HEMOCENTRO DA UNICAMP - 25 ANOS EM 5

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Hemocentro da Unicamp

25 ANOS EM 5


Hemocentro da Unicamp

25 ANOS EM 5 UNICAMP UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Centro de Hematologia e Hemoterapia HEMOCENTRO de Campinas

Reitor Fernando Ferreira Costa

Coordenador Prof. Dr. Cármino Antonio de Souza

Coordenador Geral Edgar Salvadori De Decca

Coordenador Associado Profa. Dra. Irene Lorand-Metze

Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva

Assistente Técnico Dr. José Francisco Comenalli Marques Jr.

Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Mohamed Ezz El Din Mostafa Habib

Diretoria da Divisão de Hematologia Profa. Dra. Sara Teresinha Olalla Saad

Pró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise Pilli

Diretoria da Divisão de Hemoterapia Dr. Marcelo Addas Carvalho

Pró-reitor de Pós-Graduação Euclides de Mesquita Neto Pró-reitor de Graduação Marcelo Knobel Chefe de Gabinete José Ranali

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25 anos em 5 - Hemocentro Campinas

Campinas, SP 2010

25 anos em 5 - Hemocentro Campinas

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Sumário

Prefácio

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Artigo 45

Contribuições ao desenvolvimento do Hemocamp Artigo Hemocentro da Unicamp: do sonho à realidade

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Capítulo 3 ISO 9002 atesta a qualidade de padrão internacional do Hemocentro Serviços e produtos aprimorados, mais seguros e econômicos

Entrevistas e texto Paulo Cesar Nascimento Coordenação e textos de apoio Caius Lucilius Projeto gráfico, editoração e arte-final Fellows Marketing & Co. Agradecimentos A todos os que generosamente contribuíram com suas memórias e seus depoimentos para a concretização desta obra. Todos os direitos desta publicação reservados ao: Centro de Hematologia e Hemoterapia - HEMOCENTRO de Campinas Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Rua Carlos Chagas, 480 - Cidade Universitária “Prof. Zeferino Vaz” Distrito de Barão Geraldo Cep: 13083-878 - Campinas/SP Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor. Fotos: ASCOM, SIARQ, Caius Lucilius

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Capítulo 1 A gênese de uma proposta corajosa e ousada

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Fermenta-se a cisão

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A costura

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Medo e desconfiança

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O projeto sai do papel

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Estímulo à doação voluntária de sangue

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Coleta supera meio milhão de bolsas. Mas é preciso continuar avançando

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Desafios e ações

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A primeira doação a gente nunca esquece

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Artigo Hemocentro da Unicamp: a continuidade de um projeto de sucesso

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Capítulo 4

Artigo A trajetória da disciplina de Hematologia e Hemoterapia

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Inovações técnico-científicas beneficiam pesquisas e serviços

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Banco de sangue de cordão

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Instituto do Sangue

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Capítulo 2 Avanços e grandes conquistas na década de 1990

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Artigo

Estabilidade

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Modernização, expansão e garantia da qualidade

Transplante de medula óssea

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Novo prédio, resposta à maior demanda

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Capítulo 5

Hemocentro também é referência na segurança ambiental

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Sobre o sólido alicerce do passado, o futuro se constrói no presente

Manejo adequado

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Sonho acalentado ao longo de uma década

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Reuso gera economia

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Impulso às atividades acadêmicas e à qualificação profissional

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Prefácio

25 ANOS EM 5

Primeiros pacientes chegam ao Hospital de Clínicas da Unicamp em 1985

Foi em novembro de 1985, em uma sala do então recém-inaugurado Hospital de Clínicas, que começou a funcionar o Centro de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Estadual de Campinas. O espaço era exíguo; a equipe, reduzida; e os equipamentos — entre os quais uma geladeira doméstica amarela — em pouco ou nada lembravam os modelos mais modernos. Passados 25 anos, o Hemocentro da Unicamp estende-se por dois prédios e três anexos, emprega cerca de 420 funcionários, coleta mais de 7 mil bolsas de sangue por mês na região de Campinas e produz hemocomponentes com qualidade assegurada pela norma ISO 9001 versão 2008. A história que une essas duas pontas — o começo difícil ao presente pujante — é contada neste livro de forma agradável e envolvente pelos personagens que ajudaram a transformar o Hemocentro da Unicamp em um modelo nacional de excelência na formação de pesquisadores e profissionais especializados em Hematologia e Hemoterapia; na condução de pesquisas pioneiras nessas duas áreas, com o maior número de publicações internacionais do Brasil; na conscientização sobre a importância da doação voluntária de sangue; e no atendimento gratuito de pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 5 capítulos e artigos que resumem os acontecimentos mais expressivos dos 25 anos do Hemocentro, o leitor encontrará relatos sobre diversos fatos que marcaram o primeiro um quarto de século de existên-

cia da instituição: a mudança da salinha no Hospital de Clínicas para um prédio próprio no campus da Universidade, o início dos transplantes de medula óssea, a conquista do certificado de qualidade para os serviços de Hemoterapia, a inauguração do Banco Sangue de Cordão Umbilical e Placentário e o lançamento da pedra fundamental do futuro Hospital de Hematologia e Hemoterapia, só para citar alguns. O que fica da leitura deste livro é constatação de que o Hemocentro da Unicamp só alcançou sua atual posição de liderança em virtude do esforço e dedicação dos docentes, funcionários e alunos de pós-graduação que passaram por lá nesses 25 anos. Dos pioneiros que souberam vencer as limitações iniciais aos pesquisadores cujos nomes estão estampados nas páginas das revistas científicas internacionais mais importantes da atualidade, todos contribuíram de maneira significativa para o sucesso dessa jovem e vibrante instituição. Que este livro sirva de inspiração para outros centros de Hematologia e Hemoterapia do Brasil e para o futuro do próprio Hemocentro da Unicamp, cuja história está apenas começando. Apoiado na competência e determinação características de seus colaboradores, o Hemocentro continuará a dar muito orgulho à Unicamp e ao país. Prof. Dr. Fernando Ferreira Costa Reitor da Unicamp

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Hemocentro da Unicamp

Hemocentro da Unicamp: do sonho à realidade

Prof. Dr. Cármino Antonio de Souza Coordenador do Hemocentro (gestões 1985-1993 e 2007-2010)

O

Hemocentro da Unicamp foi criado em 25 de novembro de 1985 por portaria do Magnífico Reitor Prof. José Aristodemo Pinotti. Porém, o processo de discussão, de aprovação política e de aceitação da proposta pela comunidade da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Hospital das Clínicas começou muito antes. As discussões internas e junto ao Ministério da Saúde remontam a 1982 com o modelo do HEMOPE, que em 2010 faz 30 anos de atividade, e com o desenvolvimento do programa denominado “Pró-Sangue”. O debate no âmbito da Disciplina de Hematologia, do Departamento de Clínica Médica e da Congregação da FCM foi extenso, democrático e por vezes bastante acalorado. Hoje, ninguém duvida da importância do Hemocentro para a Universidade e toda a região de Campinas, para o Estado de São Paulo e para a Federação. Mas naquele tempo não era assim. Campinas não tinha qualquer serviço público ligado à área transfusional. A Disciplina de Hematologia era muito jovem e com estrutura ainda bastante precária, mesmo para os padrões da época. O número de docentes era mínimo (três) e não havia médicos contratados. Enfim, a desconfiança no sucesso do projeto era justificável. Por outro lado, havia o entusiasmo e o movimento em nível nacional para criar e desenvolver um programa de hemoterapia compatível com os desafios da modernidade e com a importância desta atividade no incipiente sistema único de saúde (SUS), na época denominado SUDS. A guerra da criação do Hemocentro

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só se definiu em uma reunião histórica da Congregação da FCM, onde a responsabilidade das atividades transfusionais foi transferida ao Hemocentro a partir da transferência de nosso Hospital de Clínicas para o campus universitário. Entre a criação formal do Hemocentro e a primeira transfusão realizada transcorreram cerca de quatro meses. Nesse período, houve um verdadeiro mutirão entre os responsáveis técnicos pela sua implantação para que no dia 15 de março de 1985, data em que o Hospital de Clínicas transferiria suas atividades para o campus, houvesse sangue e componentes para atender os seus pacientes. Em caráter emergencial a Reitoria da Unicamp autorizou um número de contratos de trabalho para médicos, biólogos, enfermeiros, dentre outros, para iniciarmos nossas atividades. Como éramos profissionais muitos jovens à época, tínhamos uma insegurança natural. Não dispúnhamos de cadastros de doadores, assim partiríamos do “zero absoluto”. Não tínhamos experiência em laboratórios de sorologia para serviços de hemoterapia – em um momento em que a epidemia do vírus HIV eclodia em todo o mundo – nem em imunohematologia, tanto de doadores como de pacientes, para atender de maneira segura nossas transfusões. Enfim, foi uma corrida para atender às expectativas da comunidade e às necessidades de nossos pacientes. Nesse momento, contamos com o fundamental suporte do Departamento de Clínica Médica, cujo coordenador era o Prof. Rogério de Jesus Pedro; do Diretor da FCM, Prof. Frederico Magalhães; dos superintendentes Prof. João Luis Carvalho Pinto e Silva (anterior) e do Prof. Mario Mantovani (à época da instalação); do Dr. Jordão Pellegrino Jr., do Dr. Luis Gonzaga Catto e do Dr. Fábio Iuan (in memorian), colegas médicos da UNESP de Botucatu que vieram juntar-se a nós naquele desafio; dos profissionais da área biológica que assumiram as responsabilidades técnicas laboratoriais, Lílian Maria de Castilho, Neiva Seilan Gonzales, Maria Tereza Teori e Maria Cecília Teori. Houve ainda o decisivo apoio do Dr. Luis Gonzaga dos Santos, coordenador do Pró-Sangue, programa do Ministério da Saúde, na aprovação do projeto junto ao governo federal. Docentes, médicos e biologistas tentavam implantar e manter todas as atividades, o que era praticamente impossível. Éramos poucos e tínhamos o grande desafio de quebrar as desconfianças, diga-se de passagem, legítimas, e viabilizar o Hemocentro da Unicamp. Logo após a finalização

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da gestão do Prof. Pinotti – que teve visão e crença em nosso trabalho, e a ele seremos eternamente gratos –, iniciamos uma nova fase, talvez a mais difícil: manter e desenvolver o dia-a-dia do Hemocentro com a qualidade e quantidade exigida pelo natural crescimento da área de saúde e da região de Campinas nas atividades de hematologia e hemoterapia. Nas gestões do Prof. Paulo Renato Souza e do Prof. Carlos Vogt o Hemocentro teve um salto extraordinário. Uma medida de fundamental importância foi vincular a administração do Hemocentro à Reitoria da Universidade. Este fato permitiu que pudéssemos fazer todo o nosso planejamento em termos de estrutura, infraestrutura e, principalmente, de recursos humanos. Nesse período, conseguimos recursos captados através da Secretaria de Estado da Saúde junto ao BNDES para a construção do primeiro prédio do Hemocentro com equipamentos necessários ao seu funcionamento. Recursos da ordem de US$ 1.0 milhão foram captados e aplicados nas obras dos hemocentros das cidades de Campinas, Botucatu e Marília. Em dezembro de 1990 inauguramos o primeiro prédio de aproximadamente 1.800 metros quadrados e transferimos para a nova sede as atividades de coleta e fracionamento, os laboratórios e ambulatórios. Em março de 1988 assumimos a coordenação do programa de hematologia e hemoterapia da Secretaria Estadual de Saúde (SES) que, posteriormente, foi denominado “Hemorrede”. Este programa foi fundamental, pois organizou toda a estrutura pública de prestação de serviços, controle de qualidade e vigilância sanitária para vencer uma crise sem precedentes nesta área do conhecimento. Vivíamos o auge da epidemia da transmissão do vírus HIV através do sangue, do sexo ou do uso de drogas venosas. Pouco se conhecia sobre esta doença, não havia remédios e reagentes confiáveis ou eficientes para conter o avanço da mesma. Todo dia notícias alarmantes eram publicadas; os governos eram pressionados. O Governo de São Paulo, através da SES, resolveu assumir todo o controle sorológico do Estado independentemente da atividade ser pública ou privada. O SUS e as seguradoras (com raras exceções) não remuneravam os procedimentos de triagem para o vírus HIV. A rede de laboratórios públicos e os Hemocentros assumiram este papel. Foi uma verdadeira guerra contra o avanço da epidemia e a transmissão através do sangue. O Estado de São Paulo criou o sistema de

remuneração hemoterápico da área pública, que foi assumido depois pelo Ministério da Saúde e continua valendo até hoje. O sucesso da operação foi incontestável e até hoje temos uma situação de razoável conforto no sistema. Duas ações históricas foram fundamentais: a vinculação dos hemocentros às universidades e, talvez, a mais inédita em todo o mundo, a participação dos hematologistas no processo de formação das atividades hemoterápicas. Criou-se, através da Residência Médica, um mecanismo formador de profissionais médicos treinados para atuar na área transfusional. Assim, foi possível desenvolver um trabalho integrado das duas especialidades e que fez com que, no momento, ambas se transformassem em uma especialidade forte e reconhecida pela AMB/CFM/MEC. Hoje, a formação do Hematologista inclui 20% de sua carga horária para o aprendizado de hemoterapia e isto se transformou em uma importante área de atuação. O título de especialista da AMB também é único e denominado “Hematologia e Hemoterapia”. Em 1992 começamos a desenhar o plano de instalação da Unidade de Transplante de Medula Óssea (TMO). Um projeto bem estruturado foi concebido em parceria com o Hospital de Clínicas da Unicamp, então dirigido pelo Prof. Paulo Eduardo da Silva, e contou com o apoio incondicional do Reitor Prof. Carlos Vogt e da SES, através do Prof. Nader Waffae, Secretário de Estado da Saúde que, na ocasião, investiu cerca de US$ 250 mil em reforma e adequação de área no âmbito do nosso HC. Para esta nova conquista contamos com os trabalhos do Prof. Wellington Oliveira, que durante alguns anos dividiu o seu tempo entre a UFMG e a Unicamp, e com a participação do Dr. Afonso Vigorito e de José Francisco Aranha. A Unidade foi inaugurada em junho de 1993, e em setembro deste mesmo ano realizou-se o primeiro TMO. A partir daí, o programa de transplante de medula óssea jamais foi interrompido, estando muito próximo de alcançar em 17 anos de atividade a marca de 1.000 procedimentos realizados em suas diversas modalidades. O programa de TMO definiu uma linha de investigação local e internacional muito relevante, sendo nosso grupo acreditado pela European Bone Marrow Transplantation Group e pelo Registro Internacional de TMO (CIBMTR). Além disso, a unidade de Aféreses dirigida até hoje pelo Dr. José Francisco Marques Jr. assumiu o desenvolvimento do projeto de célula progenitora obtida a partir do san-

gue periférico e muitos projetos de investigação foram realizados nesta linha científica. Em julho de 1993, fui alçado ao cargo de Secretário de Estado da Saúde, onde permaneci até o final do governo de Luis Antonio Fleury Filho. É claro que este cargo me foi confiado pelo trabalho exercido no âmbito do Hemocentro da Unicamp e da Hemorrede da SES. É claro ainda que isso não teria sido possível sem a confiança de todos os dirigentes que acreditaram no projeto e nos profissionais que o levaram adiante. De outro lado, o comprometimento de dezenas de colegas e profissionais de saúde foi o que permitiu ao nosso Hemocentro chegar aonde chegou com muita qualidade, compromisso com a comunidade e reconhecimento em todas as suas atividades. O Hemocentro da Unicamp é uma referência nacional em pesquisas básicas e aplicadas, com centenas de estudos publicados ou apresentados; no ensino em seus vários níveis incluindo a Graduação; na Pós Graduação, onde centenas de alunos desenvolveram os seus mestrados e doutorados, e na Residência Médica, com a formação de dezenas de médicos especialistas e que estão exercendo suas atividades no próprio Hemocentro, em várias partes do Brasil e alguns fora do país; e, finalmente, na assistência hemoterápica e hematológica, onde milhares de doadores de sangue são recrutados e pacientes hematológicos são atendidos todos os meses. Por último, não poderia deixar de reconhecer e enaltecer o trabalho dos Professores (Profa. Irene Lorand-Metze, fundadora da Disciplina de Hematologia; Prof. Fernando Ferreira Costa, atual Reitor da Unicamp; Profa. Sara Saad e Profa. Joyce Maria Anicchino) e dos Médicos (Dr. Jordão Pellegrino Jr; Dra. Maria de Lourdes Barjas Castro, Dr. Marcelo Addas e Dr. José Francisco Marques Jr) que exerceram papéis de coordenador ou diretor nesses 25 anos de atividade. Devo agradecer também a todos os colaboradores, hoje mais de 300, que contribuíram e contribuem diuturnamente para o constante progresso e sucesso do Hemocentro da Unicamp. E, é claro, não poderia deixar de registrar minha gratidão àqueles que são a razão maior de nosso trabalho e entusiasmo: os doadores voluntários de sangue, que entregam parte do que têm de mais nobre para beneficiar anônimos seres humanos, e os nossos pacientes, que confiam suas vidas aos nossos cuidados.

