressões no jornalismo a nível económico?

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Antes do 25 de Abril, os jornais não dependiam tanto dos recursos publicitários. O JN tinha um grande número de leitores e isso dava muita independência. Hoje cada vez há menos leitores e a concorrência dos meios audiovisuais é muito grande. As televisões e a rádio dão as notícias primeiro. Uma hipótese seria os jornais terem um nicho, onde a televisão e a rádio não chegam. Os grandes jornais hoje são os jornais locais. Nos Estados Unidos, as grandes televisões nacionais estão em queda. Florescem as locais, que exploram as pequenas questões, o jornalismo de proximidade. Nisso o JN era pródigo...

Havia uma relação com os leitores que morreu. Algumas vezes cheguei a acidentes primeiro do que a Policia e os Bombeiros. As pessoas telefonavam para o Notícias e só depois para as autoridades. Quando havia um acidente, passavam, tiravam fotografias e iam oferecer ao jornal. Era uma espécie de tradição oferecer-se um rolo para pagar. Todos os leitores eram repórteres do Jornal. E os leitores eram respeitados (quando saí do jornal já não era assim...). Por exemplo, telefonavam para lá com as perguntas mais estúpidas e ai de quem não desse uma resposta ou dissesse ‘agora não tenho tempo’. Era assim do género: ‘É por uma teima, então qual foi o resultado do Sporting Vs Setúbal em 1958, quanto ficou e quem meteu os golos?’. Havia sempre alguém que tinha memoria e sabia a resposta ou o centro de documentação que na altura tinha um nome menos pomposo. Mas dava um trabalho do caraças! Estaremos a perder esse jornalismo de proximidade?

É caminhar para o abismo. Um jornal não pode concorrer com as rádios e as televisões. O perfil do JN assentava em vendas no Norte e, sobretudo, no Grande Porto. Era um jornal local. Como é que vê a intromissão das novas tecnologias no jornalismo?

Uso muito a internet, mas não tenho conta no Facebook (FB). A ideia que tenho é que exige uma grande disponibilidade e eu não tenho tempo para isso. Fico-me pelos blogues e já não é nada mau. O FB e o Twitter parecemme mais voláteis. Como leitor satisfaz-se com a internet? Não precisa do papel?

Não. Mesmo ensaios leio muito bem na Net. Há o problema da credibilidade. Na blogosfera tenho mais ou menos estruturada a credibilidade dos blogues que frequento e se vou a um novo fico sempre de pé atrás. É então muitas vezes aqui que as crónicas vêm ao seu encontro?

Pois é, encontro os assuntos, muitas vezes coisas que não me tinham passado pela cabeça, ali já está uma selecção feita, há um filtro. O Pina costuma dizer uma frase: «Não leio jornais porque sei como se fazem».

Isso é uma boutade. Ainda vou lendo alguns. É mais ou menos o que acontece com pessoas que admiramos e que quando as conhecemos pessoalmente perdem todo o encanto. Às vezes temos um rosto muito bonito e quando nos aproximamos muito está cheio de mazelas morais ou físicas. Se, numa sondagem, me perguntassem qual a profissão mais fiável, nunca diria a de jornalista, porque a conheço profundamente. A proximidade avoluma os defeitos e as imperfeições. A camaradagem entre jornalistas já não é o que era?

Hoje há uma coisa muito frouxa... Na altura havia uma certa hostilidade social dentro da comunidade redactorial para quem rompesse esses laços de camaradagem, que existiam não só na redacção mas também com o pessoal operário, os tipógrafos... Antigamente o jornal tinha todas as valências. Como é que se chegou a este ponto?

A sociedade tornou-se mais agressiva. No caso concreto dos jornais a concorrência pelos recursos publicitários tornou-se cada vez mais forte. Começaram a valorizar-se coisas tenebrosas para a minha geração como a competitividade, que não tem nada a ver com a competição saudável. As condições de trabalho também se modificaram substancialmente, sobretudo com a precariedade laboral. Há uma ânsia de protagonismo, necessidade de mostrar que se é melhor, mais diligente, que se trabalha mais, mesmo que se ganhe menos. Nas redacções, há muita gente disposta a tudo, autênticos ‘desperados’. Costumo dizer que sempre valeu de tudo no jornalismo, menos arrancar olhos, mas agora até isso vale. Tudo isto é um cadinho propício à delinquência deontológica. Aquelas coisas elementares como ouvir a outra parte ficam um bocado entregues à própria consciência profissional e pessoal de cada um. Não há qualquer tipo de controlo?

Vocês sabem melhor do que eu que não há controlo nenhum. O pior é que a consciência de muitas pessoas está limpa – estão sempre a dizê-lo na televisão – pela simples razão que não lhe dão uso, está novinha em folha... E depois as leis são muito permissivas em relação à delinquência deontológica. Zelar pelo cumprimento das normas deontológicas não é fácil...

O incumprimento de certas normas pode implicar, teoricamente pelo menos, a suspensão ou a retirada da carteira profissional, impedindo inclusivamente o exercício da profissão. Quando a auto-regulação não funciona abre-se um vazio que é ocupado pelo Estado. Seria um caminho perigoso...

Perigosíssimo, porque os jornalistas começam a perder a sua autonomia e a sua liberdade. O Shakespeare no Otelo diz a certa altura ‘quem nos rouba a honra não fica mais rico e deixa-nos irremediavelmente pobres’. Para se dar a carteira profissional é preciso ter os mesmos cuidados que para dar a licença de porte de arma. A palavra mata muito mais frequentemente do que uma pistola. Uma pistola dá JJ|Jul/Set 2011|15


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ENTREVISTA

M a n u e l A n t ó n i o Pi n a

um tiro numa perna, pode ferir, mas a desonra deixa-nos realmente pobres. Devia haver cuidados mas de facto não há cuidados nenhuns. A Ordem ajudaria a atribuir essa licença de porte de arma?!

Talvez a Ordem pudesse ser uma solução. Eu tenho uma certa desconfiança em relação à Ordem porque me pareceu durante muito tempo uma forma de desvalorizar o Sindicato. Neste contexto de pressões exercidas sobre os jornalistas, é um privilégio escrever só crónicas?

Eu nunca tive censura nenhuma, eu próprio quis-me censurar e não me deixaram, a propósito de uma crónica sobre a Margarida Rebelo Pinto, que dizia que tinha o nome como marca registada, e que também era colaboradora do JN. Receei que estivesse a desvalorizar uma coisa que era nossa, podia ser uma falta de solidariedade com o próprio jornal. Consegue manter-se à parte das pressões?

Já tive bastantes pressões. Sempre existiram, é algo com o qual os jornalistas têm de aprender a lidar e a desvalorizar. Tive políticos a contactar-me e a convidar-me para almoçar. E isso, às vezes, acaba por funcionar. Não é indiferente criticar alguém que não se conhece de parte nenhuma ou alguém com quem se convive regularmente. Não se trata de pressão directa, é mais uma proximidade que acabava por funcionar como tal. Mas acaba por ser uma pressão…

Sim, de natureza geral. A pressão funciona como a lei da acção/reacção, também pode provocar o sinal contrário. Não se esqueça que a minha formação também é propaganda/contra-propaganda. Há quem faça isso muito bem. Isso só demonstra o poder das crónicas…

Não. Estou mais de acordo com o Mário Mesquita, que diz que o jornalismo não é um quarto poder, é um quarto equívoco. Mudou alguma coisa a atribuição do Prémio Camões?

Espero que não. Agora só quero que o mundo e a vida não me mudem a mim. E com esta idade já não muda. Já tive oportunidades de mudar de vida e não quis. Nas eleições de 2009, o Governo convidou-me para ser administrador, em representação do Estado, da Casa da Música. Não aceitei. Eu nem administrar a minha casa sei, quanto mais a Casa da Música! E disse-lhes: «O meu mundo não é desse reino!». Isto é a mesma coisa, o prémio é um acontecimento mundano e já não tenho idade para o mundo me transformar. Houve, com certeza, mais alguma azáfama…

Isso é verdade. Tenho um íman complacente, custa-me muito dizer que não. Só o trabalho que tive em agradecer a todas as felicitações… No entanto, não agradeci nem ao Presidente da República, nem aos quatro bispos, nem ao Balsemão. Mas quando são pessoas minhas amigas, ou mais modestas, vou a todas. Ainda agora fui a Freamunde e fiquei como sócio honorário número um da associação Pedaços de Nós [mostra o cartão]. JJ 16 |Jul/Set 2011|JJ

“O pior é que a consciência de muitas pessoas está limpa – estão sempre a dizê-lo na televisão – pela simples razão que não lhe dão uso, está novinha em folha... E depois as leis são muito permissivas em relação à delinquência deontológica.” “Para se dar a carteira profissional é preciso ter os mesmos cuidados que para dar a licença de porte de arma. A palavra mata muito mais frequentemente do que uma pistola. Uma pistola dá um tiro numa perna, pode ferir, mas a desonra deixa-nos realmente pobres.”


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ENTREVISTA

José Rebelo à JJ “Este estudo é um instrumento para desencadear uma reflexão crítica sobre as rotinas da profissão dentro da própria profissão” Uma equipa de 12 investigadores, sob a coordenação de José Rebelo, sociólogo, professor no ISCTE e antigo jornalista no Le Monde, tirou a radiografia à comunidade dos jornalistas portugueses, através da leitura e desagregação dos dados fornecidos pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas e a realização de 47 entrevistas que ilustram os perfis mais representativos de entrada, progressão e saída da profissão. São histórias de vida narradas na primeira pessoa, que nos oferecem uma leitura fascinante sobre jornalistas feitos de “carne e osso”, mas também de “espírito”, isto é, pessoas que sofrem, sonham, se alegram e decepcionam com a realidade variada de uma profissão em mudança acelerada, tanto ao nível dos perfis profissionais como dos contextos sociais e profissionais em que é exercida.

Texto Carla Baptista Fotos José Frade

JJ – O estudo Ser jornalista em Portugal tem quase 800 páginas. Não é propriamente uma leitura de Verão...

José Rebelo (JR) - O livro divide-se em duas partes, a primeira de natureza sócio-gráfica, para a qual foram utilizados os dados fornecidos pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas, como o género e a idade dos jornalistas, o órgão de comunicação social em que trabalham e há quanto tempo...A segunda parte é de natureza qualitativa, incide sobre as suas percepções e expectativas, a forma como organizam as carreiras, as imagens que constroem da profissão. Para esta segunda parte, começámos por definir um conjunto de perfis tipo, desde o jornalista jovem que rapidamente atinge os lugares de topo na empresa, até aquele que está desempregado há tantos anos que já não consegue reintegrar a profissão, passando pelo jovem que faz estágios sucessivos na expectativa de vir a conseguir obter um lugar fixo. A partir da definição dos perfis tipo, pensámos em nomes de jornalistas que 18 |Jul/Set 2011|JJ

correspondessem a esses perfis e distribuímos os entrevistáveis pelos entrevistadores. As entrevistas deviam corresponder a um duplo objectivo: por um lado, tinha que haver alguma coisa em comum, de maneira a poder compará-las e a tirar conclusões dessas comparações; por outro, não impedir a própria expressividade do entrevistado. A questão complicada era a de saber como é que se aliava a espontaneidade do entrevistado com a necessária preparação da entrevista. Houve um guião que foi discutido por toda a gente, mas não era exposto, existia apenas na cabeça do entrevistador. Deixava-se o entrevistado falar, procurando levá-lo para os caminhos previstos no guião. Um aspecto interessante tem a ver com a heterogeneidade dos membros da equipa e a forma como reagiram aos entrevistados. Os entrevistadores mais jovens, em regra, deixaram-se fascinar e vê-se no texto a influência que sobre eles foi exercida pelos entrevistados. Noutros


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“A forma como cada um assume a profissão e as representações que constrói variam em função dos próprios quadros existenciais”

casos, as posições por vezes confundem-se e até se invertem. Na edição, procurámos manter as marcas das relações de forças estabelecidas entre entrevistado e entrevistado – as cumplicidades, os distanciamentos – e respeitar a expressividade do entrevistado.

mente no futuro que virão a ter na profissão. Não existe uma regra e isso é uma questão interessante quando se procura definir o perfil sociológico do jornalista. Não há um perfil sociológico, há posicionamentos, há expectativas e há perspectivas completamente distintas.

JJ - Dos perfis iniciais que foram estabelecidos teoricamen-

JJ - Se não há um perfil tipo, também já não existe uma

te, quais foram os que se revelaram mais adequados à rea-

“tribo” jornalística?

lidade portuguesa ?

JR - Os discursos sobre a própria classe são muito heterogéneos. Alguns jornalistas muito jovens, por vezes com formação no estrangeiro, recusam por completo a ideia da tribo jornalista, dizem: “quando acabo o meu trabalho, saio da redacção e passo a ter uma vida que é a minha! Os meus amigos não têm nada a ver com o jornalismo”. Entre os jornalistas mais velhos, encontramos aquele discurso mítico do jornalista 24 horas por dia que, quando sai das redacções, vai confraternizar com outros jornalistas nos locais habituais. Os mais velhos, em geral, reconhecem que os mais novos têm melhores instrumentos de trabalho, usam mais a tec-

JR - São 47 entrevistas, algumas mais bem conseguidas do que outras: há duas ou três entrevistas de jornalistas que sobem rapidamente na carreira que são perfeitamente paradigmáticas. Há também uma ou duas entrevistas exemplares do percurso de antigos jornalistas que desesperam com as dificuldades da profissão, deixam de ser jornalistas e se reciclam noutras áreas. Também as há de jornalistas que multiplicam os estágios e estão absolutamente desesperançados. Assim como há depoimentos de jornalistas e de estagiários que ainda acreditam profunda-

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ENTREVISTA

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nologia e isso é facilitador do desempenho profissional, que adquiriram também uma melhor formação cultural, mas que lhes falta a dimensão de responsabilidade social da profissão. Nos mais novos, é comum a ideia de que o jornalismo é uma profissão que deve ser cada vez mais aperfeiçoada de um ponto de vista técnico, mas que não tem a dimensão social e politica que os mais velhos lhe dão. A crença no jornalismo como missão é muito mais frequente na faixa etária anterior.

JJ - A nova geração de jornalistas é filha da crise?

JR – Sim. Até nos jornalistas mais novos, no relato da situação que entendem ser aquela que vivem, nas representações que constroem da sua situação profissional e nos discursos imaginários que produzem sobre aquilo que deveria ter sido a profissão antes de eles serem jornalistas.

JR - Há três períodos muito distintos. Um período que vai até aos primeiros anos da década de 80 e é aí que encontramos jornalistas politicamente mais empenhados, que entraram no jornalismo antes do 25 de Abril ou imediatamente após o 25 de Abril. Há um segundo grupo de jornalistas que entraram na profissão a partir de meados da década de 80, que corresponde à adesão de Portugal à comunidade europeia e às alterações profundas a nível do mercado, com a privatização dos principais sectores de economia, a multiplicação de revistas especializadas, a abertura da televisão a operadores privados. É uma fase de grande expansão de admissão de jornalistas, onde encontramos também pessoas que rapidamente chegaram a lugares de chefia. A terceira fase começa no ano de 2000, corresponde à mudança de milénio e a uma crise que se vai acentuando. É nessa fase que assistimos ao aumento do número de estagiários e a uma relativa diminuição do número de jornalistas profissionais, com contrato por tempo indeterminado. Assiste-se a esse fenómeno cada vez mais presente, que é os estagiários exercerem as funções de jornalista sem serem pagos como tal.

JJ – Existe nostalgia na representação do passado da profis-

JJ – A crise traduz-se em dificuldades sentidas a nível pesso-

são?

al, no sentido em que os jornalistas não ganham dinheiro

JR - Os mais novos não podem ter nostalgia de um tempo que desconhecem. Têm nostalgia de um tempo que imaginam. Até por considerarem que as condições de trabalho hoje acabam por suscitar situações muito mais fortes de concorrência entre jornalistas, que afectam as relações de amizade e de solidariedade. Quando um jornalista nunca mais deixa de fazer estágios, começa a olhar para os colegas de profissão não como se partilhassem os mesmos problemas, mas também como adversários.

suficiente, sentem-se explorados, ou também responsabili-

JJ - O que mudou mais em Portugal: os jornalistas ou os contextos organizacionais e empresariais do jornalismo?

JR - Quando mudam os contextos, mudam os jornalistas. Quem é que dizia que “um homem é ele próprio e a sua circunstância”? O jornalista também se define em função do contexto e não há dúvida que os contextos profissionais e as formas de organização da profissão mudaram muito. JJ - Essa mudança sente-se nos depoimentos?

zam a crise como algo que diminui a investigação nas redacções, não permite tantas saídas em reportagem e não lhes dá tempo para trabalharem melhor?

JR - Há uma tendência para a individualização da concepção do trabalho.

JR - Há jornalistas que referem a esse aspecto das medidas de restrição, e à própria concepção de conteúdos por parte de empresas situadas num mercado altamente concorrencial menosprezar os aspectos do jornalismo eventualmente mais caros de realizar sem que esse aumento de custos tenha uma repercussão imediata nas receitas dos orgãos de comunicação social. Há alguns que consideram até que a ausência ou a diminuição da importância do jornalismo de reflexão e do jornalismo de investigação, da reportagem, contribuiu para o desencanto que eles vão alimentando relativamente à profissão.

JJ - A maioria dos entrevistados continua a reconhecer a

JJ – O desencanto também existe nos novos?

redacção como o seu espaço de trabalho, ou os depoimen-

JR – São sobretudo os novos que falam disso. Mas a interpretação desse relato não é unívoca, isto é, os jornalistas podem referir-se a esses aspectos para justificar a sua própria desilusão, que pode ser provocada por outras razões, por não conseguirem inserir-se profissionalmente, por não conseguirem ter um ordenado decente, por não conseguirem ter uma vida familiar normal, etc. O entrevistado, em vez de evocar esses factores para justificar o seu desalento, pode ir procurar razões mais nobres.

JJ - A profissionalização fazia-se num espaço com uma configuração particular, que era a redacção, onde as pessoas se reconheciam todas como iguais. Este processo desapareceu nas novas gerações?

tos já acusam a progressiva deslocalização do trabalho jornalístico?

JR - Não foi visível nas entrevistas essa ideia de ser jornalista fora da redacção. Mas creio que, através da leitura das entrevistas, é mais fácil construir uma representação global das gerações mais antigas do que da geração mais nova. Talvez sejam mais frequentes as questões sem resposta no que respeita aos jovens jornalistas do que relativamente aos jornalistas veteranos. Essa foi a razão pela qual o mesmo grupo de investigação apresentou um novo projecto que foi aprovado pela FCT, focado nas jovens gerações de jornalistas, que entraram na profissão depois de 2000. 20 |Jul/Set 2011|JJ

JJ - Entre a verdade dos testemunhos, as estratégias discursivas e de apresentação de si que todos os discursos encerram, e aquilo que são os objectivos científicos da investigação, onde está a verdade sociológica sobre esta comunidade?


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JR - Não há uma verdade sociológica imposta do exterior. A verdade sociológica emerge na relação que existe entre a esfera da produção e a esfera da recepção. Existem intervenções que são condicionadoras dos resultados: há uma intervenção ao nível da definição dos perfis; há uma intervenção ao nível das escolha dos entrevistáveis, no sentido de corresponderem aos perfis pré-fixados; e há uma intervenção ao nível da construção do guião. Outro grupo de investigação provavelmente definiria outros perfis, escolheria outros entrevistáveis, construiria outro guião e chegaria a um conjunto de entrevistas diferente. A ideia que se constrói do que é o jornalismo em Portugal resulta, por um lado, de pressupostos da própria equipa de investigação e, por outro lado, da forma como o trabalho realizado é lido e interpretado por quem o lê. E quem o lê vai fazê-lo em função dos seus próprios quadros de recepção. É neste contexto que se elabora a verdade sociológica. JJ – Talvez tenha usado a expressão “verdade” de forma incorrecta. O que queria perguntar era se, no final deste tra-

“Não há um perfil sociológico, há posicionamentos, há expectativas e há perspectivas completamente distintas.” “O jornalista também se define em função do contexto e não há dúvida que os contextos profissionais e as formas de organização da profissão mudaram muito.” “Quando um jornalista nunca mais deixa de fazer estágios, começa a olhar para os colegas de profissão não como se partilhassem os mesmos problemas, mas também como adversários.”

balho imenso, que se prolongou por 5 anos, podemos responder à pergunta que lhe deu origem, saber quem são “eles”, quem são estes jornalistas portugueses?