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A gênese de uma proposta corajosa e ousada

SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE CAMPINAS


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A gênese de uma proposta corajosa e ousada

A mobilização de docentes da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp contra o monopólio de um serviço privado, responsável pelo fornecimento de sangue e hemoderivados para os procedimentos médicos da instituição, constituiu a gênese do Hemocentro. A bandeira da independência tremulou, no início dos anos 1980, empunhada por professores da Disciplina de Hematologia inconformados com o fato de o Hospital de Clínicas (HC) da Universidade não poder dispor de um serviço de Hemoterapia próprio, público e gratuito. O descontentamento e a insatisfação foram o combustível que alimentou a ousada e corajosa empreitada de um grupo idealista no rumo da criação de um centro hemoterápico autônomo e vinculado à instituição de ensino e pesquisa. Cortar o cordão umbilical, no entanto, exigiu determinação para o enfrentamento de obstáculos políticos e dificuldades iniciais como a falta de recursos, e até mesmo para a superação da desconfiança de colegas do corpo clínico da FCM a respeito da capacidade humana e técnica da equipe em prestar um atendimento adequado ao hospital. Até a inauguração das instalações próprias do HC no campus do distrito de Barão Geraldo, em 1986, a FCM e as especialidades médicas funcionaram provisoriamente, desde 1965, em espaços alugados do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Campinas, na região central da cidade. Na época, aproximadamente duas centenas de médicos, enfermeiros, alunos e resi-

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Professor Cármino e a conclusão do 1º prédio do Hemocentro (ao fundo) no início dos anos 90

dentes atendiam a média mensal de 5.000 pacientes. Sangue e hemoderivados necessários às transfusões eram comprados pela Unicamp de um serviço particular vinculado ao Hospital Irmãos Penteado, vizinho da Santa Casa. O procedimento não fugia à regra vigente no sistema de saúde nacional de então, quando quase todo o sangue e os hemoderivados destinados à rede hospitalar brasileira eram coletados, fracionados e distribuídos em grande parte por instituições privadas, que demons-

travam uma enorme resistência à implantação de uma hemorrede pública. O monopólio trazia uma série de inconvenientes aos usuários. “Tínhamos muita dificuldade com o banco de sangue. Mas, sem nenhuma alternativa, acabávamos nos submetendo a contratos onerosos para a Universidade e que não nos beneficiavam”, afirma o médico obstetra e ginecologista João Luiz de Carvalho Pinto e Silva, superintendente do HC de 1982 a 1985. “Éramos, infelizmente, prisioneiros daquela si-

Esquerda para direita: Oréstes Quércia, Magalhães Teixeira (prefeito de Campinas), Prof. Mário Mantovani (Superintendente do HC), José Aristodemo Pinotti (Reitor da Unicamp), Frederico Magalhães (Diretor da FCM) e Franco Montoro, governador do Estado de São Paulo na inauguração do HC da Unicamp.

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1 tuação absurda”. Em certa ocasião, ouviu o desabafo de dois angustiados docentes da FCM em um dos corredores da Santa Casa, próximo ao histórico anfiteatro do hospital denominado “Paulistão”, local de memoráveis aulas magnas e concorridas defesas de tese. Eram os professores Cármino Antonio de Souza e Irene Lorand-Metze, da disciplina de Hematologia. “Eles não suportavam mais a precariedade do serviço, incapaz de atendê-los adequadamente, e desejavam livrar-se do banco de sangue”, recorda-se João Luiz. “A Hematologia pretendia desenvolver novos tratamentos e proporcionar melhores condições de atendimento ao paciente, integrando a área de Hemoterapia, então terceirizada.” Os hematologistas não eram os únicos a se sentir incomodados com aquela constrangedora submissão. Havia uma queixa generalizada a respeito da instabilidade do atendimento prestado à Universidade e da má qualidade do produto disponibilizado pelo banco de sangue privado. “A Hemoterapia se tornara uma questão crítica para o hospital inteiro. O serviço não nos atendia preferencialmente e tinha dificuldade de oferecer uma assistência qualificada. Adiávamos cirurgias por falta de sangue e tínhamos sérias restrições à qualidade do produto que chegava às nossas mãos”, relata o infectologista Rogério de Jesus Pedro, docente

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A gênese de uma proposta corajosa e ousada

da FCM. “Constatávamos a frequente ocorrência de patologias transmitidas pelo sangue no atendimento aos nossos pacientes e associávamos isso à má qualidade do material fornecido”, revela Rogério.

Fermenta-se a cisão A crescente insatisfação fez amadurecer, no âmago da disciplina de Hematologia, a discussão em torno da proposta de implantação de um hemocentro que atendesse não só a Unicamp, mas tivesse abrangência regional, integrado à rede de assistência médica dos órgãos públicos. Tratava-se de um projeto ambicioso e arrojado, de grande alcance social, que visava a responder à grande carência de atendimento qualificado na área hematológica e hemoterápica naquele momento, e se revestia de grande interesse educacional e científico. O então avanço da AIDS como problema de saúde pública e os movimentos em torno de uma melhor qualidade de sangue fortaleceram, no começo da década de 1980, a ideia dos hemocentros públicos, vinculados a secretarias estaduais de saúde, universidades e instituições médicas de pesquisa, e prenunciava no Brasil um ciclo de profundas transformações em relação à política do sangue. “Existia uma nova orientação estratégica dentro do Ministério da Saúde, de constituir uma rede pública e acabar com a dependên-

cia dos bancos de sangue privados. O grupo da Hematologia da Unicamp estava imbuído da disposição de mudar esse panorama e convencido a criar na Universidade um hemocentro ligado a esse programa nacional”, lembra João Pinto. A intenção do grupo começou a ganhar contornos mais definidos quando, em 1984, Rogério de Jesus Pedro decidiu lançar-se candidato à chefia do Departamento de Clínica Médica da FCM (do qual a Hematologia era uma das disciplinas) e incluiu entre suas propostas de gestão a criação de um hemocentro vinculado à instituição de ensino. “Julgávamos que seria uma boa oportunidade para tentar reverter o quadro que vivenciávamos na Hemoterapia. Avaliávamos que a nossa Hematologia tinha condições de prover o serviço de maneira muito mais qualificada e estávamos convencidos de que o atendimento poderia ser substancialmente melhorado se estivesse vinculado ao Departamento de Clínica Médica”, argumenta o infectologista. “Inclui então com destaque em meu programa a criação de um hemocentro nos moldes daqueles que vinham sendo implantados no país, porque este era o caminho que certamente interessava muito mais à Faculdade de Ciências Médicas.” Entretanto, transferir para a Unicamp a responsabilidade pela gestão de um serviço hemoterápico era, naquela altura, questão das

mais complexas, cuja decisão não dependia da vontade única e exclusiva de uma disciplina ou de um departamento, já que envolvia a estrutura da Universidade. Sem a anuência e o comprometimento da reitoria, o plano não decolaria. Assim, antes de apresentar o projeto como promessa de campanha, Rogério teve a cautela de buscar o apoio do colega José Aristodemo Pinotti, então reitor da Unicamp, à viabilização da iniciativa. Como docente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FCM, Pinotti também convivia com as agruras do banco de sangue, e prontamente solidarizou-se com a ideia. - Você tem todo o meu apoio. Pode prometer, eu vou me empenhar! – assegurou o reitor a Rogério.

A costura No ano seguinte, Pinotti encarregou da viabilização do projeto de implantação do Hemocentro o físico Nelson de Jesus Parada, à época seu assessor especial para assuntos de pesquisa (cargo equivalente hoje ao de pró-reitor de Pesquisa). Em setembro, em ofício expedido ao diretor da FCM e ao superintendente do HC (à época o médico Mário Mantovani), Parada, em nome do reitor, designava a disciplina de Hematologia do Departamento de Clínica Médica para

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a coordenação técnico-científica do projeto, explicitando que, a partir daquela data, todos os entendimentos para funcionamento das futuras divisões de Hematologia e Hemoterapia passariam a ser tratados com o então coordenador da disciplina, Cármino Antonio de Souza. “O Cármino era o entusiasmado aglutinador da ideia de se criar o Hemocentro. Quando fui conversar com ele, constatei a existência de uma interação muito forte dele com outros centros onde havia aquele que já havia uma interação muito forte dele com outros centros onde havia aquele modelo de serviço pensado para a Unicamp, de um hemocentro vinculado a uma universidade, como a UNESP, de Botucatu, e o Hemope, de Pernambuco, do qual ele até obteve o modelo de documento necessário para se pleitear os recursos do Pró-Sangue”, testemunha Parada. O Programa Nacional de Sangue e Hemoderivados (Pró-Sangue) fora estabelecido em julho de 1980 pela Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação (Ciplan) – constituída por representantes dos Ministérios da Saúde, da Previdência e Assistência Social e da Educação e Cultura, para definir a política governamental para o setor. Cabia à Ciplan, a partir de estudos indicativos da insuficiência de cobertura regional de hemoterapia pelos órgãos públicos ou por outros serviços, examinar a conveniência da criação e da instalação de hemocentros no país.

Doador de sangue nas instalações dentro do HC

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Até que em 18 de outubro de 1985, em ofício encaminhado ao reitor, Parada apresentou o plano operativo do Hemocamp e solicitou as providências necessárias à sua implantação (com relação à contratação de pessoal, às instalações da unidade no HC e à aquisição de equipamentos e materiais de uso e consumo). Tratava-se de uma proposta de implantação operacional paulatina, bem estruturada e organizada, que partia de uma unidade planejada a princípio para atender as necessidades do HC, mas já previa o seu relacionamento com outros hospitais públicos e, finalmente, a transformava no Hemocentro regional, função que seria viabilizada com recursos cedidos pelo Prosangue. A implantação definitiva deu-se no mês seguinte, na sequencia da elaboração do estatuto do Centro e da nomeação de Cármino para ser o diretor do novo serviço.

Medo e desconfiança A costura da proposta relativa ao Hemocentro da Unicamp foi conduzida por Parada no segundo semestre de 1985 em encontros com membros dos setores da Universidade envolvidos em sua implantação e com representantes de instituições externas, em especial, dos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, e da Prefeitura Municipal de Campinas. Com esta, por meio do secretário municipal de saúde à época, Nelson Rodrigues dos Santos – também presidente da Comissão Inter-Institucional

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Municipal de Saúde de Campinas (CIMS) –, a Universidade firmou um protocolo de cooperação, seguindo as diretrizes do Pró-Sangue. O acordo estipulava condutas referentes à coleta e ao fracionamento de sangue no Hospital Municipal “Dr. Mário Gatti” e no HC da Unicamp, às normas técnicas e ao controle de qualidade na execução dos procedimentos, e estabelecia as bases da criação do Hemocentro Regional de Campinas. Possibilitava ainda à Prefeitura e à Unicamp receber recursos do Pró-Sangue.

Romper com o banco de sangue terceirizado arruinou relações e desgastou o grupo defensor da proposta no âmbito da FCM. Para convencer e mobilizar politicamente a Faculdade em torno da viabilidade do projeto tornou-se necessário vencer não só a resistência imposta pelo lobby do serviço privado – dirigido por um médico da instituição – interessado em manter o privilégio, mas também a insegurança de colegas do corpo clínico em relação

à mudança pleiteada. Havia ainda fortes restrições à verticalização das atividades médicas por meio da criação de núcleos ou centros de especialidades. “Concordavam que era preciso mudar, mas julgavam que a competência para resolver a questão não estava exatamente nas pessoas que propunham a solução”, comenta Rogério, eleito chefe do Departamento de Clínica Médica. De acordo com ele, havia a desconfiança de docentes dos demais departamentos quanto à capacidade de a Clínica Médica conseguir operar um banco de sangue, pois dominava de maneira restrita os procedimentos hemoterápicos e não dispunha da infraestrutura para funcionamento do serviço. O receio quanto aos riscos da medida aflorou na acalorada e polêmica sessão da Congregação da FCM em que se decidiu pelo fim do contrato terceirizado e pela criação do Hemocamp. Em meio aos debates inflamados, a contundente interpelação de um colega pegou Rogério de chofre, silenciou a sala e, durante alguns segundos, pôs o projeto em xeque. -- Quer dizer que, a partir deste momento, se na cirurgia o meu paciente necessitar de uma transfusão, é à Clínica Médica que eu devo me dirigir e solicitar o sangue? Rogério percorreu com os olhos os participantes até pousá-los em Cármino, que acompanhava o encontro, compartilhando com ele

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o questionamento. Recebeu de volta em cumplicidade um discreto, porém firme aceno de cabeça positivo. Só então respondeu: - Sim, nós providenciaremos o sangue! – asseverou.