JR - As entrevistas são muito diversificadas, pela idade, pelo estatuto e pelos posicionamentos políticos dos entrevistados. Isto dá pelo menos a ideia de uma realidade extremamente multifacetada, e a realidade é sempre multifacetada. JJ – A realidade é particularmente multifacetada no campo do jornalismo?

JR - Em qualquer outra profissão eu encontraria também esse aspecto de profissão multifacetada. A forma como cada um assume a profissão e as representações que constrói variam em função dos próprios quadros existenciais. JJ - Conhecendo as dificuldades que há na definição do jornalismo como uma profissão e tendo em conta essa variedade que o estudo confirma e até define como tendência cada vez há mais variedade e heterogeneidade - o que vai

“A questão do jornalista do futuro surge através das novas tecnologias, que são aceites por todos, não há aquela nostalgia da caneta. As novas tecnologias são consideradas por todos como uma conquista.”

acontecer ao jornalismo como profissão?

JR- Esta investigação não está orientada para o futuro. O título é Ser Jornalista em Portugal, não é o que virá a ser amanhã. Isso será mais abordado na investigação em curso, focalizada sobre os jovens jornalistas. Mas a questão do jornalista do futuro surge através das novas tecnologias, que são aceites por todos, não há aquela nostalgia da caneta. As novas tecnologias são consideradas por todos como uma conquista. Se há uma diferença entre os jornalistas mais velhos e os mais jovens no que respeita à relação com as novas tecnologias, assenta no facto dos mais velhos expressarem uma relação de deslumbramento: “incrível o que se consegue fazer com as novas tecnologias!”. Nos jornalistas mais novos não há deslumbramento, há uma banalização, eles já nasceram no reino das novas tecnologias. JJ – Há quem expresse angústias em relação aos ritmos de JJ|Jul/Set 2011|21


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ENTREVISTA

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trabalho impostos pelo jornalismo online?

JR – Não especificamente pelo online, mas pela profissão. Estou a lembrar-me de uma jovem que diz que a profissão lhe trouxe grandes problemas na sua vida quotidiana, pelas obrigações que impõe e pelo facto de ser cheia de imprevistos. Se esses imprevistos constituem um aspecto positivo, agradável da profissão, por outro lado podem assumir-se como um aspecto constrangedor porque limitam a organização da vida quotidiana. Esse aspecto da aleatoriedade das rotinas da profissão provoca no entrevistado uma sensação de inquietação. JJ – Ainda sobre as tecnologias, o jornalismo exercido em contexto digital ou multimédia não faz surgir uma representação diferente da profissão?

JR - Não senti isso. Nós estamos a trabalhar num universo de 47 entrevistados. Mas não me pareceu que isso constituísse problema.

mente a esta pergunta, porque o voto nas legislativas já pode exprimir a ligação com um partido político. JJ – Os jornalistas receiam ser instrumentalizados ou condicionados pelo poder?

JR – Quando perguntamos aos jornalistas se há perigo do jornalismo ser instrumentalizado pelo poder político, a resposta é sim. Mas quando perguntamos se já foram objecto de pressão por parte do poder político, quase sempre a resposta é não. É como se admitissem a questão no ponto de vista teórico mas não no seu caso pessoal. JJ – Como interpreta essa resposta?

JR – É um discurso de auto-defesa. Quem assumir que foi muito pressionado, no fundo também assume que é pressionável, isto é, que a pressão pode resultar. Quando se diz: “a mim nunca me pressionou”, há como pressuposto a ideia de que é inútil pressionar-me. JJ – No caso dos jornalistas que ascenderam rapidamente a

JJ - Podemos dizer que a exigência de escrever para várias

lugares de chefia, deu para perceber quais são as receitas

plataformas é pacífica entre os jornalistas?

desses trilhos de sucesso?

JR – Essa questão não surge de forma sistemática. Talvez porque os entrevistados pertencentes às gerações mais antigas já estão um bocado retirados das multiplataformas e os mais novos acham que assim é que é.

JR - Não há propriamente uma receita, eles por um lado justificam isso com o seu próprio mérito, como é evidente, mas depois também acham que há condições para se prosseguir na profissão. Insistem muito na qualificação profissional, elogiam o facto dos jornalistas de hoje terem uma formação universitária que lhes dá outros instrumentos de trabalho.

JJ – Não existe uma diferença de valorização entre o online e o papel?

JR - Não. É verdade que os jornalistas mais antigos evocam o cheiro das gráficas, mas isso são os tais aspectos sentimentais ligados a um discurso que é construído sob esta espécie de representação mítica do jornalismo. JJ - O novo discurso do jornalismo é mais pragmático?

JR – Sem dúvida, é mais pragmático do que sentimental. JJ – Como é que os jornalistas se relacionam com os poderes políticos ou económicos?

JR - São frequentes as declarações dos entrevistados, no sentido de recearem uma dominação do poder económico sobre as empresas de comunicação social, nomeadamente com a criação de grupos multimédia e a ligação entre esses grupos multimédia e outros sectores de actividade económica e financeira. Existe a preocupação de que o jornalismo passe a corresponder a outros objectivos que não aqueles de informar as pessoas. No que respeita à política, são raros os casos em que o entrevistado diz que o jornalista não pode ter nada a ver com política. É regra considerar-se que o jornalismo implica uma prática de cidadania e que essa prática tem uma vertente política. Agora, aquilo que distinguem muito profundamente, é o exercício da política como um direito de cidadania e o exercício de uma actividade partidária. Quando se pergunta no fim da entrevista: “Em quem é que votou nas legislativas e em quem é que votou nas presidenciais?”, em muitos casos o entrevistado tenta contornar a questão, sobretudo no que respeita ao voto nas legislativas. Nas presidenciais estão muito mais à vontade para dizer em que candidato votaram. Um pouco como se a eleição presidencial fosse despartidarizada e, portanto, eles respondem mais facil22 |Jul/Set 2011|JJ

JJ - Nessa qualificação, a licenciatura que se tem ou a universidade onde se estudou são factores importantes ?

JR - Há alguns casos de jornalistas que elogiam a universidade em que estudaram, há outros casos que dizem que o que estudaram pouco lhes serviu para a profissão, embora admitam que lhes deu outra visão do mundo. Mas, de uma forma geral, o que se distingue é entre aqueles que fizeram estudos universitários e os que não fizeram, independentemente do local em que estudaram. JJ - Ser licenciado em ciências da comunicação ou em jornalismo é a escolha óbvia das gerações mais novas?

JR – Dentro dos licenciados, são raros aqueles que se licenciaram noutras áreas. JJ - No seu texto de apresentação do livro, valoriza o facto da sua equipa de investigação incluir antigos jornalistas que entretanto concluíram mestrados e doutoramentos. A presença dessas pessoas foi importante para este projecto?

JR – Foi fundamental. A grande vantagem é que se trata de pessoas que conhecem o terreno do ponto de vista empírico e simultaneamente têm uma formação teórica e metodológica no âmbito sociológico; se cruzar estes dois aspectos, são investigadores que oferecem condições muito especiais. A definição dos perfis, a escolha dos entrevistáveis, a construção do guião, tudo isto foi profundamente discutido dentro do grupo, houve reuniões de 15 em 15 dias durante não sei quanto tempo! Essas discussões foram atravessadas pelas diferenças entre a formação teórica que uns e outros foram adquirindo, o conhecimento do terreno que uma parte deles tem e a relação de total


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distanciamento que a outra parte também tem. A composição variada do grupo de investigação é um aspecto muito positivo. JJ - Dentro dessas discussões, sentiu alguma dificuldade em conciliar o olhar mais sociológico e o olhar mais jornalístico?

“São frequentes as declarações dos entrevistados, no sentido de recearem uma dominação do poder económico sobre as empresas de comunicação social, nomeadamente com a criação de grupos multimédia e a ligação entre esses grupos multimédia e outros sectores de actividade económica e financeira.” “Quando perguntamos aos jornalistas se há perigo do jornalismo ser instrumentalizado pelo poder político, a resposta é sim. Mas quando perguntamos se já foram objecto de pressão por parte do poder político, quase sempre a resposta é não.” “Há alguns casos de jornalistas que elogiam a universidade em que estudaram, há outros casos que dizem que o que estudaram pouco lhes serviu para a profissão, embora admitam que lhes deu outra visão do mundo.” “A forte população de mulheres, sobretudo nas faixas etárias mais jovens, não se manifesta ao nível dos cargos dirigentes. Isso vê-se em Portugal, como se vê em França, na Bélgica e no Canadá, que foram alguns dos casos que nós estudámos para estabelecer a comparação.”

JR – Para ser franco, não senti. Houve uma atitude de modéstia extraordinária por parte dos jornalistas de referência que são membros deste grupo. Essa modéstia traduziu-se logo no facto de aceitarem frequentar um curso de pós-graduação e depois um curso doutoral em que se sentavam ao lado de jovens com 21, 22 anos. Essa atitude é uma razão que pode justificar a ausência de confrontação entre uma dimensão empírica e uma dimensão teórica. Os jornalistas que participaram nesta equipa assumiram o seu lugar de sociólogos aprendizes e queriam sê-lo, portanto, não havia nenhuma rejeição da dimensão sociológica. Depois, também não havia no grupo ninguém que defendesse uma sociologia alheia à dimensão empírica. Até porque o coordenador fui eu, e fui jornalista durante 18 anos da minha vida, 2 anos no jornal República e 16 anos no Le Monde. Não havia dentro do grupo nenhum sociólogo “puro” que procurasse desligar-se da realidade empírica. JJ - A desigualdade de género está ultrapassada em Portugal no campo jornalístico?

JR - A tendência é que ela exista mas com supremacia para o género feminino. Em termos globais, a percentagem de homens ainda é superior à de mulheres. Mas, quando se desagrega o total dos 7 mil e tal jornalistas por faixas etárias, verifica-se que nas faixas etárias mais jovens a percentagem de mulheres é muito superior à de homens. Se projectar no tempo, vai concluir que dentro de 5 ou 10 anos a predominância masculina que existe, sobretudo nas faixas etárias com mais de 55 anos, irá desaparecer. JJ – Essa mudança repercute ao nível dos cargos de chefia?

JR - A forte população de mulheres, sobretudo nas faixas etárias mais jovens, não se manifesta ao nível dos cargos dirigentes. Isso vê-se em Portugal, como se vê em França, na Bélgica e no Canadá, que foram alguns dos casos que nós estudámos para estabelecer a comparação. Uma razão terá a ver com um recrutamento baseado no género, mas há uma outra razão que deve ser considerada: tendencialmente, escolhem-se para lugares de liderança jornalistas que se situam nas escalas etárias mais velhas, com mais de 40-45 anos, onde a predominância masculina é forte. Provavelmente, esta situação vai mudar a médio prazo, porque as mulheres dentro de muito pouco tempo vão “invadir” - no bom sentido - as faixas etárias até aos 55-60 anos. JJ – O que espera deste estudo, em termos de impactos?

JR – O objectivo é funcionar como instrumento que desencadeie uma reflexão crítica sobre as rotinas da profissão dentro da própria profissão. JJ

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ANÁLISE

3.º Congresso Feminista Português

Uma estratégia de comunicação para tirar o feminismo do gueto Na selecção e tratamento noticiosos da realidade, os jornalistas são influenciados, em maior ou menor medida, pelos promotores dos acontecimentos. Estes definem e põem em prática, com diferentes graus de sucesso, estratégias de visibilidade, não apenas com o objectivo de captar a atenção dos media, mas também de influir nos enquadramentos do discurso jornalístico e na forma como determinados eventos, ideias, protagonistas serão percepcionados pela opinião pública. "As notícias também nos dizem como pensar", escreveram, em 1993, os ideólogos da teoria do agendamento, Maxwell McCombs e Donald Shaw. O 3.º Congresso Feminista Português, que teve lugar em Junho de 2008, em Lisboa, é um acontecimento excepcional para se compreender como a integração de estratégias de comunicação orientadas para a projecção mediática se revela decisiva na concretização dos objectivos dos organizadores de dar visibilidade ao movimento feminista, relançar a discussão sobre a sua relevância na sociedade portuguesa, arrancá-lo de um estado de "guetização" e de marginalização. Os jornalistas autores das peças sobre este evento tenderam a reproduzir, e até a reforçar, este enquadramento ideológico. Texto Carla Martins, Luísa Azevedo, Marta Peça

O

movimento feminista tem uma história relativamente breve e invisível em Portugal. O regime político que governou o país durante a maior parte do século XX assegurou um estrito controlo ideológico das mulheres. Nos anos de democracia, após o 25 de Abril de 1974, as feministas portuguesas foram acolhidas essencialmente com indiferença na esfera pública mediática e alvo de preconceitos, como a memória de um epifenómeno que na realidade nunca teve lugar (a "queima dos sutiãs"). Se algumas perspectivas advogam que não se pode sequer falar da existência histórica de um movimento fe24 |Jul/Set 2011|JJ

minista, a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) promoveu, em Junho de 2008, o 3.º Congresso Feminista, assumindo, 80 anos depois, a herança dos 1.º e 2.º congressos feministas, que tiveram lugar em 1924 e 1928. Analisar a cobertura jornalística deste evento na imprensa, compreender as estratégias de comunicação que prepararam o seu acolhimento nos media e como foram ideologicamente enquadrados os conceitos de feminismo e feministas no discurso noticioso constituíram os objectivos centrais de um estudo de caso realizado no âmbito do projecto "As mulheres e o espaço público: o papel dos media em áreas prioritárias da Plataforma de Acção de Pequim", coordenado por Maria João Silveirinha


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e desenvolvido pelo Centro de Investigação Media e Jornalismo (CIMJ), com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. A opção metodológica consistiu numa análise discursiva empreendida a três níveis sobre um corpus que incluiu todos os artigos sobre o tema publicados nos jornais nacionais, num total de 77, entre Agosto de 2007 e Julho de 2008. O Público foi o jornal que maior número de peças publicou, sendo também significativa a cobertura feita pelo Diário de Notícias, pelo Jornal de Notícias e pelos jornais locais. A maioria dos artigos foi publicada em Junho e Março de 2008, este último mês tradicionalmente relacionado com a promoção da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens e com o relato da situação da mulher em Portugal e internacionalmente. A cobertura centrou-se em alguns painéis da conferência em particular, como o dedicado ao "feminismo e poder político", onde intervieram várias deputadas, bem como na sessão de encerramento, onde participou o então secretário de Estado Jorge Lacão. Os eventos paralelos foram igualmente mencionados em 10% dos artigos. Um dos principais focos salientados pela imprensa local foi a "Rota dos Feminismos", uma iniciativa itinerante que decorreu entre 7 e 9 de Maio de 2008 e que visava discutir o movimento feminista e promover o congresso. Esta caravana nacional viajou por Portugal, e conseguiu captar a atenção mediática. O congresso proporcionou uma oportunidade para discutir feminismos e direitos das mulheres, os temas principais. Possibilitou também que no espaço público fosse relembrada a história do movimento feminista em Portugal e algumas das suas personalidades mais importantes. Vários artigos salientaram reivindicações passadas e presentes pela total e real igualdade entre mulheres e homens nas diversas áreas. As mulheres foram os actores dominantes, quer enquanto autoras, quer enquanto vozes nos artigos analisados. Deve salientar-se que 36 das peças em que o autor é identificado são assinadas por mulheres, ao passo que apenas 8 autores são homens. As activistas desfrutaram do papel principal nesta discussão pública. O único homem activista com voz activa foi Javier Robles Andrades, da espanhola AHIGE Asociación de Hombres por la Igualdad de Género. Os membros do parlamento também tiveram voz activa. O foco foi variado, e prevaleceu um leque diversificado de opiniões e gerações políticas, particularmente quando abordadas as "quotas". Quanto aos actores políticos masculinos, Jorge Lacão foi o único homem com voz activa. A academia também desempenhou um papel evidente quer no congresso quer nos media.

Cartaz do Congresso Feminista de 2008 e notícia do Congresso Feminista (Lisboa 1928)

"FEMINISMO SAI DO ARMÁRIO AO FIM DE 80 ANOS"

O feminismo foi retratado em todos os artigos através de duas perspectivas: de uma forma geral, focando-se JJ|Jul/Set 2011|25


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ANÁLISE

3 . º C o n g r e s s o Fe m i n i s t a Po r t u g u ê s

Congresso Feminista (Lisboa 1928)

questões da igualdade e as suas repercussões nos diferentes sectores da vida pública e privada; circunscrevendose tematicamente a questão, abordando-se aspectos mais específicos, como religião ou trabalho, ou questionando-se modelos de masculinidade. É a identidade do feminismo que se visitou "80 anos depois" do 2.º Congresso Feminista, procurando-se dotar os conceitos de feminismo e feministas de profundidade histórica e desconstruir ou corrigir as distorções nas percepções públicas, baseadas em estereótipos grosseiros. Forja-se, por um lado, uma continuidade narrativa do movimento feminista entre os primeiros anos do século XX e os primeiros do XXI, cuja consolidação requer legitimação histórica. Esta formação simbólica é complementada por dispositivos de personalização, por via da evocação de algumas das suas figuras matriciais em diferentes momentos históricos (Elina Guimarães na década de 20, Maria Lamas na década de 40, Madalena Barbosa após o 25 de Abril de 1974, entre muitas outras). Por outro lado, surgem micro-narrativas do feminismo, mais isoladas e sem que se cheguem a constituir-se como representações-chave do feminismo, ainda que enunciem as suas problemáticas. Promover o Congresso é "quase um dever histórico", escreve Luísa Meireles no Expresso (31 de Maio de 2008), citando a organização. "Feminismo sai do armário ao fim 26 |Jul/Set 2011|JJ

de 80 anos", é o título do dossier sobre o evento que o Diário de Notícias publica na sua edição de 26 de Junho de 2008. É a perspectiva histórica que se sublinha no parágrafo de abertura deste conjunto de artigos: "Oito décadas depois do último Congresso, o movimento quer mostrar que está de boa saúde"; as activistas recusam-se "a deitar para o lixo a luta histórica das suas predecessoras". O Diário de Notícias evoca fotograficamente os 1.º e 2.º Congressos Feministas, as legendas fixam a sua ocorrência na "Idade de ouro do feminismo". Não obstante a incomparabilidade de contextos, traçase um devir contínuo entre congressos, como se estes procedessem do mesmo impulso. As origens do movimento feminista em Portugal remontam ao período republicano e esta diacronia histórica é legitimada pelas vozes autorizadas e especializadas dos/as historiadores/as. Os/as organizadores/as resgatam e reclamam esta herança, mesmo que na raiz a consciência feminista se tenha mobilizado por outras questões, que identificam essencialmente a primeira vaga de feminismo. Afinal, "onde andaram as feministas durante 80 anos?", questiona a Visão, na edição de 3 de Julho de 2008, em entrevista à presidente da UMAR, Elisabete Brasil. Em resposta: "Andaram por aí. Nunca houve foi uma organização que fizesse avançar o congresso. E ocorreu uma perda de memória histórica, em grande parte devido à


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ditadura (…). Só após o 25 de Abril surgiram as primeiras associações de mulheres". O FEMINISMO É URGENTE E NECESSÁRIO