O projeto sai do papel Aprovada a criação do Hemocentro, foi preciso começar a organizar a infraestrutura necessária ao seu funcionamento, mas sem descuidar de prover minimamente o hospital nesse ínterim. Valendo-se de seu amplo relacionamento com o hemocentro da UNESP, Cármino trouxe de Botucatu, em um seu próprio carro, um pequeno lote de bolsas de sangue para poder assegurar o abastecimento do HC, e passou a articular outras providências. “Sabíamos quais deveriam ser os caminhos para resolver os problemas, mas não tínhamos nenhuma facilidade de soluções. Foi um momento de muita coragem para assumir a responsabilidade pelo serviço de sangue, pois rompíamos com uma estrutura que, embora não nos servisse adequadamente, já estava pronta, e assumíamos o desafio de tirar o nosso projeto do papel, enfrentando inúmeros desafios de ordem técnica e econômica”, lembra Rogério. “Foi um trabalho árduo de dois anos, em que toda a equipe da Hematologia dedicouse à causa, em especial o Cármino, que foi o precursor da ideia e o tempo todo esteve na li-

nha de frente do processo.” O gastroenterologista Antonio Frederico Magalhães dirigia a Faculdade de Ciências Médicas e presidia o grupo responsável pela construção do HC da Unicamp no período de criação do Hemocamp. Ele destaca a ocorrência de uma conjunção de fatores que influenciaram favoravelmente a implantação do Hemocentro: a gravidade da epidemia de AIDS como problema de saúde pública, que possibilitou o afluxo de recursos materiais e humanos para organismos voltados à pesquisa e à assistência na área da Hematologia em todo o mundo, e a transição histórica que marcou a transferência da FCM e das atividades hospitalares da Santa Casa para Barão Geraldo. “Foi uma época de grande ebulição, e a proposta do Hemocentro da Unicamp respondia às preocupações e demandas de ordem científica e sanitária para a Hemoterapia que se apresentavam naquele momento na região de Campinas. A inauguração do HC no cam-

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1 pus possibilitou que a Unidade dispusesse de um espaço físico próprio e, com recursos que foram obtidos posteriormente, estruturasse adequadamente seus serviços de atendimento à população”, acentua. Não se pode esquecer, salienta Frederico, que nas raízes do bem-sucedido projeto da criação do Hemocentro está a qualificada formação proporcionada a grande parte de seus profissionais pela disciplina de Hematologia da FCM. “O embrião foi a disciplina de Hematologia. Posteriormente, as circunstâncias levaram à necessidade de se avançar as fronteiras do conhecimento na direção de pesquisas e atendimento no campo da Hemoterapia”, ele pondera. “Desde então, o Hemocentro vem se destacando como a grande entidade acadêmica que hoje conhecemos: é referência nacional e uma instituição à altura das expectativas da sociedade.” O Hemocamp deu início às suas atividades simultaneamente à inauguração do complexo hospitalar da Unicamp, em 1986. Na mudança, o banco de sangue já estava funcionando ligado à disciplina de Hematologia e à Clínica Médica. Suas instalações no HC não eram ainda as definitivas, mas conseguiam prover a demanda do hospital naquela época. Durante os primeiros meses, em uma acanhada sala no HC, um dedicado grupo de biólogas e um médico transfusionista não raro viravam a noite

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realizando tipagem, prova cruzada e entregando bolsas de sangue na enfermaria e no centro cirúrgico. Ao compor a equipe, Cármino escolheu a dedo os profissionais com quem desejava trabalhar. Vieram os médicos Carmem Silvia Passos Lima, Luis Gonzaga Catto e Maria Cecília Navarro de Araújo; e as biólogas Isolette Aparecida Tomazini, Maria Cecília Teori, Maria Tereza Teori, Maria de Fátima Sonati Motta, Neiva Sillen Lopes Gonçalves e Silvia Barbosa Dutra da Silva. Para a área transfusional, Cármino solicitou a participação de um trio de especialistas da Faculdade de Medicina da UNESP, de Botucatu, e envolvidos no projeto do Hemocentro da Universidade: os docentes Jordão Pellegrino Júnior, Fábio Cardoso Ivan Lilian Maria de Castilho. Convidados a princípio para participar e colaborar diretamente no planejamento e instalação do projeto, acabaram sendo posteriormente incorporados ao quadro docente da FCM. A primeira transfusão do Hemocamp deuse em 15 de março de 1986. Alguns meses depois, o Centro ampliou suas instalações com a implantação dos laboratórios no segundo andar do HC. Em 1988, os serviços passaram para o piso térreo do Ambulatório de Primeiro Atendimento (APA) com a ampliação da coleta e fracionamento. Finalmente, em 1990, com financiamento do BNDES, foi inaugurado o prédio I, que ampliou consideravelmente as

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atividades da Unidade. A construção do primeiro prédio, de 2.000 metros quadrados, bem como a ampliação do quadro de hematologistas e o desenvolvimento de um programa de comunicação social e informática especificamente voltado à Hematologia e Hemoterapia, ocorreram na gestão do então reitor Paulo Renato Souza (19861990), atual secretário de Educação do Estado de São Paulo. Ele se recorda que em sua administração não só foi concluída a implantação do Hospital de Clínicas, mas também obtidos recursos que possibilitaram criar unidades e serviços que passaram a funcionar em coordenação com o HC e ampliar substancialmente as atividades de outras, como o Hemocamp. “Naquele momento de propagação da epidemia da AIDS, tornou-se essencial ampliar as atividades do Hemocentro”, observa Paulo. Como resultado, a Unidade tornou-se modelo para o Programa de Controle Emergencial de Hemoterapia e Hematologia implantado na ocasião em todo o Estado de São Paulo. O ex-reitor ressalta que o Hemocentro é exemplo da preocupação constante da Unicamp com a excelência não só acadêmica, mas também nos serviços à comunidade. “Sempre confiei muito na equipe comandada pelo Cármino, um profissional extremamente sério e competente. Tive a satisfação de poder trabalhar com várias pessoas como ele na Unicamp, que lideraram projetos pioneiros

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1 e ajudaram a colocar a Universidade na linha de frente da pesquisa, do ensino e da extensão em diferentes setores”, salienta. Professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da FCM/Unicamp e especialista em Saúde Pública, Nelson Rodrigues dos Santos chama a atenção para o papel estratégico que o Hemocentro passou a desempenhar na política e execução das ações relacionadas com o sangue no Estado. A instituição, ele enfatiza, serviu de modelo para a implantação de hemocentros públicos vinculados às universidades (portanto, com atuação alicerçada no tripé ensino, pesquisa e assistência) e com

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autonomia regional para as ações de captação, até então centralizadas na capital. O processo deu-se no período em que ele e Cármino tiveram atuação destacada na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, convidados por José Aristodemo Pinotti, responsável pela pasta de 1987 a 1991. Nelson coordenou a municipalização da saúde e Cármino a criação da rede pública estadual de hemocentros – cujo objetivo era descentralizar o atendimento no interior –, vinculando esses órgãos a hospitais universitários em municípios considerados pólos regionais e que já dispunham de uma boa infraestrutura de hemoterapia.

“Foi uma iniciativa ousada e bem-sucedida, conduzida de forma muito competente pelo Cármino, em que se estabeleceu um sistema de organização e atuação pautado por normas científicas, técnicas e éticas na coleta e na distribuição do sangue”, frisa Nelson. Como se verá nas próximas páginas, os anos seguintes à implantação, especialmente os da década de 1990, representaram para o Hemocentro um período profícuo em ações que contribuíram para fixá-lo como entidade de referência técnica e política na área da Hematologia e Hemoterapia, consolidando a sua vocação pioneira.

A criação do Hemocentro foi uma decisão na qual mergulhamos de cabeça, porque havia o total respaldo da reitoria e o consenso no âmbito do HC e da Clínica Médica, através da disciplina de Hematologia, de que era preciso dotar a Unicamp de um serviço próprio de hemoterapia. A convicção que tivemos na época de acabar de forma definitiva com a nossa dependência de um grupo externo da Faculdade modificou a história do sangue dentro do HC. O Hemocentro respondeu com uma qualidade enorme ao desafio proposto na ocasião e ampliou em muitas vezes aquilo que pensávamos que ele deveria ser. Graças à qualificação técnica e profissional, sua equipe fez muito mais que transfusões de sangue, desenvolvendo pesquisas para patologias emergentes e construindo uma trajetória acadêmica de muito sucesso. Prof. Dr. João Luiz de Carvalho Pinto e Silva, superintendente do HC da Unicamp (1982-1985).

Doadores de sangue no início dos anos 90 no prédio novo

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Primeiros pacientes atendidos no ambulatório do Hemocentro

O Hemocentro é uma utopia transformada em realidade, cujo alcance superou todas as expectativas. Pensado originalmente como um competente serviço, para proporcionar assistência qualificada aos nossos pacientes, hoje é muito mais que isso: uma estrutura bastante completa, com atendimento modelar, que compensou todos os nossos esforços iniciais. Graças ao empenho e à coragem de toda a disciplina de Hematologia, liderada pelo Cármino, e com a participação importante do Departamento de Clínica Médica, é que se pôde construir o que aí está. Houve desgaste, acidentes de percurso, mas nada nos esmoreceu, porque estávamos imbuídos de fazer o melhor pela FCM. Olhando para trás, vejo que a gente não tinha a menor ideia do que o Hemocentro viria ser depois. A decisão de criá-lo foi absolutamente correta. Rogério de Jesus Pedro, chefe do Departamento de Clínica Médica da FCM da Unicamp (1984-1986)

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A insegurança do corpo clínico do HC na ocasião era natural e se justificava pelo temor quanto à possibilidade de vir a faltar sangue e transfusionistas no hospital. Mas essa preocupação não poderia ser o motivo da inviabilização do Hemocentro. Ademais, havia o apoio incondicional do Prof. Pinotti, então reitor, que também era médico e havia sido diretor da FCM. Se houvesse algum inconveniente ou se ele tivesse identificado algum tipo de risco, teria rechaçado o projeto imediatamente. Mas ele sempre teve uma visão acadêmica e administrativa muito ampla e sabia da importância que aquilo tinha para o serviço prestado pela Unicamp na saúde. Prof. Dr. Nelson de Jesus Parada, assessor especial da reitoria da Unicamp (1982-1986).

A criação do Hemocentro coincide com uma época de grandes desafios e avanços científicos na Hemoterapia. Tivemos a felicidade de poder dispor naquele momento, na Hematologia da Unicamp, de pessoas competentes e com iniciativa para desenvolver os meios que permitiram disponibilizar o conhecimento gerado pelas pesquisas sob a forma de serviços cada vez mais qualificados para a população de nossa região. Hoje o Hemocentro influencia toda a Região Metropolitana de Campinas, é uma respeitada instituição acadêmica que desenvolve em seus laboratórios estudos pioneiros, enfim, alcançou dimensões que não imaginávamos. Só dá orgulho ter o Hemocentro sediado na Unicamp. Prof. Dr. Antonio Frederico Magalhães, diretor da FCM da Unicamp (1984-1988).

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Professora Sara Saad e equipe nas instalações dentro do HC da Unicamp

Tenho anemia falciforme e comecei o tratamento ainda na Santa Casa. Eu morava e trabalhava como cozinheira em Leme, e fui encaminhada após ser diagnosticada em uma consulta no antigo INPS de Campinas. Até então, eu não sabia da existência do problema e nem como tratá-lo. Nasci em Machado, Minas Gerais, depois morei em São Paulo, e desde criança o que eu sempre ouvi dos médicos era que eu tinha reumatismo. Sentia muitas dores, vivia com a saúde abalada, sem ânimo para nada e internada em hospitais. Por causa da doença quase não ia à escola e sequer consegui estudar direito. Só comecei a melhorar depois que passei a ser atendida pelo Hemocentro. Hoje, graças à Deus e aos médicos da Unicamp, aos remédios e às orientações recebidas, eu posso afirmar que comecei a viver de verdade. Com o tratamento eu pude fazer coisas que antes eram praticamente impossíveis, como sair para passear e me divertir. Gosto bastante de bailes e até de concursos de dança eu participei. Quem me conhecia antes não podia acreditar na mudança. O Hemocentro restaurou a minha vida. Maria Luiza da Silva, paciente mais antiga do Hemocentro.

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Hemocentro da Unicamp

A trajetória da disciplina de Hematologia e Hemoterapia

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Profa. Dra. Irene Lorand-Metze Coordenadora Associada

uando, em 1965, foi implantado o Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp (chefiado pelo Dr. Silvio S. Carvalho) houve a necessidade da contratação de docentes especializados em áreas específicas para seu ensino no currículo de graduação. A contratação do Departamento era então generalista e de correlação clínica. As enfermarias e ambulatórios (na Santa Casa) eram gerais, e as internações por demanda. Não havia disciplinas constituídas formalmente. O Banco de Sangue do Hospital era terceirizado. Naquela época, adotava-se o padrão de transfusão de sangue total. O Dr. Sidnei Arcifa, formado na Universidade de São Paulo (USP), veio a ser o primeiro hematologista contratado, em 1968. Mas, após curto período, ele foi para a iniciativa privada. Eu fui contratada como docente em 1971, ao terminar a residência, o mesmo ocorrendo com o Prof. Dr. Cármino Antonio de Souza, que se incorporou em 1978. O Prof. Dr. Júlio Roberto Correa, formado na Faculdade de Marília, se tornou nosso terceiro docente, porém ficou até 1983 e voltou à sua instituição de origem, sendo então substituído pela Profa. Dra. Sara T. O. Saad. No início, a disciplina de Hematologia cuidava de crianças e adultos. O tratamento de LLA (Leucemia Linfocítica Aguda) era feito apenas com corticóides. Isto, para dizer que a nossa disciplina de Hematologia e Hemoterapia desenvolveu-se paralelamente à modernização, em nível internacional, da nossa especialização. Basta lembrar que o primeiro protocolo de quimioterapia moderna para LLA foi publicado na década de 1970. O esquema MOPP para o tratamento do linfoma de Hodgkin foi descrito

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em 1972. Nessa época, também que se desenvolveram as bases da imunologia moderna, com a consequente revisão definitiva da classificação dos linfomas, o que resultou na proposta da OMS, hoje universalmente aceita. No final dos anos 1970, a Pediatria desenvolveu sua área de concentração de Hematologia Infantil por meio da Profa. Dra. Silvia Brandalise, vinda da atual Unifesp. Embora até hoje ainda haja uma interface de limites pouco precisos nos diversos tipos de doenças hematológicas benignas e malignas, durante vários anos também tivemos uma interação importante com o Departamento de Genética Médica Especial, por meio do Dr. Antonio Sérgio Ramalho, na área de Hemoglobinopatia. A interface com a Anatomia Patológica também sempre foi uma preocupação nossa, porque na nossa especialidade dependemos de diagnóstico anatomo-patológico, principalmente dos linfomas. Assim, estimulamos o intercâmbio. Naquele momento, o residente interessado e que depois, nos anos 1980, viria a se especializar, foi o Prof. Dr. José Vassallo, que mantém parceria com a nossa disciplina até hoje. Abro aqui um parêntese para lembrar que, desde o início, tínhamos a consciência de que nossa especialidade é clínico-laboratorial, e que um diagnóstico correto depende disso. Assim, no fim dos anos 1970, ganhamos o nosso primeiro laboratório, onde inicialmente fizemos os exames citológicos. Durante o meu pós-doutorado em Kiel, Alemanha, tive contato pela primeira vez com uma rotina de biópsia de medula óssea, o que não era usual no Brasil. Aproveitei a oportunidade para fazer um treinamento nesta área, e, constatando sua utilidade, na volta ao Brasil eu trouxe o material de punção, o que permitiu iniciar a coleta na nossa disciplina, em parceria com o Departamento de Anatomia Patológica. Nessa época, também estabelecemos as reuniões conjuntas semanais para discutir em equipe os casos mais difíceis, olhando a citologia do sangue periférico e a medula óssea ou o linfonodo, além da biópsia (medula ou linfonodo). Esses encontros de caráter essencialmente diagnósticodidático permanecem sendo organizados até hoje, passados mais de 25 anos de sua implantação, com a mesma periodicidade e sem interrupções. Têm sido um excelente treinamento para os residentes. Atualmente, reuniões semelhantes são usuais em outras faculdades no Brasil. Em 1985, quando mudamos para o atual Hospital de Clínicas (HC)