A evocação dos Congressos Feministas - ou o seu "ressuscitar", segundo o Jornal de Notícias de 26 de Junho - faz sentido, não como mera reconstrução da memória histórica, mas na afirmação do papel social do pensamento e acção feministas e para re-situar temporalmente o feminismo quanto ao presente e o futuro. No Expresso (31 de Maio de 2008), Luísa Meireles assevera: "Não! Desta vez, as mulheres não vão queimar sutiãs. Nem são todas feias e muito menos lésbicas". Oito décadas depois, porque é que o discurso feminista ainda faz sentido? E por que caminhos deve seguir? Segundo o Público (26 de Junho de 2008), "hoje as causas e temas do feminismo são múltiplas". O Expresso (31 de Maio de 2008) sintetiza a "agenda" actual do feminismo evocando a violência doméstica, igualdade salarial e nas carreiras, pobreza, prostituição, liderança e orientação sexual. As opiniões apontam numa única direcção: o feminismo é urgente e necessário, o passado ainda está por realizar. A sedimentação da identidade do feminismo passa por uma ruptura com a visão do feminismo como um mero discurso politicamente correcto, que de certa forma o esvazia de eficácia. Porém, para além de momentos localizados, os media não focaram e reflectiram publicamente sobre as actuais micro-narrativas da terceira geração do feminismo. A esfera pública mediática em torno do 3.º Congresso Feminista não confirmou a vitalidade de alguns dos principais dilemas teóricos do feminismo contemporâneo. O Público enfatiza que o Congresso Feminista convoca "um conjunto abrangente de pessoas", "pessoas de várias origens e ideologias", que aceitaram debater o tema "longe de estereótipos e preconceitos sobre o que é o feminismo" (26 de Junho de 2008). O consenso perpassa os depoimentos sobre estas questões recolhidos pelo Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Público (26 de Junho de 2008) junto de "activistas", de "mulheres" e de outros protagonistas (de ambos os sexos, mas sobretudo femininas). O Jornal de Notícias é o único jornal que, nesta panóplia de declarações, insere uma "voz dissonante", a de uma ex-ministra, que enquadra enquanto tal. Ao mesmo tempo que introduz este ponto de vista alternativo manifesta um certo espanto por este desvio no ritual de celebração do consenso. As vozes dos protagonistas externos aos jornais continuam a materializar um certo elitismo (são escritoras, jornalistas, investigadoras, deputadas) e um certo fechamento a uma diversidade ideológica e de género (quase total ausência de vozes masculinas). O Público é o único jornal que, no dossier de antecipação da cobertura, compõe uma peça jornalística com

base exclusivamente em depoimentos de protagonistas masculinos. Sendo a luta feminista tipicamente identificada como assunto de mulheres, o envolvimento de homens nesta causa parece resultar simbolicamente na sua valorização como questão transversal aos dois géneros. Já em 1924 o antigo presidente Bernardino Machado, apresentando-se como "professor, político e ministro (…), diz ser um velho soldado do Feminismo" (Diário de Notícias, 5 de Maio de 1924). O "tom" do tratamento jornalístico é claramente favorável à causa feminista, e a uma fixação no modo como deve ser interpretada ideologicamente, revelando envolvimento e compromisso dos autores (das autoras) dos artigos. As marcas discursivas revelam a subjectividade do/a narrador/a e a ausência de distanciamento e de crítica. As opiniões das/os protagonistas ouvidos nas peças são facilmente convertidas em enquadramentos informativos. A análise revela uma sobreposição do "interesse jornalístico" do congresso com a estratégia de comunicação das/os suas/eus organizadoras/es. Esta proximidade é, de facto, igualmente encontrada no primeiro congresso feminista: a imprensa foi mencionada pelo jornalista como um actor relevante, sendo inclusive merecedora de "uma vibrante salva de palmas" no início da sessão de encerramento. (Diário de Notícias, 10 de Maio de 1924). "PORTUGAL É AINDA UM PAÍS DE CALÇAS?"

A análise discursiva incluiu também o estudo de tendências linguísticas das peças seleccionadas, que vêm confirmar alguns dos aspectos verificados nos anteriores níveis analíticos. Os títulos dos artigos, antes de mais, não obstante as suas diferenças significativas, apontam para particularismos ideológicos. Um primeiro grupo de títulos recupera depoimentos textuais: "Já chega de discursos paternalistas" (assinado por Ana Drago, Sol, 7 de Julho de 2008) ou "O feminismo é dos movimentos potencialmente mais revolucionários" (Público, 28 de Junho de 2008). O eco das vozes de terceiros/as possibilita um distanciamento do/a autor/a: o/a jornalista distancia-se do que é dito (foi outra pessoa que o disse), escolhendo, no entanto, sublinhá-lo através desta forma de projecção de um argumento em particular. Um segundo grupo de títulos encontra-se no limite do espectável em relação ao tema das peças. Da ligação do congresso com um passado histórico emerge uma compreensão do feminismo enquanto um processo no tempo, em linha com as macro-narrativas identificadas. As metáforas servem bem este propósito. O feminismo é retratado como um processo através de metáforas de orientação, viagem e batalha: "Mulheres dão passos na conquista dos direitos", "Feminismo é lutar por todas as igualdades" (Diário Cidade, 3 de Julho de 2008 e JN, 26 Junho de 2008). A elipse do verbo também serve esta JJ|Jul/Set 2011|27


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ANÁLISE

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estratégia, ligando-o ao mencionado distanciamento: "As feministas, 80 anos depois" (Visão, 3 Julho de 2008). Em 1924, Bernardino Machado também usou imagens de combate para encorajar para a acção em algumas das reivindicações que permanecem presentes na sociedade portuguesa: "A mulher não fará mau uso do direito de voto e deve lutar em todos os campos pelas suas regalias" (Diário de Notícias, 10 de Maio de 1924). O preconceito e a dimensão mítica do passado são recordados pelo casamento entre a auto-imagem do feminismo com preconceito e derrogação dos seus oponentes não especificados: "Feministas não vão queimar soutiens" (Expresso, 31 de Maio de 2008) ou "Quem tem medo das feministas?" (Expresso, 28 Junho de 2008). Um terceiro conjunto de títulos permite constatar a articulação do feminismo com a identidade sexual e política: "Feminismo sai do armário ao fim de 80 anos ", "Portugal é ainda um país de calças?" (Diário de Notícias, 26 Junho 2008), "Coisas de gajas" (Público, 28 de Junho de 2008). Alguns textos vivem da voz comprometida do/a jornalista que opina e emite juízos de valor acerca das matérias. É o caso de São José Almeida que, em "A desigualdade não é um fatalismo" e em "Coisas de gajas", usa expressões adjectivais e / ou adverbiais com forte carga semântica, como "O estatuto de menoridade da mulher em Portugal 28 |Jul/Set 2011|JJ

é gritante…" ou "as elites são sexistas e discriminatórias das mulheres". Apesar de serem poucas/os as/os jornalistas que assinam artigos de opinião na imprensa portuguesa, a autora destas duas peças é inquestionavelmente a jornalista que mais escreveu sobre o congresso. Este é sem dúvida um caso excepcional de compromisso de uma mulher jornalista detentora de poder no seio do jornal para dar a conhecer e emitir opiniões acerca do assunto sobre o qual faz a cobertura. A sua é uma voz de autoridade. Mais do que assertivo é o tom didáctico claramente assumido por Inês Pedrosa que, em "Cursobreve" (Diário de Notícias, 6 de Julho de 2008), pretende dar 7 lições às/aos ignorantes não especificadas/os, "os que nunca pensaram nisso (…) sobretudo no que se refere aquilo que se entende serem assuntos mulheres". Uma pergunta ("Percebido?") fecha o texto, sublinhando o seu pendor pedagógico, através do qual a autora assume um tom autoritário e uma posição algo impaciente em torno de um conhecimento frequentemente repetido e nunca apreendido. "PRÓS E CONTRAS" ENTRE MIGUÉIS

Continua nos textos a estratégia comunicativa identificada nos títulos. Neles encontramos também a recuperação e recontextualização de velhos estereótipos e preconceitos


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que se traduzem em chavões. Algumas das peças analisadas são edifícios argumentativos sustentados por estratégias retóricas mais ou menos "clássicas", como é o caso de "Coisas de gajas": abre com um facto (a atribuição do nome de Maria de Lourdes Pintasilgo a uma rua de Lisboa), que conduz à notícia do Congresso Feminista ("onde seguramente a antiga primeira ministra teria um lugar de destaque"); parte para a apresentação de algumas questões centrais do feminismo, sustentadas pela força dos números e dos exemplos e conclui com a constatação de que se vive em Portugal "uma situação gravemente discriminatória das mulheres, perpetuada por uma mentalidade que considera que as mulheres existem para ter e criar filhos", atentatória dos direitos humanos - "pois os direitos da mulher são direitos humanos"-, o que mostra a urgência de inverter o status quo, sob pena de ganhar razão o desafio provocatório da jornalista Ana Vicente: "Então vamos ser consequentes e dizer que as mulheres são inferiores aos homens". Quanto à intertextualidade e diálogo, o conceito de um diálogo fundamental no discurso, encontra-se claramente presente nos textos analisados. A sua importância pode ser explorada em duas peças assinadas por dois homens, coincidentemente ambos Miguel: Sousa Tavares e Portas: "Minhas senhoras" e "Mulheres", respectivamente (Expresso e Sol, 28 de Junho de 2008). O primeiro texto, o único artigo de opinião no corpus

analisado que deliberadamente se posiciona contra o feminismo e o congresso, dirige-se às senhoras, numa bonomia paternalista; o segundo destina-se em especial aos homens, para lhes apresentar a situação das mulheres, num tom exortativo: "Que os homens se coloquem, por um minuto, na pele das mulheres". Apesar da coincidência de datas, Portas acaba por responder (sem o saber) às questões colocadas pelo texto de Sousa Tavares: "o que justifica o Congresso, o que se propõe ele discutir?". E todas as estratégias linguísticas que sustentam "Minhas senhoras" se esvaziam perante "Mulheres": a manobra verbal de entrincheiramento com que Tavares profetizava para si "os dissabores habituais… ofensas, insinuações caluniosas e os habituais boatos anónimos"; o irónico cavalheirismo com que se ofereceu como "carne para canhão ao 3º Congresso Feminista Português… onde, como se sabe, fazem sempre falta alguns bichos homem disponíveis para dar o peito às balas"; até a infeliz comparação das mulheres com "os deficientes e doentes crónicos, os de outra raça, os estrangeiros emigrados ou os de mais de 45 anos"; ou algumas referências de gosto duvidoso (como, por exemplo, a Zezé Camarinha) - tudo parece ineficaz e, de certa forma, até "inofensivo", quando cotejado com a meridiana clareza, a eficácia linguística e a elegância inteligente do texto de Miguel Portas. JJ JJ|Jul/Set 2011|29


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TESTEMUNHO

Diário do Festroia

Génese e evolução de um jornal de curta-metragem Em mais de 500 anos de imprensa, habituámo-nos a dividir os seus suportes em jornais e revistas; generalistas e especializados; de periodicidade diária, semanal, quinzenal, etc. Uma catalogação deste género implica forçosamente a exclusão de alguns formatos. Mas serão eles, por isso, filhos de uma imprensa menor? A experiência com o Diário do Festroia diz-nos que não. Texto e imagens: Helena de Sousa Freitas e Luís Humberto Teixeira

A

pesar da juventude do projecto e da sua curta duração em cada ano - já que acompanha apenas os dez dias daquele festival internacional de cinema -, este jornal pauta-se pelas normas de rigor e isenção exigíveis à restante imprensa. Beneficia também de uma independência que lhe permite publicar as opiniões dos entrevistados sem censura por parte da direcção do festival, mesmo em caso de crítica. Contudo, antes de avançarmos com a descrição da génese e evolução do diário, dediquemos umas brevíssimas linhas à iniciativa a que o mesmo está vinculado. Nascido em 1985 em Tróia para divulgar obras de países com uma produção fílmica reduzida, o Festroia atravessou o rio Sado uma década mais tarde, para se instalar na cidade de Setúbal, onde diversificou o público e estreitou laços com os espectadores. Desde o início, um dos elos entre o festival e a sua audiência foi a publicação diária de informação sobre os filmes e o quotidiano do evento e, ao longo do mais de um quarto de século que este já leva, vários têm sido os formatos adoptados para o fazer. PRIMEIROS PASSOS: FOLHETO INFORMATIVO OU JORNAL?

Em 1985, ano de estreia do Festroia, a organização produziu um folheto informativo de quatro páginas em 30 |Jul/Set 2011|JJ

inglês, que resumia o essencial dos ciclos do festival. No entanto, tendo este sido fundado por um jornalista e escritor, Mário Ventura Henriques, não tardou que tivesse lugar a experiência piloto de publicação de um diário oficial impresso em tipografia. Estava-se em 1987. Dirigido por um jornalista profissional, José António Santos, o periódico teve oito páginas na primeira edição e quatro nas restantes. Totalmente em português, foi produzido e impresso a priori, contendo "entrevistas, sinopses desenvolvidas e outras notícias de interesse geral, além das opiniões de diversas personalidades" que tinham estado no festival nas edições anteriores. Incluía também informação sobre as mostras do festival e as principais atracções do distrito de Setúbal. A primeira edição do jornal indicava a quem se dirigia a publicação: "Destina-se ao público em geral, mas é dedicado especialmente aos críticos e jornalistas que aqui se deslocam em serviços dos seus meios de Comunicação Social". Todavia, a experiência não viria a ser repetida nestes moldes e, nos anos seguintes, o festival optou por edições policopiadas com entre quatro e oito páginas preenchidas por informação em português e, esporadicamente, textos oficiais em inglês ou francês. Estas versões policopiadas tinham, porém, uma marca distintiva face às edições dos primeiros anos: os conteúdos eram produzidos durante o


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(Da esq. para a dir.) O folheto informativo (1985); A experiência piloto (1987); Uma versão policopiada (1995)

festival, aí se incluindo a reprodução das notícias sobre o Festroia difundidas pela imprensa nacional. As grandes figuras da sétima arte que o festival homenageava, os filmes que dava a conhecer em contraciclo com o cinema comercial, os prémios que atribuía e as figuras convidadas - de tudo isto o jornal oficial foi dando conta ao longo dos anos, passando a sua elaboração também por diversas mãos. O IRRESISTÍVEL DESAFIO DE UM VETERANO

Corria o ano de 2005 e aproximava-se rapidamente a 21ª edição do Festroia quando Mário Ventura Henriques nos desafiou a assumir a responsabilidade deste projecto nos moldes usuais: a edição policopiada, produzida em folhas A3 que eram dobradas para se obter o formato A4. Mesmo com o original a cor, as cópias eram a preto e branco, pela óbvia razão da contenção de custos. Contudo, para os jornalistas profissionais que nessa altura todos éramos, o resultado sabia a pouco. E foi Mário Ventura quem, numa conversa casual, nos disse: "Ter um diário em papel e formato de jornal é que era! Só que isso fica muito caro... ". Mas, como escreveu António Aleixo, "a palavra é como a bala / quando se deixa partir / não há quem possa agarrá-la". O mesmo é dizer que o mal estava feito. A ideia fervia em nós, espicaçava-nos: "um jornal a sério é que era".

Pedimos orçamentos, fizemos contas e propusemos um diário de oito páginas, ao que o fundador do Festroia, batido nas lides jornalísticas, reagiu prontamente: "Apenas com dois jornalistas e um paginador? Vocês estão doidos? Não passam da primeira edição! Façam um número inicial com oito páginas e os restantes com quatro. Isto se aguentarem o ritmo". A esta distância, talvez seja de admitir que quisemos fazer prova de valentia, porque, com o apoio de um designer, fechámos quinze edições - dez em português e cinco em inglês - de oito páginas cada durante o festival. Era um projecto acalentado por Mário Ventura Henriques, que folheou várias edições naquele que seria o seu último Festroia, em 2006. FRUTO DE UM ESFORÇO CONJUNTO

Nos anos seguintes, o projecto manteve-se. Em parte devido à confiança da direcção do festival - que continuou a dar-nos carta branca para fazermos o nosso trabalho -, mas também graças ao apoio de pessoas geralmente menos visíveis neste processo colectivo de conceber e divulgar um jornal. Assim, além de nós, editores das versões portuguesa e inglesa do diário, são fundamentais: os fotógrafos, disponíveis para nos fazer chegar imagens a horas mais e menos próprias; o designer/paginador, que nos acomJJ|Jul/Set 2011|31


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TESTEMUNHO

D i á r i o d o Fe s t r o i a

O diário bilingue (2006)

panha até ao fecho; a equipa da tipografia, que faz seus os nossos loucos horários para que o jornal saia atempadamente; e os distribuidores, que colocam os exemplares em diversos pontos da cidade (da biblioteca municipal aos hotéis que acolhem convidados, dos cafés e restaurantes às salas de cinema), passando alguns aos transferistas, que os deixam no aeroporto da Portela. Imagine-se um órgão de comunicação nascido do esforço de uma cooperativa de jornalistas e pessoas dos media... Poderemos considerar este projecto uma pequena amostra do que seria algo nesses moldes? Apesar das circunstâncias financeiras distintas (com a verba que torna esta aventura possível a ser assegurada pela organização), acreditamos que sim. Afinal, o cuidado posto na execução deste jornal de distribuição gratuita é similar ao tido pelos editores de qualquer outra publicação - procuramos boas fotos (captadas por nós ou por colaboradores pontuais nesta área) e manchetes apelativas, escolhemos as frases mais fortes para titular as peças e revemos atentamente os textos, para preservar as línguas portuguesa e inglesa apesar da urgência do fecho. De 2006 a 2009, o modelo do diário manteve-se. Apostou-se sobretudo na difusão de informação sobre os filmes e em entrevistas a actores, realizadores, argumentistas e produtores convidados, sendo mais notórias as alterações na linha gráfica por os designers irem mudando consoante a disponibilidade própria, cada um imprimindo ao projecto o seu cunho pessoal. Em 2010, com o diário oficial a celebrar o primeiro lustro no formato de jornal, sopraram os ventos de mudança. Dado muitos convidados lamentarem que a edição internacional saísse dia sim, dia não, assumiu-se um novo risco: publicar um jornal bilingue todos os dias durante o festival. E assim foi - de 4 a 13 de Junho saíram dez edições com doze páginas cada, em vez das anteriores oito, tendo o jornal duas primeiras páginas, uma em 32 |Jul/Set 2011|JJ

português e outra em inglês, em lugar das usuais primeira e última. OS RIGORES DA INDEPENDÊNCIA

Supomos que algumas das questões que mais prontamente podem colocar-se em relação a um jornal desta índole respeitam à sua independência e ao escrúpulo deontológico com que se faz cada página. Sendo impossível reproduzir aqui todos os pequenos dilemas com que nos temos deparado na feitura de cada edição, referimos apenas algumas cautelas elementares. O Festroia inclui diversas secções competitivas - Secção Oficial, O Homem e a Natureza, Primeiras Obras. Como tal, nas referências aos filmes que integram estas secções, evita-se ao máximo reproduzir juízos de terceiros (nomeadamente da crítica especializada), dada a noção de que isso pode influenciar, positiva ou negativamente, os júris. Assim, tanto nas sinopses das obras como nas perguntas das entrevistas, procura-se que o factual tenha clara primazia sobre o opinativo. Outra preocupação legítima será quanto à independência. Dado tratar-se do diário oficial do festival, o que fazer quando algum entrevistado avança uma crítica ao evento? Publica-se. A título de exemplo, aqui ficam duas respostas, por sinal incluídas na mesma edição. Em 2009, na nona edição portuguesa, distribuída a 12 de Setembro, e um dia depois na versão inglesa, o realizador eslovaco Juraj Jakubisko, que presidia ao júri oficial, afirma: "Vou sugerir à directora do festival que alargue o leque de seleccionadores das películas, porque isso melhoraria o perfil do Festroia. Também seria interessante se o festival passasse a ter uma maior intencionalidade, um fio condutor entre os filmes, pois parece-me demasiado generalista". E, em resposta à pergunta seguinte, retoma a ideia, explicando que "o facto de a diversidade ser tão grande torna quase impossível estabelecer uma comparação válida" entre as várias obras candidatas. Uma página mais tarde, é a vez do actor britânico


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A aposta num formato diferente (2010)

Nickolas Grace: "No próximo ano, o Festroia deverá ter maior coordenação, para que todos saibam o que se está a passar. Quando vim pela primeira vez, pareceu-me muito organizado, pelo que espero vê-lo regressar a esses tempos". UM JORNAL COLECCIONÁVEL