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da Unicamp, pudemos expandir a nossa área física, com mais leitos na enfermaria, mais salas de consulta no ambulatório e, finalmente, uma primeira ala de laboratórios. Neste contexto foi fundado o Hemocentro. A disciplina de Hematologia apareceu no seu organograma como Divisão de Hematologia, com a Faculdade de Ciências Médicas, da qual somos docentes. Na realidade, a disciplina é hoje “Hematologia e Hemoterapia”, como é reconhecida pela AMB. Se a Hematologia evoluiu por influência dos docentes que passaram a incorporar os novos conhecimentos na área através de estágios no exterior e pós-doc, entre outras modalidades de especialização, a Hemoterapia se desenvolveu especialmente após a formação do Hemocentro e no início da epidemia de AIDS. A partir da criação do Hemocentro, assumimos o Banco de Sangue do HC e aumentamos o número de laboratórios. Foram implantados inicialmente o CFU, a cargo da Profa. Dra. Mary Lucy Queiroz, hoje docente do Departamento de Farmacologia, e o Laboratório de Citogenética. Com a vinda do Prof. Dr. Fernando Ferreira Costa, em 1990, que já era docente na USP-Ribeirão Preto, além das pesquisas conduzidas pela Profa. Sara e pelo Prof. Sérgio na Genética, ganhou grande impulso a área de pesquisa em hemoglobinopatia. No final dos anos 1980, também foi contratada como docente a Profa. Dra. Joyce M. Annichino Bizzachi, ex-residente da Unicamp, e que se dedicou ao estudo de Hemofilia e Hemostasia em geral. A mudança para edifício próprio possibilitou a expansão da disciplina/ divisão, que passou a dispor de ampla área ambulatorial e de vários novos laboratórios de rotina e de pesquisa (Marcadores Celulares/Citometria, Hemoglobinopatias e Hemostasia, por exemplo). Muitos deles estão instalados no segundo prédio, que ficou mais dedicado às atividades científicas e à administração. Em 1993, com a vinda do Dr. Wellington, da UFMG, e do Prof. Dr. Cármino Antonio de Souza, implantou-se a modalidade de Transplante de Medula Óssea (TMO). Hoje, a nossa unidade de Transplante de Medula é uma das maiores do país. Foi a partir dela que o Prof. Cármino pode intensificar a investigação na área e tornar o TMO uma linha de pesquisa no Brasil. Participamos ainda do BrasilCord com um banco local de sangue de cordão, coordenado pela Dra. Ângela Luzo. Mais recentemente, também se consolidou em nossa divisão a área de Pesquisa Clínica.


Avanços e grandes conquistas na dÊcada de 1990


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Equipe de TMO do Hemocentro e do HC da Unicamp

Após a estabilização de suas atividades iniciais, o Hemocentro pôs em marcha na década de 1990 um processo de ajustes em suas operações, com o objetivo de conformá-las aos padrões internacionais. O processo envolveu a superação de desafios, mas também trouxe avanços, melhora de indicadores de desempenho e proporcionou conquistas que foram determinantes para a configuração do padrão exemplar de pesquisas e de serviços da Instituição nos anos seguintes. Contribuiu também para o estabelecimento de paradigmas de regulação do setor em âmbito nacional. A primeira medida foi a adequação da relação do Hemocamp com os serviços de hemoterapia privados da região – providência que contou com o respaldo da Procuradoria Geral

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da Universidade em sua viabilização. Por meio de ações administrativas pioneiras em todo o território nacional, amparadas em parecer de auditoria do Ministério Público Federal, a Unidade instituiu procedimentos de ressarcimento dos exames laboratoriais e do fornecimento de hemocomponentes a serviços hospitalares particulares. Este modelo, implantado entre os anos 1995 e 1998, em conjunto com a experiência de outros hemocentros, serviu como base para uma regulamentação nacional de tal rotina. Desde a metade dos anos 90, a demanda por sangue e hemoderivados crescia consideravelmente como consequencia das campanhas nacionais de doação de sangue. Era preciso uma adequação de área física, com Doação de aférese nos anos 90

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2 reestruturações e a construção de novos espaços. Uma das decisões nessa direção foi erguer o prédio II do Hemocentro (leia mais adiante). Destaque-se ainda, na ocasião, a reforma para instalação de consultório dentário para atendimento a pacientes hematológicos. Simultaneamente, houve o incremento da qualificação de recursos humanos, por meio do treinamento do quadro em outras instituições, inclusive no exterior, e da titulação em nível de pósgraduação do pessoal de nível superior. Resultado: atualmente o Hemocentro está entre os principais do Brasil, com o maior número de PhDs por metro quadrado. Além disso, detém o maior índice de captação de recursos por metro quadrado para pesquisa no Estado. Naquele mesmo período, investiu-se em

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automação e na centralização de atividades. O Hemocentro adquiriu um equipamento com grande capacidade e completamente automatizado para a realização de testes imunohematológicos de doadores de sangue, e centralizou as atividades de processamento e de liberação de hemocomponentes, após a interrupção desta atividade nas unidades de coleta do Hospital Celso Pierro (mantido pela PUC-Campinas) e do Hospital Municipal Mario Gatti (administrado pela Prefeitura de Campinas). Paralelamente, criou-se o Laboratório de Controle de Qualidade e Biossegurança, que tem até hoje como responsabilidades: a realização dos procedimentos de controle de qualidade de hemocomponentes e de reagentes de imunohematologia eritrocitária adquiridos ou

produzidos internamente; o controle de qualidade de insumos críticos como bolsas de coleta de sangue e outros; a gestão dos pareceres técnicos de amostras de produtos e do programa de validação de processos; e o treinamento dos colaboradores em biossegurança. Para apoiar estas ações de treinamento, instituiu-se a Comissão de Biossegurança, cuja atuação se mantém até os dias atuais. “A implantação do laboratório alavancou ações voltadas ao estabelecimento de programas de gestão da qualidade”, destaca o Dr. Marcelo Addas Carvalho, à época exercendo sua primeira gestão à frente da Divisão de Hemoterapia. Um vultoso investimento em infraestrutura e na contratação de recursos humanos especializados foi ainda alocado no hemonúcleo de Piracicaba, unidade da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo que passou a ser gerenciado pelo Hemocamp, por meio da formalização de uma parceria que tinha como propósito permitir a aprimoramento das atividades da unidade piracicabana. Posteriormente, outros hemonúcleos passaram a ser coordenados pelo Hemocamp, como consequência da reorganização de toda a rede. Os serviços foram ampliados e modernizados no âmbito de um relevante programa para redução de custos e aumento de eficiência nos procedimentos, com vistas a assegurar a qualidade dos produtos derivados do sangue

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coletado e processado. Recursos da ordem de R$ 300 mil foram liberados à época pelo Ministério da Saúde para compra de equipamentos e implantação de uma rede de informática nos hemonúcleos de Piracicaba, Casa Branca, Itapira, Bragança Paulista e Taubaté, todos vinculados ao Hemocamp.

cional foi implantado e aperfeiçoado no período, com a realização de campanhas educacionais e de coleta de sangue em toda a região.

Unicamp. A Instituição se posiciona hoje entre os hospitais que mais realizam esse tipo de procedimento no Brasil (é a quarta instituição

Atualmente, as coletas realizadas em cidades circunvizinhas a Campinas correspondem a até 35% de todas as bolsas coletas pelo Hemocamp.

Estabilidade

Transplante de medula óssea

No período de 1999 a 2001, alcançou-se uma tranquilizadora estabilidade no abastecimento de sangue, não ocorrendo mais insuficiência de estoques de hemocomponentes. Essa condição só foi possível graças à estruturação do processo de captação de doadores junto a pacientes internados no complexo hospitalar da Unicamp, viabilizada por meio de uma parceria profícua entre a administração do Hemocentro, do Hospital de Clínicas (HC) e do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism). A situação mais confortável em termos de estoque de sangue permitiu que medidas destinadas à desativação de serviços de hemoterapia de pequeno porte na região fossem desencadeadas, apoiadas pela Secretaria de Saúde e em conformidade com a estratégia da hemorrede estadual, permitindo assim a centralização das ações de coleta de sangue na região de abrangência do Hemocentro. Um programa vitorioso e de referência na-

Um acontecimento emblemático dos avanços empreendidos nos anos 1990 no Hemocentro foi o primeiro transplante de medula óssea, em 15 de setembro de 1993, em uma paciente portadora de leucemia aguda, e que se converteu no marco inicial da criação da Unidade de Transplante de Medula Óssea (TMO) da

do país em volume de procedimentos), e está entre as melhores da América do Sul em pesquisa acadêmica e atendimento. A implantação do programa de transplante – assim como o início da construção do prédio II – deu-se na gestão do reitor Carlos Alberto Vogt (1990-1994), atual secretário de Ensino Superior do Estado de São Paulo. Para viabilizá-lo, o Hemocentro contou com uma verba extra-orçamentária de US$ 250 mil liberada pelo Estado, valor que era equivalente ao investimento necessário para a realização do mesmo procedimento nos Estados Unidos, lembra o coordenador do Hemocentro, Prof.

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Novo prédio, resposta à maior demanda

Dr. Cármino Antônio de Souza, responsável pela criação da Unidade de TMO na Unicamp. Em 2009, ao comemorar 15 anos do primeiro transplante, a Unidade contabilizava 850 procedimentos realizados, número revelador do sucesso e do progresso tecnológico e científico que qualificam a Instituição aos olhos do cenário nacional e internacional. O serviço de TMO começou a ser planejado em 1991, a partir do momento em que o Hemocentro estava suficientemente estruturado para a área assistencial. “Começamos com uma área de vinte metros quadrados no HC e hoje mantemos um módulo hospitalar com sete apartamentos e nove leitos, com filtragem HEPA”, salienta Cármino. Em 17 anos, a equipe do Hemocentro e do HC da Unicamp acumulou ampla experiência na estruturação do grupo multidisciplinar, dispondo de médicos e enfermeiros treinados

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no Brasil e no exterior para proporcionar ao paciente transplantado o constante e adequado acompanhamento médico de que necessita. A Unidade de transplante é formada por cerca de 40 profissionais e é praticamente a mesma desde a realização do primeiro procedimento. O serviço nunca sofreu paralisação e desenvolveu vários programas como o trans-

desenvolvimento e o emprego de novas técnicas, entre elas o transplante de intensidade reduzida. Desse modo, em tempos de avanços tecnológicos constantes, o aperfeiçoamento de métodos está dentro das prioridades da Instituição. Exemplo dessa preocupação é que, sete anos após ser implantado e ter somado quase 300 transplantes realizados, a Unidade iniciou

plante de medula alogênico e o autólogo. Hoje, o maior número de transplantes envolve leucemias agudas, conduta habitualmente mais onerosa e de maior permanência hospitalar. Dados estatísticos revelam que 50% dos pacientes transplantados são da região de Campinas, 20% de outras cidades do Estado e 30% de outros estados. De acordo com coordenador do Hemocentro, nos últimos 15 anos ocorreram significativas mudanças no cenário dos TMOs, com o

em 2000 uma nova fase de pesquisa médica, apresentando um inédito programa de minitransplante alogênico. Neste procedimento, que utiliza a técnica de não destruir a medula óssea totalmente, o paciente recebe outra medula, que passa a conviver temporariamente ou mesmo definitivamente com a medula óssea do doador. Inovadora, a técnica do minitransplante é destinada a pacientes idosos, com condições de saúde debilitadas, ou a portadores de doenças genéticas.

As obras do prédio II do Hemocamp foram concluídas no final de 2000. Com uma área útil total de 2.640 metros quadrados, a nova unidade passou a concentrar 19 laboratórios, o refeitório, o setor administrativo e a coordenadoria. Ao todo, cerca de 120 funcionários foram abrigados nas novas instalações. A construção do prédio II começou no início dos anos 90. Na ocasião, o Hemocentro realizava perto de 7.000 consultas anuais no ambulatório e coletava 20.000 bolsas de sangue. Esses números tinham mais do que duplicado quando da entrega do empreendimento. No primeiro pavimento foram distribuídos os laboratórios de biologia molecular e de investigação hemorrágica e trombótica, de citogenética, de multiusuários, sala de estudos, sala de preparo de reagentes e câmara escura. O segundo pavimento foi destinado aos laboratórios de terapia gênica, de cultura de células, de cultura e extração de vírus, de manipulação de vírus PCR e da sala de expurgo. Ainda no segundo andar foram instalados o laboratório de controle de qualidade, a CFU e a expansão da biologia molecular. A capacidade do novo refeitório aumentou de 28 para 66 lugares, proporcionando aos usuários uma infraestrutura moderna, com melhor circulação e conforto, em um ambiente totalmente climatizado. Com a inauguração do prédio II, o Hemocentro passou a ocupar na época uma área total de 5.519 metros quadrados, divididos em dois prédios, e a reunir um contingente de 385 funcionários que atuavam em 14 laboratórios e em ambulatórios, coleta de sangue, armazenamento e administração.

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2 Hemocentro também é referência na segurança ambiental A elaboração e execução de projetos para o gerenciamento adequado de resíduos sólidos da área da saúde entrou na pauta das preocupações da Unicamp em 1989. Após algumas tentativas de abordagem do problema que não apresentaram os resultados desejados, criouse em 1995 um grupo técnico formado por profissionais da instituição e da Prefeitura Municipal de Campinas. Assessorado pelo setor de Medicina Preventiva e Social da Universidade, o grupo elaborou o plano operacional de um projeto com ações para o enfrentamento da situação. A proposta propunha medidas efetivas para o aprimoramento do manejo dos resíduos, desde a geração até o destino final, priorizando em um primeiro momento os resíduos

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sólidos. Apresentado ao Conselho para Assuntos Assistenciais da Área da Saúde (CAAAS) da Unicamp, o plano foi aprovado e implantado. Desse modo, em julho de 1997, o Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS) começou a ser colocado em prática no Hemocentro, coordenado pela enfermeira Maria Gineusa de Medeiros e Souza. Para isso, algumas ações foram importantes como o envolvimento da alta gerência, a realização de palestras de sensibilização, a formação do grupo de facilitadores e multiplicadores e o mapeamento de todos os resíduos gerados em cada área. Naquele mês, iniciou-se também a coleta seletiva dos resíduos nas áreas administrativas, e em fevereiro do ano seguinte o programa foi expandido para todo o Hemocentro Ainda em 1998, com a finalidade de aten-

der a legislação vigente à época (Resolução Conjunta SS/SMA/SJDC – 1, de 29 de junho de 1998), foi elaborada a primeira versão do Plano de Gerenciamento de Resíduos do Hemocentro. Três anos depois, houve a construção do Abrigo Externo de Resíduos. Sua área foi dimensionada para armazenar o volume de resíduos gerados diariamente e conta com um local para pesagem do lixo, três salas para o armazenamento de cada tipo de resíduo (infectantes, comuns não recicláveis e comuns recicláveis), área para lavagem e armazenamento dos carros coletores e vestiário para os funcionários.