Um novo design (2008)

Voltando, no fim, ao ponto inicial, qual a razão de ser de um projecto desta natureza? Numa iniciativa caracterizada por um ambiente amigável, quase familiar, o jornal (hoje mais dirigido ao público do que aos jornalistas que acompanham o festival, ao contrário da intenção expressa em 1987) reforça a ligação entre o Festroia e os espectadores e - o que é para nós deveras significativo - sobrevive ao próprio evento. Boa parte da audiência do Festroia, não se sentindo à vontade para entabular conversa com os convidados, gosta, contudo, de saber como surgem as ideias para os filmes, como foi interpretar determinada personagem, quais as dificuldades de financiamento na indústria cinematográfica noutros pontos da Europa, etc. Ao jornal cabe ir em busca dessas respostas e levá-las aos espectadores-leitores. Talvez pela mais-valia em que essa informação se constitui, o jornal tornou-se coleccionável logo em 2006. E todos os anos, já após o término do festival, continuam a chegar pedidos de pessoas que não conseguiram uma determinada edição, sendo também vários os convidados estrangeiros que, não podendo acompanhar o Festroia até ao fim, deixam a morada para receber os jornais em casa. Com um número médio de 30 entrevistas originais por festival e fotografias dos entrevistados que diferem consoante a edição seja em português ou em inglês, o jornal revela-se não só interessante para o público como para os convidados, que vêem nele um meio de melhor conhecer os colegas da sétima arte. Sublinhar estes factos é falta de modéstia? Não. É somente dar a conhecer o que torna este diário uma experiência tão breve e intensa quanto algumas das curtas-metragens que o Festroia apresenta ao público. JJ JJ|Jul/Set 2011|33


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OPINIÃO

A escrita nos jornais Tenho uma impressão negativa quanto à qualidade do uso do português nos meios de comunicação, amostra limitada ao que leio e ouço no dia-a-dia de um utente comum que é também jornalista. Não sei se a qualidade desceu, mas a que observamos é deficiente e isso devia preocupar-nos mais. A preocupação pouco ou nada resolve, mas sem a consciência das principais falhas não surgirão propostas para reduzi-las.

semanário (1-7-2011): «Sam e Maddy tentam reunir o apoio de um alto oficial do governo». Num diário (12-72011): «(...) suspeitas sobre eventuais ligações entre o ei bem que a um jornal não se pode exigir o grupo que detém o hotel Sofitel Manhattan e altos nível de «edição» que se espera de um livro oficiais do Governo francês (...)». «Altos oficiais» não é (tal como sei de livros cuja qualidade de nada. Se forem militares, serão oficiais superiores ou escrita e de tradução é desastrosa, mas esse é (oficiais) generais. Se forem civis, não serão oficiais (salvo outro assunto, embora reconduza ao mesmo possivelmente de polícia) e podem não ser «altos». Isto problema – desde a formação de base aos mecanismos sem indagar, no exemplo inicial, o que seja «reunir o de revisão do que se publica). Mas a crise da imprensa e apoio de um (...)». O que se detecta em frases destas é, a o temido declínio do seu consumo, potenciados pela par de algum desleixo na sintaxe e de desconhecimento quebra na publicidade, pelo decréscimo de hábitos de da terminologia portuguesa, a provável ignorância da leitura, pela competição com outras formas de diferença em inglês entre officer e official. Assim, falhas de informação e de «cultura geral» e erros de tradução originam, entretenimento, devem em casos que estão longe de ser inéditos conduzir a uma reflexão séria – Convido os leitores (limitei-me a exemplos recentes), a convicção por parte do sistema de ensino de que os Governos têm «altos oficiais» e não a observar dois ou público e privado, dos meios altos funcionários. três casos «no terreno» de comunicação social e das Outro exemplo, em parte também que consubstanciam escolas de comunicação e imputável a má tradução, revela ainda, além as minhas dúvidas jornalismo. Fazer com que os da falta da tal «cultura geral», falhas de senso e eventualmente padrões de qualidade na comum e de racionalidade: «(...) a Caaba, um expressão escrita subam, e não edifício coberto por um tecido bordado a algumas certezas desçam ainda mais, terá custos, ouro negro, para o qual os muçulmanos se não necessariamente em voltam (...)» (num semanário, 17-6-2011). financiamento e em quantidade de recursos humanos, Meio minuto de reflexão ou menor confiança na antes na qualidade destes; trata-se de maior exigência e tradução fariam perceber que era um tecido negro atenção no que se pede aos profissionais e de bordado a ouro, mesmo sem ter visto fotografias de mecanismos de controlo do que vai ser vendido a Meca. «Ouro negro» usa-se para designar o petróleo, e milhares de leitores. Creio que o declínio dos jornais se foi o nome de um conjunto musical (o trio e depois duo agravará (em papel e online, pois são suportes Ouro Negro) angolano-português. interligados na produção e no consumo) se não for feito Não procurei aqui casos especialmente graves ou nenhum investimento na melhoria de qualidade, que ridículos. Tentei apenas enunciar um problema nosso. obviamente não se limita à escrita, mas em que esta é O assunto é interminável. Talvez possamos voltar a este decisiva; a maior parte dos jornais são para ler e não só tema, com diferentes fenómenos mas semelhante para ver, e destinam-se a leitores cujo limiar de tolerância inquietação – como é que se melhora o jornalismo de erros não é infinito. Se a imprensa não for escrito? JJ tendencialmente uma referência nos media, a sua agonia não tardará. Dito isto, convido os leitores a observar dois ou três casos «no terreno» que consubstanciam as minhas dúvidas e eventualmente algumas certezas. O corpus é excessivo, o que, parecendo facilitar a tarefa, também a dificulta. Começo por uma ponta qualquer. Num Texto: Francisco Belard

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Jornal

Prémios Gazeta 2010 Jornalistas da SIC, Global Imagens, Público, TSF e jornal i conquistam Prémios Gazeta. Adelino Gomes distinguido com Gazeta de Mérito

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eunido no Clube de Jornalistas no passado dia 29, o Júri dos Prémios Gazeta congratula-se com o renovado interesse manifestado, este ano, pelos mais prestigiados galardões atribuídos aos jornalistas em Portugal, traduzido na recepção de uma centena de trabalhos no conjunto das diversas modalidades a concurso, sendo que na maior parte dos casos se trata de trabalhos de boa ou muito boa qualidade. A diversificação dos Prémios – que têm o patrocínio exclusivo da Caixa Geral de Depósitos - pelos diversos géneros jornalísticos veio abrir novas e mais amplas possibilidades de participação, assim permitindo um melhor acompanhamento e valorização da própria diversidade das diversas formas do exercício do jornalismo e da identidade jornalística.

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O Prémio Gazeta de Mérito foi atribuído a Adelino Gomes, que ao longo da sua carreira de quatro décadas e meia exerceu a profissão, a diversos níveis de responsabilidade, na rádio (RCP, Renascença, RDP, Antena 1), na televisão (RTP) e na imprensa (Público) sempre com um alto nível de seriedade, isenção e rigor. Enveredou, com êxito, pela vida académica, depois de várias experiências como professor e formador. Enquanto jornalista, desde cedo se afirmou pela sua competência e sentido da responsabilidade social da profissão. Desde sempre cedo também, Adelino Gomes revelou-se, essencialmente, como repórter, tendo o seu nome indelevelmente ligado, por exemplo, à cobertura de acontecimentos como o 25 de Abril de 1974, o 11 de Março de 1975 e a guerra civil em Timor (na televisão), mas também a programas como o PBX ou o Página 1 (na rádio). Um repórter no que esta expressão contém de mais digno – respeito pela verdade e interesse pelos factos, pelas pessoas e pela vida, ou seja, por aquilo que é a matéria-prima essencial da informação jornalística, encarada como um serviço prestado àqueles que constituem os destinatários e os potenciais beneficiários do nosso trabalho: os

leitores, os ouvintes, os telespectadores. O Prémio Gazeta de Imprensa foi atribuído a Sofia Lorena, do Público, pelo notável conjunto de reportagens sobre o Iraque em que, num estilo vivo e fluente, ressalta uma informação humanamente muito rica e diversificada, construída recorrendo à valorização da cor local, à atenção ao significado do pormenor, à prioridade dada ao contacto directo e enriquecedor com as pessoas e superiormente ilustrada com as imagens do repórter fotográfico Nuno Ferreira Santos. O Prémio Gazeta de Rádio foi atribuído a Carlos Júlio, da TSF, pela sua reportagem “A terra a quem a trabalha”, um útil, actual e significativo exercício de recuperação da memória, com base em depoimentos de protagonistas de – sublinha o autor - “um tempo ainda hoje muito polémico na sociedade portuguesa” - a Reforma Agrária.


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O Prémio Gazeta de Televisão foi atribuído a Ana Sofia Fonseca pela reportagem emitida na SIC “O meu nome é Portugal”, que conta a história de uma criança moçambicana trazida para Portugal como “mascote” por soldados portugueses regressados da guerra colonial, da sua posterior vida de abandono e privações, da sua saudade de uma mãe e de uma pátria de que já mal se lembrava e, finalmente, do regresso e do reencontro ambicionados. Nesta e noutras reportagens enviadas a concurso, Ana Sofia Fonseca não faz entrevistas – cria personagens. E concretiza-o numa linguagem em que palavras, música e imagem convergem e mutuamente se potenciam numa narrativa plena de sensibilidade e criatividade. As imagens são da autoria do repórter Paulo Cepa. Edição de imagem: Luís Gonçalves.

O Prémio Gazeta de Fotografia foi atribuído a Rodrigo Cabrita, da Global Imagens, pela foto publicada no Diário de Notícias “Amor e sofrimento na hora do Adeus”, captada na vigília que precedeu o funeral de José Saramago, em que a figura jacente do escritor e o rosto de dor e ternura de Pilar compõem uma imagem bela, comovedora e, simultaneamente, de grande sentido jornalístico. O Prémio Gazeta Revelação foi atribuído a Clara Silva, do jornal i, pela maturidade da escrita, pelo precoce domínio das técnicas jornalísticas e pela versatilidade demonstrada no tratamento de temáticas tão diferentes como os perfis humanos presentes em “Amor e uma autocaravana” ou a viagem surpreendente ao mundo de onde emerge “Ketamina, a nova droga”.

fundado em 1935, e a difusão em toda a região, reflectem a solidez do projecto. O Prémio Gazeta Multimédia não foi atribuído por ausência de trabalhos a concurso. Composição do Júri: Eugénio Alves (CJ), Daniel Ricardo (CJ), Elizabete Caramelo (docente universitária), Eva Henningsen (Associação de Imprensa Estrangeira em Portugal), Fernando Cascais (docente universitário), Fernanda Bizarro (free-lancer), Fernando Correia (jornalista e docente universitário), Jorge Leitão Ramos (crítico de cinema e televisão), José Rebelo (docente universitário) e José Manuel Paquete de Oliveira (sociólogo e docente universitário).

A Direcção do Clube de Jornalistas atribuiu o Prémio Gazeta de Imprensa Regional ao Semanário Região de Leiria. A qualidade do projecto jornalístico, evidente nos textos, na paginação, na fotografia, na diversidade dos temas abordados é um sinal de qualidade do Região de Leiria no panorama da Imprensa Regional. A já longa história do jornal, JJ|Jul/Set 2011|37


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Jornal | Prémios Gazeta

MÉRITO

Adelino Gomes Adelino Gomes, jornalista (reformado, continua a exercer a profissão em regime livre), doutorou-se, em Julho passado, em Sociologia. É investigador no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), do ISCTE-IUL, no âmbito do qual integrou a equipa, coordenada por José Rebelo, responsável pelo trabalho que culminou no livro Ser jornalista em Portugal. Perfis sociológicos, editado recentemente pela Gradiva. A mesma equipa prepara nova investigação sobre o perfil da nova geração de jornalistas. Iniciou a carreira de profissional de rádio em 1966, no Rádio Clube Português (Serviço de Noticiários e programa PBX, entre outros). Passou pela Rádio Renascença onde integrou a equipa do Página 1. Afastado do programa por ordem da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, por motivos relacionados com a emissão de um comentário sobre o assalto de um comando palestiniano à aldeia olímpica de Munique, ingressou na Deutsche Welle em Janeiro de 1973. De regresso a Portugal, em Setembro desse ano, exerceu funções de secretário de redacção na revista Seara Nova. A seguir ao 25 de Abril, voltou ao Serviço de Noticiários do RCP, de que foi o primeiro chefe de redacção 38 |Jul/Set 2011|JJ

eleito. Após breve passagem pela RTP, regressou à rádio, entretanto nacionalizada. Em 1979, os trabalhadores elegeram-no seu representante (nunca tomou posse do cargo) na Administração da RDP, empresa pública na qual foi Director de Informação entre Novembro de 1995 e Julho de 1997. Foi, em 1989, um dos fundadores do Público (sucessivamente redactorprincipal, director-adjunto e, de novo, redactor-principal). Despediuse desta empresa em Maio de 2008, após o que cumpriu um mandato de dois anos como provedor do ouvinte da RTP (RDP). Leccionou na Escola Superior dos Meios de Comunicação Social (1975/81), na Escola Superior de Jornalismo do Porto (1986) e na Universidade Autónoma de Lisboa (1992-2002). Formador no CENJOR e no centro de formação da RDP, deu cursos em Cabo Verde, na GuinéBissau, Moçambique e Macau, e coordenou o I Curso de Formação de Jornalistas da TSF (cooperativa de que havia sido um dos fundadores). Membro da Direcção do Sindicato dos Jornalistas entre 1979 e 1981, foi coordenador do II Congresso dos Jornalistas Portugueses (1986) e membro da Comissão de Redacção do III (1998). Fez parte de conselhos de redacção na RTP, RDP e Público. É autor de As flores nascem na prisão – Timor-Leste, ano 1 (2004) e co-

autor, entre outros, de Os dias loucos do PREC (2006, com José Pedro Castanheira, edição conjunta Expresso-Público) e Carlos Gil - um fotógrafo na revolução (2004, também editado em DVD numa realização de Ivan Dias, Duvídeo-ZON). Fez, com Paulo Coelho e Pedro Laranjeira, para o programa Limite, da Rádio Renascença, a reportagem das operações militares em Lisboa no dia 25 de Abril de 1974, a qual deu origem ao duplo álbum “O dia 25 de Abril”. Recebeu, ao longo da carreira, cerca de duas dezenas de prémios.

IMPRENSA

Sofia Lorena «A 1 de Outubro completam-se dez anos desde que comecei a estagiar no Público, na secção de Internacional. Cheguei logo depois do 11 de Setembro e uma semana antes de os Estados Unidos começarem a bombardear o Afeganistão dos taliban. Já tinha carteira profissional. Antes da universidade (Ciências da Comunicação, na Nova), só tinha publicado textos em jornais e revistas escolares, mas durante o curso passei pela Vida Rural e pelo Correio Agrícola, onde aprendi sobre pêra rocha e tractores, mas também percebi que não conseguia fazer jornalismo em part-time. «Em 2001 comecei no jornalismo a


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tempo inteiro. Guerra no Afeganistão. Em 2002 adivinhava-se a do Iraque e isso mesmo ficou escrito nos meus contratos a prazo. Estive no Iraque pela primeira vez em 2003, meses depois da invasão anglo-americana, a tempo do anúncio de que Saddam Hussein tinha sido capturado, a tempo de ver o país começar a desmoronar-se. Nos anos seguintes, fiz todas as viagens que pude fazer. Viajar para longe, entrevistar pessoas em sítios diferentes, conversar com elas. E contar, por escrito, as suas histórias. Passar a vida a aprender coisas novas. Foram os primeiros motivos que me levaram a querer ser jornalista. «Com as viagens, confirmei que viajar e entrevistar pessoas e contar as suas histórias, dar a conhecer pessoas umas às outras, distantes mas nem tanto, tendo sempre em comum o suficiente para nos conseguirmos pôr no lugar delas, era algo que valia a pena fazer da vida. Não pude voltar ao Iraque que entretanto era um inferno. O ano passado, 20 anos depois do nascimento do Público e de Saddam ter invadido o Kuwait, sete anos depois de lá ter passado cinco semanas, pude por fim voltar.»

RÁDIO

Carlos Júlio «Nasci em Grândola em 1956. Frequentei a escola primária em Pinheiro da Cruz, onde o meu pai era funcionário público e a minha mãe professora. Mais tarde ainda estudei em Colos, a terra do meu pai, no concelho de Odemira, mas acabei o antigo curso dos liceus em Beja, em 1973. Já em Lisboa, frequentei diversos cursos, desde a Faculdade de Direito ao Instituto Superior de Psicologia Aplicada, mas o 25 de Abril fez que andasse num “rebuliço” entre 1974 e 1978, altura em que me inscrevi na Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa. «Em 1980 entrei para a RDP/Antena 1 (Lisboa) como estagiário. Ali estive até 1990, tendo integrado, sobretudo, equipas de reportagem, quer da redacção, quer de programas específicos como o “Praça Pública” e o “Ver, Ouvir e Contar”, coordenados por Emídio Rangel. «Foi com uma reportagem emitida no âmbito do “Ver, Ouvir e Contar” – “24 Horas na vida de um desempregado” - que ganhei em 1984, em conjunto com Emídio Rangel e Carlos Carvalho, o Prémio Gazeta de Jornalismo, na categoria Rádio. «Em 1986 fiz parte da equipa que fundou a Rádio Ribatejo, em Santarém, a primeira rádio criada pela TSF – cooperativa de

profissionais de rádio – que teve um papel relevante no movimento das rádios livres em Portugal e que conduziu à liberalização do espectro radiofónico. «Em 1990 ingressei no quadro da TSF, onde permaneço, embora tenha saído de Lisboa em 1992 e fixado residência no Alentejo (Castro Verde e Évora). Entre 1996 e 2000 fui também director da Revista e do Jornal Imenso Sul (semanário), com sede em Évora. «Durante todo este período tenho realizado as mais diversas reportagens em cenários de conflito como Guiné-Bissau (guerra civil); exJugoslávia; Kosovo; Timor-Leste e em quase todos os países de Língua Oficial Portuguesa, bem como em diversas regiões do país. «Já este ano, em Março, foi-me atribuído o Prémio “Jornalistas pela Igualdade, Saúde, Cidadania e Desenvolvimento”, instituído por diversas entidades, como a Associação para o Planeamento da Família (APF), a Associação das Nações Unidas – Portugal (ANUP), o Conselho Nacional da Juventude (CNJ), o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) e Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), por uma reportagem sobre a “Sida na Guiné Bissau”, realizada no ano passado, no âmbito do Ano Internacional contra a Sida.» JJ|Jul/Set 2011|39


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Jornal | Prémios Gazeta

TELEVISÃO

Ana Sofia Fonseca Ana Sofia Fonseca é jornalista freelancer. Actualmente, faz reportagens para a SIC e coordena o programa “Histórias Com Gente Dentro”. Tem colaborado com o Expresso, onde assinou as rubricas “Lomofonia” e “Princesa Diana”, com a Sábado, a Egoísta e o Diário Económico. Começou a trabalhar em 1999, no jornal A Capital, e integrou a equipa de órgãos de comunicação social como a revista Grande Reportagem e o semanário SOL. Algumas das suas reportagens foram distinguidas pelo Prémio AMI - Jornalismo Contra a Indiferença. Recebeu também o prémio Jornalismo, Direitos Humanos e Integração, da Comissão Nacional da UNESCO e do Gabinete de Meios de Comunicação Social. É autora dos livros Barca Velha – Histórias de Um Vinho e Angola, Terra Prometida.