Manejo adequado Em 2001, foi implantado na Unicamp o Programa Gestor de Resíduos Radioativos, Biológicos e Químicos com o objetivo de definir normas e procedimentos para o manejo adequado desses resíduos na Universidade. Seguindo as orientações do grupo, realizou-se o levantamento de todos os resíduos químicos, passivos e ativos gerados no Hemocentro. Em dezembro de 2005, o primeiro carregamento de resíduos químicos, composto por 111 caixas e totalizando 1.121 quilos, foi encaminhado para incineração. O PGRSS do Hemocentro baseia-se nas seguintes legislações: Resolução ANVISA RDC nº

306, de 07/12/2004, que dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde; Resolução CONAMA nº 358, de 29/04/2005, que dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências; e Resolução SMA SP 33, de 16/11/2005, que dispõe sobre procedimentos para o gerenciamento e licenciamento ambiental de sistemas de tratamento e disposição final de resíduos de serviços de saúde humana e animal no Estado de São Paulo Para atender a essa legislação, em 2006 foi construído o Abrigo de Resíduos Químicos, formado por uma área de 24,6 metros quadrados dividida em uma sala para o armazenamento dos resíduos (19,2 metros quadrados) e uma área externa (5,4 metros quadrados). A sala de armazenamento tem capacidade para aproximadamente 135 caixas, volume correspondente à quantidade de resíduos gerados em 12 meses. É dotada de aberturas para ventilação que mantêm amena a temperatura do ambiente, e tanto seu piso como as paredes são revestidos de material resistente, impermeável, lavável e com acabamento liso. Possui ainda um sistema de captação destinado a drenar líquidos derramados no interior da sala para uma caixa de contenção, possibilitando o seu recolhimento e acondicionamento correto. A área externa é provida de

uma pia para lavagem das mãos, um chuveiro de segurança e um lava olhos.

Reuso gera economia Atualmente, o PGRSS do Hemocentro tem como principais objetivos desenvolver atividades educativas, acompanhar a cadeia geradora de resíduos, identificar pontos críticos e implementar ações para diminuição contínua de lixo e para reuso de materiais. Nesse sentido, preconiza ações voltadas para redução, reuso e reciclagem de resíduos e para uso de lixeiras corretamente identificadas de acordo com cada tipo de resíduo, conforme o estabelecido pela legislação. Exemplos de soluções adotadas: a fim de adequar as lixeiras das áreas administrativas aos padrões de reutilização, as caixas de papelão descartadas são utilizadas para a confecção artesanal dos recipientes, prática que gerou importante economia referente aos custos de aquisição de lixeiras novas. Para os laboratórios foram confeccionadas lixeiras de bancada feitas com pote de sorvete, o que permitiu a retirada de aproximadamente 20 lixeiras de 30 litros das instalações e colaborou para a significativa diminuição do consumo de sacos plásticos brancos. Desde sua implantação, o PGRSS do Hemocentro tem sido citado como referência

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nacional. A atual gerente do programa, a enfermeira Claudia Spegiorin Vicente, recebe visitas frequentes de profissionais de diferentes regiões do Brasil em busca de um modelo de gestão na área e interessados em conhecer os abrigos de resíduos sólidos e químicos. De acordo com ela, foram necessárias adequações constantes para assegurar a continuidade do PGRSS, como a realização de um trabalho educativo contínuo, a aquisição de novos materiais e a destinação de novos espaços. “Ao avaliar os resultados obtidos, torna-se evidente que o envolvimento e comprometimento dos funcionários foi fundamental. No entanto, é importante ressaltar que a valorização desse trabalho e o constante apoio recebido dos coordenadores do Hemocentro também foram essenciais para o sucesso alcançado”, afirma Claudia.

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Contribuições ao desenvolvimento do Hemocamp

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Hemocentro da Unicamp

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Profa. Dra. Sara Saad

Coordenadora do Hemocentro (gestões 1994-1995 e 1996-1998)

m julho de 1994, assumi a coordenação do Hemocamp, substituindo o Prof. Fernando Ferreira Costa. Em dezembro, fui eleita coordenadora para o período 1995-1996 e reeleita para o biênio 1996-1998. Durante a minha gestão, algumas etapas importantes foram cumpridas, com a valiosa contribuição dos servidores e docentes da instituição. Uma delas foi a redefinição da estrutura organizacional do Hemocentro, por meio da revisão do organograma do órgão. A estrutura passou a ter gerenciamento horizontal, com o objetivo de qualificar e dar autonomia aos supervisores de áreas. Estes passaram a se relacionar diretamente com o coordenador da instituição, o que agilizou processos e favoreceu a integração entre os diferentes setores. O almoxarifado foi terceirizado. Também mereceu atenção a qualificação de pessoal, através de treinamento em outras instituições, inclusive no exterior. Nesta fase, com a aquisição do citometro de fluxo (BD) por US$ 150 mil, a citometria de fluxo foi integrada às nossas rotinas, assim como a cultura de células de cordão, entre outras. O treinamento da Dra. Ângela Luzo no laboratório da Dra. Eliane Gluckman, na França, foi etapa fundamental no processo de implantação do banco de células de cordão umbilical e para o desenvolvimento de pesquisas na área. Destaque-se ainda o incentivo ao desenvolvimento da pesquisa em Hemoterapia e à pós-graduação do pessoal de nível superior e de apoio à pesquisa em Hematologia. Além da qualificação de pessoal de nível superior, a valorização de médicos que se dedicavam integralmente à saúde pública foi uma etapa importante na condução do Hemocentro rumo ao futuro. Houve também grande preocupação em estimular aptidões inerentes, tais como a capacidade gerencial do Dr. Marcelo Addas, que assumiu na época a função de diretor da Hemoterapia; o desenvolvimento da área de biologia molecular em Hemoterapia, aos cuidados da Dra. Lílian Castilho e Dra. Maria de Lourdes Barjas-Castro; e a investigação de vias de sinalização, a cargo da Dra. Simone Gilli. Medidas de melhoria e otimização dos serviços foram adotadas, como, por exemplo, a promoção de treinamentos específicos para atendimento

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ao público, relações humanas e interpessoais no ambiente de trabalho, com a expressiva melhora do atendimento à população; e a adequação da estrutura e revisão do quadro de servidores, viabilizando o aumento do número de atendimentos prestados, bem como a diversificação dos tipos de produtos e procedimentos oferecidos. Ênfase foi dada à Hemoterapia, com a introdução de substanciais mudanças na estrutura da coleta, na forma de gerenciamento e nas coletas externas, entre outros procedimentos. A readequação teve início quando a Divisão de Hemoterapia era dirigida pela Dra. Maria de Lourdes BarjasCastro e gerenciada pelo Dr. Vagner Castro, contando com grande auxílio da assistente social Érika Tadini. As modificações resultaram na duplicação de coletas, com auto-suficiência do nosso Hemocentro e região na oferta de hemocomponentes. O investimento superior a R$ 400 mil na aquisição de equipamento de automação em rotinas de imuno-hematologia (PK) também foi etapa importante na absorção de serviços da região, bem como na redução de custos com material de consumo e recursos humanos. Entre outras iniciativas tomadas, é necessário ressaltar a implantação do sistema de garantia de qualidade baseado nas normas ISO 9000, como início de uma programa de qualidade total; a ampliação da Hemorrede na região de abrangência do Hemocentro de Campinas; e a adequação de espaço físico, com reforma e construção de novas áreas. Desencadeou-se também no período a reestruturação dos processos de trabalho, com a centralização de procedimentos críticos na unidade do campus da Unicamp. O sucesso da medida foi consequência direta do envolvimento de diversos profissionais, como Maria de Fátima Locatelli (Imunohematologia), Neiva Gonçales (Sorologia) e Martha Dicencia (Processamento). Com recursos da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP) e do Projeto de Infraestrutura FAPESP, deu-se continuidade à construção e instalação do Laboratório de Bioquímica, Biologia Molecular e Celular do Hemocentro, em área de 450 metros quadrados. Estas obras haviam sido iniciadas na gestão do Prof. Fernando Costa. Entre 1995 e 1996, as unidades do Hemocentro na Unicamp, na PUCCampinas e no Hospital Municipal Dr. Mário Gatti receberam investimentos da ordem de US$ 1 milhão em equipamentos para rotina, pesquisa, rede de informática e mobiliário.

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Ao longo dos quatro anos de gestão, reformas e construções foram iniciadas e concluídas, como as das seguintes áreas: coleta de doadores, ambulatórios, transfusão do Hospital de Clínicas, transfusão e quimioterapia ambulatorial, lavagem e esterilização de materiais, Laboratórios de Biologia Molecular e Celular, Laboratório de Imunohematologia e Sorologia, unidades Mário Gatti e PUC-Campinas, expansão da rede telefônica, entre outras. Foi também instalado o setor de transfusão do Centro de Atenção Integrada à Saúde da Mulher (Caism). Recursos da SES/SP, na gestão do Dr. Cármino Antonio de Souza, possibilitaram reformas nas áreas de coleta, compra de ônibus de coleta externa e utilitário para o mesmo fim. Em 1997, com recursos do Hemocentro e do Ministério da Saúde (projeto Reforsus) no valor de R$ 520.700,00, e recursos de infraestrutura FAPESP no valor de R$ 126.831,00, foi possível iniciar a construção do anexo II do Hemocentro II (1.200 metros quadrados), que inclui os Laboratórios de Controle de Qualidade e Banco de Células, a expansão do Laboratório de Biologia Molecular e Celular, o refeitório para funcionários e as novas instalações do almoxarifado. Quanto à regionalização da Hemorede, em 1996 foram realizadas discussões com diretores regionais de Saúde e coordenadores da Hemorede, a fim de solucionar problemas locais capazes de comprometer o abastecimento de sangue na região. Alguns impasses foram resolvidos, como a conscientização da Universidade de Taubaté sobre a importância do núcleo de Hemoterapia regional e a instituição do Conselho Gestor para gerenciamento das atividades do núcleo; a incorporação do núcleo de Piracicaba ao Hemocentro de Campinas; o controle da sorologia regional de São José dos Campos pela Hemorede; e a expansão da Central Sorológica de São João da Boa Vista, entre outros. Constantes reuniões na Secretaria de Saúde promoveram o subsídio de fatores de coagulação e de kits de sorologia para todo o interior do Estado de São Paulo. Junto com os demais núcleos da região, foram elaborados documentos que apontavam os problemas da rede e o plano de metas para solucioná-los. Ainda no período, após atuação do Ministério Público Estadual, o Hemocentro de Campinas iniciou ações para estabelecer sistemática de ressarcimento pelos procedimentos realizados para pacientes atendidos por convênios ou particulares. Tal iniciativa foi pioneira em âmbito nacional e serviu de base para futura regulamentação desse procedimento por meio de legislação ministerial.


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Consolidando sua condição de referência em serviços hemoterápicos em todo o interior do Estado de São Paulo, o Hemocentro da Unicamp recebeu em 2002 o ISO 9002 do Bureau Veritas Quality International (BVQI), uma das mais importantes certificadoras mundiais. O certificado conferiu qualidade de padrão internacional ao sangue e aos hemocomponentes (concentrado de hemácias e plaquetas e plasma) processados pelo Hemocentro em um momento em que a Unidade se encontrava próxima de alcançar o patamar histórico de meio milhão de bolsas de sangue coletadas ao longo de 18 anos de serviço (mais detalhes adiante). A ISO (International Organization for Standardization) é uma federação mundial, não governamental, integrada por organismos de normatização sediada na Suíça, e dos quatro mil certificados ISO 9002 emitidos no Brasil na ocasião, apenas 26 correspondiam a instituições da área da saúde. Até a ansiosamente aguardada entrega oficial da certificação – que ocorreu em cerimônia realizada no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, com a presença de um público estimado em 300 pessoas, entre autoridades, docentes, funcionários e convidados – foram necessários quase dois anos de preparação. O processo foi deflagrado em maio de 2000 com a realização de treinamentos sobre a ISO 9002 para diretores e supervisores. Em seguida, teve início a do-

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cumentação dos procedimentos operacionais padrão (POPs) e a elaboração de manuais de condutas. Foram ainda realizadas auditorias internas e encontros com a comunidade, bem como selecionados fornecedores e empresas prestadoras de serviços, e organizado um programa de treinamento sobre qualidade para mais de 400 funcionários diretos e terceirizados de 35 áreas integrantes do Fluxo do Sangue na Unidade. Conforme os auditores puderam constatar durante o mapeamento dos processos internos, poucos eram os setores e as atividades

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do Hemocentro que demandavam adequações mais significativas à norma, situação que atestava o alto nível de evolução científica, tecnológica e de serviços alcançado pela Unidade antes mesmo da certificação. Entre os avanços possibilitados pelas medidas de aprimoramento adotadas, mereceu ênfase a estruturação de programas regulares de treinamento e de validação de equipamentos e processos. A Gestão da Qualidade envolve as áreas ligadas ao Fluxo do Sangue dentro da instituição, compreendendo etapas desde a captação do sangue – inclusive a coleta de células

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3 progenitoras periféricas – até a transfusão em hospitais de Campinas e da região. A implantação de um programa de gestão da qualidade foi de grande importância para o Hemocentro, permitindo o aperfeiçoamento dos processos, a redução dos custos associados ao retrabalho e, principalmente, contribuindo para aumentar a segurança transfusional com foco no atendimento dos requisitos dos clientes, afirma o Dr. Marcelo Addas Carvalho, atual diretor da Divisão de Hemoterapia.