FOTOGRAFIA

Rodrigo Cabrita Rodrigo Antunes Cabrita nasceu em 18/11/1977. Estudou fotografia no AR.CO de 1999 a 2001, ano em que estagiou 3 meses no Diário de Notícias. Seguiu-se um estágio no jornal O Jogo por mais 3 meses. Permanece como colaborador até 40 |Jul/Set 2011|JJ

inicio de 2002. Nesse mesmo ano regressa ao DN e por lá permanece até inicio de 2010, tendo sido transferido do Gab. Fotográfico do DN para a agência Global Imagens, que congrega todas as secções de fotografia do grupo Controlinveste, onde permanece até hoje. Em 2008 entra para o colectivo fotográfico 4SEE photographers. Principais prémios: 3º prémio no concurso europeu de fotografia sobre saúde e segurança no trabalho com imagem de pescadores, em 2009; 1º prémio concurso de Cascais com retrato de Nadir Afonso, em 2009; 2º prémio na Bienal de Sintra 2009, com imagens de Nova Iorque; 1º prémio na categoria Reportagem no concurso de fotojornalismo da Visão 2008 com trabalho sobre a Comunidade Vida e Paz; Menção Honrosa na categoria Desporto no concurso de fotojornalismo da Visão 2007 com imagem do Sporting-Porto; Menção Honrosa na categoria Reportagem no concurso de fotojornalismo da Visão 2007 com trabalho da campanha de Cavaco Silva; Menção Honrosa na categoria Desporto no concurso de fotojornalismo Fujifilm 2005 com imagem do Europeu 2004. Exposições: Entre o Público e o Privado - Retrato de Presidentes – 2010; Dimensões - 2011. Publicações em: Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Notícias Magazine, Notícias Sábado, Notícias TV, 24 horas, O Jogo, Volta ao Mundo, Evasões, A Bola,

Visão, AP, AFP, Le Monde, ABC, Les Temps, ESPN Magazine e uma foto nas melhores da semana no site da TIME.

REVELAÇÃO

Clara Silva Clara Silva tem 24 anos e trabalha no jornal i desde Março de 2009. Nasceu em Lisboa a 3 de Março de 1987 e, apesar das tentativas dos pais ambos jornalistas - para que escolhesse outra profissão, decidiu seguir esta carreira. Em 2008 terminou o curso de Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e fez um estágio curricular na revista Time Out Lisboa. Trabalhou também na redacção da agência de comunicação e design 2034. Decidiu candidatar-se a um estágio no jornal i em 2009 através de provas virtuais e presenciais. Integrou a equipa fundadora do jornal e, desde então, trabalha na secção de cultura e tendências, o Mais. Desde reportagens sobre as drogas da moda nas festas a roteiros de petiscos, os temas dos seus artigos são variados. Entre Maio e Julho deste ano viveu em Barcelona, onde trabalhou como gestora cultural na plataforma de artistas Gracia Arts Projects, ao abrigo do programa Leonardo Da Vinci. Durante esse tempo continuou a colaborar com o suplemento de livros e viagens do i, o LiV.


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IMPRENSA REGIONAL

‘O Região deLeiria’ «O REGIÃO DE LEIRIA foi fundado em 1935 por José Baptista dos Santos. Nasceu como jornal de anúncios, gratuito, através do qual se pretendia contribuir para “avolumar consideravelmente as transacções do comércio e indústria da região de Leiria”, conforme se podia ler na primeira página da primeira edição. A vertente informativa era secundária e assegurada através de textos de outros jornais. «Quatro anos depois da sua fundação, o REGIÃO DE LEIRIA deixou de ser gratuito e passou a custar 1 escudo. Na década de 70 aumentou o preço para quatro escudos e na década de 80 para 25. Os cortes graduais no porte pago têm obrigado a aumentos sucessivos do preço e, actualmente, o jornal custa 1,10 euros em banca e 38 euros na assinatura para território nacional. «As décadas de 40 e 50 caracterizaram-se pela passagem do jornal ao formato broadsheet e por alterações diversas, ainda que pouco profundas, do cabeçalho. Durante o Estado Novo, o REGIÃO DE LEIRIA manteve-se fiel aos seus propósitos e cumpriu os seus objectivos de promover as actividades da região, sobretudo o comércio. «Em 1966, o jornal mudou, pela primeira, vez de director, ficando sob a orientação de José Ângelo Baptista,

filho do fundador. O figurino herdado mantém-se, todavia permanece sem jornalistas e preenche as suas páginas, sobretudo, com textos de opinião. No entanto, é, sob esta direcção que em meados da década de 70 se introduz a impressão em offset. «A primeira grande mudança do ponto de vista editorial só viria a acontecer no início da década de 90. Com a chegada de uma nova directora, Lucínia Azambuja, neta do fundador, percebeu-se que era necessário clarificar as fronteiras entre informação e opinião e que a qualidade de um jornal se media pela qualidade dos seus jornalistas. «A nova directora lançou-se à descoberta de novos talentos, apostou na qualificação dos jornalistas e constituiu uma redacção profissional. A ela se deve, então, o abandono do espírito amador que caracterizava as redacções da época, e também a adesão às novas tecnologias e a passagem para impressão em rotativa. «Em 1996, o jornal passou da família Baptista para o seio de um grupo também ele familiar, mas com forte vocação económica: o Grupo Lena. Fruto desta integração, o REGIÃO DE LEIRIA foi alvo, logo no ano seguinte, de profundas alterações. Desde o cabeçalho ao formato (tablóide), passando pelo grafismo, tudo foi alvo de mudança. O projecto gráfico foi da autoria de

Eduardo Aires. «Todas estas alterações se consolidaram com a mudança de direcção no ano seguinte, em 1998. Francisco Rebelo dos Santos assumiu o comando do jornal e mantém-no até aos dias de hoje. «A mudança de paradigma na comunicação tem afectado o REGIÃO DE LEIRIA, da mesma forma que tem atingido todos os outros órgãos de informação. O jornal decidiu, no entanto, não baixar os braços e continua a evidenciar, no distrito de Leiria, valores de circulação (divulgados pela APCT) superiores a todos os outros regionais de Leiria e até mesmo a todos os nacionais. «Com a convicção de que preenche um espaço público único, fundamental para a vida em democracia, o REGIÃO DE LEIRIA continua empenhado na sua missão de informar os leitores e de promover a discussão dos aspectos mais importantes da vida em comunidade. Ao mesmo tempo, no seu espaço publicitário, procura formas inovadoras e eficazes de gerar tráfego de contactos e negócios para os anunciantes. «Em Outubro de 2010, quando comemorou 75 anos, decidiu renovar-se do ponto de vista gráfico e editorial, acreditando com isso reunir melhores condições para continuar a ser a primeira escolha em informação e publicidade, na região onde se encontra.» JJ|Jul/Set 2011|41


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Jornal

Reunião magna dos Clubes europeus

Além do país anfitrião e de Portugal, também Espanha, ste ano calhou-me a mim a Alemanha, Polónia, Inglaterra, orgulhosa tarefa de Áustria, Bélgica e Suíça marcaram representar o Clube de presença neste encontro que serviu Jornalistas português na reunião para uma troca intensa de opiniões e magna da Federação Europeia de partilha de ideias sobre a profissão e Clubes de Jornalistas. Aconteceu às sobre as novas formas de comunicar. portas do Verão em Lyon, França. Por outro lado, em Lyon O anfitrião Club de Presse de fecharam-se portas a alguns países e Lyon escolheu como abertura de abriram-se janelas de oportunidade a programa um colóquio no qual outros. De acordo com o que foi estudantes franceses e profissionais transmitido no encontro, o Clube de internacionais debateram em Jornalistas de Milão, em Itália, conjunto a fiabilidade das fontes na “desapareceu” em 2003 ou seja, internet e a rapidez com que, na Era desde essa data que não voltou a da tecnologia, a informação é comunicar com a Federação ou a veiculada, muitas vezes sem que o responder às diversas e sistemáticas jornalista tenha tempo para verificar tentativas de contacto. Por a autenticidade da unanimidade, esta As associações mesma. associação foi excluída de jornalistas (Um do exemplos da Federação, que abriu europeias transmitidos foi a portas a dois novos encontraram montagem de uma clubes: o da Bélgica, imagem de Bin Laden que formas diferentes sediado em Bruxelas e o correu o mundo mas que, da Polónia. de sobreviver à na realidade, se tratava Lamentavelmente e crise que alastra apenas disso: de uma após 23 anos de pela Europa. montagem e não de uma existência, o Clube de imagem real. As Jornalistas de Barcelona televisões, a blogosfera e todos os portais foi obrigado a encerrar portas. multimédia não recearam reproduzir a Financiado pela autarquia e com dita imagem, em milésimas de segundo. patrocínios diversos, e numa época Não havia tempo a perder para verificar em que Espanha se vê forçada a a autenticidade da mesma. Se a estação X reduzir despesas, o governo a divulgou, a Y também a quis e, a partir autónomo da Catalunha cortou de então, entrou-se num esquema apoios. parecido com um dominó). Neste encontro e de forma informal, os diversos países trocaram impressões entre si sobre as suas associações e modos de funcionamento, e é de registar que

Texto Sofia Rato

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muitos clubes de jornalistas na Europa são patrocinados pelas mais diversas entidades, com transparência e sem qualquer intenção subjacente. Na Bélgica, por exemplo, as empresas associadas à organização pagam uma quota e podem usufruir das instalações do clube entre três a quatro vezes por ano para organizarem eventos de natureza empresarial. As associações de jornalistas europeias encontraram formas diferentes de sobreviver à crise que alastra pela Europa. Alguns clubes aceitam empresários, diplomatas e advogados como associados, embora estes tenham um estatuto diferente dos associados jornalistas, ou acolhem correspondentes estrangeiros e integram-se com a imprensa estrangeira. Outros abrem portas às empresas e a instituições que os queiram apoiar. Em Portugal, se calhar era altura das organizações apoiarem com orgulho o Clube de Jornalistas, onde curiosamente todo o trabalho é desenvolvido em regime de voluntariado, o que surpreendeu os nossos congéneres europeus na medida em que todos eles são, de alguma forma, remunerados. JJ


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Jornal | Debates

DEBATE NO D.MARIA II SOBRE JORNALISMO DE TEATRO

Palcos portugueses cada vez menos na ribalta dos media O encontro, organizado pelo Teatro Nacional D. Maria II, em Maio, foi sobre "jornalismo de teatro", uma designação estranha, embora se compreenda que aponta para um nicho dentro de um feudo já de si bastante particular, o jornalismo cultural.

Texto Carla Baptista

s cinco jornalistas presentes, Miguel Andrade (SIC), Ana Dias Ferreira (Time Out), Inês Nadais (Público), Cristina Margato (Expresso) e Rui Lagartinho (RTP) dedicam toda a sua actividade profissional ao acompanhamento de eventos teatrais, indicando uma enorme especialização neste ramo do jornalismo. A proposta era debater quem são os jornalistas de teatro, quais as suas motivações e formação, e quais as políticas editoriais dos diversos meios de comunicação social quando divulgam o trabalho de palco. A primeira pergunta é fácil de responder: são poucos e podemos contá-los pelos dedos. Não estarão bem em extinção, como atesta a juventude dos convidados, mas é um facto que o espaço dedicado à cultura diminuiu em todos os jornais, afectando a cobertura jornalística dispensada às artes em geral. É convicção dos organizadores do debate, moderado por Miguel Abreu, que o teatro e a dança são as áreas mais sacrificadas, tendo cada vez menos visibilidade nas páginas da imprensa e quase desaparecendo dos telejornais. Esta subalternização, motivada nuns casos pelo desaparecimento ou emagrecimento da secção de cultura, noutros pelo destaque que nos suplementos culturais é dado ao entretenimento, incluindo a televisão, deixa muitas companhias de teatro fora do espaço dos media. E estes, concordaram todos, ainda

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são importantes na determinação das escolhas das pessoas em relação aos espectáculos a que irão assistir. Foi mais difícil responder à segunda pergunta lançada pelo moderador: "o que é preciso existir num objecto teatral para que seja escolhido pelos meios de comunicação e se torne notícia?".

Ninguém tinha resposta muito reflectidas: "sensibilidade e bom senso", disse Cristina Margato, adiantando que no Expresso, apesar da junção das áreas Teatro e Dança que agora partilham uma secção (aliás, diminuta no conjunto do Cartaz), os jornalistas da secção (apenas duas) ainda gozam de


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"liberdade para fazer entrevistas mais longas e trabalhos de fundo, se acharem interessante e adequado". Inês Nadais, editora do Y, lembrou que o número de páginas do suplemento é determinada pelo número de páginas ocupadas pela publicidade, e depois se negoceia de forma mais ou menos "intuitiva" sobre quais são os temas e as artes que as vão ocupar. Foi a única oradora preocupada em sublinhar que o tratamento da área teatral "não pode ser reduzida ao noticiário sobre as estreias, existe uma realidade política e artística que também deveria ser objecto de atenção jornalística". Ana Dias Ferreira não se queixou da falta de espaço - a Time Out, graças a um empenhamento pessoal

O espaço dedicado à cultura diminuiu em todos os jornais, afectando a cobertura jornalística dispensada às artes em geral

ISABEL ROSA

seu na altura do lançamento da revista, garante 5 páginas para as ditas estreias - mas referiu a leveza da maioria dos textos: "até como leitora, sinto falta de poder ler trabalhos maiores e mais profundos. Dizem-nos que as pessoas preferem os textos curtos, mas na verdade não tenho a certeza. Acho que ninguém tem". Os dois jornalistas de televisão trouxeram porventura a realidade mais crua: raramente as estações passam peças com mais de 2 minutos, onde é difícil encaixar uma narrativa complexa que, quase sempre, envolve contar um pouco da história do texto dramático, falar da especificidade do projecto e ainda apresentar alguns protagonistas, como o encenador e/ou actores. Rui Lagartinho sublinhou o poder da televisão: "mesmo uma peça com 2 minutos na jornal da RTP2 chega a 250 mil pessoas, e dou-me por satisfeito se fixarem que vai estrear aquela peça, naquele teatro, com aquela equipa". Miguel Andrade elogiou o facto das companhias teatrais terem compreendido que a linguagem televisiva envolve exigências relacionadas com a imagem e programarem ensaios específicos para quem leva câmaras. "Já evoluímos muito em relação aos tempos em que as companhias nos diziam, na véspera, que iam estrear". Quanto aos critérios de selecção, além de se aplicarem os mesmos valores-notícia que nas restantes áreas do jornalismo, "tentamos rodar, alternar a grande produção com um espectáculo mais alternativo". Mas reconheceu que os métodos de trabalho dos jornalistas de teatro, essa "espécie esquisita que na redacção ainda é olhada como uma ave rara quando pretende mais espaço para escrever", nas palavras de Cristina Margato, são diferentes: "Há muito tempo que não me lembro de um directo relacionado com um tema de cultura". JJ JJ|Jul/Set 2011|45


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Jornal | Debates

JORNALISMO NARRATIVO EM DEBATE NA LUSÓFONA

É preciso “viver o jornalismo” e procurar as “grandes histórias” Perante uma plateia de estudantes de jornalismo, muitos dos quais finalistas, três representantes do jornalismo narrativo em Portugal pintaram um quadro negro das hipóteses de acesso à profissão. Ainda assim, os jornalistas José Vegar, Ana Sofia Fonseca – recentemente galardoada com o Prémio Gazeta de Televisão - e Ricardo J. Rodrigues reforçaram a ideia de que o importante é não desistir e deixaram pistas sobre como sobreviver contando “estórias”.

Texto Sara Cabral e Soraia Neto*

O ex-jornalista do Expresso defendeu ainda que o caminho da reportagem será um dos poucos que poderá ajudar no futuro os jovens jornalistas, pelo que, sublinhou, “contar ao detalhe uma realidade que até pode estar do outro lado da rua” pode ser a solução para aqueles que têm realmente vocação. José Vegar aconselhou: “Tragam para as redacções aquilo que as redacções precisam”.

dos alunos que estão aqui nunca vão trabalhar no jornalismo”, desafiou José Vegar no início da sua intervenção, justificando que “as redacções não precisam de vocês”. Para o freelancer, um dos maiores erros que os licenciados em jornalismo cometem é o de se considerarem, à partida, jornalistas. “Vocês detêm, sim, um conjunto de JORNALISTAS TÊM competências adquiridas na QUE SE INQUIETAR Universidade”, declarou. Menos alarmistas do que o seu Ideias partilhadas na conferência “O Jornalismo Narrativo nos Media”, camarada de profissão, Ricardo J. Rodrigues e Ana Sofia Fonseca que teve lugar a 24 de Março, deixaram mais organizada pela É imperativo conselhos para os licenciatura em suscitar a futuros licenciados. Comunicação e curiosidade do Ambos os jornalistas Jornalismo da leitor, para que frisaram que a Universidade curiosidade é, para Lusófona, em Lisboa. este não se todos os profissionais de Os convidados perca a meio de convergiram na visão uma reportagem. comunicação, uma das características mais do jornalismo narrativo importantes. “Os jornalistas têm que como uma possível alternativa para se inquietar e a nossa curiosidade contornar a crise actual dos media. tem que ser permanente”, afirmou “O jornalismo narrativo é um dos Ana Sofia Fonseca. A também mercados mais conceituados do jornalista freelancer, autora das mundo”, contextualizou José Vegar, reportagens da SIC “Histórias com acrescentando que as grandes gente dentro”, explicou que o reportagens que integram este jornalismo narrativo exige que se género “são histórias reais que conheça o “mundo e as pessoas” pois traduzem a realidade complexa do só assim é possível “transportar os nosso mundo”, pelo que “não leitores para uma realidade que eles deviam ser tão desprezadas pelo não conhecem mas que nós jornalismo português”.

“90%

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dominamos”. “É isso que faz de vocês jornalistas”, concordou Ricardo J. Rodrigues. Para o jornalista e professor universitário, hoje em dia é indispensável “fazer a diferença em relação aos jornalistas que trabalham nas redacções das 9h às 17h”. Ricardo J. Rodrigues aconselhou a plateia a “viver o jornalismo” e a procurar as “grandes histórias”. “Precisamos que as pessoas se revelem”, notou, e para isso “temos que viver como elas vivem e pensar como elas pensam”. Desta forma, descreveu, o jornalismo “torna-se um prolongamento de nós próprios”. Separando o jornalismo narrativo da ficção, os jornalistas ainda tiveram tempo para mostrar que é imperativo suscitar a curiosidade do leitor, para que este não se perca a meio de uma reportagem. Ana Sofia Fonseca recomendou aos estudantes que não se limitem a referir factos mas que captem, e passem para o papel, todos os aspectos que vivenciaram no processo de recolha de informação. “Os sons, as cores e os cheiros” são importantes para que o leitor receba todos os condimentos da reportagem. “Uma mais-valia é ter uma história vivida e saber contála”, rematou. JJ

Licenciatura em Comunicação e Jornalismo da ULHT*


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Jornal | Livros

Jornalistas. Pais e Filhos

Este livro fala de nós Texto Adelino Gomes

ste livro fala de nós. Não é que seja incomum, livros sobre jornalistas. Raro, é livros em que jornalistas falam de si mesmos. E mais raro ainda é livros em que jornalistas falam de si mesmos levantando a cortina íntima da vida que viveram (nalguns casos mais felizes: da vida que ainda vivem) numa casa…de jornalistas. Talvez não devesse ser tão raro. Mas é desta maneira que a maior parte de nós gosta: evitar ao máximo expormo-nos assim em público, na nossa intimidade – para mais familiar. Penso que isto faz parte dos genes da profissão. Seja aqui, seja em França, seja nos Estados Unidos, seja, presumo, em qualquer outra parte do mundo onde haja a profissão organizada. Acrescento às razões de bom gosto e de ética, uma mais, que pessoalmente sempre pesou bastante sobre o meu próprio olhar sobre esta questão, que considero essencial: nós já pomos tanto de nós – mesmo sem querermos – em cada ocorrência que transportamos do anonimato para o espaço público, em cada linha que dela escrevemos, que a partir de certa altura (e não é preciso trabalharmos na televisão, nem na rádio, o mesmo acontece com os jornais) que a certa altura, dizia, leitores, ouvintes, telespectadores conhecem de nós coisas que não se compreende como chegaram a ter delas conhecimento. Isto para não referir aqueles que julgam conhecer de nós coisas que nada têm a ver connosco. Ou ainda (e esse é um dos lados embaraçosos desta situação) que sabem coisas que nós julgamos não terem nada a ver

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connosco e afinal constituem a imagem que de nós projectam para o exterior o nosso discurso, os nossos comportamentos, a nossa postura. Nestas circunstâncias de grande e contínua exposição pública, estarmos a andar por aí a falar da nossa vida privada soa-me, permitam-me o termo, algo obsceno. Estamos, pois, diante da excepção que confirma a regra. Jornalistas falam de jornalistas. Dando-se o caso, porém, de os jornalistas que falam, serem filhos, netos dos jornalistas de quem falam. Esta é a particularidade que torna a ideia original, brilhante… e criadora de frustração e invejas várias (vão já perceber a que é que estou a referir-me). Para isso, autorizo-me também eu a contar uma história. Que mete pai e filhos. E a intimidade de um lar. Hora de almoço…Estrada de Benfica, 300 e tal, 2º esquerdo… O pai, lá das distâncias onde a profissão o retém no dia a dia, repara que os filhos se aproximam da idade da escolha da via académica,

momento que normalmente marca, ou pelo menos aponta, um futuro profissional…. Os dois filhos, um após o outro, dizem o que pensam seguir. Não muito convictos, mas lá dizem. Encorajado pelas hesitações e por uma certa abrangência das opções, o pai ainda esboça um tímido… - E jornalismo, não achas que podia ser interessante? - Jornalismo, baaah…, responde o mais velho. Lembro-me bem desse dia, como já perceberam. Do dia em que, humilhado, perdi, para todo o sempre, esta oportunidade que aqui celebramos. E em que fiquei vulnerável ao pecado da inveja – a inveja dos pais que aqui são invocados. Sim, desculpem-me os autores: de quem tenho inveja é mesmo dos pais e avós que lhes inspiraram estes testemunhos. Inveja de não ter ninguém que escreva frases tão tocantes como estas que vou respigando…. “Herdei. Herdei os sonhos. Herdei a correcção. Herdei o rigor.” (Bárbara, sobre o pai, João Alves da Costa, e o avô, Aurélio Márcio); “Pai de sangue. Ídolo. Herói. Professor. Mestre. Conselheiro.” (José Manuel Freitas, sobre o pai, Amadeu José de Freitas). Ou esta definição, que é todo um poema feito por duas meninas que podiam ter ido para bailarinas, cantoras, actrizes, antropólogas mas acabaram uma e a outra por seguir jornalismo, apesar da fasquia tão alta que se lhes erguia lá em casa (“podia morrer nos teus olhos, amada rádio”). Escrevem elas, a Miriam e a Oriana: “Ele fez tudo na rádio: fotografia, cinema, poesia, filosofia. Romance.”


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(evocando o pai, Fernando Alves) Não resisto, por fim, a ler-vos Podia prosseguir, tantos são os esta cena do filho que faz, com o pai, exemplos citáveis neste livro. uma Volta a Portugal, ambos como Fico-me apenas por mais três (até enviados especiais de A Bola. para vos fazer crescer água na Conta ele: “Tenho ainda hoje, no boca…). meu gabinete, uma fotografia O primeiro é o de um menino extraordinária que o Simão Freitas, que vai de mão dada com o pai. Este nosso grande amigo e grande de chapéu, ele de risca à esquerda. profissional, nos tirou, escrevendo, Por vezes entram ao mesmo tempo. cada qual no seu canto de mesa, no O menino, na escola. O pai, no Palace Hotel da Curia, a prosa para a jornal. edição do dia seguinte”. Escola primária número Pai e filho, numa mesma tantos, dizia a porta da reportagem, o género rei escola. do jornalismo. Irmãos, Desculpem-me Diário de Lisboa, dizia camaradas, os autores: de quem a fachada do jornal. companheiros no tenho inveja é mesmo - É uma escola?, mesmo ofício de dos pais e avós perguntou uma vez o contar a história que lhes inspiraram menino ao pai, da porta daquele dia na Volta. estes da dele. Victor, sobre Homero testemunhos - Se quiseres, respondeu Serpa. o pai. Felizes os jornalistas Uma antologia jornalística em que além de serem pais/mães/avós, cinco palavras: três do menino, geraram jornalistas que quiseram Artur; duas do pai, Artur. Portela. vir ao espaço público dar a O exemplo seguinte resgato-o de conhecer momentos, facetas, um caso raro: um filho que acaba histórias da mais tenra idade. As também por ser subordinado, a quais se constituíram em momentos quem ouviremos dizer, no final desta fundadores da carreira de jornalista revisitação do passado comum em que os filhos/netos haveriam de casa e numa redacção: abraçar. “Parabéns, chefe, obrigado, Pai, por Parabéns avós, pais, filhos. teres sido o homem que tantos continuam Parabéns à Casa da Imprensa, a lembrar, neste tempo em que escasseiam pela iniciativa, que é uma os exemplos, e os valores, as mais das homenagem a estas duas dezenas e vezes, não passam de memória dos mais tal de profissionais mais antigos – e a velhos” (Silva Pires, filho de Fernando mais todos os outros que neste livro Pires – e já agora, acrescento eu, não figuram, certamente por sobrinho do Armando Pires) limitações de espaço ou outros obstáculos espero que do género, há, ainda, o imenso afecto que uma vez que sabemos que bastantes perpassa nestas duas frases mais foram convidados. com que um grande Parabéns ainda, deixem-me jornalista, homem que não acrescentar, a esta mesma Casa da conhecemos por andar por aí a Imprensa porque, mais de um século exteriorizar intimidades, se dirige à depois, apesar das muitas, agora mãe, falecida quando escrevia um enormes dificuldades, continua livro que por isso não chegará ao empenhada em distinguir a qualidade fim: (no prémio Norberto Lopes de “O que deverias ter escrito, era o Reportagem, que regressa hoje), e, ao verdadeiro romance da tua vida. Porque mesmo tempo, em cuidar da nossa agora, mãe, quem sou eu para o saúde (como acabamos de ouvir, nas escrever?” (João Paulo sobre Maria boas notícias que agora foram dadas), Carlota Álvares da Guerra). e do nosso bem-estar. JJ

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Jornalistas. Pais e Filhos CASA DA IMPRENSA / FRONTEIRA DO CAOS EDITORES

No âmbito das comemorações do seu 106º aniversário, decidiu a Casa da Imprensa lançar o seguinte – e feliz – desafio: colocar jornalistas a escreverem sobre os seus pais, que também são ou foram jornalistas. Daí nasceu este livro, publicado em colaboração com a Fronteira do Caos Editores. A apresentação de Jornalistas. Pais e filhos, realizada na Casa da Imprensa, em Junho passado, foi feita por Adelino Gomes, cujas palavras junto transcrevemos. O livro reúne textos de: Artur Portela, filho de Artur Portela; Bárbara Alves da Costa, filha de João Alves Costa e neta de Aurélio Márcio; Carlos Flórido, filho de Manuel Flórido; Isabel Silva Costa, filha de Silva Costa; João Gobern, filho de Appio Sottomayor; João Paulo Guerra, filho de Carlota Álvares Guerra; José Carlos Fialho, filho de Fialho de Oliveira; José Manuel Freitas, filho de Amadeu José de Freitas; Magda Viana, filha de Rui Cunha Viana; Miguel Correia, filho de Severiano Correia; Miriam Alves e Oriana Alves, filhas de Fernando Alves; Nuno Moura Brás, filho de Nuno Brás; Pedro Luíz de Castro, Mário Rui de Castro e Paulo Luíz de Castro, filhos de Joaquim Castro; Rui Tovar, filho de Rui Tovar; Sérgio Veiga, filho de Carlos Miranda; Silva Pires, filho de Fernando Pires; Sofia Rato, filha de Afonso Rato; Victor Serpa, filho de Homero Serpa.

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Jornal | Sites Por Mário Rui Cardoso > marioruicardoso@rtp.pt

http://newsosaur.blogspot.com/2011/06/newspaper-sales-crisis-enters-sixth.html

O colapso da imprensa americana ou talvez não s dados da Newspaper Association of America (www.naa.org), referentes ao primeiro trimestre de 2011, revelaram que a imprensa norteamericana entrou no seu sexto ano consecutivo de perdas, em receitas de circulação. As vendas cairam 9,5%, nos primeiros três meses do ano, para 4,7 mil milhões de dólares, o valor mais baixo desde 1983. Em apenas cinco anos, metade das receitas geradas pela venda de meios impressos evaporaram-se. Os proveitos com publicidade têm também vindo a reduzir-se. Em 2000, a imprensa norteamericana facturou 59 mil milhões de dólares, entre circulação e publicidade. Dez anos depois, o valor de facturação desceu para 38 mil milhões de dólares, menos 36%. Antes de 2008, parecia que estava a haver uma tendência sustentada de crescimento das receitas, mas a crise veio inverter essa progressão. No que se refere à publicidade, os jornais e revistas têm-se ressentido, essencialmente, de uma redução das receitas provenientes dos encartes e das companhias de telecomunicações. Outros dados parecem apontar para o declínio inexorável dos meios impressos, nos EUA. Multiplicaram-se os despedimentos, com especial destaque para a dispensa, em Junho, de 700 funcionários do grupo Gannett, o maior grupo de imprensa dos EUA, com 81 publicações periódicas (www.poynter.org/latestnews/business-news/the-biz-blog/136091/gannett-layoffs-are-aleading-indicator-of-a-permanently-shrinking-newspaperbusiness). O valor bolsista destes conglomerados jornalísticos depreciou-se, ao longo de todo o primeiro semestre (www.poynter.org/latest-news/business-news/thebiz-blog/137809/3-ways-things-went-wrong-for-newspapercompanies-in-the-first-half-of-2011). Além disso, os leitores continuam a transferir-se para a Internet. Um estudo da Havas Media (www.havasmedia.com), feito em França mas com resultados facilmente extrapoláveis para o conjunto

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dos países industrializados do Ocidente, concluiu que os consumidores de notícias passam, em média, 37 minutos na Internet a consultar informação, mais 15 minutos do que o tempo que dedicam aos meios impressos (www.mondaynote.com/2011/07/03/the-newfaces-of-digital-readers). Algo, no entanto, faz pensar que é demasiado cedo para decretar a morte dos jornais. Alan D. Mutter, editor do blogue Reflections of a Newsosaur (http://newsosaur.blogspot.com/2011/07/whynewspapers-cant-stop-presses.html), lembra que «quinze anos após o início da exploração comercial da Internet, os grupos editoriais ainda dependem das receitas de circulação e publicidade», uma vez que elas ainda representam 90% do total dos proveitos. Em 2010, o digital gerou ganhos de apenas 4 mil milhões de dólares, nos EUA. Ou seja, “parem as rotativas e as empresas de jornais acabam, tão simples quanto isso”, avisa Alan D. Mutter.


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http://listverse.com/2011/07/03/top-10-reasons-the-newspaper-is-dying

Os dez pecados mortais dos jornais yan Thomas enuncia, no “site” Listverse, as dez razões porque, na sua opinião, os jornais estão a morrer. “Eles deixaram de ser uma forma prática de receber informação”, considera. E é uma “indústria de velhos cães que se recusam a aprender novos truques”, acrescenta. Eis o decálogo fatalista de Ryan Thomas:

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10) Os jornais são feitos por e dirigidos a “gente idosa”. Adaptam-se mal à Internet e não parecem ter a mais pequena noção de como atrair os jovens; 9) Não há paixão no Jornalismo. A escrita é seca, repleta de lugares-comuns. Não há criatividade. O Jornalismo é “a transposição preguiçosa do conteúdo do gravador”; 8) Não há Jornalismo. As notícias não são relevantes. “Quanto daquilo que lemos realmente importa?”; 7) Os jornais não são práticos, ao contrário da Internet;

6) Custam dinheiro. “Porquê pagar por uma coisa que se pode obter gratuitamente na Web?” É o mesmo fenómeno que está a devastar a indústria discográfica; 5) Requerem literacia. “A maior das pessoas não gosta de ler (…) e já ninguém consegue sentar-se a absorver uma só coisa sem ser estimulado por 18 outras coisas diferentes”; 4) A produção dos jornais é cara, implica “muita tinta e muito papel”; 3) Os jornais continuam a ter a “pretensão de serem grandes negócios, pagando principescamente aos seus executivos”; 2) Com a televisão por cabo, “a leitura tornou-se obsoleta”. No cabo, as notícias conseguem-se “sem esforço e mais depressa”; 1) O imediatismo da Internet vai “matar os jornais”. Aliás, vai “matar a humanidade, porque as pessoas gradualmente deixam de estar umas com as outras”, conclui Thomas.

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Jornal | Sites

http://ajr.org/Article.asp?id=5022

Jornais e revistas sonham lucrar com os tablet inda é cedo para perceber que efeito terão os iPad e outros tablets na indústria das publicações periódicas, mas o comportamento actual dos utilizadores destes aparelhos permite alimentar algum optimismo dos grupos editoriais. Desde logo, os Ipad reintroduziram a ideia de que é natural pagar-se para ter acesso a um conteúdo digital, noção que está normalmente ausente do quadro mental de um utilizador da Internet. Num inquérito da Pew Internet & American Life Project (http://pewinternet.org), 21% de utilizadores de Internet afirmaram que adquiriram aplicações para os seus smartphones e tablets e 18% pagaram para ter acesso a jornais ou revistas nos tablets. Outro estudo, do Donald W. Reynolds Journalism Institute, da Universidade do Missouri (http://www.rjionline.org), apurou que a leitura de notícias é a utilização mais popular do iPad. Quase 80% dos participantes nesse inquérito declararam que passam, em média, 30 minutos por dia a ver notícias no tablet. Quando questionados sobre a razão porque adquiriram versões para iPad de jornais e revistas, a maioria respondeu que o fez por serem “mais baratas que as subscrições em papel”. Este apetite por ler notícias nestas novas plataformas parece estar a aumentar. Num inquérito da Forrester Research, 32% de utilizadores de tablets disseram que passaram a ler menos meios impressos (www.techzone360.com/topics/techzone/articles/191462tablets-changing-user-behavior.htm). Noutra sondagem, efectuada pela Online Publishers Association, 58% afirmaram que preferem a experiência de ler num iPad

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(http://onlinepubs.ehclients.com/images/pdf/MMF-OPA_— _Portait_of_Todays_Tablet_User_—_Jun11_%28FinalPublic%292.pdf). O comportamento dos utilizadores destes aparelhos está a ser escrutinado com curiosidade, mas com muita cautela também. É que, por enquanto, é maioritariamente a população que ocupa o topo da pirâmide social que detém os tablets, não sendo possível uma extrapolação de comportamentos para um público massificado. Além disso, existe o efeito novidade, que não pode deixar de ser tido em consideração. Quando foi lançada na versão para tablet, em Junho de 2010, a revista Wired (www.wired.com) vendeu logo cem mil downloads, a 4,99 dólares cada um. Mas seis meses depois, as vendas cairam a pique. O mesmo sucedeu com outras publicações. De modo que os tablets estão a ser encarados com alguma prudência. Aliás, a comercialização dos Ipad e afins tem crescido menos que a dos eReaders (www.pewinternet.org/Reports/2011/E-readers-andtablets/Report.aspx). Mas a crença nestes aparelhos, como oportunidade para a sustentabilidade financeira dos jornais e revistas, é inabalável. Neste momento, o acesso por tablets representa 1% do tráfico mundial na Web, um valor que tem vindo a crescer de forma sustentada (http://mashable.com/2011/07/05/ipad-web-traffic). Quanto à futura penetração destes aparelhos, a Online Publishers Association confia que, já no início de 2012, 23% de norteamericanos com acesso à Internet disporão de um iPad ou de outro gadget equivalente (www.lostremote.com/2011/06/23/nearly-one-quarter-of-u-s-toown-tablet-by-2012).


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https://plus.google.com

Google+ pode obrigar a repensar estratégias epois de anteriores experiências fracassadas, com o Wave e o Buzz, a Google volta a apostar na criação de uma rede social capaz de rivalizar com o Facebook e o Twitter. A nova plataforma, ainda em fase experimental, chama-se Google+ (http://techcrunch.com/2011/06/28/google-plus) e contém uma funcionalidade, os sparks, que pode vir a obrigar os meios de comunicação a repensarem as suas estratégias para as redes sociais. Além do fluxo de notícias normal, partilhado por todos – o news feed do Facebook, que se chamará stream, no Google+ –, a nova rede social permitirá uma modalidade de organização de notícias por tópicos de especial interesse para o utilizador, os sparks. Estes terão um motor de pesquisa associado a que os responsáveis da

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Google preferem chamar “motor de partilha”. Isto porque os critérios para a busca de informação, nos sparks, estarão estreitamente ligados a factores de popularidade e de partilha dos conteúdos na Internet, em especial nas redes sociais. O número de vezes que é accionado o botão +1 (equivalente ao botão like, no Facebook) num determinado conteúdo pesquisado no Google será um dos factores mais valorizados pelos motores de busca dos sparks. Outra novidade prometida pelo Google+ é um controlo acrescido sobre os “amigos” que podem ver cada conteúdo partilhado. Isso será conseguido através dos “círculos”, uma forma inovadora de organizar grupos de “amigos” dentro das redes sociais.

www.linkedin.com

Potencialidades do Linkedin para jornalistas rede LinkedIn pode ser mais do que apenas um sítio para tentar obter emprego ou oporunidades de negócio. Duas ligações no “site” do Poynter Institute fornecem pistas para que um Jornalista possa tirar o melhor partido profissional de uma rede já com cem milhões de utilizadores e a alargar-se ao ritmo de um novo membro por segundo. Jeff Sonderman dá dez indicações de utilização das pesquisas avançadas do LinkedIn para obter informações de empresas e negócios ou localizar peritos de diferentes especialidades, entre outras possibilidades (em http://www.poynter.org/how-

A

tos/newsgathering-storytelling/137926/10-ways-reporterscan-use-linkedin-to-find-sources-track-changes-at-companies). Krista Canfield, especializada em modos de utilização do LinkedIn por Jornalistas, tem disponível um live chat sobre o assunto em www.poynter.org/how-tos/careerdevelopment/ask-the-recruiter/127338/live-chat-today-howcan-i-use-linkedin-as-an-effective-reporting-job-hunting-tool. Outras duas ligações de interesse potencial são o blogue do LinkedIn, em http://blog.linkedin.com, e o LinkedIn for Journalists, em www.linkedin.com/groups/LinkedInJournalists-3753151.