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Serviços e produtos aprimorados, mais seguros e econômicos Responsável direto pela implementação da ISO 9002 no Hemocamp, Marcelo se recorda que a iniciativa de buscar uma certificação nasceu em 1997, quando ele e a Prof. Dra. Sara Saad decidiram analisar a viabilidade da implantação da norma na Instituição. Os primeiros requisitos de aprimoramento das atividades nos laboratórios foram implantados sob a orientação do setor de desenvolvimento de processos de qualidade da própria Unicamp. Posteriormente, buscaram os serviços de uma empresa especializada para a elaboração de um diagnóstico e de um plano de trabalho com o intuito de obter formalmente o certificado internacional. Marcelo argumenta que a busca pela melhor qualidade nos serviços e produtos, com redução de custos e aperfeiçoamento das atividades, estava no cerne dos propósitos da certificação almejada pelo Hemocentro. “O desafio constante é transformar a política de sangue e seus hemocomponentes em sinônimo de qualidade, segurança e economia, objetivando a valorização e o respeito aos pacientes que necessitam desses produtos em nossa região. Por esse motivo, o Hemocamp passou pelo mesmo processo a que se submetem milhares de empresas e instituições de todo o mundo para a adoção de um sistema de

gestão de qualidade”. Mesmo antes da busca pela certificação, o Hemocentro conquistara avanços que o qualificaram no tripé pesquisa-ensino-assistência. A melhora desse padrão alcançado, salienta o diretor, consolidou a Instituição em diversos segmentos da sociedade e continuará exigindo a evolução das metas de ensino, pesquisa e assistência à saúde, já que os avanços científicos na área de sangue e hemoderivados demandam constantes investigações científicas e recursos humanos altamente qualificados. Como resultado da adoção da ISO 9002, o período de 2002 a 2006 caracterizou-se pelo aperfeiçoamento dos processos do Hemocen-

tro com base na contínua melhoria propiciada pelo sistema de gestão ancorado na norma. A cultura da gestão da qualidade implantada inicialmente na divisão de Hemoterapia começou a se difundir por toda a Instituição, estimulando a busca pelo aprimoramento de atividades com a utilização de mecanismos e ferramentas da qualidade, relata Marcelo. Diante desta nova realidade, a qualificação de nossos profissionais tornou-se uma das principais preocupações da alta direção da Unidade. A automação dos procedimentos laboratoriais foi contínua. Processos de coleta de múltiplos componentes por aférese foram adotados, incluindo o programa de coleta de concentrado duplo de hemácias por aférese com foco na produção de componentes fenotipados para atendimento de pacientes em programa de transfusão crônica. Este programa, pioneiro no Brasil, tornou-se referência nacional, destaca Marcelo. Recursos financeiros do Ministério da Saúde foram indispensáveis para o aprimoramento das técnicas laboratoriais. Como exemplo de investimentos com foco na implantação de técnicas mais modernas disponíveis – e que em alguns casos constituíram estratégias pioneiras no Brasil – houve a aquisição de sistema de congelamento rápido e programável de plasma (o que permitiu a maior e a melhor produção deste hemocomponente), a importação de centrífugas refrigeradas modernas e com

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grande capacidade, a construção de câmara refrigerada a baixas temperaturas de grande porte (inferiores a 30 graus centígrados negativos), a automação dos testes laboratoriais em imunohematologia e a sorologia por meio de técnica de interfaceamento, com sistema informatizado de gestão da hemoterapia e do ciclo do sangue.

Estímulo à doação voluntária de sangue Ainda no período, ações educacionais para estimular a doação voluntária de sangue começaram a dar frutos, colaborando para a redução da captação de doadores de reposição, utilizando-se somente de ferramentas voltada à doação espontânea e motivada por campanhas de divulgação, sem comprometimento do abastecimento. À frente da diretoria de divisão na ocasião, e contando com o suporte dos responsáveis pela captação de doadores, a Dra. Simone Gilli desencadeou estratégias para ampliar as parcerias do Hemocentro com empresas, faculdades e universidades da região, objetivando intensificar ações motivadoras voltadas à coleta de sangue. Desse modo, nasceu em 2006 o projeto Doador Universitário na própria Unicamp, logo transformado em modelo para ações semelhantes em outras instituições de ensino superior.

O projeto mirou uma comunidade bastante expressiva para ampliar o número de doações, definindo uma rotina de coletas mensais em locais considerados estratégicos no interior do campus da Unicamp, no distrito de Barão Geraldo, por apresentarem maior fluxo de alunos, funcionários e docentes. As coletas são executadas por meio de uma unidade móvel (um ônibus especialmente equipado para esse fim) e, para conscientizar a comunidade universitária, uma equipe do Hemocentro se encarrega de promover antecipadamente a distribuição de folhetos e cartazes pelas diferentes unidades de pesquisa e ensino da Universidade infor-

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3 mando da ação. Por volta da mesma época, também foi intensificada a atuação da unidade móvel de coleta. Como resultado da medida, a organização de coletas regulares na região central de Campinas e em municípios vizinhos contribuiu decisivamente para melhorar o acesso da população aos postos de doação de sangue. Também durante o quatriênio 2002-2006, o hemonúcleo da cidade de Casa Branca passou a ser gerido pelo Hemocentro da Unicamp, permanecendo como referência naquela região. Posteriormente, os serviços de coleta realizados por aquela unidade foram interrompidos e ela se tornou somente um centro de distribuição de hemocomponentes para os hospitais regionais. A adequação de atividade teve como intenção a centralização das ações (as coletas nos municípios da região são realizadas pelo Hemocentro) e a redução dos custos, com melhoria da qualidade.

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Coleta supera meio milhão de bolsas. Mas é preciso continuar avançando Ao comparecer em 2002 ao Hemocentro da Unicamp para cumprir a sua rotina de doador, Izael Cressoni Junior, morador de Campinas (SP), nem desconfiava que iria ajudar a Unidade a alcançar um número histórico. Foi apenas a sua quarta doação no Hemocamp, mas a sua bolsa de sangue entrou para a estatística da Instituição como a de número 500 mil. A marca inédita de meio milhão de bolsas correspondeu, na ocasião, a mais de 280 mil litros de sangue distribuídos para aproximadamente 120 hospitais da região coberta pelo Hemocentro e que engloba uma população calculada em seis milhões de habitantes. Atualmente, o Hemocentro contabiliza um número superior a 650 mil bolsas de sangue e reúne um contingente que está próximo dos 50 mil candidatos doadores regulares ao ano.

O índice situa a Instituição entre as principais do país que atingiram os padrões preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OSM), ou seja, cerca de 2% da população da Região Metropolitana de Campinas (RMC) são doadores regulares. Para o diretor do Serviço de Coleta do Hemocentro, Dr. Vagner de Castro, as constantes campanhas de mobilização da sociedade sobre a importância da doação de sangue, promovidas desde a criação do Hemocentro, têm grande parcela de responsabilidade nos índices de primeiro mundo alcançados pelo serviço da Unicamp.

Desafios e ações Um dos principais gargalos da Hemoterapia atualmente, em todo o mundo, é o processo de doação de sangue, constata o médico Nilson Ferraz Paschoa, secretário de Estado da Saúde de São Paulo. A Organização Mundial de

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A certificação completa um ciclo que teve origem desde a criação do Hemocentro, e demonstra que é possível obter qualidade de ensino, de pesquisa e de assistência médica num hospital público universitário. Prof. Dr. Fernando Ferreira Costa, ex-coordenador do Hemocentro e atual reitor da Unicamp, ao participar da cerimônia de entrega da certificação como Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade.

A iniciativa da busca e a conquista da certificação comprovam que é possível mudar a visão sobre uma instituição pública no Brasil. Demonstram também ao país como o funcionário público é capacitado e pode realizar trabalhos sérios, a exemplo do que ocorre na iniciativa privada. Prof. Dr. Mário Saad, então diretor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, ao comentar a conquista da certificação durante a solenidade.

A luta pela conquista da ISO 9002 continua. A certificação é um salto importante para o Hemocamp, que prosseguirá com a sua incansável busca por soluções médicas para a sociedade brasileira de amanhã, por meio do desenvolvimento de suas atividades de ensino, pesquisa e assistência. Dr. Marcelo Addas Carvalho, atual diretor da Divisão de Hemoterapia do Hemocentro.

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3 Saúde estima que, anualmente, 3% da população devem realizar, voluntariamente, a doação de sangue. Contudo, poucos se motivam a tomar essa iniciativa, mesmo que a maioria entenda que é um ato nobre do ser humano, e de grande importância para a comunidade em que vive. “Fatores culturais, sociais, de gênero e profissionais fazem com que muitas vezes não se

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chegue ao patamar preconizado pela OMS. No Brasil, percebe-se a grande dificuldade de obtenção de doadores de sangue, principalmente, em determinados períodos, como férias ou feriados prolongados, exatamente quando são imprescindíveis, em razão da majoração do número de acidentes automobilísticos que ocorrem nessas ocasiões”, nota o secretário. No Estado de São Paulo, para o Sistema

Único de Saúde (SUS) são coletadas cerca de 900 mil bolsas por ano, o que resulta em um percentual de doadores de 2,2 % da população, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde. Hoje, existem 6 hemocentros e 19 hemonúcleos no território paulista. A Hemorrede realiza campanhas para doação de sangue com a finalidade de conscientizar a população sobre a importância da doação voluntária de sangue e assim aumentar a captação de doadores regulares e fidelizados. Outra dificuldade relacionada é a doação de sangue para transplante de medula óssea, acentua Nilson. O Ministério da Saúde implantou a REDOME (Rede Nacional de Doador de Medula Óssea) para cadastrar as características genéticas dos doadores. Essas características, inseridas no Banco de Dados da REDOME, permitem o encontro de um doador de medula óssea para os casos de necessidade de Transplante de Medula Óssea. O Estado de São Paulo, por contar com o maior número de doações sanguíneas e maior número de Centros de Transplantes, tem a obrigação de estimular a ampliação dessas atividades. Em 2009, o Estado realizou 32% das coletas para a REDOME, embora represente 22% da população do Brasil. Também é de grande importância a obtenção e manutenção adequada do plasma humano, subproduto do sangue de grande importância para a produção de hemoderivados,

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A primeira doação a gente nunca esquece

como os fatores de coagulação, de larga utilização na área de tratamento dos hemofílicos e outras patologias sanguíneas e das imunoglobulinas de origem humana. “Hoje, estes produtos são importados, sendo encontradas amiúde dificuldades na sua obtenção no mercado externo, o que tem elevado seus custos e sobrecarregado os gastos do SUS para atender a demanda interna. Ademais, nos episódios em que há falta dos produtos os pacientes cujos tratamentos deles necessitam tornam-se seriamente prejudicados”, observa Paschoa.

O soldador aposentado João do Carmo Batista guarda em casa, com muito orgulho e carinho, um documento que tem estreita relação com a história do Hemocentro da Unicamp: o diploma de primeiro doador da Instituição. A oportunidade ocorreu ao atender a um convite da empresa em que trabalhava para ajudar a compor o estoque de sangue da Unidade. Natural de Russas (município do estado do Ceará, a 165 quilômetros de Fortaleza), João trabalhava em uma indústria de papel e celulose na cidade de Salto (SP), vizinha a Itu, e compareceu ao Hospital de Clínicas da Unicamp acompanhado de não mais que meia dúzia de colegas da fábrica. No momento da triagem, tomou a frente dos demais funcionários e graças à sua iniciativa entrou para a história do Hemocentro. “Jamais havia doado sangue até aquele momento. Foi quando também vim a compreender melhor o quanto esse gesto tão simples pode ajudar a salvar a vida de muitas pessoas”, revela João. Em 1991, ele voltou à terra natal e hoje mora com a esposa e um casal de filhos em Fortaleza. A experiência vivenciada no Hemocentro e a consciência adquirida acerca da importância da doação foram tão marcantes que decidiu não só tornar-se doador regular como passou a estimular essa atitude em seu círculo de relacionamento. “Sempre que há alguma campanha aqui na capital, convoco parentes e amigos para irmos juntos doar sangue”, conta João. “Quem faz isso doa parte da própria vida. E não existe virtude mais nobre no ser humano do que a solidariedade”, ensina.

Bolsa com células tronco de sangue de cordão umbilical

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Hemocentro da Unicamp: a continuidade de um projeto de sucesso

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Profa. Dra. Joyce Maria Annichino-Bizzacchi Coordenadora do Hemocentro na gestão 2000-2006

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uando olhamos para a história da Hematologia da Unicamp, percebemos o quanto foi construído em um curto espaço de tempo, desde a criação da disciplina de Hematologia pela Profa. Irene Lorand-Metze, passando pela fundação do Hemocentro pelo Prof. Cármino Antonio de Souza e chegando ao grande impulso à pesquisa com a vinda do Prof. Fernando Ferreira Costa e da Profa. Sara Saad. É uma trajetória de sucesso, marcada por relações humanas, avanços científicos, inovações tecnológicas e pioneirismo. Considero que esse sucesso é fruto da dedicação incondicional, da capacidade e da qualidade técnica e profissional de seu corpo funcional. E, fundamentalmente, da visão de longo prazo, que sempre norteou a gestão dos coordenadores e diretores, impulsionando o crescimento das diversas áreas e antecipando ações primordiais para o desenvolvimento sustentável da Instituição. Ingressei na disciplina de Hematologia para a criação do Hemocentro e para a organização da atividade fundamental, a Hemoterapia. No ano de 1986, implantei a área de Hemostasia, tão importante para uma assistência completa ao paciente hematológico. Na época, pude contar com o

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apoio do Prof. Dalton Chamone, da Fundação Pró-Sangue de São Paulo, permitindo que eu e a bióloga Tânia Machado fizéssemos um treinamento intensivo no ambulatório e laboratório dessa subespecialidade. Essa área foi fundamental para o diagnóstico e tratamento adequado de pacientes com doenças hemorrágicas e trombóticas. Também propiciou uma formação completa aos nossos residentes e deu enorme projeção à nossa Instituição, que hoje é referência nacional e internacional em Hemostasia. Hoje, temos um ambulatório modelo no âmbito nacional para o atendimento de pacientes sob anticoagulação oral, utilizando um equipamento point of care. Por um período pudemos contar com o Prof. Valder Arruda, que, sob a supervisão do Prof. Fernando Costa, implantou a área de Biologia Molecular do Hemocentro, desenvolvendo estudos pioneiros na área de Hemostasia. Também, com a dedicação da Dra. Margareth Ozelo, criou-se o Centro de Referência Multidisciplinar, imprescindível para um atendimento altamente qualificado a pacientes com hemofilia e doenças hemorrágicas. Hoje, o Dr. Erich de Paula e a Dra. Fernanda Orsi atuam nessa área e, além de contribuírem para o avanço do conhecimento com pesquisas em terapia angiogênica, em novos mecanismos envolvidos na coagulação e por meio da implantação do projeto de qualidade nos laboratórios, são fundamentais para a rotina diária dessa subárea do Hemocentro. Os professores da nossa disciplina sempre tiveram que exercer inúmeras funções. Eu fui diretora da Divisão de Hematologia durante a coordenação da Profa. Sara Saad e vice-coordenadora do Prof. Fernando Costa. Quando o mesmo assumiu a Pró-Reitoria de Pesquisa da Unicamp, em maio de 2002, fui responsável interinamente pela coordenadoria do Hemocentro. Em novembro de 2002, assumi a coordenação do Hemocentro com um mandato que se encerrou em dezembro de 2006. Além do apoio de meus colegas de disciplina, pude contar com a dedicação e competência da Dra. Simone Gilli e do Dr. Marcelo Addas, tão importantes para o desenvolvimento e para a implantação de medidas durante minha gestão. Também é necessário salientar que o Hemocentro já tinha uma estrutura administrativa muito bem organizada nas gestões anteriores, o que facilitou muito a continuidade de todas as atividades. As principais ações desenvolvidas nesse período tiveram como ponto de partida vários projetos de reformulação, voltados a impulsionar o

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desenvolvimento da Instituição. Foram, basicamente, ações pautadas por objetivos de modernização da infraestrutura, ampliação da assistência, investimentos em pesquisa e qualificação dos produtos e serviços. Cumprimos à risca os objetivos traçados, com a implementação de metas em meio a um cenário adverso, como a falta de repasse de recursos da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, o que levou a um déficit de R$ 1,7 milhão. Assim, em um ambiente desafiador, conseguimos superar muitos obstáculos, inclusive revertendo tal déficit. É importante destacar que a adoção de diretrizes para a racionalização dos recursos em nenhum momento comprometeu o estímulo ao crescimento sustentável nem tão pouco a qualidade dos serviços e da assistência prestada. O Hemocentro da Unicamp foi um dos primeiros no país a possuir o sistema de qualidade ISO 9002 para todas as áreas do Fluxo do Sangue. Implantado em 2002, tal certificação assegura qualidade e segurança de padrão internacional a todos os usuários de sangue e hemoderivados. Foi instalado ainda o Laboratório de Imunologia Plaquetária, sob a direção do Dr. Vagner de Castro, e implantadas novas técnicas e equipamentos nos laboratórios de sorologia, imuno-hematologia, coleta, fracionamento e citometria de fluxo. Os compromissos com a população e com a Universidade no desenvolvimento de pesquisas e na formação de alunos na graduação e pósgraduação foram mantidos. Durante o período foram aprovados inúmeros projetos de pesquisa pelas agências de fomento, perfazendo um total de R$ 6,6 milhões em verbas liberadas pelo CNPq e pela Fapesp. Esse dado valida a excelência do Hemocentro, que consegue aliar assistência, pesquisa de alto nível e participação ativa na graduação e pós-graduação. Sinto-me privilegiada por ter contribuído para a construção do Hemocentro, que teve sua trajetória delineada pelo planejamento estratégico da Universidade no ensino, na pesquisa e, principalmente, na prestação de serviços nas áreas de Hematologia e Hemoterapia. Preparando-se para alçar novos voos, o Hemocentro tem como objetivo maior ampliar sua assistência de alta qualidade por meio da construção do Hospital do Hemocentro. Com sólidos fundamentos de organização e investigação científica, seu valor lastreado em capital humano e no posicionamento na política nacional de sangue lhe assegura um futuro de responsabilidade para com as novas gerações. E, com certeza, o Hemocentro da Unicamp está pronto para novos desafios!


Inovações técnico-científicas beneficiam pesquisas e serviços


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Inovações técnico-científicas beneficiam pesquisas e serviços

Consciente de que o contínuo aprimoramento técnico e científico é intrínseco à sua atividade, o Hemocentro realizou nos últimos quatros anos substanciais investimentos em novas tecnologias com o objetivo de disponibilizar aos seus clientes (pacientes, hospitais e equipe médica) o que existe de mais moderno na assistência hemoterápica, aprimorando significativamente a segurança transfusional e a qualidade da assistência. São exemplos das inovações e melhoramentos introduzidos nos procedimentos hemoterápicos a produção de concentrado de plaquetas obtido de camada leucocitária, a ampliação das indicações de componentes desleucocitados pré-armazenamento, a produção de componentes por aférese, a ampliação do programa de transfusão de concentrado de hemácias fenotipados, a implantação de métodos moleculares para estudo dos grupos sanguíneos eritrocitários e plaquetários, e os programas de hemovigilância hospitalar com busca ativa entre outros. No período, o Hemocentro também iniciou em suas unidades, inclusive no hemonúcleo de Piracicaba, a captação de doadores de medula óssea para o Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (REDOME/Instituto Nacional do Câncer-INCA), desenvolvendo um intenso trabalho de divulgação e conscientização da comunidade sobre a importância desse tipo de doação.

Mais especificamente no biênio 2008-2009, o Hemocentro investiu aproximadamente R$ 2 milhões na aquisição de novos equipamentos laboratoriais, de mobiliário, de materiais para o ambulatório, na compra de veículos e em obras de reformas. O esforço possibilitou a reorganização e a modernização da área física da Unidade, proporcionando mais conforto aos funcionários, pacientes e familiares. Os recursos foram destinados pelo Ministério da Saúde, pela Secretaria de Estado da Saúde, pelo CNPq, pela Fapesp, pelo Banco Nossa Caixa e pela própria Unicamp.

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Banco de sangue de cordão Mas talvez a medida de maior impacto desse profícuo quatriênio tenha sido o início das atividades da primeira plataforma paulista para coleta, armazenamento, pesquisas e distribuição de célula-tronco de sangue do cordão umbilical (RedeCord) em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein. O RedeCord é um banco público de sangue de cordão umbilical vinculado à rede BrasilCord do Ministério da Saúde, e conta com a participação do Albert Einstein e do Hemocentro da USP de

Coleta de células tronco de sangue de cordão umbilical no Hospital Estadual de Sumaré

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O pioneirismo do Hemocentro nesse campo, no entanto, vem desde a metade da década de 1990, quando se tornou a primeira institui-

Equipamento de criopreservação automatizado para congelamento e armazenamento de bolsas concentradas de células tronco

Ribeirão Preto. O Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário (BSCUP) da Unicamp é capaz de armazenar cinco mil bolsas contendo célulastronco, coletadas no hospital-maternidade Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) e no Hospital Estadual de Sumaré (HES), unidades médicas mantidos pela Universidade. Futuramente, a coleta deverá ser estendida para outras maternidades. Inaugurado em 2007, o serviço tem ainda capacidade de armazenar células-tronco de

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sangue periférico, e dispõe de um sofisticado equipamento de criopreservação denominado BioArchive (avaliado em R$ 1 milhão), doado ao Hemocentro pelo Hospital Albert Einstein. Capaz de armazenar e congelar a 140 graus negativos até três mil bolsas, o sistema é dotado de um dispositivo automatizado de registro das bolsas por meio de código de barras. Demais equipamentos para os novos laboratórios de criogenia e de manipulação e cultura celular também foram assegurados pelo convênio total de R$ 1,4 milhão assinado com o Albert

Einstein. Recursos da Universidade e da Fapesp permitiram a execução de obras físicas nas instalações do BSCUP. O Hemocentro da Unicamp tornou-se o primeiro da RedeCord a iniciar as atividades e, conforme salienta o médico Marcelo Addas Carvalho, diretor da Divisão de Hemoterapia, “essa iniciativa inédita abriu caminho para a implantação de um programa nacional e permitiu o importante incremento de pesquisas na área de célula-tronco e medicina regenerativa na Instituição”.

Concentrado de células tronco para criopreservação com rastreabilidade por código de barras

ção a coletar e a preservar sangue de cordão no Brasil. O feito foi decorrência do trabalho desenvolvido pela Profa. Dra. Ângela Cristina Malheiros Luzo, chefe do Serviço de Transfusão e do BSCUP. Em 1995, Ângela viajou a Paris para se familiarizar com as técnicas de coleta e transfusão de sangue de cordão umbilical no Hospital Saint Louis como parte da elaboração de sua tese de mestrado. Ao retornar no ano seguinte, estruturou um projeto piloto de coleta de bolsas no Caism e deu início às pesquisas que culminaram na criação do programa de sangue de cordão umbilical da Unicamp, em 1998. Graças ao programa, em 2001 o Hemocamp foi escolhido pelo Ministério da Saúde para integrar a Rede Brasileira de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical (BrasilCord). Constituída de outros cinco hemocen-

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tros brasileiros, a rede assumiu a responsabilidade em todo o território nacional pela pesquisa, coleta e transfusão de sangue de cordão destinado ao tratamento de alguns cânceres.

Instituto do Sangue Em 2009, o Hemocentro foi escolhido para sediar o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Sangue (INCTS), uma das cerca de uma centena de instituições nacionais que atuam em rede com organismos de todo o país e desempenham papel estratégico no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. A missão do Instituto é desenvolver pesquisas na fronteira do conhecimento no campo da investigação do sangue, de suas doenças e de seus hemoderivados, em prosseguimento aos estudos de vanguarda que o Hemocentro conduz há muitos anos e que contribuíram para tornar a Unidade um modelo de excelência em sua área de atuação científica. A princípio, as atividades do INCTS estão concentradas no desenvolvimento de técnicas de diferenciação de células-tronco a partir de tecido gorduroso para obtenção de cartilagem e vacina com células dendríticas para tratamento de neoplasias. O acordo firmado com o CNPq estabelece a realização de estudos potencialmente promissores a descobertas passíveis de aproveitamento em ciência aplicada ou sob a forma de técnicas terapêuticas. A Profa. Dra. Sara Tere-

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sinha Olalla Saad, membro do comitê gestor que administra o INCTS, observa que todas as linhas de pesquisa definidas com a agência de fomento para serem levadas a efeito no âmbito do programa estipulado para o Instituto (como rastreamento de mutações, projetos genoma brasileiros, técnicas de microarray e SAGE) vêm sendo conduzidas rotineiramente no Hemocentro há pelo menos uma década e meia. Ela comenta que tem sido possível identificar doenças hematológicas por meio de estudos prévios de detecção de mutações e por meio de estudos de expressão gênica e protéica em enfermidades onco-hematológicas, em anemias congênitas e adquiridas e em doenças hemorrágicas e trombóticas. Ainda segundo a docente, técnicas como as de terapia gênica são desenvolvidas há muito tempo no Hemocentro em nível experimental e também com a participação de pacientes hemofílicos. Ela revela ainda que a terapia celular com o emprego de células-tronco de cordão umbilical e de tecido gorduroso passou a ser aplicada mais recentemente com muito sucesso. Por último, ela destaca que os avanços em investigações científicas realizadas no Hemocentro se encontram no mesmo nível das melhores instituições hospitalares do mundo. A excelência no diagnóstico e tratamento de diversas doenças do sangue, fortalece a participação do Hemocentro em vários estudos multicêntricos internacionais que investigam

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PERSPECTIVAS E FUTUROS DESDOBRAMENTOS DAS PESQUISAS CONDUZIDAS NO ÂMBITO DO INCTS Descoberta de novos genes e produtos associados à fisiopatologia de doenças hematológicas. Melhor entendimento na fisiopatogenia e detecção de alvos terapêuticos em doenças do sangue. Otimização do plano de vacinação de pacientes imunossuprimidos por transplante de medula óssea. Caracterizar o papel de fatores da coagulação, fibrinólise e angiogênese na resposta inflamatória sistêmica da sepse e no contexto das febres hemorrágicas endêmicas no Brasil. Caracterizar o papel de novos elementos (novos fatores de risco) na fisiopatogenia do tromboembolismo venoso, avaliando o possível significado prognóstico dos mesmos. Caracterizar do ponto de vista epidemiológico e do ponto de vista molecular, os fatores de risco para desenvolvimento de inibidores em pacientes com hemofilia no Brasil. Domínio de tecnologia para uso em estudos funcionais e clínicos com terapia gênica. Estabelecimento de parcerias para o uso do modelo de hemofilia em animais de grande porte com o setor empresarial e acadêmico, com perspectivas de autofinanciamento em longo prazo. Estudo dos polimorfismos de antígenos eritrocitários e plaquetários associados com sintomas clínicos e com outras doenças poderá contribuir para a segurança transfusional.

Sequenciador genético

causas e novas alternativas de tratamento para essas patologias. Pesquisadores do Hemocentro já publicaram mais de três mil pesquisas, sendo que nos últimos seis anos um volume superior a duas centenas de trabalhos foram aceitos pelas revistas científicas internacionais mais prestigiadas e indexadas no Science Citation Índex, como Blood, Nature, New England, Science,.entre outras. O volume, a intensidade e a qualidade das

atividades de pesquisa no Hemocentro também podem ser mensurados por números obtidos no campo de pesquisas em genética – área na qual apenas um pequeno e seleto grupo de centros internacionais atua. Desde 1994, o Hemocentro já realizou mais de três centenas de pesquisas e estudos na área de genética e terapia gênica; foram formados cerca de 40 pós-graduandos e apresentados mais de 1.000 trabalhos em congressos nacionais e internacionais.

Melhor compreensão das complicações hemorrágicas associadas com febres hemorrágicas como dengue e febre maculosa, auxiliando diagnóstico, definição de populações de risco e tratamento. Instalar plataforma de tratamento adjuvante com células dendríticas. Implantação definitiva dos transplantes alternativos não aparentados, utilizando a medula óssea, o sangue periférico ou o sangue de cordão umbilical, com doadores compatíveis e não compatíveis, incluindo aí os transplantes haploidênticos. Estudos colaborativos Atividades de cooperação já envolvem grupos de especialistas do Hemocentro e de organizações como Fiocruz (Bahia), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Laboratório Sincrotron, Laboratório Novo Nordisk, Universidade Estadual de Maringá, New York Blood Center, InsermFrança, Brigham Young University, King´s College London, Queen´s University, Institute Cochin Laboratoire de Maladies Infectieuses, Children’s Hospital of Phildelphia, além de disciplinas, laboratórios, departamentos e institutos da própria Unicamp.

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Hemocentro da Unicamp

Modernização, expansão e garantia da qualidade

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Prof. Dr. Fernando Ferreira Costa Coordenador do Hemocentro (gestões 1993-1994 e 1998-2002)

T

ive a satisfação de coordenar o Hemocentro da Unicamp de 1993 a 1994, quando deixei o cargo para assumir a Diretoria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), e de 1998 a 2002, ano em que fui convidado a ocupar a Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade. Durante os quatro anos da última gestão, o Hemocentro modernizouse, expandiu-se e tornou-se um dos primeiros do Brasil a ter a qualidade de seu serviço de Hemoterapia atestada pela norma ISO 9000. Tudo isso foi possível graças ao apoio e à dedicação dos docentes e funcionários da instituição, aos quais serei sempre muito grato. Quando cheguei à coordenação do Hemocentro em 1998, este já se destacava como um dos mais importantes centros nacionais de formação de profissionais, realização de pesquisas e prestação de serviços à sociedade nos campos da Hematologia e Hemoterapia. Algumas áreas da ins-

tituição, porém, precisavam ser modernizadas em continuidade ao que já vinha sendo feito — seja porque utilizavam equipamentos e processos um tanto ultrapassados; seja porque não ofereciam o conforto e a segurança de antes aos nossos funcionários e pacientes. Além de ter passado por várias reformas, o Hemocentro cresceu consideravelmente entre 1998 e 2002. Nesse período, concluímos as obras do segundo prédio da instituição, iniciadas em meados da década de 1990; construímos um abrigo para resíduos sólidos e um estacionamento; e, em parceria com o antigo Escritório Técnico de Obras (Estec) da Unicamp, elaboramos o projeto do Hospital de Hematologia e Hemoterapia da Universidade, cuja pedra fundamental foi lançada em setembro de 2008. O término do segundo prédio do Hemocentro proporcionou melhores condições de trabalho para os funcionários e muito mais conforto para os pacientes. Transferido para lá, o refeitório, por exemplo, ganhou vários metros quadrados, um elevador exclusivo para transporte de alimentos e uma cozinha semi-industrial. Os benefícios da mudança foram significativos: mais agilidade no recebimento de alimentos vindos de outras partes do campus, mais higiene na manipulação desses alimentos e mais espaço para que as pessoas se servissem. A inauguração do abrigo para resíduos sólidos, em 29 de novembro de 2001, também representou um marco na história do Hemocentro. Primeiro, porque todos os resíduos sólidos produzidos pela instituição passaram a ser triados e tratados, no caso dos materiais infectantes, antes de seguir para aterros sanitários ou estações de reciclagem. Segundo, porque a iniciativa foi pioneira não só na Área de Saúde da Unicamp, mas entre todas as unidades hospitalares da região de Campinas. O estacionamento, por sua vez, reduziu consideravelmente o problema da falta de vagas na região do Hemocentro. Ele foi construído em uma área próxima ao Almoxarifado Central da Unicamp, “descoberta” enquanto elaborávamos o projeto do Hospital de Hematologia e Hemoterapia e gentilmente cedida a nós pela administração central da Universidade. Essa obra, somada ao fechamento do Hemocentro, trouxe muito mais segurança para nossos funcionários e pacientes.