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Almanaques e Revistas na I República

Subsídios para a sua história… Texto Álvaro Costa de Matos*

1. Dos Almanaques…

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e origem incerta, o termo almanaque pode ser encontrado em diversas línguas e a menção desta variedade linguística ser-nos-á útil para, assim, lhe traçarmos o sentido. Encontramo-lo no árabe almanakh, significando “lugar onde a gente manda ajoelhar os camelos (…), e no latim manachus (circulus) empregue por Vitrúvio no sentido de um meridiano que servia para indicar os meses do ano. No baixo latim aparece almanachus e no baixo grego alamanakon, nome dado por Eusébio aos calendários egípcios. Engelman, por exemplo, salienta que o calendário em árabe é taqwin. José Pedro Machado também refere «lugar onde o camelo ajoelha», acrescentando-lhe «estação», «região» e «clima». Geneviève Bollême, uma autoridade na matéria, é de opinião que a palavra significou primitivamente «a conta», o «cômputo»” (CORREIA e GUERREIRO, 1986, 44). Assim, podemos dizer que a necessidade de dividir o ano cronologicamente, referenciando os fenómenos – humanos (festividades) e meteorológicos (o curso das estações e suas ocorrências meteorológicas) – que vão marcar a passagem do tempo, parece ser o denominador comum aos vários povos e culturas que utilizaram o 54 |Jul/Set 2011|JJ

termo «almanaque»: desde um calendário cronológico gravado no túmulo de Ramsés IV, do século XIII antes de Cristo, passando pelas tabuinhas polidas utilizadas pelos romanos para inscrever os factos relativos às quatro estações (indicando as festas e o curso das constelações), até a sua utilização pelos escandinavos, também em tabuinhas e igualmente para fixar o curso das estações do ano e festividades associadas. Nos nossos dias, um almanaque pode ser descrito como uma publicação de periodicidade anual (quase sempre), um guia de manuseamento prático e de consulta fácil que procura organizar o quotidiano cronologicamente como um calendário, arrumando as festividades religiosas ou pagãs de uma dada sociedade, as feiras e arraiais, as fases lunares e solstícios, não deixando de reunir outras informações específicas a vários campos do conhecimento. No fundo, “tenderá a reflectir a ideia de compilação de saberes, em particular destinados a públicos com pouco acesso a outras leituras” (LISBOA, 2002, 12). Em Portugal, os almanaques surgiram no século XV, prosperando por todo o século XIX, “ampliando os seus propósitos e tornando-se objecto de consumo corrente por todas as classes sociais. O seu apogeu situou-se nos começos do século XX, sendo em grande profusão e de grande diversificação os almanaques publicados em todo o país” (OLIVEIRA MARQUES, 1981, 70). Com a diversificação e ampliação dos públicos e a profusão surgirão modelos novos, “centrando-se (…) em actividades particulares de uma corporação ou de uma profissão (como a dos cozinheiros, com receitas várias), de um programa (tauromáquico, teatral, turístico, por exemplo, ou dos


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Informação típica dos almanaques, neste caso com dados etimológicos sobre Setembro. In Almanach Bertrand para 1900, Lisboa, Antiga Casa Bertrand, s.d., p. 189. Col. HML

Capa ilustrada do Almanach Bertrand para 1900. Col. HML

Primeira página do Almanaque Ilustrado do Jornal O Século para 1913. No centro, o Zé Povinho, num desenho de Alonzo (Santos Silva). Col. HML JJ|Jul/Set 2011|55


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caminhos-de-ferro com os seus horários), ora marcando práticas litúrgicas (para além do que já aparece normalmente em qualquer destas brochuras), ora recolhendo informações institucionais, ora dedicando-se à publicação de excertos literários ou de cantigas, ora apresentando-se como agenda social e política (difundindo, por exemplo, propaganda republicana ou socialista), ora baseando-se em curiosidades ou divertimentos, com jogos e anedotas” (LISBOA, 2002, 13). A esta profusão de títulos não será alheia a evolução do universo da alfabetização desde os últimos anos da Monarquia Constitucional e acentuada com o advento da I República. Após o 5 de Outubro, os almanaques tornaram-se um género literário muito difundido, sobretudo como passatempo da burguesia. Dos almanaques mais importantes, de carácter geral, o maior destaque vai para o Almanaque Bertrand para…, fundado e coordenado por José Fernandes da Costa desde o seu primeiro ano (1900) até ao ano da sua morte (1920). A coordenação ficou, então, a cargo da sua filha Maria Fernandes Costa. Editado anualmente pela Livraria Bertrand, publicou-se até 1971 e deu lugar à mais variada colaboração: “O seu intuito era distrair o público, com temas recreativos, mas inclui também notícias históricas contemporâneas que o tornam merecedor de consulta. Vale, de resto, pelo panorama que oferece sobre os meios de divertimento das classes média e superior usados em Portugal a partir de 1900” (OLIVEIRA MARQUES, 1981, 70). Para se ter uma ideia do impacto deste almanaque junto do público, refira-se que a tiragem inicial de 5000 exemplares (1900) do Almanaque Bertrand atingiu os 17300 exemplares em 1919, desconhecendo-se os números a partir de 1920. Ainda entre os almanaques de carácter geral, merecem referência o Novo Almanaque de Lembranças LusoBrasileiro para o ano de…, (O. Xavier Cordeiro, Alexandre Castilho, Lisboa, 1872-1932, com o direito de propriedade literária e artística em Portugal e no Brasil), contendo dados de interesse biográfico e assinalável conteúdo literário, assim como todo um manancial de informações úteis, como as tabelas de preços dos automóveis de praça e dos trens de praça de Lisboa, o valor dos portes postais no continente, ilhas, colónias e Espanha, a morada das estações de telégrafo de Lisboa (e arredores), e as habituais tabelas das marés, dias feriados, etc. Este almanaque teve uma extensa colaboração ao longo do seu tempo de vida, merecendo destaque a de Alexandre Herculano, António Feliciano de Castilho, Bulhão Pato, Camilo Castelo Branco, António Nobre, Olavo Bilac, Ramalho Ortigão, Augusto de Lima, o poeta Augusto Gil, Homem Cristo Filho, entre outros. Referência, ainda, para o Almanaque Ilustrado da Parceria António Pereira para…, (Lisboa, com direcção de Maria O’Neil, 1900-1918), e o Almanaque Palhares (Lisboa, dir. Santonillo, A. Morgado, 1898-1919), contendo listas de comerciantes de Lisboa, registo da imprensa, notícias his56 |Jul/Set 2011|JJ

tóricas, endereços de Lisboa e outros dados de utilidade. Também os jornais publicaram os seus almanaques, “reflectindo no texto a ideologia informadora das respectivas folhas” (OLIVEIRA MARQUES, 1981, 71). Entre os almanaques de inspiração republicana destacamos os publicados pelos jornais O Mundo (Almanaque de O Mundo, ed. e propr. França Borges, 1907-1914), A Luta (Almanaque de A Luta, Lisboa, propr. Empresa de Propaganda Democrática, 1910-1911) e A Capital (Almanaque Ilustrado de A Capital, Lisboa, propr. e ed. dos redactores de A Capital, 1912). Entre a imprensa generalista, destaque para O Diário de Notícias (Almanaque do Diário de Notícias para…, Albino Pimentel [et. al.], Lisboa, 1886-1962), O Século (Almanaque Ilustrado do Jornal O Século, Lisboa, 1896-1952) e O Primeiro de Janeiro (Almanaque de O Primeiro de Janeiro: ornado de numerosas gravuras, Porto, 1917-1918). Quanto aos jornais satíricos, mencionamos O Almanaque Ilustrado do Jornal «O Zé»: humorístico, literário, artístico e anunciador, Lisboa, 191415, que mantém a vertente caricatural e humorística do jornal. As organizações religiosas também tiveram os seus almanaques, como a Juventude Católica (Almanaque da Juventude Católica, Porto, 1914) e a Comunidade Israelita (Almanaque Israelita, Lisboa, Samuel H. Mucznik, 1915/1916-1916/1917), assim como as casas comerciais, de que são exemplo o Almanaque Jerónimo Martins & Filho, com indicação dos preços praticados por aquele estabelecimento, e o Almanaque Souza Soares (1912-1927, Porto), publicado pela Sociedade Medicinal «Souza Soares». Neste período, como já referimos, os almanaques fizeram-se um género literário muito em voga (por vezes olhado como uma «leitura» menor), cobrindo as temáticas as mais variadas: no Porto publicou-se o Almanaque Vegetariano (1913-1922), de propaganda naturista e vegetariana; ainda no Porto, e sobre educação, o Almanaque Ilustrado do Jornal Pedagógico Educação Nacional para… (1905-1918) e o Almanaque Escolar para Professores Primários, Inspectores e Juntas Escolares, Escolas Normais e Câmaras Municipais (1923-1930); sobre teatro, o Almanaque dos Palcos e Salas para… (1889-1927); sobre a mulher, e de utilidade para estudar o movimento feminista em Portugal, publicou-se, de 1871 a 1927, o Almanaque das Senhoras para... dirigido por Guiomar Torrezão; para a história do namoro, contendo formulários de cartas de amor a serem trocadas entre namorados, publicou-se em Lisboa (1916) o Novo Almanaque dos Amantes. Uma última referência para os almanaques regionais. Publicados de Norte a Sul, num país, à época, marcadamente rural, estes são instrumentos fundamentais de análise sobre a vida na província e respectivas práticas agrícolas. De entre os muitos títulos publicados destacamos o Almanaque das Aldeias (1898-1931). Publicado no Porto por Júlio Gama, tratava da agricultura em geral, sendo de grande utilidade para o mundo rural.


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A caricatura humorística era fre-

As restantes publicações da

quente também nos almanaques,

empresa jornalística "O Século"

aqui num traço modernista. In

eram habilmente publicitadas

Almanaque Ilustrado do Jornal O

junto dos leitores do almanaque

Século para 1913, s.l., s.e., s.d. p.

do grupo. In Contracapa do

[103]. Col. HML

Almanaque Ilustrado do Jornal O Século para 1913. Col. HML

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Listemos agora os principais títulos de almanaques publicados entre 1910 e 1926 (mantendo a grafia da época): ALMANACH BERTAND PARA O ANNO DE…, coord. Fernandes Costa, Lisboa, 1900-1971; NOVO ALMANACH DE LEMBRANÇAS LUSO-BRASILEIRO PARA O ANNO DE…, O. Xavier Cordeiro, Alexandre Castilho, Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1872-1932; ALMANACH ILLUSTRADO DA PARCERIA ANTÓNIO MARIA PEREIRA PARA…, dir. Maria O’Neill Lisboa, 1900-1918; ALMANACH PALHARES: burocrático e commercial, dir. Santonillo, A. Morgado, Lisboa, 1898-1934; ALMANACH ILLUSTRADO DO JORNAL O SÉCULO, Lisboa, 1896-1951; ALMANAK D’O MUNDO, ed. e propr. França Borges, Lisboa, 1907-1913; ALMANACH DE A LUCTA, propr. Empresa de Propaganda Democrática, Lisboa, 1909-1910; ALMANACH ILLUSTRADO DE A CAPITAL, propr. e ed. dos redactores de «A Capital», Lisboa, 1912; ALMANACH DE O PRIMEIRO DE JANEIRO: ornado de numerosas gravuras, coord. Por Gualdino de Campos e Lopes Vieira, Porto, 1916-1917; ALMANACHE DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS PARA…, Albino Pimentel [et. al.], Lisboa, 1886-1962; ALMANACH ILLUSTRADO DO JORNAL «O ZÉ»: humorístico, litterario, artístico e anunciador, Lisboa, 1913-1914; ALMANACH DA JUVENTUDE CATHOLICA, Porto, 1914; ALMANACH ISRAELITA PARA O ANNO…, Samuel H. Mucznik, Lisboa, 1915/1916-1916/1917; ALMANACH JERONIMO MARTINS & FILHO (vários anos); ALMANACH SOUZA SOARES, 1912-1927, Porto), publicado pela Sociedade Medicinal «Souza Soares»; ALMANAQUE VEGETARIANO, Porto, 1913-1922; ALMANAQUE ILUSTRADO DO JORNAL PEDAGÓGICO EDUCAÇÃO NACIONAL PARA…, Porto, 1905-1918; ALMANAQUE ESCOLAR PARA PROFESSORES PRIMÁRIOS, INSPECTORES E JUNTAS ESCOLARES, ESCOLAS NORMAIS E CÂMARAS MUNICIPAIS, Porto, 1923-1930; ALMANACH DOS PALCOS E SALAS PARA…, Lisboa, 1889-1927; ALMANACH DAS SENHORAS PARA…, dirigido por Guiomar Torrezão, Lisboa, 1871-1927; NOVO ALMANACH DOS AMANTES, Lisboa, 1916; ALMANACH DAS ALDEIAS, Júlio Gama, Porto, 1898-1931.

2. Das Revistas…

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spécie de parente pobre do livro, devido ao seu carácter efémero e estatuto (ou falta dele), as revistas, tal como os jornais e outras publicações periódicas, são, contudo, uma fonte inesgotável de informação factual para todos aqueles que se debruçam sobre o estudo do passado, mas também do presente, nas suas múlti58 |Jul/Set 2011|JJ

plas dinâmicas: políticas, sociais, culturais, económicas e tecnológicas. Desde logo, “veiculam-nos a mundividência dos colaboradores, a linha programática dos editores, a recepção e a psicologia dos leitores, as técnicas de impressão utilizadas, os valores estéticos dos ilustradores, o imaginário poético e ficcional prevalecentes” (PIRES, 1996, 9). As revistas facultam-nos dados e informações que, completados com outras fontes, são da maior importância para a reconstituição histórica de uma determinada época. Com o passar dos anos ganham uma outra dimensão, que não pode ser descurada, a de repositório da cultura portuguesa, reunindo documentos preciosos que constituem um verdadeiro acervo da nossa memória colectiva. A colaboração literária e plástica que têm, muita dela de vulto, é demasiado importante para cair no esquecimento, pelo que o seu tratamento, a criação de índices e a sua difusão são tarefas imprescindíveis. As revistas são, muitas vezes, “um palco privilegiado de polémica, de aferição de ideias”, de controvérsias marcantes que marcaram indelevelmente a cultura portuguesa. Noutras situações, constituíram “autênticos laboratórios”, onde se “experimentaram novas ideias, se esboçaram formas inéditas, se ensaiaram teorias, se afirmaram ideais, se cunharam novas terminologias” (PIRES, 1999, 307). Daí que as revistas tenham sido porta-vozes de movimentos literários, estéticos, cívicos, de ideias. Melhor: muitos destes movimentos nasceram, desenvolveram-se, atingiram a sua maturidade e declínio em revistas. E, desta forma, anteciparam-se a outros suportes, como o livro, na teorização destes movimentos literários, estéticos, cívicos ou mesmo políticos. Órgão de movimentos, mas também de gerações, que se agruparam à volta de revistas, fazendo delas o seu espaço de revelação e intervenção. Criando, assim, uma correlação entre as gerações e as revistas que lhes deram identidade ou pelo menos as acolheram e enquadraram. Nestes casos, requerem uma leitura intertextual, devendo ser encaradas como “palimpsesto de gerações sucessivas, com as suas divergências e tensões, a sua vontade de afirmação pela diferença, os seus avanços e recuos, as suas ousadias e os seus conformismos, os seus momentos de entropia e de redundância” (ROCHA, 1985, 21). Foi a partir das revistas que movimentos e gerações deram a conhecer à opinião pública os seus programas, propostas e protagonistas, tentando influenciá-la. Formando, com os jornais, o quarto poder do Estado, as revistas não deixaram de exercer também uma grande influência no seio da opinião pública. E assumiram, não raras vezes, um duplo papel na sua relação com o poder político: por um lado, desempenhando o papel de contrapoder, plasmado na crítica mordaz, na denúncia da iniquidade, na recusa do status quo, e, por isso, foram objecto de perseguição política, censura e mesmo extinção; por outro, funcionando como porta-vozes dos regimes políti-


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Capa do Novo Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o ano de 1919. Col. HML

Capa ilustrada do Almanach das Senhoras para 1910. Col. HML

Os anúncios eram uma importante fonte de receita dos almanaques, ajudando, com as assinaturas, a pagar a edição. Os remédios do Dr. Ayer eram uma presença constante neste tipo de publicações. In Almanach das Senhoras para 1910, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1909. Col. HML JJ|Jul/Set 2011|59


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cos em vigor, divulgando as suas doutrinas, promovendo as suas políticas e políticos, propagandeando a sua obra e feitos materiais, e, por isso, foram acarinhadas, subsidiadas, o que explica muitas vezes a sua longevidade ou sucesso. O que até aqui dissemos é valido para a I República. Com efeito, durante este período, as revistas, embora em número muito inferior ao dos jornais, tiveram um relevante papel político e cultural. Através delas, descortinamos “correntes de opinião e de sensibilidade intelectual que, fora ou ao lado dos partidos políticos organizados, traduziram as ideias e os valores inconformistas de sectores cuja vitalidade cívica e cultural, ou simplesmente estético-literária, impregnava o tecido social português, tantas vezes de modo mais adequado e influente do que as ideologias então prevalecentes, a que eram transversais” (SEABRA, 1996, 16). Antes de aprofundarmos o seu papel, alguns dados estatísticos: comparando-as com os jornais, de 1910 a 1926, as percentagens das revistas situavam-se entre os 10 e os 20%, variáveis de ano para ano. Tinham também tiragens mais pequenas, inferiores a 500 exemplares, feitas à medida da população e do analfabetismo reinante. Publicaram-se sobretudo revistas literárias, com uma média de circulação de 24 títulos por mês. Mas estas revistas “literárias” não tratavam apenas de assuntos exclusivamente literários, pois nas suas páginas estão também presentes as matérias políticas, sociais, culturais, desportivas, humorísticas, entre outras, trabalhadas do ponto de vista jornalístico com a mesma importância. E publicaram-se sobretudo em Lisboa (37,4%), seguida do Porto (20,6%), Coimbra (9%), Guimarães (3,8%) e Barcelos (2,7%), nas restantes cidades do país com percentagens mínimas. Regra geral, duravam pouco tempo, o que explica a proliferação de revistas com números únicos. Mas tivemos também projectos editoriais sólidos, duradouros, amadurecidos, nalguns casos agregados a movimentos culturais, como foi o caso da revista A Águia (Porto, 19101932), órgão da Renascença Portuguesa. Numa visão abrangente, podemos referir que as “mais duradouras foram as revistas simultaneamente literárias e de actualidades, como O Occidente (Lisboa, 1878 a 1915), a Ilustração Portuguesa (Lisboa, 1903 a 1924, em duas séries), o ABC (Lisboa, 1920 a 1931), a Illustração (Lisboa, 1926 a 1939), e a Illustração Catholica (Braga, 1913 a 1919), ou as de carácter político-social além do literário, como a Nação Portuguesa (Lisboa, 1914 a 1938) e a Seara Nova (Lisboa, 1921 a 1979). Assinalem-se ainda Brazil-Portugal (Lisboa, 1899 a 1914), lida nos dois países, Serões (Lisboa, 1901 a 1911), (…) Alma Nova (Faro e, depois, Lisboa, 1914 a 1929, com várias interrupções), Biblos (Coimbra, desde 1925) e Presença (Coimbra, 1927 a 1940), sem contar com as revistas de tipo misto, publicadas por academias, como O Instituto” (OLIVEIRA MARQUES, 1991, 605) – muitas destas revistas encontram-se actualmente digitalizadas e disponíveis em 60 |Jul/Set 2011|JJ

linha em bibliotecas digitais, como a Biblioteca Nacional Digital ou a Hemeroteca Digital, facilitando sobremaneira o acesso dos investigadores às suas colecções. As mais importantes, do ponto de vista cultural, foram a já citada A Águia, lançada no Porto a 1 de Dezembro de 1910, e desaparecida em Maio/Junho de 1932, reunindo no total 5 séries. Contou, entre os seus directores, com nomes consagrados da época: Álvaro Pinto, Teixeira de Pascoaes, António Carneiro, José de Magalhães, Leonardo Coimbra, Hernâni Cidade, Teixeira Rego, Sant’Anna Dionísio, Delfim Santos e Aarão de Lacerda. A colaboração literária não ficou atrás, reunindo a nata da intelectualidade da época: António Sérgio, Jaime Cortesão, Raul Proença, Manuel Laranjeira, António Nobre, Augusto Casimiro, Fialho de Almeida, João de Barros, João de Deus, Júlio Brandão, Miguel de Unamuno, Sampaio Bruno, Veiga Simões, Fernando Pessoa, Afonso Duarte, Aquilino Ribeiro, Carlos Malheiro Dias, Carolina Michaëllis, Gomes Leal, Jaime Magalhães Lima, Mário de Sá-Carneiro, Soares dos Reis, Agostinho da Silva, João Ameal, Adolfo Casais Monteiro, Vitorino Nemésio, José Régio, António Correia de Oliveira, Mário Beirão, Afonso Lopes Vieira, entre muitos outros. Nas suas páginas predominam os textos de carácter literário, embora apareçam também alguns ensaios de pedagogia, música e filosofia. A colaboração plástica primou igualmente pela excelência, com desenhos de António Carneiro, Cervantes de Haro, Correia Dias, Cristiano Cruz, Cristiano de Carvalho, Luís Filipe, Raul Lino, Sanches de Castro, Virgílio Ferreira, Jaime Cortesão, João Augusto Ribeiro, João de Deus, Júlio Ramos e Miguel de Unamuno. Publicada na sequência da vitória do movimento republicano, a 5 de Outubro de 1910, A Águia assumiu-se como o porta-voz da Renascença Portuguesa, o mais influente movimento cultural do início da República. Manifestou-se “contra a abulia e o pessimismo nacionais – uma «apatia sonolenta de frade bem jantado» (Teixeira de Pascoaes) – e pugnava pelo estudo circunstanciado e rigoroso das nossas raízes culturais, da tradição, da idiossincrasia verdadeiramente portuguesa” (PIRES, 1996, 40). Por oposição ao «pensamento quixotesco”, a Renascença Portuguesa propunha o “pensamento saudosista”, acrescido do «paganismo espiritualista» de Leonardo Coimbra. Isto, para Pascoaes, não era «nada incompatível com o moderno espírito europeu», antes «acompanhando-o, embora sem perder o seu perfil inconfundível”. Por isso, conseguiu congregar à sua volta escritores, intelectuais e artistas de todas as tendências culturais do início da I República, desde os «lusitanistas» (António Correia de Oliveira, Mário Beirão e Afonso Lopes Vieira) aos «modernistas (Fernando Pessoa ou Mário de Sá-Carneiro), sendo uma espécie de matriz de um pluralismo cultural que contrastava com o monopólio político dos republicanos, antes de dar lugar a outras derivações. Uma dessas derivações, o Modernismo, desenvolveu-


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Primeira página do primeiro número da revista A Águia, de 1 de Dezembro de 1910, órgão por excelência do movimento da Renascença Portuguesa. Col. HML

Capa da Orpheu, número 1 (1915), a revista de vanguarda do Modernismo. Col. HML

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se nas revistas Orpheu (Lisboa, 1915), Centauro (Lisboa, 1916), Exílio (Lisboa, 1916), Portugal Futurista (Lisboa, 1917), todas elas efémeras; na eclética Contemporânea (Lisboa, 1915, 1922-1926); e, por último, na Athena (Lisboa, 1924-1925), embora aqui sob o signo de um Modernismo classicizante. Destas, destacamos a Orpheu, a revista de vanguarda modernista (“a soma e a síntese de todos os movimentos modernos”, segundo Álvaro de Campos), que publicou apenas 2 números (Março e Junho de 1915), apesar de estar projectado um terceiro número (que só veria a luz do dia em 1984, por iniciativa das Edições Nova Renascença, numa reprodução fac-similada da versão conservada na colecção particular de Alberto de Serpa). O primeiro número foi dirigido por Luís de Montalvor e por Ronald de Carvalho e, o segundo e último número, por Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Além destes, a revista contou ainda com a colaboração de Alfredo Pedro Guisado, José de Almada Negreiros, Côrtes-Rodrigues, Álvaro de Campos, no primeiro número, e Ângelo de Lima, Eduardo Guimarães, Raul Leal e Violante de Cisneiros, no segundo número. Os extra-textos são assinados por José Pacheco, Santa-Rita Pintor e Amadeu de Sousa Cardoso, que colaboraria no terceiro número. A revista vinha para «formar, em grupo ou ideia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em Orpheu o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermo-nos» (da “Introdução”, assinada por Luís de Montalvor). Teve “como pedra de toque a transgressão. Fundiu categoriais temporais, pôs em causa os cânones tradicionais poéticos, fez incursões pelo onirismo, pelos escaninhos mais recônditos da consciência, elogiou a máquina, a técnica, a evolução e o movimento à boa maneira futurista, mas também encerrava o spleen, o mal de vivre, a angústia incomensurável, a neurose, a frustração, o pessimismo, a decadência, o absurdo de viver” (PIRES, 1996, 264). Por outras palavras, assumiu a ruptura com a ordem temporal e política estabelecida, protagonizando, no plano estético-literário, um dos movimentos culturais mais fulgurantemente revolucionários que atravessaram a I República. Não surpreende, portanto, a recepção pouco lisonjeira, e mesmo agressiva, que a revista teve, considerada como «Literatura de Manicómio», enquanto os seus autores (os artistas de Rilhafoles) eram apelidados de «Doidos com Juízo» ou «Alienistas». A par da Orpheu, ressalta também a Contemporânea, que iria fazer a ligação entre o primeiro e o segundo modernismo literários, sendo publicada entre aquela e a revista Presença. O projecto é esboçado logo em 1915, com o aparecimento de um número espécimen, caracterizado pelo seu ecletismo, assinalado por vários assuntos, da literatura à arte, passando ainda pelo desporto, o teatro, a moda e a sociedade. Motivos políticos impediram a continuação da revista, que só seria retomada sete anos depois, em Maio de 1922. O seu último número data de Outubro 62 |Jul/Set 2011|JJ

de 1926. Foi dirigida por José Pacheco e contou, entre os seus colaboradores, com Afonso Duarte, Afonso Lopes Vieira, Alberto de Monsaraz, Alfredo Pimenta, Almada Negreiros, Álvaro de Campos, Amadeu Sousa Cardoso, André Brun, António Arroio, António Boto, António Correia de Oliveira, António Ferro, António Sardinha, Aquilino Ribeiro, Camilo Pessanha, Carlos Malheiro Dias, Eduardo Viana, Fernanda de Castro, Fernando Pessoa, Ferreira de Castro, Hipólito Raposo, Homem Cristo, João Ameal, João de Barros, Leonardo Coimbra, Maria Amália Vaz de Carvalho, Mário de Sá-Carneiro, Teixeira de Pascoaes, e muitos outros. O grafismo moderno era assegurado pelo lápis de Almada Negreiros, Amadeu de Sousa Cardoso, António Carneiro, Bernardo Marques, Columbano Bordalo Pinheiro, Diogo de Macedo, Eduardo Viana, Ernesto do Canto, Jorge Barradas, Stuart Carvalhaes, entre outros. Pretendia ser uma «revista para gente civilizada, uma revista expressamente para civilizar gente», o que já encerrava um programa. Neste cabia, por exemplo, a divulgação de ideias iberistas, para irritação de muitos contemporâneos. Mais precisamente, “propunhase ser um lugar de agitação e de convergência de todos os que se interessavam pela arte em Portugal e que não dispunham de uma tribuna onde pudessem aferir opiniões, apresentar sugestões, trilhar novas sendas. Tinha os olhos postos nos movimentos vanguardistas da Europa, recusando dialecticamente a claustrofobia e a anemia que secularmente nos tolhiam” (PIRES, 1996, 114-115). Outra das derivações d’A Águia foi a Seara Nova, revista que iria exercer uma grande influência na vida pública durante a I República, e mesmo depois, em pleno Estado Novo. A influência foi tal que, em Dezembro de 1923, Álvaro de Castro decidiu convidar os seareiros para integrar o seu governo: António Sérgio assumiria a pasta da Instrução, substituindo à última hora Jaime Cortesão, Mário de Azevedo Gomes a da Agricultura, e o major Ribeiro de Carvalho a da Guerra. Fundada em Lisboa, a 15 de Outubro de 1921, publicou-se a sua primeira série (de longe, a mais importante) até Janeiro de 1979. Criada no contexto de uma grave crise económica, política e social, defendia, como solução para as crescentes dificuldades da República, a realização de profundas reformas. Uma espécie da refundação do regime republicano, com retorno aos valores matriciais do republicanismo, como se depreende das seguintes palavras: «Devemos regressar ao 5 de Outubro, mas regressar avançando, caminhando numa direcção inteiramente diversa e numa atitude de espírito inteiramente nova». Pretendia «renovar a mentalidade da elite portuguesa, tornando-a capaz de um verdadeiro movimento de Salvação; criar uma opinião pública nacional que exija e apoie as reformas necessárias; defender os interesses supremos da nação, opondo-se ao espírito de rapina das oligarquias dominantes e ao egoísmo dos grupos, classes e partidos; protestar contra todos os movimentos revolucionários e todavia defender e definir a


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Capa da Seara Nova, primeiro número, datado de 15 de Outubro de 1921, uma das mais importantes revistas culturais publicadas em Portugal. Col. HML

Capa da Contemporânea, número 2 (Junho 1922), com desenho de Almada Negreiros. A revista serviu de ponte entre o primeiro e o segundo modernismo literários. Col. HML

Verso da capa da Seara Nova, de 15 de Outubro de 1921. Além da informação sobre o corpo redactorial, e sumário, estão igualmente incluídos os objectivos gerais da revista. Col. HML JJ|Jul/Set 2011|63


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MEMÓRIA

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grande causa da verdadeira revolução; contribuir para formar acima das Pátrias, a união de todas as Pátrias – uma consciência internacional bastante forte para não permitir novas lutas fratricidas», lia-se na sua lapidar declaração de princípios. A crítica à ”Nova República Velha”, à sua prática política, deve ser lida a partir desta ideia de refundação da República. Indissociável deste pressuposto foi o ataque cerrado aos integralistas, desmontando as suas doutrinas, tarefa assegurada sobretudo por Raul Proença. Até 1926, o corpo directivo foi constituído por Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Faria de Vasconcelos, Ferreira de Macedo, Francisco António Correia, Jaime Cortesão, José de Azeredo Perdigão, Luís da Câmara Reis, Raul Brandão e Raul Proença. A colaboração literária foi muita extensa, com destaque para Raul Proença e Câmara Reis, responsáveis pela “secção” da política, Ezequiel de Campos, economia, Faria de Vasconcelos, educação, Aquilino Ribeiro, Raul Brandão e Augusto Casimiro, literatura e crítica literária, enquanto Câmara Reis tratava da crítica teatral. A colaboração plástica mais assídua foi dada por Humberto Pelágio, Leal da Câmara, José Rodrigues Migues e José Tagarro. D’A Águia e da Renascença Portuguesa, do seu nacionalismo literário e lusitanismo, derivaram ainda as revistas que ideologicamente vão dar corpo ao Integralismo Lusitano, como é o caso da Ideia Nacional ou da Nação Portuguesa. Tratava-se de “publicações de combate político declaradamente nacionalistas, que ajudariam a preparar o ambiente que levaria ao fim da República e em que as pulsões proselíticas predominavam sobre as literárias” (SEABRA, 1996, 24). A Nação Portuguesa foi a mais importante na estruturação e divulgação do Integralismo Lusitano. A primeira série da revista publicou-se em Lisboa, entre Abril de 1914 e Abril de 1916, reunindo 11 números. Reapareceu em Julho de 1922, numa segunda série, com 12 números, desaparecendo no ano seguinte. A terceira série publicou-se entre 1924 e 1926, somando 12 números. A quarta viu a luz do dia de 1926 a 1927. A quinta publicou-se de Julho de 1928 a Junho de 1929, perfazendo também uma dúzia de números. A sexta série data de 1929 a 1931, alcançando o mesmo número de edições. Daqui para a frente a terminologia muda, e passamos a ter volumes: do volume 7, com início em 1932, ao volume 11, com fim em 1938, num total de 36 fascículos. Conheceu, portanto, vários directores ao longo da sua existência: Alberto de Monsaraz, António Sardinha e Manuel Múrias, com Marcelo Caetano a secretariar a quinta série. Era o órgão por excelência do Integralismo Lusitano, de feição católica, reivindicando uma «monarquia orgânica tradicionalista antiparlamentar», a que juntava uma tendência descentralizadora. Contou com a colaboração de Aires de Ornelas, Alfredo Pimenta, Cabral de Moncada, Hipólito Raposo, Luís de Almeida Braga, Pequito Rebelo, António Ferro, Carlos Malheiro Dias, Eduardo Brasão, João Ameal, 64 |Jul/Set 2011|JJ

Capa da revista Nação Portuguesa, 1931, porta-voz do Integralismo Lusitano. Col. HML

Capa da Ilustração Portuguesa, num dos números publicados após o 5 de Outubro de 1910. Esta revista semanal foi/é um dos mais relevantes repositórios iconográficos da I República Portuguesa. Col. HML


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Henrique Galvão, Marcelo Caetano, Rolão Preto, entre outros. Além das revistas citadas, importa ainda listar os seguintes títulos, dada a sua relevância cultural e política no período em causa: Portugália (Lisboa, 1925-26), Atlântida (Lisboa, 1915-20), A Renascença (Lisboa, 1914), A Galera (Coimbra, 1914-1915), Alma Nova (Faro, 1914-25), A Rajada (Coimbra, 1912), Pela Grei (Lisboa, 1918-19), Homens Livres (Lisboa, 1923), Lusitânia (Lisboa, 1924-27), A Vida Portuguesa (Porto, 1912-15), Revista Portuguesa (Lisboa, 1923), Dionysios (Coimbra-Porto, 1912-28), Limiana (Viana do Castelo, 1912-17), Ícaro (Lisboa, 1916), Lusa (Viana do Castelo-Porto, 1917-24), Bizâncio (Coimbra, 1923-24), Arquivo Literário (Lisboa, 1923-28), Gil Vicente (Guimarães, desde 1925), Brotéria (Lisboa, desde 1902) e Germinal (Lisboa, 1916-17).

3. Algumas conclusões…

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esde logo, importa salientar a quantidade de títulos de revistas e almanaques que se publicaram durante a I República, entre 1910 e 1926. Esta proliferação de títulos talvez se explique quer pela ausência duma censura repressiva quer pela existência dum clima de grande efervescência cultural e política. Com efeito, exceptuando o período da I Guerra Mundial, em que se aplicou, pela Lei de 28 de Março de 1916, a censura prévia à imprensa (a exemplo do que já acontecia em todos os países aliados), o que tivemos, no geral, foi um quadro legal favorável à liberdade de imprensa. O clima de intensa conflitualidade polémica, que então se viveu, e o ambiente global de abertura à inovação, à criação artística, de mobilidade e exaltação dos valores do progresso e da modernidade que marcou a I República portuguesa em muito contribuiu também para a criação de publicações periódicas. Como vimos, não havia movimento literário, político ou filosófico que não tivesse a sua revista para divulgar as suas ideias ao maior número possível de pessoas. A propaganda republicana fazia-se nos comícios, essa novidade política inaugurada pelos republicanos nas principais cidades do país, mas os almanaques e, sobretudo, as revistas e jornais continuavam a funcionar como os principais instrumentos de difusão do ideário republicano e de captação da sua base eleitoral de apoio. Outra característica importante é a qualidade de muitas destas revistas e almanaques, seja pelos textos que reuniram, seja pela colaboração plástica que asseguraram, fazendo de algumas delas autênticas jóias da coroa da história da imprensa periódica portuguesa. Muitos dos textos

que publicaram, escritos pela intelligentsia da época, são imprescindíveis para a compreensão da vida cultural e política da I República, enquanto os desenhos, as ilustrações e as caricaturas que encontramos nas suas páginas foram não raras vezes o modo escolhido pelos artistas para introduzirem em Portugal as novas correntes estéticas, como o Modernismo. A ruptura com os padrões naturalistas que ainda predominam nas artes após o 5 de Outubro de 1910 é feita nas páginas das revistas humorísticas, literárias ou mesmo políticas, só depois saltando para os salões da capital ou do Porto. Destacamos, por último, a maior diversidade editorial da imprensa periódica nesta altura, por comparação com a Monarquia Constitucional, com ênfase no campo político, com as revistas ferozmente republicanas a conviverem, nem sempre pacificamente, com as revistas pró-realistas, integralistas, modernistas, socialistas, anarco-sindicalistas, fruto dum quadro pintado de permanente instabilidade política e confronto partidário, agravado pela crise geral da economia, que vai fornecendo a melhor matériaprima para os almanaques e revistas portuguesas e, consequentemente, fazendo as delícias dos seus leitores. Lisboa, Julho de 2011. JJ

BIBLIOGRAFIA BÁSICA: CORREIA, J. D. P., e GUERREIRO, M. V., “Almanaques ou a Sabedoria e as Tarefas do Tempo”, in Revista ICALP, 6 (Agosto/Dezembro 1986), pp. 43-52; LISBOA, João Luís, “Almanaques”, in Os Sucessores de Zacuto: O Almanaque na Biblioteca Nacional do século XV ao XXI (Coord. Rosa Maria Galvão), Lisboa, Biblioteca Nacional, 2002; PIRES, Daniel – Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX, Lisboa, Grifo, 1996; MARTINS, Rocha – Pequena História da Imprensa Portuguesa, Lisboa, Inquérito, 1941; OLIVEIRA MARQUES, A. H. de – Guia de História da 1.ª República Portuguesa, Lisboa, Estampa, 1981; ROCHA, Clara – Revistas Literárias do Século XX em Portugal, Lisboa, INCM, 1985; SEABRA, José Augusto, “Gerações e Revistas Culturais na Primeira República”, in Boca do Inferno, Cascais, N.º 1 (1996), pp. 13-29; SERRÃO, Joel, e OLIVEIRA MARQUES, A. H. de – Nova História de Portugal. Vol. 11 – Portugal da Monarquia para a República, Lisboa, Editorial Presença, 1991.

* Coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa. Investigador do Centro de Investigação Media & Jornalismo. Professor no ISLA – Lisboa. JJ|Jul/Set 2011|65


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CRÓNICA

Que farei quando tudo muda?

SARA BELO LUÍS

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FOTO: FERNANDO NOGUEIRA/VISÃO

Q

uando comecei a trabalhar, na União Europeia dá conta dos resultados das década de 90 do século passado, já cimeiras no Twitter. E todos os dias temos havia Internet. Na redacção onde leitores que não se limitam a sê-lo - que fui estagiária, a pequena redacção consomem notícias, sim, mas que rapidamente do Jornal de Letras, havia um fazem like nos nossos textos, comentam-nos, computador com acesso à Web - um único censuram-nos, corrigem-nos, partilham-nos. computador, sem dono certo e que por isso Não gosto de fazer o elogio da sociedade da mesmo estava disponível para quem quisesse. informação. Sobretudo porque julgo que esse Servia sobretudo para fazermos pequenas discurso foi ficando vazio à medida em que o pesquisas, o nome disto ou daquilo, este ou poder, o poder político, se apropriou dele. aquele site, este ou aquele dado. Também não penso que o fundamental seja o Colegas mais velhos estarão agora a pensar conceito de jornalismo cidadão sobre o qual há no tempo das máquinas de escrever nas uns tempos tanto se escreveu. O que sinto é que, redacções. Pode parecer-vos por mais devastadora que a ridículo, mas hoje, ao recordar Internet tenha sido para as Se for apenas para isto aquele lento Mac, sinto-me um vendas de jornais europeus e que cá estamos, eu tanto ou quanto jurássica. Dizamericanos, não sou capaz de se por todo o lado, mas é uma deixar de me entusiasmar pessoalmente - sem constatação completamente quando, como digo no título de drama nem tragédia verdadeira: em poucos anos o inspiração loboantuniana desta prefiro mudar de mundo da informação (e do crónica, tudo muda. Porque profissão jornalismo) alterou-se de forma hoje o mundo da informação radical. me parece incomparavelmente Compreendo que alguns vejam estas mais estimulante. mudanças, que não são apenas mudanças de Temos mais leitores, novos leitores, outros natureza tecnológica, com algum cepticismo. As leitores. O site do Guardian, por exemplo, já é novas formas de comunicação, baseadas na mais lido no estrangeiro do que na GrãInternet, estão a alterar as categorias a que até Bretanha. Recentemente, a The Economist fez agora estávamos habituados como as noções de um dossier sobre as alterações que a Internet agenda e de objectividade. Em tempos aprendi, está a produzir na indústria da informação no com os autores da teoria da comunicação, a qual defendia que estamos a regressar ao conhecer os efeitos das notícias que produzimos ambiente dos cafés pré-era comunicação de e, sobretudo, os seus limites. A lição é filosófica, massas. Mais caótico, mas ao mesmo tempo mas, no meu dia-a-dia, vejo-a cada vez mais mais plural e mais participado. O que fazer, como um exemplo de humildade: como então, quando tudo muda? Não é que seja mais jornalistas, não somos donos de nada, muito fácil, não será certamente mais fácil. menos do modo como os nossos leitores, Publicarmos as imagens captadas com um ouvintes e espectadores nos lêem, nos escutam, telemóvel da revolução egípcia? Mostrarmos o nos vêem. vídeo da catástrofe japonesa? Escrevermos uma Assistimos no princípio deste ano à revolta na notícia citando o Twitter de Van Rompuy? Se Praça Tahrir ser convocada via Facebook. Vimos for apenas para isto que cá estamos, eu um vídeo (vários vídeos) do terramoto em pessoalmente - sem drama nem tragédia Tóquio através do YouTube. O presidente da prefiro mudar de profissão. JJ



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