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O Hemocentro começou a discutir a possibilidade de buscar uma certificação para seu serviço de Hemoterapia em 1999, um ano depois de o Ministério da Saúde eleger a garantia da qualidade em todo o ciclo do sangue como meta nacional para 2003. Apenas duas instituições do Estado de São Paulo já tinham iniciativas desse tipo em curso: a Fundação Pró-Sangue, situada na capital, e o Hemocentro de Ribeirão Preto. A coordenação de todo o processo no Hemocentro foi levada a efeito pelo Dr. Marcelo Addas de Carvalho, atual diretor da Divisão de Hemoterapia. A primeira decisão que tivemos de tomar foi a respeito do sistema de garantia da qualidade a ser adotado pelo Hemocentro. Acabamos optando pela norma NBR ISO 9002 versão 1994 por considerarmos que esta, apesar de ter sido criada com foco na indústria, era a que mais correspondia às características da Hemoterapia. Se pensarmos bem, veremos que o ciclo do sangue assemelha-se muito à linha de produção de uma fábrica: começa com a entrada da “matéria-prima” — o sangue bruto fornecido por doadores voluntários — e termina com a saída dos “produtos finais”, que são os hemocomponentes. Feita a escolha, contratamos a consultoria GMP — a mesma que trabalhara com o Hemocentro de Ribeirão Preto — para auxiliar-nos no período de adequação aos requisitos da ISO 9002. A consultoria teve papel importante na hora de “traduzir” as orientações da norma, dirigidas originalmente à indústria, para a área de processamento do sangue. As atividades no Hemocentro visando à certificação tiveram início em fevereiro de 2000 e foram conduzidas por um grupo de mais ou menos 20 pessoas, do qual faziam parte o Dr. Marcelo Addas de Carvalho; a responsável pela então recém-fundada área de Administração da Qualidade, Márcia Silveira; os supervisores dos processos que compõem o ciclo do sangue; e dois consultores da GMP. Em um intervalo de dois anos, o Hemocentro criou cerca de 600 procedimentos operacionais, 300 técnicas, 100 indicadores de desempenho de processos e 15 indicadores de desempenho institucional para atender às exigências da ISO 9002. A recompensa para o esforço veio com a certificação, expedida em 18 de janeiro de 2002 pela empresa Bureau Veritas Quality International (BVQI) — conhecida atualmente como Bureau Veritas Certification (BVC). Além de benefícios como aperfeiçoamento de processos, qualificação de profissionais, redução de custos no médio e no longo prazo e diminui-

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ção de riscos para os pacientes que recebem transfusão de hemocomponentes, a ISO 9002 levou a cultura da garantia da qualidade para as áreas não certificadas do Hemocentro e trouxe mais reconhecimento para a instituição. O fato de o Hemocentro ter sido a primeira unidade da Unicamp a estruturar um programa formal de garantia da qualidade transformou-o em modelo para as demais unidades de saúde da Universidade. A implantação do programa nas “filiais” do Hemocentro dentro do Hospital de Clínicas e do Caism, por exemplo, estimulou ambos os hospitais a adotar práticas que visam à garantia da qualidade, principalmente no que diz respeito à área laboratorial. Fora da Unicamp, o Hemocentro passou a ser visto como uma instituição preocupada com a qualidade e a melhoria contínua de seus processos e tornou-se referência para outros serviços brasileiros de Hemoterapia. Não é à toa que hoje o Hemocentro participa ativamente de iniciativas do Ministério da Saúde e da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo relacionadas à implantação de sistemas de gestão da qualidade em serviços de Hemoterapia. Desde que obteve a ISO 9002, o Hemocentro é auditado semestralmente e tem de renovar sua certificação a cada três anos. A primeira renovação ocorreu em 2004, com a troca da ISO 9002 versão 1994 pela ISO 9001 versão 2000. Em 2007, o Hemocentro recebeu mais uma vez a certificação ISO 9001 versão 2000. A última renovação foi feita em 2010, com a mudança para a ISO 9001 versão 2008. As exigências a ser cumpridas foram aumentando com a passagem de uma certificação para outra, o que só trouxe mais resultados positivos para a instituição. É muito difícil avaliar após tanto tempo as consequências das decisões administrativas que foram tomadas. Espero ter contribuído para tornar mais atraentes as atividades dos médicos contratados e dos funcionários do Hemocentro, sem os quais a instituição não seria o que é hoje. Creio também ter contribuído para ampliar as áreas de pesquisa tanto clínica como laboratorial. É absolutamente necessário enfatizar a essencial e indispensável ajuda da Profa. Dra. Joyce A. Bizzacchi, coordenadora associada do Hemocentro no período; e, claro, a inestimável colaboração de todos os colegas docentes de Hematologia: Profa. Dra. Irene Lorand-Metze, Prof. Dr. Cármino Antonio de Souza e Profa. Dra. Sara Saad.

Em 2002, então coordenador do Hemocentro, professor Fernando Costa, comemora no anfiteatro da FCM, a conquista da certificação ISO 9002 após dois anos de treinamentos


Sobre o s贸lido alicerce do passado, o futuro se constr贸i no presente


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Sobre o sólido alicerce do passado, o futuro se constrói no presente

Ao completar 25 anos de atividade, o Hemocentro alcança a maturidade e demonstra, em sua exemplar trajetória, o sucesso dos compromissos inarredáveis assumidos desde os seus primórdios com a excelência do ensino e da pesquisa e, principalmente, com a elevada qualidade da assistência hematológica e hemoterápica à população atendida exclusivamente pelo sistema único de saúde. Junto com a satisfação do dever cumprido ao longo dessas vitoriosas duas décadas e meia de existência, torna-se fundamental plantar as bases para o futuro com o mesmo empenho e a mesma coragem que nos anos 1980 impulsionaram um idealista e determinado grupo de hematologistas no rumo da criação do Hemocentro. Os planos para o futuros são inúmeros e desafiadores. Porém, a exemplo do que ocorreu nas realizações que marcaram a história da Unidade, nossa extraordinária equipe de colaboradores está plenamente capacitada para assumir e levar adiante o projeto – que não é pessoal nem de grupos, mas institucional – de aprimorar ainda mais o alto nível de evolução científica, tecnológica e de serviços conquistado pelo Hemocentro no caminho percorrido até aqui. Do ponto de vista assistencial, está em andamento o projeto de construção de um modelo de hospital inédito para o país, exclusivamente voltado ao tratamento de pacientes do SUS com doenças hematológicas oncológicas,

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Esquerda para direita: Dr. Barradas, Prof. Luciano Coutinho (Pres. BNDES), Prof. Fernando Costa, Prof. Cármino de Souza no lançamento da pedra fundamental do Hospital do Hemocentro

hereditárias e degenerativas. Com inauguração prevista para 2012, o futuro Hospital de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp terá 7.000 metros quadrados, 52 leitos, centro cirúrgico e demais instalações distribuídos em quatro andares. No térreo estão previstos ambulatórios e 20 consultórios. No primeiro pavimento estará localizada a área de procedimentos cirúrgicos, laboratórios, TMO, quimioterapia, aférese e consultórios odontológicos. O segundo pavimento abrigará oito quartos destinados ao

TMO autólogo, duas UTIs e 23 apartamentos. O último pavimento vai dispor de um anfiteatro com capacidade para 120 pessoas, um refeitório e salas de apoio. O projeto modular da nova unidade foi configurado de forma a priorizar a luz natural. Todos os quartos contarão com instalações para acompanhantes e banheiros, adaptados para acessibilidade especial. Leitos dotados de paredes especiais (barita) para tratamentos que utilizam radiação também foram contemplados pelo projeto. O complexo

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5 atenderá em regime de hospital-dia e de internação, e permitirá ampliar quantitativamente e qualitativamente o atendimento de pacientes hematológicos, além de triplicar a área para transplante de medula óssea. Atualmente, há uma importante limitação estrutural em nível ambulatorial e hospitalar, apesar das inúmeras reformas e ampliações no sentido de acompanhar o crescimento contínuo de atendimento a pacientes hematológicos promovidas com o apoio da própria Universidade, da Secretaria de Estado da Saúde e do Ministério da Saúde. Dados dos últimos anos mostram que o crescimento médio no atendimento a pacientes hematológicos é da ordem de 10% ao ano. Isto se reflete no incremento do número de exames laboratoriais, incluindo mielogramas e biópsias de medula óssea, e no aumento da necessidade de internações hospitalares de rotina e urgência. Porém, o número de leitos específicos para pacientes hematológicos não cresce desde a inauguração da Unidade de transplante de medula óssea em 1993, ou seja, há mais de 17 anos, observa o Prof. Dr. Cármino Antonio de Souza, coordenador do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp. “Os números falam por si. Hoje, são 1.600 atendimentos ambulatoriais realizados no Hemocentro para 18 leitos. A relação entre leitos e atendimentos é de um para 90, o que praticamente inviabiliza internações programadas

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Sobre o sólido alicerce do passado, o futuro se constrói no presente

e de investigação. Esse descompasso gera uma grande lista de pacientes aguardando para realizar mobilização de células-tronco, consoli-

Sonho acalentado ao longo de uma década

dação de leucemias agudas, cirurgias eletivas e para diagnóstico e terapêutica, entre outros procedimentos”, salienta Cármino. Ele lembra ainda que o paciente hematológico é considerado especial devido à gravidade e especificidade de seu quadro clínico. Neste grupo se colocam os pacientes com neoplasias hematológicas (70%), hemofílicos e portadores de hemoglobinopatias, dentre outros. Como o Hospital de Clínicas (HC), infelizmente, está com sua capacidade limitada, a Hematologia, assim como os demais Serviços e Departamentos médicos, enfrenta enormes dificuldades para ampliar ou até manter os seus leitos. “A ocupação de leitos fora das enfermarias de Hematologia é habitual e, não raro, gera desconfortos e embates entre médicos e supervisores das diversas enfermarias. A utilização de UTI para pacientes instáveis ou em assistência respiratória é muito difícil tendo em vista o pequeno número de leitos e a grande ocupação por outras clínicas. Assim, a decisão de construir em prédio anexo ao HC uma nova unidade de internações exclusiva para pacientes hematológicos foi à única solução encontrada pela administração do Hemocentro e pela chefia da Disciplina de Hematologia”, argumenta Cármino.

De acordo com ele, a construção do Hospital de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp representará o coroamento de um esforço desenvolvido ao longo de dez anos para que pudessem ser atendidas todas as exigências sanitárias e arquitetônicas de um empreendimento dessa envergadura. O projeto terá um custo total de cerca de R$28 milhões e a destinação de recursos para a obra está sendo compartilhada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pela Secretaria de Estado da Saúde, pelo Ministério da Saúde e pela própria Universidade. O anúncio da construção do Hospital ocorreu em 2008, durante as comemorações dos 15 anos de atividades da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hemocentro. Participa-

ram da solenidade o presidente do BNDES e professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, Luciano Coutinho, o então secretário de Estado da Saúde, Luiz Roberto Barradas Baratas (falecido em 2010), e o titular da disciplina de Hematologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e atual reitor da Instituição, Fernando Ferreira Costa, à época no cargo de Coordenador Geral da Universidade.

Impulso às atividades acadêmicas e à qualificação profissional Em consonância com um dos valores fundamentais do desenvolvimento da Unicamp – a excelência da atividade acadêmica –, a divisão de Hemoterapia do Hemocentro notabilizou-se nacionalmente na área de investigação e pesquisa e seus profissionais têm constantemente participado de eventos nacionais e internacionais, além de se destacarem pela produção científica especializada. Estas conquistas ocorrem por existir uma preocupação constante da alta administração do órgão em propiciar condições para o desenvolvimento acadêmico e científico de seus colaboradores, acentua Marcelo Addas Carvalho, diretor da Divisão de Hemoterapia em duas oportunidades: de 1994 a 2002 e no período de 2006 até o presente momento. Desse modo e no que se refere ao impulso do trabalho científico na Unidade, um projeto

fundamental ao incremento da atuação do Hemocentro nos próximos anos é o de ampliação dos laboratórios de investigação que atendem às suas próprias atividades de pesquisa e às do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Sangue (INCTS). Esta ampliação permitirá que os docentes, os colaboradores da área biológica, os alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e de pós-doutorado possam conduzir seus estudos em ambientes mais adequados às suas finalidades. Além disso, possibilitará o desenvolvimento de laboratórios mais “inteligentes” e disponíveis para atividades multiusuários. Na atuação acadêmica junto à disciplina de Hematologia e Hemoterapia da FCM, ressalta Marcelo, o Hemocentro vem desempenhando um papel vital na formação de médicos com qualificação em Hemoterapia e na formação de outros profissionais, com destaque para o programa de residência médica e para a formação de aprimorandos em Hemoterapia (FUNDAP). “Nos últimos anos, o Hemocentro de Campinas tem se firmado como referência regional e nacional na qualificação de profissionais ligados a atividade hemoterápica. Seus técnicos e profissionais especializados têm participado de programas estaduais e federais”, comenta o diretor. Exemplos são o Curso de Capacitação na Gestão de Sistema de Qualidade de Serviços de Hemoterapia (ANVISA/ONA), os programas de Controle de Qualidade Externos em Imu-

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nohematologia e Sorologia (AEQ), o Programa Nacional de Qualificação da Hemorrede (PNQH/MS), a RedSang com o apoio da FINEP, entre outros. Ele enfatiza ainda que a evolução tecnológica e científica da atividade hemoterápica desenvolvida pelo Hemocentro só foi possível graças ao grande envolvimento, à dedicação de todos os colaboradores e à crença de toda equipe naquela que é a função primordial da Unidade: propiciar o melhor atendimento possível aos pacientes. “Esta união gera força e viabiliza projetos conjuntos e coesos. Foi assim desde o início de nossas atividades e continuará sendo pelos próximos anos graças à participação de todos”, finaliza Marcelo, sintetizando com suas palavras o senso comum que continuará norteando a missão do Hemocentro da Unicamp.

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O Hemocentro da Unicamp escreve uma bonita página na saúde pública, como demonstram os mais de 800 transplantes de medula aqui realizados. Seus pacientes tiveram acesso a um atendimento com a qualidade que poucos países oferecem. É, sem dúvida alguma, um modelo a ser seguido por outras instituições de ensino e pesquisa. Médico sanitarista Luiz Roberto Barradas Baratas, secretário de Estado da Saúde de São Paulo falecido em 2010, em discurso durante o evento de lançamento da pedra fundamental do Hospital de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp.

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Estou convencido de que o Hemocentro da Unicamp têm sua parcela de contribuição para a evolução e conquistas significativas da Hematologia e Hemoterapia praticada no Brasil. O Hemocentro é um bom exemplo da preocupação com a saúde pública, resultado, como todos sabem, de uma profícua parceria entre a Unicamp e o Governo do Estado. Geraldo Alckmin, médico anestesista e governador reeleito pelo Estado de São Paulo, em mensagem de homenagem durante evento de comemoração dos 20 anos do Hemocentro.


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